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A redenção estava perto, mas isso era só o que José Robson pensava.
Ele era um empresário de 28 anos, podre de rico, mas com as diversas sequelas que a vida lhe causara. Ele tinha conseguido tudo, executara sua vingança ao pé a letra e da maneira que ele planejara, mas sentia que ainda estava ligado a correntes, sentia que ainda havia o controle de seu odioso avô, e aquele papel que estava em cima de sua mesa diante de si, parecia provar isso.
Não era justo ter que cumprir mais uma exigência de seu avô para ganhar a liberdade, mas era exatamente o que teria que fazer.
Ele faria, é lógico, era um homem sensato, não abriria mão da fortuna que almejara durante todos aqueles anos de sofrimento, simplesmente por um capricho.
O papel que estava diante dele era uma cláusula do testamento de Artur Vinícius Costa, o avô de José Robson Costa. Toda a fortuna que era do maldito velho agora pertencia a ele, mas havia aquela cláusula que deveria ser cumprida para que o papel que lhe daria a posse de fato, fosse assinado. Uma cláusula idiota, tudo o que ele deveria fazer era passar uma temporada no hotel Pride Outstretched que ficava nas montanhas.
Todas as coisas estavam acontecendo seguindo uma ordem. Seu avô morreu em 1998. O veneno de rato fielmente administrado na comida que o velho comia finalmente fizera seu efeito, e isso sem deixar rastro nenhum, pois as doses que José administrava eram muito pequenas.
Depois da morte do velho o inventário começou a ser feito e somente em finais de 1999 o testamento foi lido e ele conheceu a cláusula surpresa.
Quando o velho Artur morreu, José foi uma das únicas pessoas a comparecer no cemitério. Mais tarde ele voltou lá e mijou no túmulo, ordenando ao avô que ficasse no túmulo.
Sim, José Robson era um assassino, ele matou o próprio avô, e levou 13 anos fazendo aquilo, colocando doses insignificantes de veneno nas coisas que o velho comia.
Mas todo o ódio que José sentia tinha uma justificativa.
A história começou em 1980.
Um dia sua mãe ordenou que ele juntasse suas coisas pois iam visitar seu vô. José nunca tinha visto o avô em toda sua vida, e de certa forma tinha ficado bastante empolgado, mas não entendia porquê precisava levar todas as coisas que tinha para fazer uma simples visita ao avô.
Na época sua mãe tinha a idade que ele tinha hoje, 28 anos, e não passava de uma alcoólatra. Ela não bebia tanto assim um ano antes quando seu pai ainda era vivo, apesar de já enfrentar problemas com a bebida. Quando ele morreu em fevereiro de 1970, o pequeno José viu a mãe se jogar em uma "fossa" e literalmente se afogar na merda.
Ela dirigiu os 30 quilômetros da cidade até a mansão sob o efeito de álcool e em silêncio absoluto. José percebeu que ela chorava muito. Ele sabia que a mãe vinha enfrentando problemas sérios como depressão.
Quando chegaram lá, José ficou deslumbrado com o tamanho da casa que passaria a ser o seu conturbado lar.
Amanda Costa da Silva era rica, podre de rica, mas vivia na merda porque decidira abrir mão da fortuna do pai para morar com o jardineiro da casa, o pai de José, que havia morrido com um tiro na cabeça, disparado por um homem que ela desconfiava ter sido contratado pelo pai.
Amanda se viu sem chão, com todos os planos de construir uma vida ao lado do homem que amava irem por água abaixo.
O pequeno José estava completamente deslumbrado com a beleza daquela casa.
Sua mãe pediu a ele que se sentasse enquanto ela foi ao escritório do pai conversar com ele. José sentou-se em uma luxuosa poltrona e ouviu os gritos vindos por trás da porta. Depois a mãe saiu de lá apressada, não se deu nem mesmo o trabalho de se despedir do filho, entrou no carro e aquela foi a última vez que ele a viu. Três anos mais tarde José recebeu a notícia de que a mãe tinha sido encontrada morta, vítima de uma overdose de cocaína. José não chorou por ela.
Ele foi conduzido até o quarto onde algum tempo depois começaria a viver um pesadelo, por uma governanta que aparentava ser a única pessoa boa naquela casa.
José soube como seria sua nova vida pelo próprio avô. Ele não iria à escola, uma professora viria até a mansão para dar aulas para ele, e assim foi por longos anos.
A vida na mansão tinha seu lado bom. A casa era enorme, e José explorava, e a cada dia parecia fazer uma nova descoberta. Ele se sentia em outro planeta, desbravando um outro universo.
Então veio o terror.
O terror começou em 81, José se lembrava bem. Ele estava tomando banho quando o avô apareceu no banheiro. Um homem esquelético, alto e calvo. José achava que ele era parecido com um vampiro e tinha medo.
Ele se assustou ao ver o homem parado ali. Seu avô disse que estava tudo bem, ele não deveria temer. Ele abriu aquele sorriso maquiavélico e entrou de baixo do chuveiro, pegou o sabonete e começou a passar em José.
No dia seguinte aconteceu novamente, mas dessa vez o homem estava pelado.
Naquele dia José precisou tocar o avô. Ele não queria mas o avô dissera que estava tudo bem, e havia um tom ameaçador em sua voz, um tom que encheu José de medo.
O terror durou longos 12 anos. Foram 12 anos achando que ele era o culpado. Era o culpado pela morte do pai, pela morte de sua mãe e por todas as agruras de sua vida. José aprendeu a odiar a mãe por tê-lo abandonado ali naquele inferno, e odiava o avô com todas as forças que conseguia ter. Pedia a Deus para que matasse o avô mas ele nunca morria então passou a pedir ao diabo mas também não foi atendido, até que com quinze anos, quando Karen morreu e ele teve a certeza de que o avô a matara, ele entendeu que ele mesmo precisaria matar aquele homem.
Apesar do pesadelos que era sua vida ele tinha uma relativa vida normal. Tinha coisas das melhores que existiam, as melhores roupas, os melhores sapatos, relógios e acessórios de grife, videogames de última geração. Tudo o que ele precisava fazer era satisfazer seu avô durante a noite, e não eram todas as noites. Havia semanas em que ele não aparecia em seu quarto.
Uma vez ele tentou trancar a porta do quarto. A coisa irritou o velho de tal forma que ele arrombou a porta e deu uma surra em José, uma surra daquelas.
Ele aprendeu que era um escravo, aceitou que não tinha escolha. Ele sabia quem ditava as regras ali, e tinha consciência que para sobreviver precisava entrar no jogo. Era melhor ver aquilo como um jogo, um jogo onde ele era o perdedor e não tinha escolha.
Todas as pessoas têm sua rotina e aquela era a rotina de José, e aquela rotina o fazia pensar que o mundo era um grande saco de bosta e as pessoas eram pedaços de merda saindo do cu de Deus.
José tinha ódio e de certa forma o ódio o ajudou a viver aquilo da melhor forma possível, o ajudou a se tornar frio, e era preciso frieza para levar 11 anos para matar uma pessoa.
Ela achava que poderia ter feito aquilo de maneira mais rápida, simplesmente matar o velho e depois ser levado para a Febem onde certamente seria usado como menina e daí era sair da bosta para entrar na merda.
Não. Era preciso ter frieza para entrar naquele jogo e foi exatamente o que José tinha feito ele acabou entrando no jogo do avô, ele aceitava seu estado de bom grado e recebia muito bem por isso. Usava roupas caras e tinha tudo do bom e do melhor.
Todos têm sua rotina, é isso.
José já estava conformado com seu tenebroso calabouço.
Até que em 1987, ele viu uma fada.
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