Admirador secreto
O pátio da faculdade está vazio e Ulisses sentado sozinho.
- Ei, doutorzinho... doutorzinho. - ele ouve uma voz cantada o chamar e a segue pelos corredores. Percebe que depois de muito correr sem rumo, se encontra na porta da clínica da universidade. O som de uma broca o ensurdece, parece vir de dentro da sua mente e apita seus tímpanos. Ele estica a mão para a maçaneta mas há um dente podre na fechadura. Ulisses solta um grito e se retrai. Sangue escorre por baixo da porta, vindo do lado de dentro. Ele tropeça conforme caminha para trás, para longe do sangue, e olha ao redor em pânico.
Um homem de roupas largadas, surradas, barba volumosa e cabelos desgrenhados o encara no final do corredor. Ulisses corre em sua direção e o mundo parece ficar em câmera lenta, de repente o sujeito desaparece como um fantasma. Ele se vê em frente à uma porta mais uma vez, e a abre devagar. O interior está em plena escuridão e uma aranha do tamanho de sua cabeça salta em cima dele.
Ulisses acorda aos gritos, tentando tirar a aranha de seu corpo. Ele checa os lençóis para ter certeza de que foi apenas um sonho. Senta-se na cama quase aos prantos e retoma o fôlego. Seu coração já não parece mais explodir e seus dedos não tremem. Ele ri de si mesmo.
- Merda... doutorzinho, essa é ótima.
No quarto ao lado, Iris troca mensagens no celular com um enorme sorriso e alguém bate à porta.
- Entre.
- Com quem está falando tão feliz? - pergunta Ulisses e Iris deixa o telefone de lado.
- Um amigo da escola.
- Huum... Qual o nome do amigo?
- Alexandre.
Ulisses a fita com um sorrisinho de canto.
- Então, o que você quer? Nunca vem no meu quarto.
- Isso não é verdade! - eles se encaram com raro divertimento. - Certo, eu só queria te convidar para almoçar.
- Você bebeu?
- Que foi? É proibido passar um tempo legal com a minha irmãzinha?
Iris cerra os olhos um pouco suspeitosa, mas contente.
- Tá bom. Cai fora pra eu me trocar.
O irmão sai com um sorriso. Pouco mais tarde, eles já estão sentados de frente para o outro comendo sushi, no lugar mais óbvio para Iris, o Leblon.
- Esse sushi é o melhor da cidade. - declara Ulisses com orgulho. Para Iris, tudo no Leblon é do melhor para o irmão.
- É bom, mas eu prefiro um Burger King com batatas fritas.
- Quando estávamos em Tokio há 3 anos, você não reclamou. - ele fala alto e Iris percebe os olhares que recebem.
- Ulisses, todas essas pessoas não precisam saber que estivemos em Tokio.
- Não seja chata. Você não vê que qualquer adolescente mataria para estar no seu lugar?
- Isso não é verdade.
- Tá, tá. Na verdade, eu queria ter perguntar uma coisa.
- Manda...
- Por que me perguntou se eu havia maltratado algum paciente? Eu nem tenho pacientes ainda e os que vão à universidade são como ratos de laboratório.
- Deus! Isso é horrível. - ela exclama em choque pela falta de sensibilidade do irmão, mas não é como se fosse uma novidade. - Então é por isso que você queria "almoçar" comigo. Entendi.
- Eu tenho direito de saber por que caralhos você me perguntou aquilo e o que era aquele papel? Onde você conseguiu aquilo, Iris? - ele soa intimidador.
- Não te interessa! Mas eu tenho certeza que veio de um "rato". - eles se encaram. - Você acha que nada tem consequências.
- Eu perdi a paciência com um paciente outro dia, mas aquele idiota não deve nem saber escrever.
- É, mas ele deve ter filhos, netos, pessoas que o amam e que sabem escrever muito bem! Não subestime os outros.
Ulisses agarra o braço de Iris através da mesa.
- Onde você conseguiu aquele papel? - pergunta com raiva. A irmã puxa o braço de volta assustada mas determinada a não se deixar ser tratada daquela forma.
- Um cara numa moto jogou dentro do carro.
Ele imediatamente se lembra da moto no meio da noite, o motoqueiro que pediu um cigarro.
- Valeu, doutorzinho... - ele havia dito.
Os irmãos terminam de comer e retornam para casa na BMW de Ulisses que chama a atenção aonde quer que passe. Iris se mantém no celular em silêncio.
- Com quem você tanto fala? - pergunta o irmão.
- Eu já te falei. - diz ela, sem paciência.
- Alexandre?
- É. Pode me deixar perto da escola? - ela guarda o celular na bolsa.
- Por que? Não vai para casa? - Ulisses soa um pouco alarmado e preocupado.
- Não, Alexandre quer se encontrar.
Ulisses não parece feliz, mas Iris não dá a mínima. Ele estaciona o carra em frente a escola e ela já pode ver Alexandre com sua coluna curvada demais, seus óculos escorregando pelo nariz e o cabelo castanho bagunçado. Iris se apressar para abrir a porta mas Ulisses se estica e a fecha.
- Espere um pouco, mocinha.
- Mocinha?
- Aonde vocês vão?
- Eu não sei, provavelmente caminhar até a praia.
- Eu te busco aqui mais tarde. Me ligue.
- Beleza. Posso ir agora?
Ulisses abre a porta e Iris caminha rápido até o amigo.
- E aí. - cumprimenta ele, sem jeito.
- Vamos até a praia? - Iris sugere, e Alexandre concorda com a cabeça. Eles caminham juntos mas o garoto tem os olhos grudados ao chão.
- Me diz como uma garota como você vai tão bem nas aulas de química. - ele começa um assunto.
- Olha quem fala!
- Eu uso óculos e leio quadrinhos. Eu sou um nerd. Ciência é meu lance. Você, por outro lado...
- Ei, não prejulgue! - ela ri. - Eu quero ser química.
- Eu quero ser biólogo. Eu sei, é esquisito.
- Nem um pouco! É incrível.
Alexandre sorri com timidez. Um homem passa velozmente por eles e um papel cai do bolso de seu casaco.
- Ei, senhor! Senhor! - Iris tenta chamá-lo mas ele não retorna, sequer olha para trás. Ela pega o pequeno papel do chão. - Senhor, volte, você derrubou uma coisa! - ela tenta uma última vez, mas não tem sucesso.
- Que droga foi essa? - questiona Alexandre e observa o homem sumir de vista com a testa franzida. Ao retornar os olhos para Iris, a amiga encara o papel de olhos saltados.
"Você não deveria deixar o doutorzinho te tratar assim."
Ela lê com temor e aflição.
- O que há? - Alexandre se preocupa. Iris volta a olhar para a rua em busca do homem, mas ele já desaparecera. Seus olhos enchem de lágrimas e ela rasga o papel violentamente conforme o choro irrompe.
- Ei, ei, o que está acontecendo? - o menino segura as mãos dela até que pare, e a abraça.
- Ah, eles não são fofos? - Alexandre olha para a direção da onde veio a voz, e vê Paulo e Lídia se aproximarem. O garoto tem um braço ao redor dos ombros da namorada.
- Eu acho que estão mais para nojentos. - diz Lídia aos risos e Paulo se aproxima de Alexandre.
- Pensei que você fosse bicha, Xandinho. - ele empurra o outro.
- Pare! - implora Iris.
- E você, não era sapatão? - Lídia intimida a garota, e Paulo dá mais um empurrão em Alexandre, mas não percebe que por trás de seus músculos contraídos e postura indefesa, a raiva cresce de forma enlouquecedora. Quando o valentão está prestes a empurrar mais uma vez, Alexandre desfere um forte soco no rosto do garoto que o faz cair de costas.
Lídia solta um gritinho e se ajoelha ao lado do namorado.
- Eu vou te matar! - sibila Paulo e se ergue rápido como um feixe de luz, e empurra Alexandre violentamente, e ele também cai.
Paulo senta sobre o corpo jogado dele e o soca diversas vezes, até seus óculos voarem longe. Alexandre tenta proteger o rosto com os braços.
- Parem vocês dois! - grita Iris em desespero.
- Mata ele, amor. Mata ele! - torce Lídia, e Paulo segue desferindo socos altamente violentos no garoto que tem o rosto desfigurado e pode perder a consciência a qualquer instante.
- Cala a boca, sua louca! Ele está machucado! Paulo, chega! - Iris apela para os gritos histéricos mas nada tem efeito. Paulo apenas ri muito e se diverte com o sangue de Alexandre em suas mãos. - Eu disse, chega!
Iris chuta as costelas de Paulo com toda a força que consegue e ele cai ao lado de Alexandre aos berros. Lídia também grita, mas Iris se preocupa somente em ajudar Alexandre a se levantar.
- Corre, anda! - ela ordena e o garoto, mesmo com os olhos inchados e o rosto sangrando, a segue com dificuldade.
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