Capítulo V
É impossível dizer que perdeu algo que nunca teve [...]
Janel Wos
Lá estava o homem de nariz afinalado e uma boca de lábios carnudos em meio à barba loira com as marcas ruivas que herdara de sua mãe. Ele se debruçou deliberadamente sobre a ponta da mesa com uma adaga em sua destra.
Na quietude que não era das características de uma mesa de reuniões, os olhos acinzelados e com pouquíssima vida, buscavam a razão de tudo aquilo.
— A revolução caiu nos ombros de um homem cego. — suspirou Rowan Byrne. Que afundou em sua cadeira, com o olhar profundo que aspirava tamanha tristeza e desconforto. A adaga se portara imóvel em suas mãos, para ele não passa de um borrão afiado, para os outros era uma adaga de Palion, a que tinha sido forjada pelo cântico dos dragões. A mera ousadia da fabula reverberava entre seus beiços, proporcionando singelos risos.
— Melhor eu guardar você na bainha. — e entre os gracejos solitários a colocou dentro do objeto de couro que estava em seu quadril.
Os mementos bateram em sua mente, mordiscou os lábios. Sentindo um tamanho desconforto. O passado era uma paisagem tortuosa de muito aprendizado, mas cada detalhe da neblina que permeava a mente de Byrne, lhe causava profundos arrepios.
— Branca feito neve, empunhadura com sulcos negros. — escapava pelos lábios. Lembrou—se do velho de brilho denso no olhar, grandes olhos castanhos, na face vincada e queimada pelo sol. O sol amarelo que os cidadãos da terra alta exibiam em suas canções e que os tolos bardos que estendiam toda à sorte de farofas coloridas aos fanfarrões que jamais tinham tocado em uma adaga.
Nem sempre Rowan fora cego, após a traição de um de seus antigos companheiros. Desejou no mais profundo de sua alma ver a Nis de todos os seres, e a composição de suas palavras transformaram o jovem Byrne, no cego Rowan amaldiçoado. Que conseguia ver a essência das pessoas e saber quando mentiam para ele. Não lia mente alguma, mas interpretava a razão das palavras de um mentiroso ou de um honesto. O amaldiçoado Rowan. O riso veio novamente, como um furacão sem razão iminente. Ser maldito não é glorioso, não é a razão de poemas e nem de fabulas para crianças dormirem.
As mãos estavam buscando o papel à mesa, os certificados de vassalagem. A inteligência do homem não se mede pela palavras, papagaios falam, e sim pelas ações. Os gloriosos nadam na inteligência, os derrotados são afogados pelo mesmo mar.
A boca se contorcia num sorriso escarninho e em seu peito torcia para que Haskel e Janel voltassem vivos. Rowan se colocou de pé e caminhou. Sua mente o levou em um campo em que entraram em um local de teto vermelho e abobadado, carregava inúmeros objetos de batalha. Toda sorte de instrumentos. Os calçados faziam um barulho pavoroso e isso foi desastroso para a chacina que ele veria em poucos minutos. Agradecia por ser cego quando se lembrava dos corpos dos seus irmãos de batalha jazidos em um campo que parecia ser imenso. Olhos afundados em lagrimas e discórdia, o corpo rígidos sendo forçado a olhar para o homem feio e magro com os olhos como cacos de vidro. Pomposo e sorridente. Um homem que vivia fora das regras. A sombra longa e sorriso cintilante.
Continuou caminhando, passou pela escada metálica que descia em caracol até a porta oval. A dura iluminação indireta destacava torrõezinhos de terra seca sobre o metal trabalhado e com um leve vazado nos degraus. E descendo degrau em degrau tocou na maçaneta e abriu a pequena sala. Deixou a porta escorada e deu leves batidas no colchão.
— deveríamos ter uma estufa. Um ambiente húmido, saudades de aspirar um botão rosado, saudade de observar a explosão das flores da pequena janela do meu quarto. — o ambiente era vazio, constituía de poucos metros, no máximo dez de largura e dez de comprimento.
A selva de folhas sobrepostas. A fonte baixa de água que estava no meio com as bordas estriadas, do ruido ritmado da água de um pequeno jato que surgia do chafariz. O galope de baques surdos da chuva sobre a bacia de metal. Tudo era uma ancora da saudade que estava de sua infância e o repúdio do caminho que foi forçado a tomar. Quando você percebe a maldade estridente do mundo você tem que combater ela, se não o faz você se torna condizente, boa pessoa você não pode ser.
A sua lembrança trabalhou o levando a ver o horizonte, o sol pairava baixo acidentado acima dos penhascos. O sabor penetrante da visão. Tudo não estava mais ali, apenas aquele espaço. Sentia saudade até mesmo da escrita cuneiforme de seu pai. Da placa de bronze e areia que lhe exibia o reflexo da sua face.
— Tudo isso nas minhas costas. O mundo deve mudar, mas não sei se sou o líder adequado para isso.
— Quando era mais nova, meu irmão Isaac foi levado por patrulheiros do oeste, estávamos em quatro, eles compraram lanches para nós, o primeiro que veio foi o de Isaac, como não sabia discernir o as palavras que os homens dialogavam, o pobre garoto que tinha apenas doze anos cortou o lanche em pedaços e deu a cada um, quando o restante de nós vimos os lanches vindo em nossas direções. Isaac chorou e entre soluços eu pude ver o verdadeiro herói. — a expressão de Janel era amarga como se tivesse chupado um romã, os olhos estavam sendo marcados com a maior da preocupações pela profundeza do tom caramelo dos olhos de Haskel.
A força do vento batia no rosto dos jovens, que cavalgavam em corcéis poderosos, a batida do trote, o vento forte e a visão da pequena vila saindo que se tornava grande durante o caminho era somada ao diálogo brando e de reflexão; Haskel sentia pequenas pontadas na fronte, se assegurou que estava bem em minutos antes. E entre ordens de comando para os animais e os diálogos melancólicos entre eles já era vista o lugar que deveriam proteger. A paredes sem reboco e a não tão charmosa portinha em forma oval, de madeira de acácia e com um charme ancestral, reluzia no meio de uma paisagem não tão vistosa quanto a expectativa tinha programado dentro da cabeça de cada um deles.
— Finalmente! — entoou Janel, que já sentia o cansaço se abater em seus ombros.
— Já era tempo. — replicou o rapaz, que observou um caminhar suspeito, mas não se preocupou. O rei Urias e sua família eram perspicazes, mas não tinha a fama de serem bons em emboscadas, e não sentia um real motivo para ter essa preocupação. Ao chegarem a poucos metros, foram recepcionados por um ancião, com uma capa sublime e com insígnias que ambos não conheciam, as vestes vermelhas eram um orgulho do reino e a barba vistosa era um deleite. Haskel se sentia com a mesma sensação de desconfiança que sentia em todas as missões. Cuspiu algo que estava o incomodando e olhou de maneira cortante para o rosto de azedume e desgosto do ancião. Não, não estamos nos trajando para uma festa, ancião. E sim para uma batalha.
— Acredito que sejam os nobres revolucionários. — disse o ancião.
— Suas crenças estão corretas, meu senhor. — disse exibindo os dentes, Haskel, embora viesse de uma casa de nobres, sentia restrições em se comportar como um.
— Pensei que, o meu senhor, havia orientado possíveis ataques em sua casa. — disse o ancião com as mãos sobre a extensa barba. — Vejo que viestes apenas dois. — conferiu um cuspe desrespeitoso e em tom de escarnio os orientou que os seguisse.
— Dois, isso mesmo. E isso será o suficiente. — disse Can ao olhar para os irmãos, todos com o cenho formidável e ansiosos para contemplar as novas experiencias do irmão mais velho.
— Senhor conselheiro, já ouvistes falar do poder da química? — disse em um tom manso e brando. Nenhuma resposta.
— A química foi a responsável por essa belezinha que está em minhas mãos. — disse exibindo um frasco com um líquido branco em sua destra. — Isso aqui pode fazer o mais forte dos homens, chorar como uma donzela após seu coração partido.
— Nos conte, qual o nome. — disse Ninf.
— Isso, irmão. Nos diga. — confirmou o mais novo com a cabeça que exibia um sinal positivo.
— Acido Úrico, isso quando tiver conhecimento de cada órgão do seu corpo. Buuum! — falou aumentando generosamente o seu tom de voz. — Fara você repensar nas palavras que disse desde que teve o conhecimento do que era bom e do que era mau.
— A gente quebra umas moléculas de purina ali e compõem outras coisas aqui e criamos um metal que come toda a carne que ele toca.
— Vocês são doentes! — balbuciou o homem que estava se urinando do pavor que sentiu ao ver o sorriso fluindo dos lábios e era confraterno dos olhos artificiais de Can.
— Agora me responda, conselheiro. Quantas crianças morreram no trajeto de Biofortes? Muitas. Negras, brancas, vermelhas. Tantas que me embrulha o estomago e eu sou um assassino, não sou? e agora adivinhe como tudo isso poderia ter sido evitado? Com uma carta do seu digníssimo rei, minutos da vida prestigiosa do rei poderiam ter salvado crianças que foram levadas para fora de Biofortes e assassinadas, escassez de alimento? — tira o líquido do frasco e passa para uma seringa com uma agulha que roubava o campo de visão das orbitas oculares do conselheiro, que preso por cordas grossas, não poderia fazer nada. — enquanto as vossas mesas são fartas. As terras médias e baixas clamam. — deu leves batidas na seringa e o contorno de sua careta, usurpou uma serie de suspiros de aflição.
— Por favor, Can. Não faça isso. — suplicou o conselheiro, súplicas que não foram escutadas.
O líquido metálico percorreu pelas veias em um deslize magico, atingindo como um golpe potente ao diafragma do velho que se contorcia de maneira débil, beirando ao espalhafatoso.
— Eu estava em Biofortes... — disse dando as costas para o corpo que se debatia freneticamente.
— Não iremos fazer mais nada, mano? — questionou Ninf.
— Ele não vale o nosso esforço. Vamos. — e assim os irmãos saíram do quarto escuro, húmido e com um cheiro poderoso de mirra. O cadafalso dos irmãos. E a cada degrau que subiam um grito emergia do fundo do cômodo no subsolo.
As paredes frias ecoavam os gritos do homem que sentia que parte interna do seu ser estava se rompendo, aquilo não abalava nenhum dos três que se acostumaram com os sacrifícios que a vida que escolheram para si cobravam, e uma delas era a empatia. O olhar altivo para o bem era a segunda opção. A justiça era o centro, e vindo de onde vieram a sua ideia de justiça era impopular.
— Efraim, eu tenho ótimas notícias. — disse um rapaz de físico baixo e de semblante franzindo, era um mancebo de cabelos vermelhos e olhos de um azul profundo, mesclando ao cinza. O rosto era vivido demais para conter amargura, mas julgar apenas pela aparência não era um fator em pauta.
— Me conte. — disse Efraim.
— Há boatos que os magos negros pegaram o sangue de Agnes Nowak, a líder dos... — foi energeticamente interrompido.
— Eu sei quem ela é. Eles irão tentar aprisiona-la em algum encanto?
— Sim, e sem ela no caminho podemos pegar mais serviços. Precisamos de alimento, eles pegam os pagamentos e distribuem aos pobres dos reinos de baixo. Esquecem que atrapalham os pobres dos reinos médios.
— Você é repetitivo, Aroldo. Eu sei de tudo isso, mas quem garante que isso dará certo?
— Eu vi os anciãos falando sobre isso, eles eram bem claros. Uma vez amaldiçoado pelos magos negros. Nada mais poderia reverter. Nem o elixir dos demônios.
— E o êxodos? — questionou demonstrando um misto de avidez e preocupação.
— É apenas um mito. — com a voz embargada Aroldo tratou de continuar. — dizem que há uma híbrida entre os nobres revolucionários, sinto o cheiro de boatos. O pessoal das regiões adora uma boa história.
— Temo que não seja apenas uma história.
E assim ambos continuavam falando sobre as pretensões que não sabiam se eram reais ou não, mas que independentemente de qualquer realidade, o poder dos magos negros intimidava a todos, mas o único grupo que rebatia na mesma medida eram os nobres revolucionários. Aquilo arrepiava a qualquer um.
— Eu só espero que o Rowan esteja cuidando do meu doce gatinho. — sussurrou Haskel que observava as paredes cheias de quadros e espelhos, aquilo o assustava, que mau gosto hein, meu senhor. As paredes amarelas e com o reboque exposto e de tinta marcante, atingia forte a sua vista, e as pequenas vertigens o acompanharam por todo o longo caminho do corredor até a sala dos espólios.
— Sejam bem-vindos ao meu humilde aposento. — disse o irmão do rei Urias, Urtunias.
— A palavra humilde não lhe cai bem, feio talvez. Mas humilde não. — disse Haskel ensaiando uma reverencia.
E em algum lugar, não tão distante. O trote alto de corcéis batendo na estrada eclodia no temível vento da região e as três silhuetas marcantes vinham em direção a residência de Urticas.
Eram os irmãos Carnificina, com as mãos cobertas de um manto vermelho e os coldres de couro marcantes na cintura e com as famosas mochilas de Biofortes contendo um instrumento de batalha diferente. Eles tinham uma meta e se havia algo que eles odiavam mais do que os reis e os nobres, eram não cumprir com as suas metas.
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