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1996
O elevador se abriu fazendo aquele ruído de campainha. Por algum motivo ela pensou em uma boca enorme cheia de dentes ao ver o interior vermelho do elevador.
Ela empurrou o carrinho para dentro dele e apertou o 6 no painel. As portas se fecharam e a coisa começou a subir com leves sacolejos.
"Estou sendo engolida."
Ela tentou rir. Era um pensamento ridículo mas não ia embora.
" Pense em outra coisa. Pense em pênis. O pênis do..."
(CHUPE O PINTO DO PAPAI).
" Droga! Não pense! "
" O elevador vai começar a cair. Daqui a pouco ele vai começar a descer e não vai parar mais. Vai descer até o inferno."
" Droga. Pare com isso, Catarina. "
— Pare com isso.
Mas por um momento ela pensou mesmo que o elevador ia começar a descer, e uma vez descendo, ele levaria a eternidade toda.
Era assim no hotel, quando ele estava em silêncio. Às vezes a mente começava a divagar sobre coisas absurdas, coisas do tipo: POR QUE AS MULHERES TEM VAGINA? E POR QUE A VAGINA SE ESCREVE COM V? POR QUE O V PARECE UM A AO CONTRÁRIO? POR QUE VOCÊ NÃO SE MATA? POR QUÊ...
Eram pensamentos do hotel, eram coisas que ela não podia evitar.
" Por que você não lutou contra ele? Por que você deixava?"
" Cale a boca! "
" Eu sei porquê. Você não me engana. Você gostava. "
" Ca-le-a-bo-ca!!"
"Peguei você. Você gostava sua puta. Gostava! Sua puta! Quantas vezes você gozou?!"
— CALE A BOCA, SUA FILHA DA PUTA!
Catarina deu três tapas na cabeça e deu graças a Deus por estar sozinha dentro do elevador, ou as pessoas começariam a achar que ela estava ficando louca.
Mas a coisa fincionou. Aquela vozinha irritante se calou. Havia apenas o silêncio do hotel, e o silêncio era outra coisa que ela não gostava. Então ela começou a assoviar uma música qualquer para quebrar o silêncio.
A subida até o sexto andar pareceu levar um século. As portas se abriram e ela viu os dois leões. Catarina odiava aqueles leões porquê tinha a impressão de que eles estavam olhando para ela não importava em que posição ela estivesse, os olhos mortos daqueles leões a acompanhavam.
Catarina desprezou os leões empalhados que estavam sentados e seguiu pelo corredor da ala leste do sexto andar. Seu destino era o apartamento 469.
As rodas do carrinho estavam rangendo. Aquelas coisas eram velhas, mas ela tinha certeza de que o dono daquela droga de hotel não mandaria comprar novos. Teria que avisar Zé Antônio, o zelador, para fazer manutenção naquelas porcarias de carrinhos.
Ela foi empurrando o carrinho e assoviando, e de repente teve a impressão de que havia alguém assoviando com ela. Ela parou e ficou em silêncio, permaneceu assim por alguns segundos e voltou a assoviar.
Catarina caminhou mais alguns metros e parou novamente. Olhou para trás e não viu nada.
Algumas portas ao longo do corredor estavam abertas, as garotas estavam trabalhando.
Catarina parou de assoviar e seguiu seu caminho até o apartamento 469.
— Meninas. Trouxe as roupas limpas.
— Você está bem Catarina?
Quem perguntava era Sophia. Sophia era uma das faxineiras, negra de olhos claros, tinha 27 anos e era dona de uma exótica beleza.
Catarina franziu o cenho.
— E por que não estaria?
— Sei lá. Está branca. Parece que viu um fantasma.
— Não diga asneiras Sophia. Pegue essas roupas de cama e leve para a Marta.
— Ok.
A faxineira assim fez.
Havia um espelho próximo da vidraça e Catarina se aproximou dele olhando seu próprio reflexo.
Sophia tinha razão, ela estava pálida, e havia profundas olheiras. Mas aquilo devia ser resultado se suas péssimas noites de sono.
Catarina saiu do apartamento e estava pronta para voltar para o elevador quando ouviu um ruído.
Olhou para trás e começou a caminhar em direção ao corredor do apartamento 480.
Ela deu de cara com uma mulher, e a impressão que teve foi que aquela mulher tinha acabado de surgir naquele momento.
A mulher também se assustou e segundos depois as duas começaram a rir e Catarina olhou para ela.
Era uma beldade, devia ser a mulher mais bonita do mundo. Era tão linda e perfeita que devia ser de mentira. Seus olhos eram verdes que pareciam brilhar, os cabelos curtos, loiros, quase dourados; a pele era alva e tão perfeita que parecia porcelana.
A primeira coisa que Catarina pensou foi que já tinha visto aquela mulher antes, mas não se lembrava onde.
— Me desculpe, senhora! Meu Deus!...
— Não se preocupe, eu também me assustei. Mas estou bem. Você está bem?
— Sim.
— É só o que importa.
Ela não disse mais nada, apenas continuou caminhando em direção ao apartamento 480.
Catarina começou a caminhar de volta para o elevador principal.
" Já vi essa mulher antes... Só não sei onde."
" Pense."
" Não sei."
" Você sabe sim. Você a viu na sala de espera do saguão. "
" Pode ser. É uma hóspede. "
" Não há hóspedes no 480. "
" Não há."
" Nunca houve."
Catarina franziu o cenho.
" Você a viu lá. Ela está lá."
" Como ela pode estar lá, se está aqui? "
" Ela está. Na parede. No quadro. Ela é Vitória Scalet."
Catarina riu.
" Não seja patética. Vitória Scalet morreu. "
" Sim. Ela morreu. "
Catarina parou, e não foi apenas pelo fato de estar pensando que tinha acabado de ver Vitória Scalet, a mulher cujo retrato estava emoldurado na parede da sala de espera do saguão principal, a mulher que tinha morrido há treze anos quando o hotel foi pelos ares em 1983. Ela não parou por causa disso. Ela parou porque a certeza de que havia algo errado a atingiu em cheio fazendo seu corpo se arrepiar.
Ela caminhou pelo corredor até o apartamento 480 e viu que a porta estava entreaberta e usou seu bom senso para chegar à conclusão de que era impossível haver hóspede no apartamento 480 porque ele simplesmente não era alugado. Em seis anos de trabalho ali ela nunca tinha visto aquilo acontecer, e Eugênio, que era recepcionista e também seu amigo, havia lhe dito que a chave nem estava no quadro de chaves da recepção.
Ela se aproximou da porta e a empurrou. Ela se abriu com um som metálico que pareceu ecoar em meio ao silêncio que dominava o hotel, revelando a pequena e luxuosa sala do apartamento 480. Totalmente vazia.
— Olá. Tem alguém aí?
Mas não tinha. O 480 estava vazio. Ela ficou parada no limiar da porta por alguns segundos e então estendeu a mão para puxar a porta. Parou. Por um momento pensou ter ouvido um ruído lá dentro.
— Oi. Tem alguém aí?
Catarina entrou no apartamento. Seu coração palpitava um pouco. Havia um leve ruído quebrando o silêncio.
Ela olhou para a porta e ela parecia estar a quilômetros longe.
Catarina entrou no corredor que levava ao quarto. O ruído estava vindo de lá.
" Corra. Simplesmente corra."
Mas ela não correu, continuou caminhando e parou diante da porta do quarto, que, à exemplo da porta de entrada, estava entreaberta.
Catarina conseguiu enxergar o espelho e seu coração começou a bater mais forte quando viu o reflexo
(Errado)
de alguém nele.
O 480 era limpo uma vez a cada mês e aquele dia não era o dia da limpeza, de modo que aquela mulher ali não devia ser uma das faxineiras.
Ela empurrou a porta e viu a mulher. Era a mesma que tinha visto no corredor,
(Vitória Scalet)
e uma sensação de frio começou a subir por suas pernas.
— Quem... Quem é você? O que está fazendo aqui?
Então a mulher olhou para ela e Catarina arregalou os olhos.
Era Scalet. Não podia, mas era. O vestido branco que ela usava estava empapado de sangue. Ela segurava um caco de vidro na mão e com ele cortava a boca. A boca dela estava enorme, mostrava um sorriso macabro e terrível.
— Eu vou arrancar ele de mim, Catarina. Ah, se vou!
A voz dela era medonha, como a voz de uma bruxa.
Catarina olhou para o espelho e o que viu foi um cadáver em estado de putrefação.
Ela gritou e saiu correndo. Correu como nunca e parou no limiar da porta. Ficou ali, segurando o batente e respirando de forma ofegante.
Então ela sentiu quando alguma coisa desceu do lustre que ficava na sala. O cheiro de carniça impregnou o ambiente.
A coisa pisou o chão com pés descalços mas ela não ousava olhar. Ela estava paralisada, seu corpo tremendo de medo.
Ela sentiu quando a coisa estendeu a mão flácida e podre.
Então Catarina conseguiu se mover e bateu em retirada. Ela correu, e correu, e correu, e quando parou de correr estava de joelhos do lado de fora chorando e tentando respirar.
Mas o medo nunca a abandonou.
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