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2-4

Sentado em sua cadeira diante da vidraça enorme da sala da gerência do hotel Pride Outstretched, uma sala que um dia tinha pertencido a um homem chamado Thomas Reat, e vendo o bem cuidado e florido jardim lá fora, Havler adormeceu e visitou a terra dos sonhos, e no sonho ele estava em um vasto campo florido. Eram margaridas e cravos. Devia ter capitães do campo também, mas essas ficavam mais no pé das montanhas em redor.

O céu era de um azul intenso, parcamente pintado por nuvens de um branco angelical. Era o que as pessoas chamavam de um dia maravilhoso. Estava quente, o sol brilhava intensamente, mas uma refrescante brisa assoprava vinda das montanhas e esvoaçava as flores lançando seu perfume no ar.

Havler não gostava daquilo por causa do pólen, porque ele era alérgico a pólen, mas aquilo era um sonho, ele não tinha escolha.

Ele olhou para a extensão da campina florida e viu uma jovem donzela caminhando entre as flores. Era uma garota ainda, uma jovem de rara beleza, os cabelos lisos eram negros, os olhos tão azuis quanto o céu acima de sua cabeça e a pele era alva e delicada como as nuvens.

Ela usava um vestido branco quase transparente. Havler podia ver os contornos de seu corpo jovem e perfeito, podia ver os pequenos seios cujos bicos estava rijos.

Então Havler percebeu que aquela era Jennifer, sua linda e preciosa filha que ele amava tanto.

Ela caminhava entre as flores e até colhia algumas.

Era um sonho bom, um cenário de rara beleza.

Mas então algo mudou.
A brisa suave vinda das montanhas deu ligar a um impetuoso vento que trazia com ele todo o ardor do dia. O céu azul se retirou como a página virada de um livro e o que ficou foi um céu opaco, povoado por nuvens acinzentadas .

Havler olhou para Jennifer e viu a coisa que estava atrás dela. Era uma coisa enorme, erguia-se do chão de maneira imponente, ameaçadora.

Era o hotel Pride Outstretched, mas no sonho e não era apenas um hotel, era algo mais. Alguma coisa que se mexia, que podia respirar. Algo que tinha uma consciência. Uma consciência embolorada pela loucura.

O vestido branco que Jennifer usava agora estava manchado de barro. Chovia e trovejava por cima do hotel. O campo de flores tinha sido tomado pela lama que deslizava das montanhas, e o lugar se tornara um buraco, uma armadilha.

Em pânico, Jennifer começou a correr, mas ela ia em direção ao Pride Outstretched, e lá não era um bom lugar, Havler podia ver aquilo olhando para a faxada. Suas centenas de janelas estava acesas, eram como olhos que perscrutaram tudo, sondavam seu interior. E Jennifer caminhava para lá. Para aquele mundo bizarro que era a mente da coisa.

(Ele vira tentáculos)
(Uma doença)

- JEEEENNIIIIIFEEEEEEEER! -ele tentou gritar mas sua se confundiu aos raios e trovões que bradavam no convulso céu.

As portas da entrada do Pride Outstretched estavam abertas e eram como uma enorme boca bizarra.

Jennifer entrou lá e a coisa a tragou, a coisa que se alimentava de almas agora tinha a única alma que precisava.

- PAAAAAAIIII!!!! ME AJUDEEEEE!

- JENNIFER!

Havler começou a correr na direção do Pride Outstretched, mas percebeu que quanto mais ele corria, mais o hotel se distanciava dele.

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade Havler chegou diante da porta e começou a esmurra-la.

Ele abriu a porta e estava no apartamento 480 percebeu que estava empurrando um carrinho cheio de comida, afinal ele trabalhava no serviço de quarto do hotel.

Ela vinha a até o quarto e percebia que as luzes estavam piscando. Havia sangue escorrendo pelas paredes.

Havler dobrou à direita, a porta do quarto estava aberta jogando a luminosidade no corredor, a luminosidade lambia a parede e criava sombras que pareciam se contorcer.

Ele sabia que não deveria entrar no quarto porque o que veria iria enlouquecê-lo, mas aquilo era um sonho e no sonho você flutua sem rumo.

Então ele entrou no quarto e Jennifer estava lá, sentada em uma cadeira diante da vidraça. A cadeira era o único móvel que havia no quarto.

Havia uma boneca velha caída no chão. Um dos olhos estava arrancado e a boneca o fitava com a órbita vazia.
Havler estremeceu.

- Je- Jennifer?

A cabeça de Jennifer pendeu para o lado esquerdo de uma maneira muito errada.

Havler ouviu som de ossos estralando. Aquela versão bizarra de Jennifer ergueu o braço e apontou para a frente. Ele tentou ver mas não conseguiu.

- Pai.

Uma mão gelada pousou em seu ombro. Havler olhou para trás e...

*****

... deu um salto abrindo os olhos.


Ele estava em sua sala no Pride Outstretched, sentado diante da vidraça e Jennifer, a Jennifer real havia tocado seu ombro e agora o fitava com olhar preocupado.


Havler suava frio e seu coração batia a mil.


Tinha sido a droga de um pesadelo. Mais um de tantos que o assombravam.


- O senhor está bem pai? - Perguntou Jennifer preocupada.


Ele tentou sorrir.


- Sim... Eu...


- Estava dormindo. Deveria ir para a casa descansar.


- É. Eu deveria.


- Tem um policial querendo falar com o senhor no sexto andar. Por isso vim chamá-lo.


Havler sorriu, agora com mais naturalidade, e pôde perceber o quanto a filha era parecida com a mãe.


(... Uma doença. É o que ela é...).


"Não mesmo. Ela era humana. Eu mesmo vi. Eu entrei dentro dela. Várias vezes."


"Você viu, no 480. "


" Eu não vi nada. Não mesmo. "


(Tentáculos! Aquilo eram tentáculos?!).


- Obrigado filha. Eu já vou lá. E como está Catarina?


- Está na enfermaria, descansando. Acho que ela está em choque. Eu ficaria se tivesse visto o que ela viu.


Catarina chegou no hotel por volta das sete da manhã como fazia todos os dias. Depois de preparar o café para os primeiros funcionários que chegavam ela dividiu as equipes de camareiras e faxineiras pelas alas do hotel. Ela subiu ao sexto andar pelo elevador principal e pretendia descer pelo de serviço. Foi então que ela encontrou Carlos um dos vigilantes do turno da noite. Ou melhor, ela encontrou o que restou dele. Ela saiu gritando e chamou a polícia.


Quando Havler chegou, às nove horas, a polícia já estava ali. Ele ainda não tinha tido coragem de ver o que Catarina viu.


- Ainda bem que você não viu.


- Ela disse que vai embora pai. Catarina disse que vai embora depois dessa temporada.


Havler ponderou por alguns segundos e então respondeu:


- Talvez isso seja o melhor, meu anjo.


Ele se levantou e deu um beijo na filha.


- Vou falar com o policial.


- Está bem. Vou para a enfermaria.


Havler saiu dali.


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