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🚨AVISO SE CONTEÚDO 🚨
O capítulo a seguir apresenta alusão não romantizada de suicídio.
Apenas Catarina compareceu ao enterro, e ela só foi lá para se certificar de que ele estava realmente morto.
— Adeus papai. - Disse ela, vendo o caixão sendo abaixado na cova. — Espero que queime no inferno.
Ela cuspiu no caixão e saiu dali. Voltou para a casa e a primeira coisa que fez foi jogar coisas fora. Juntou tudo o que era de seu pai e de sua mãe, fez uma grande fogueira no quintal e colocou fogo.
Mas então Catarina descobriu-se sozinha. Ela era uma garota de 21 anos que não sabia nada sobre o mundo lá fora, e nem como sobreviver sozinha. Ela era uma escrava recém liberta mas que não sabia nada sobre a liberdade, e aquilo lhe causou pânico. Ela chorou e amaldiçoou a vida, não entendia porquê era tão desprezível. Alguém tão desprezível assim não merecia viver.
E havia os pesadelos. Ela sonhava que seu pai, um cadáver podre, saía do túmulo e entrava no quarto dela, um cadáver podre, com larvas saindo dele.
Catarina, desesperada, olhava para o lado e via sua inútil mãe, igualmente podre.
Ela estendia a mão e implorava ajuda.
— Me ajude, mãe!!!!
—Desculpe filha. Há bolor demais na minha cabeça.
Então ela acordava gritando no meio da noite, totalmente em pânico e chorava e era incapaz de voltar a dormir.
Não dava para viver assim. Simplesmente não dava.
Catarina decidiu se matar.
Numa tarde chuvosa de outubro de 1976, ela foi até a garagem onde o Fusca 69 que era de seu pai estava parado, pegou uma corda, foi ao quintal e a amarrou em uma árvore. Fez um laço e o passou ao redor do pescoço. Subiu em cima do muro. Catarina chorava muito, ela tinha achado uma das garrafas de vinho que eram de seu pai e estava bêbada. Se despediu da desgraçada vida e se jogou do muro.
A morte era melhor. Apenas contemplar o silêncio.
A árvore não aguentou seu peso. O galho se partiu e ela caiu no meio do barro, onde ficou um longo tempo deitada e chorando, como se fosse um grande saco de merda. Era assim que ela se sentia. Um enorme e inútil saco de merda.
Depois Catarina se levantou tomou um banho e foi dormir, e houve pesadelos. Os pesadelos nunca mais a deixaram.
No dia seguinte ela decidiu que precisava arranjar um emprego. Se não ela não conseguia nem mesmo se matar, veria se pelo menos conseguia se sustentar.
Ela resolveu sair de carro. Nunca tinha dirigido antes, mas achava que não era nada de outro mundo, e estava certa.
Ela quase enfiou o Fusca em um poste, mas não desistiu, e duas horas depois estava dirigindo normalmente e em baixa velocidade.
Catarina saiu verificando todas as placas de CONTRATA-SE, ESTAMOS CONTRATANDO e HÁ VAGAS, mas só conseguiu encontrar um emprego em março de 1977, como atendente na loja de conveniência do auto posto do Zé Bode. A loja era uma pequena lanchonete que oferecia cerveja de qualidade inferior, mas gelada, que era o que realmente importava e o velho sanduíche do Zé Bode, que era conhecido por levar muito queijo, bacon e quantidades absurdas de calorias.
O serviço não lhe rendia mais do que 50 cruzeiros semanais, mas era melhor do que nada. Era uma maneira de pelo menos tentar provar a si mesma que não era a bosta que sempre achava que era.
Aquele foi o ano em que as obras no Pride Outstretched começaram, o hotel que seria construído nas montanhas, exatamente no local da antiga casa que todos diziam ser assombrada. Catarina duvidava que poderia existir alguma coisa mais assombrada que ela.
Mas a construção estava trazendo prosperidade para a região, pois muita mão de obra local estava sendo contratada. O movimento na estrada aumentou e o posto estava vendendo mais combustível para abastecer os caminhões que passavam transportando toneladas e mais toneladas de materiais para a construção.
Isso de certa forma foi bom para Catarina e para outras moças, porque Zé Bode acabou por ampliar o posto e a lanchonete e contratou mais moças, além de aumentar o salário de Catarina. Em 78, um anos depois, ela já estava ganhando o dobro do salário que ganhava.
Em 1979, o hotel começou a contratar funcionários e as pessoas estavam levando seus currículos.
Catarina decidiu tentar a sorte pela primeira vez no Pride Outstretched em dezembro de 1979. Ela pegou o Fusca e dirigiu quase 40 quilômetros pelas montanhas até chegar ao hotel que ainda nem tinha sido inaugurado.
A primeira sensação que se lembrava foi deslumbre. O hotel era simplesmente a maior coisa que ela já tinha visto em toda a sua vida.
Mas Catarina não chegou a deixar um currículo lá, e nem mesmo se aproximou do Pride Outstretched naquela ocasião, e até hoje não entendia porquê.
Ela parou o carro em um mirante que ficava na beira da estrada e o contemplou de longe. Era como contemplar um monstro, alguma coisa vinda de outro planeta. As centenas de janelas da gigantesca faxada refletiam a luz do sol e era como se a construção estivesse acesa.
Mas alguma coisa não agradou Catarina, ela nunca foi capaz de entender porquê entrou no carro, manobrou e voltou para a cidade.
Havia gigantescas nuvens sobre o Pride Outstretched, e não eram nuvens acinzentadas de chuva, eram negras. Era ridículo, mas elas pareciam estar reunidas em cima do telhado do hotel.
Ela ouvia histórias sobre aquele lugar e os mistérios que havia ali desde criança, e naquele momento, aquelas histórias voltaram à tona, e era como se centenas de vozes falassem ao mesmo tempo em sua mente. E de repente, entre aquelas vozes, ela ouviu um chamado. Era uma voz estranha, ao mesmo tempo suave e ameaçadora, e aquilo a chamou pelo nome:
"— Caaataaaarinaaaa. "
Aquele chamado morto e nocivo fez todo seu corpo se arrepiar e ela percebeu que estava de pé em cima do corremão que protegia a balaustrada do mirante. Abaixo dela havia um abismo de pelo menos 50 metros de altura.
Catarina entrou em pânico e por um momento achou que fosse despencar lá embaixo. Então impulsionou o copo para trás e caiu no asfalto soltando um grito de dor e ralando os joelhos. Seu coração palpitava, o medo a dominava.
Ela se levantou, olhou mais uma vez para o Pride Outstretched imenso e imponente lá embaixo, então entrou no carro e saiu dali, e não voltou mais durante 10 anos.
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