8 - 2
Eduardo não se lembrava de outra época mais sombria, de outro dia mais terrível do que o dia 10 de fevereiro de 1996, o dia em que tudo o que ele tinha construído começou a desmoronar, e ele descobriu que a perfeição não existia.
Eles foram convidados para a festa de carnaval da firma. Renata não quisera ir desde o início, mas ele insistiu com ela e a convenceu, afinal ele era um dos sócios.
Renata ligou para uma agência e pediu uma babá, pois a festa não seria adequada para uma bebê de 1 ano.
A moça, uma ruiva de 19 anos chamada Kethlen, chegou por volta das sete da noite. Renata a pagou adiantado, deixou também uma gorjeta a mais e comida para a moça se servir a vontade. Eles deveriam chegar por volta das 11 da noite, mas chegaram uma hora mais tarde, a festa estava boa, e acabaram exagerando na bebida.
Quando chegaram no prédio viram diversas viaturas de polícia paradas na entrada, alguma coisa devia ter acontecido, e Renata chegou a comentar que achava que era o vizinho do andar de baixo. Ela tinha certeza que o homem era um bicheiro e andava envolvido com lavagem de dinheiro.
Renata tomou poucas e boas e estava completamente bêbada. Eduardo parou o carro em uma de suas três vagas no estacionamento subterrâneo e eles subiram pelo elevador do edifício e quase treparam dentro dele, ignorando a câmera de segurança.
Assim que a porta do elevador se abriu no andar deles Renata ficou sã. Foi uma coisa instantânea, de repente ela sabia que alguma coisa estava errada, porque havia policiais ao longo do corredor.
Eduardo franziu o cenho e sentiu seu coração começar a palpitar.
Renata arregalou os olhos quando viu que a porta de seu apartamento estava aberta e que os policiais estavam aglomerados ali.
Eles se aproximaram e Eduardo perguntou:
- O que está acontecendo aqui?!
Um policial de meia idade e com cara de poucos amigos olhou para ele e disse:
- O que estão fazendo aqui?! Dêem o fora daqui!
- Nós moramos aqui!
O policial os fitou com ar sério.
- São os moradores do apartamento?
- Sim. O que aconteceu!
O homem estendeu a mão.
- Sou o delegado Costa, senhor...
- Eduardo. Eduardo da Silva. O que acontece aqui?!
Renata estava em silêncio. Ela se manteve em silêncio o tempo todo. Eduardo achava que ela sempre soubera, ela soube assim que a porta do elevador se abriu, e entrou em choque.
- Eu sinto muito senhor Eduardo, mas houve um crime!
- Um crime?! Que crime?!
Eduardo abriu caminho entre os policiais.
- Senhor Eduardo...
Os dois chegaram até a sala. Renata levou a mão à boca abafando um grito.
Eduardo arregalou os olhos e viu a babá caída no chão, nua. Ela estava morta. O tapete persa do chão da sala estava empapado de sangue. A babá estava sem os dois seios, e seus olhos abertos, porém sem vida, fitavam o teto.
- JESUS CRISTO!
Renata se lembrou de Jéssica e arregalou os olhos
- Minha filha! Onde está minha filha!
O delegado não respondeu.
Renata começou a balançar a cabeça, seu corpo começou a tremer e Eduardo achava que ela iria cair.
- JÉSSICA!
Renata correu para o quarto e Eduardo ficou ali. Ele parecia petrificado, não tinha forças nas pernas.
Olhou para o delegado com os olhos cheios de lágrimas e perguntou:
- Onde está ela delagado. Onde está a minha filha?!
- Está no terraço Sr. Eduardo. Elas... Elas foram mortas pelo zelador. Ele... Ele invadiu o apartamento, estuprou a babá e depois jogou a criança pela sacada. Eu sinto muito Sr. Eduardo...
Eduardo conhecia o zelador. Todos no prédio o chamavam de seu Chico. Era um japonês de uns quarenta em poucos anos. Morava sozinho em um apartamento pequeno no térreo. Seu Chico era o que se chamava de pau para toda obra. Todos ali o conheciam e o tinham em boa estima. A uns quinze dias seu Chico tinha concertado o sifão da pia ali no apartamento de Eduardo. No natal ele mesmo presenteara o homem com 100 reais, uma garrafa de vinho e um panetone. Agora aquele delegado estava dizendo que o zelador, seu Chico, invadiu seu apartamento, estuprou a babá, cortou os dois seios dela, depois pegou sua filha de um ano e a jogou do décimo quarto andar do prédio. Aquele homem ali devia estar de brincadeira, só podia.
Renata continuava gritando, procurando Jéssica pela casa.
Então Eduardo desabou e num gesto de fúria começou a correr em direção da porta.
- EU MATO ELE! EU O MATO!
Eduardo se lembrava de ser contido pelos policiais, lembrava-se de ser consolado pelo delegado que pedia a ele calma. Depois ele entrou em uma especie de zona de estupor.
Se lembrava vagamente do dia do enterro. O pequeno caixão descendo para a cova.
Quando o estupor passou ele acordou com um copo de uísque na mão sentado em seu escritório.
Ele pediu a Deus para que fosse um sonho, mas descobriu que não era. Lembrava-se de vasculhar o apartamento, chamando por Jéssica, chamando pela sua meninazinha, e quase a podia ouvir engatinhando pela sala e tentando falar a palavra papai.
Renata também não estava na casa e levou um certo tempo para ele se lembrar que ela precisou ser hospitalizada depois daquilo, e depois foi para a casa dos pais dela no interior. Eduardo descobriu que tinham se passado duas semanas, e ele nem sabia em que mundo estava vivendo. Ele não tomara banho, não se alimentou e não atendeu ao telefone. Havia centenas de ligações de seu chefe na secretária. Ele ligou e conversou com o presidente da firma que lhe disse que fosse trabalhar quando ele achasse que era a hora.
Ligou para Renata e a mãe dela atendeu dizendo que ela estava indisposta. Ele insistiu e falou com ela. Ela disse que estava bem. Mas aquela não era mais Renata. Sua mulher havia morrido, fora jogada da sacada junto com a filha.
Aquilo ficou patente quando ela voltou para a casa. Renata passou a viver trancada no quarto, sem vontade de fazer nada. Renata começou a definhar, e cada dia que passava a coisa ia ficando pior.
E ele não sabia o que fazer. Ele não entendia a dor de mãe, ele era pai e a dor que sentia pela morte da filha era a pior coisa que existia no mundo, mas não sabia se a dor de mãe era ainda maior, talvez fosse. Os filhos pareciam ter um vínculo maior com as mães, pois ela os carregava nove meses em sua barriga.
Em dezembro eles tiveram uma discussão forte. Eduardo tentou dizer a ela que ela precisava reagir e tentar esquecer aquilo, e foi a primeira vez que ela o culpou pela morte de Jéssica. Ela lhe disse coisas horríveis, Eduardo achava que ela dissera aquelas coisas somente pelo estado lastimável em que se encontrava.
- VOCÊ NÃO FEZ NADA! VOCÊ A DEIXOU MORRER!
Eduardo ficou parado estupefato tentando dirigir aquilo e então perguntou:
- O que você queria que eu fizesse?! Queria que eu tivesse pulado da janela?!
- Talvez! Deveria ter sido você e não ela!
Eduardo saiu do quarto e foi até seu escritório. Era sempre no escritório que ele se escondia.
Ele pensou naquele dia e na maneira como tinha insistido com ela para irem na festa, e então ponderou que talvez Renata estivesse certa, ele era o culpado.
Encheu um copo com uísque e tomou um gole, depois jogou o copo contra a parede e desabou praguejando e chorando.
Durante algum tempo ele achou que a culpa era dele. Por um lado, Renata definhava em seu mundo de depressão, e por outro ele começava a definhar em um sentimento de culpa adquirido.
Aquilo estava matando o relacionamento dos dois, eles se amavam, mas estavam se afundando em um mar de distância cada vez mais profundo. Ao mesmo tempo afetava a vida profissional de Eduardo que já não tinha mais o mesmo gosto pelo trabalho. Em meados de 97 ele experimentou a primeira derrota na carreira e comemorou em um bar, com uma garrafa de uísque.
As idas a bares passaram a ser frequentes para Eduardo. O bar era o lugar onde experimentava uma certa paz e podia afogar as mágoas em copos e mais copos de bebida.
Quando ele chegava em casa Renata já estava dormindo então não havia explicações a dar, não havia olhares e nem era necessário se encarar frente a frente. Era melhor assim, mas não era a vida que ambos queriam, não era a vida que ele tinha planejado. Definhar e ver a mulher definhar não estava em seus planos.
Eduardo tentou falar com Renata e tudo o que ela fez foi chorar. Ela colocou a cabeça em seu peito e chorou, e ele a abraçou e deixou que ela chorasse, e chorou também.
Naquela tarde chuvosa de dezembro de 1998 eles choraram todas as mágoas que estavam presas em seus corações, eles se esvaziaram um para o outro e jogaram fora tudo o que tinham acumulado sem precisar e o que sobrou foi o amor que um sentia pelo outro, o amor que os tinha unido ainda na faculdade, e que ainda era real e forte.
Eles resolveram recomeçar. Ao menos resolveram tentar.
A primeira coisa que Eduardo fez, e que já devia ter feito há muito tempo, foi vender o apartamento. Compraram uma casa em um condomínio em São Paulo e se mudaram.
Eduardo começou a se dedicar mais no emprego e voltou a ser um advogado de prestígio na firma. Renata montou uma galeria e começou a trabalhar com arte.
Os dois voltaram a ser marido e mulher e voltaram a fazer sexo, coisa que tinham parado de fazer desde a morte de Jéssica.
Era bom se redescobrir, redescobrir o amor.
A família de Eduardo os convidou para passarem o natal de 99 com eles, mas ele já tinha planos. Eduardo comprou duas passagens para a França e foram passar o final de ano em Paris.
Quando voltaram, Eduardo resolveu comprar uma casa na praia e eles ficaram lá até o carnaval. Foi lá que Renata descobriu que estava grávida.
Ela passou mal na noite de carnaval e Eduardo a levou para o hospital, e um exame provou que ela estava grávida de duas semanas.
A notícia caiu como uma bomba de felicidade na vida dos dois. Eduardo voltava a sentir-se realizado depois de muitos anos.
Os tempos de chorar tinha passado e agora tudo o que ele queria era viver intensamente e se desprender do passado de uma vez por todas.
******
Eduardo ouviu falar do hotel Pride Outstretched pela primeira vez através de Antônio Walace, fundador da firma onde trabalhava.
Seu Antônio entrou na sala de Eduardo para deixar alguns papéis e perguntou como as coisas estavam indo.
Eduardo suspirou.
- Melhorando Seu Walace. Estou levando da melhor maneira possível.
- Sei como é isso. Você passou por muita coisa. Muita coisa que um homem não deve passar. Isso ferra com qualquer um. Sabe Edu, acho que você precisa passar uns dias com sua mulher em um Resort nas montanhas.
- Resort?
- É. A paz e a tranquilidade das montanhas vão fazer bem a vocês dois.
- Não conheço nenhum resort nas montanhas, seu Walace.
- Mas eu sim. Estive lá o ano passado. Uma maravilha. O maior hotel do Brasil, um dos maiores da América latina. Deixe-me lembrar do nome... É... Ride... Não... Pride... Isso Pride Outstretched. É isso mesmo.
- Pois eu nunca ouvi falar.
- Pesquise filho. Vai por mim. Você não vai se arrepender.
Seu Walace deu uma piscada para Eduardo e saiu da sala.
A ideia era boa, uns dias em um hotel Resort nas montanhas não fariam mal a ninguém. Respirar um ar puro e espairecer um pouco era o que ele e Renata estavam precisando.
Eduardo deslizou a cadeira até seu computador. Entrou na internet e acessou o Google. Clicou na barra de busca e escreveu: Pride Outstretched.
Algumas coisas sem sentido algum apareceram. Ele clicou na barra novamente e escreveu: hotel Pride Outstretched.
Alguns sites sobre o hotel apareceram, entre eles o oficial. Eduardo entrou no site e ficou lá durante uns 20 minutos, vendo fotos do lugar que parecia ser deslumbrante, e lendo textos sobre o hotel.
Descobriu que o hotel ficava nas montanhas da serra da Mantiqueira em Pindamonhangaba, há alguns quilômetros de Taubaté, onde sua família residia.
- Como eu nunca ouvi falar dele?
Havia um botão chamado RESERVAS no alto da página e Eduardo ficou olhando para ele por alguns instantes.
Talvez fosse realmente uma boa ideia. Descansar um pouco, se preparar para a chegada do novo bebê, e principalmente fazer com que Renata relaxasse um pouco.
Eduardo clicou em RESERVAS.
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