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— Não posso te mandar embora agora. Você sabe disso.
Catarina suspirou. Ela sabia. Sabia que ele não podia mandá-la embora, e sabia que ela não podia pedir as contas e simplesmente sair dali.
Havler cruzou as mãos sobre a mesa e a fitou.
— Sabe Cat... Essa vai ser a última temporada do Pride Outstretched.
Catarina ficou surpresa.
— É verdade. - Continuou Havler. - Depois disso vou pegar minha filha e me mandar para o Rio de Janeiro. Vou trabalhar com o Golden Palace hotel em Copacabana.
— E... E o Pride Outstretched?
— Bem... Eu poderia arranjar alguém para trabalhar com ele. Eu o daria a você. - Catarina arregalou os olhos. - É verdade. Você tem sido tão leal nesses anos todos, tem me ajudado tanto que eu e Jennifer a consideramos da família, e eu daria a você esse hotel sem titubear.
Catarina corou.
— O- obrigada seu Havler.
— Mas o problema é que eu acho que o hotel deve ser fechado definitivamente. Eu acho que você sabe porquê.
Catarina abaixou a cabeça e disse com ar perdido:
— O... O Pride Outstretched não é um bom lugar, não é?
— Não Cat. Não é.
— Por que seu Havler? O que acontece aqui?
— Eu acho que você sabe a resposta tanto quanto eu, Cat.
— Talvez sim. Mas... Mas não entendo.
Havler recostou-se na cadeira e suspirou.
— E quem entende? Quem é capaz de entender, Cat?
Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, então Catarina disse:
— Então o senhor vai fechar o hotel.
— Sim. Para sempre. Na verdade, eu não devia tê-lo reaberto na década de 90.
Catarina olhou para ele.
— Mas a última temporada precisa acontecer.
— Sim, Cat. Precisa.
— Mas por quê? Por que não fechá-lo já? Por que permitir que mais pessoas morram?
— Pelos mesmos motivos que você não pode se demitir. Dinheiro. Eu estou quebrado. Se essa temporada não acontecer, vou ter que vender o hotel no Rio. Daí as coisas vão para o brejo, Cat. E eu sei que você também precisa de dinheiro.
— Bem... Eu emprestei um dinheiro do banco... E... E financiei um Vectra 0.
— Eu vi o carro lá fora. É por isso que precisamos aguentar mais essa temporada, e eu preciso de você. Você sabe disso. Não consigo administrar esse hotel se você não estiver à frente de algumas coisas por aqui.
" Tudo o que eu peço é mais uma temporada. Até fevereiro. Depois disso eu garanto a você que será uma mulher rica."
Catarina sorriu, meio sem jeito.
— Não procuro riqueza.
— Eu sei que não, mas mesmo assim será.
Catarina estava pouco à vontade. Ela tinha vindo até aquela sala com uma decisão tomada, mas não tinha pensado nas consequências. Onde iria arranjar um emprego que pagasse tão bem quanto o Pride Outstretched? Ela estava pagando o carro novo, e o empréstimo no banco.
— Nós vamos ficar seguros, Cat. Garanto a você. Vamos tomar medidas para ficarmos seguros quando a chuva começar.
Catarina pensou na chuva. Pelas primeira semanas de outubro começava a cair as primeiras quantidades de chuva nas montanhas, mas a coisa iria se intensificar de verdade lá pelo final de novembro e início de dezembro, quando as barreiras começavam a cair e o hotel chegava a ficar isolado por quase um mês.
Haveria segurança? Havler estava dizendo que sim. Além disso ela já tinha ficado ali em outras temporadas. Ela viu algumas mortes, mas às vezes nada acontecia. Na temporada passada por exemplo nenhuma pessoa morreu no Pride Outstretched. Nenhuma pessoa até a morte de Carlos.
(Um monte de carne picada misturada com pano e sangue).
Catarina afastou o pensamento e olhou para João Havler, o proprietário do Pride Outstretched.
— Está certo. Eu fico então.
Havler sorriu, se levantou e de uma maneira inusitada deu um beijo nela. Um beijo que ela não estava esperando. Ela corou e quase morreu de vergonha.
— Obrigado Catarininha! Muito obrigado. Vou te dar uma ótima recompensa no final de tudo. Você não vai se arrepender. Eu garanto.
— Espero que não.
— Agora eu acho que é melhor você ir para a casa. Você viu muita coisa chocante hoje. Deve descansar.
Catarina ponderou que ele ficaria surpreso com a quantidade de coisas chocantes que ela já tinha visto dentro daquele hotel, mas achava que ele tinha razão. Ela estava precisando descansar. Tomar um banho em sua banheira jacusi, quem sabe tomar um bom vinho.
— Está bem, seu Havler. Eu vou.
Catarina saiu da sala da gerência e cumprimentou Kátia. A recepcionista de plantão.
A polícia ainda estava no hotel e havia alguns no saguão.
Ela cumprimentou Francisco, um dos porteiros do hotel e ele perguntou como ela estava. Ela disse que estava bem e agradeceu. Caminhou até o estacionamento e entrou em seu Vectra novo que ela tinha acabado de comprar em "trocentas" prestações.
Olhou para o hotel pelo retrovisor, ligou o motor e saiu. Dirigiu pela aléia que levava até o portão e cumprimentou os dois porteiros que estavam ali. Naquele dia estavam trabalhando Roni e Patrícia. Ela não conhecia Patrícia, mas já tinha falado com Roni.
Catarina dirigiu para longe dos limites do Pride Outstretched e começou a subir a montanha. Ligou o rádio e colocou uma música suave. Estava difícil para relaxar. Seu pescoço estava rijo. Ela daria a alma por uma massagem.
Catarina dirigiu por uns vinte minutos e parou o carro no mirante. Desceu e se aproximou da balaustrada.
Dali ela podia ver todo o imenso hotel contrastando com as montanhas ao redor.
Catarina viu imensas nuvens negras no céu acima do hotel. Como em 79 quando estivera ali pela primeira vez e acabara se vendo em cima do parapeito da balaustrada, quase mergulhando num vôo direto para a morte.
O hotel parecia ser uma vista de cartão postal mas ela via sombras, sombras escuras e tenebrosas.
Ela precisava aguentar apenas mais alguns meses. Uma última temporada, e então ela se veria livre. Havler lhe dissera que ela seria rica. Talvez ela comprasse uma casa nova, ou talvez montasse uma loja de roupas no centro de Pindamonhangaba. Talvez Havler lhe oferecesse um emprego no Golden Palace hotel no Rio de Janeiro onde era quente e a chuva não se tornava uma armadilha. Ela não sabia se aceitaria.
Apenas mais uma temporada.
Catarina achava que talvez sobrevivesse, se tivesse sorte.
Ela entrou no carro e foi embora.
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