10 - 2
1980
Seu pai nunca tinha lhe convidado para pescar antes, mas aquilo aconteceu naquele 4 de abril de 1980.
Ele estava de bom humor, aproximou-se com um enxadão de Luiz que brincava com seus carrinhos e disse:
— Arranque umas minhocas pra mim, moleque.
Luiz arrancou uma boa quantidade de minhocas e as cobriu com um pouco de terra, porque se não fizesse as minhocas podiam fugir da vazilha. Seu pai estava preparando as varas e colocando as coisas de pesca no barco.
— Pegue o seu chapéu, moleque. Vamos pescar no lago.
Luiz nunca tinha andado de barco naquele lago. Ele tinha até um pouco de receio porque o lago era grande e devia ser fundo. Se o barco afundasse ele não sabia nadar, estaria em maus lençóis. Mas correu, pegou o chapéu e entrou no barco. Seu pai remou distanciando quase uns trezentos metros da casa, depois preparou as varas e lançou as iscas na água.
Ele tirou seu fumo de rolo do bolso e com a ajuda de um canivete cortou uma pequena quantidade e fez um cigarro. De repente ele surpreendeu Luiz lhe estendendo o cigarro que tinha acabado de fazer.
Luiz ficou olhando para ele sem entender direito o que estava acontecendo.
— Eu não devia mas vá em frente. Dê uma tragada.
Luiz hesitou, mas então pegou o cigarro.
— Dê uma tragada, segure e solte a fumaça.
Luiz assim fez, tragou segurou e de repente começou a tossir. A fumaça invadiu seus pulmões e sugou o ar que havia lá dentro, seus olhos ficaram vermelhos.
Ele soltou a fumaça e foi como se tivesse engolido uma brasa.
O pai tomou o cigarro da mão dele, sorriu e lhe deu um tapa nas costas.
Luiz ficou sem entender como que ele conseguia fumar aquela merda. Não entendia qual era o objetivo de encher os pulmões de fumaça. Jurou a si mesmo que não ia fumar nunca. É claro que não conseguiu cumprir, Luiz fumava duas carteiras de cigarro por dia.
Luiz continuou tossindo.
— Vamos lá moleque. Respire. - Ele lhe passou uma pequena garrafinha prateada. - Tome um gole disso.
— O que... O que é?
— Uísque. Vamos tome. Mas um golinho só.
Luiz tomou. A coisa desceu queimando sua garganta e ele segurou o pescoço com as duas mãos, arregalando os olhos.
Seu pai jogou a cabeça para trás e deu risada.
— Você é um palerma, moleque.
Luiz pegou um pouco de água do lago com a mão e bebeu. A água tinha gosto de ferrugem e não foi muito melhor que o uísque.
— Tudo bem?
— Sim... Tudo.
— Não conte nada para sua mãe, ou ela me mata.
— Sim... Está bem...
De repente foram interrompidos. Uma das varas se mexeu e parecia ser um peixe dos grandes.
— Pagamos o jantar, moleque! - Disse seu pai com entusiasmo e segurou a vara.
A vara estava envergada, a linha completamente esticada.
Seu pai puxou a vara para si e começou a recolher a linha com o molinete.
Luiz percebeu quando o barco se moveu.
— Puta que pariu! Parece que pegamos um dos grandes, moleque!
Luiz pai soltou um grito de entusiasmo e puxou a vara novamente. Luiz percebeu que ele fazia forças para girar a manivela do molinete. Agora ele estava completamente absorto no que estava fazendo.
O barco se moveu novamente e Luiz teve que segurar. Seu pai quase perdeu o equilíbrio. Luiz ficava pensando no tamanho daquele peixe, devia ser enorme, um verdadeiro monstro do lago.
A ideia de monstro se fixou em sua mente e ele não entendeu porquê. Ficou arrepiado.
— Vamos lá seu desgraçado! Não pense que vai fugir de mim. Ah, não vai! Não vai mesmo!
Foi então que Luiz ouviu o som. Ele tinha 30 anos e ainda não conseguia descrever o som. Parecia uma espécie de canto e ele achava que o som estava vindo da água.
Luiz olhou para o pai e seu rosto estava fechado numa máscara que hoje ele entendia que era dúvida e admiração. Ele simplesmente não entendia como aquele peixe podia ser tão forte.
Luiz olhou para a água novamente, seus olhos se arregalaram e por um momento ele pensou ter visto o que as pessoas chamavam de sereia.
Não, ele não acreditava em sereias, era um garoto de dez anos e entendia que elas eram apenas personagens de histórias fantásticas. Mas por um lapso de segundo ele pensou ter visto uma mulher com rabo de peixe nadando a uns 50 metros do barco.
Então seu pai foi puxado.
Houve um tranco e Luiz lembrava que seu pai soltou um grito, porque a carretilha do molinete estourou e atingiu seu dedo. Ele foi puxado para a água e caiu. Luiz se levantou e gritou:
— Pai!
Ele viu seu pai submergir, ficar submerso por quase cinco segundos e então emergir novamente, e ele estava sorrindo.
Luiz ficou olhando para ele sem entender.
— Puta que pariu! Filho da puta de peixe!
— O senhor está bem?!
Seu pai olhou para o dedo cortado.
— Sim. Vou pegar o filho da puta!
Seu pai começou a nadar na direção do barco. De repente ele parou e olhou à sua volta. Luiz também olhou ao redor. Havia algo estranho no ar. Ele, como uma criança não saberia dizer o que. O lugar estava mergulhado no mais absoluto silêncio.
Luiz olhou para seu pai e arregalou os olhos.
Ele viu quando uma mão putrefata emergiu da água e agarrou os ombros de seu pai o puxando para baixo.
Luiz sentiu seu coração palpitar, seus olhos se arregalaram e o medo o envolveu.
Seu pai simplesmente desapareceu, foi assim. Ele emergiu e não voltou mais. Mais tarde a polícia apareceu atendendo o chamado de sua mãe. Eram onze da noite e eles ainda não tinham voltado.
Os bombeiros encontraram o barco onde Luiz estava por volta da meia noite. Luiz estava encolhido no fundo do barco em estado de choque. Ele ficou daquele jeito por quase um mês.
O corpo de seu pai nunca foi encontrado. As buscas duraram 24 horas e não fazia o menor sentido. Seu pai desapareceu como se tivesse sido tragado pela escuridão do lago.
Luiz nunca foi capaz de entender aquilo. Ele prestou depoimento mas uma criança de dez anos não falando coisa com coisa não ajudou em nada. Algum tempo depois o caso foi arquivado.
Sua mãe chegou a perguntar a ele uma vez o que havia acontecido ele começou a tremer e a chorar e ela nunca mais perguntou.
Mas a coisa ainda assombravam os sonhos de Luiz. Ele passou uma adolescência inteira tendo pesadelos, tentando, sem sucesso, entender o que havia visto naquele dia.
Depois daquilo ele nunca mais entrou no lago novamente.
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