Capítulo 4: Colar de Família
Saint Luna, 13 de agosto de 2021
Sexta-feira - 10:34 A.M.
Levanto a cabeça para olhar para o céu, enquanto a chuva caía com força. Não é a primeira vez que temos uma chuva dessa, mas hoje de manhã estava calor e ensolarado, sem nenhuma nuvem. Isso sim é estranho.
— Acha que o fusca aguenta? — Vincent pergunta sem olhar para mim, também com a cabeça erguida para o céu.
— Se ele já não estiver boiando por aí... — Respondo realista e ele suspira.
Era quase impossível sair nessa chuva. Alguns se arriscavam, outros corriam com as mochilas cobrindo as cabeças (mesmo que não adiantasse nada). Pensei em me arriscar também, e nessa hora desejei ter o poder de Adrian de criar portais e me teletransportar. Que inveja.
Vejo Dener correr de um bloco do colégio para o que estávamos, pegando alguns segundos de chuva antes de voltar para a cobertura. Ele segurava a mochila nas costas e o taco de lacrosse em uma das mãos, e conforme se aproximava, percebi seu rosto com um leve hematoma vermelho.
— O que aconteceu? — Pergunto preocupada, colocando os dedos levemente na pele ferida.
— Ah, é só... uma bola me acertou. De novo. — Dener responde dando de ombros e se afasta levemente, mantendo o olhar para baixo.
— Tem certeza? — Vincent pergunta, só para confirmar, e Dener concorda com a cabeça. Não parecia muito firme nas palavras.
Não muito tempo depois, vejo Maya correr na nossa direção com um enorme sorriso no rosto de lado a lado. Ela vem saltitante e esbarrando em alguns outros alunos que passavam. Parecia que tinha ganhado na loteria.
— EU VOU LARGAR A ESCOLA E VIRAR DIGITAL INFLUENCER! — Diz gritando enquanto se aproximava. — EU BATI 500 MIL SEGUIDORES NO INSTAGRAM E 2 MILHÕES NO TIK TOK!
Como Vincent estava mais perto da direção em que ela vinha, Maya para na frente dele, segura seu rosto e lhe dá um beijo na boca. Dener e eu arregalamos os olhos boquiaberto, e quando Maya percebe o que fez, sai do êxtase.
— Ai droga! Desculpa, foi sem querer, foi na empolgação, era para ser na bochecha, eu não... — Ela tenta se explicar, mas acaba se confundindo nas próprias palavras enquanto seu rosto corava.
— E foi assim que ele perdeu o BV. — Dener comenta baixinho ao meu lado, e eu seguro o impulso de rir.
Vincent estava em choque, estático. Acho que absolutamente ninguém esperava isso, mas vindo de Maya, não podemos esperar muita coisa. Pelo menos não coisas normais. Vince pisca algumas vezes, provavelmente assimilando o que aconteceu. Então, olha para Dener e eu, com o rosto extremamente vermelho de vergonha.
— Vamos para o fusca. — Vince se vira e sai andando debaixo da chuva, indo até o estacionamento.
Sem muita opção, seguimos ele. O fusca, por incrível que pareça, estava intacto. Qualidade bem melhor que muito carro de hoje em dia. Sento no banco da frente, enquanto Maya e Dener vão atrás. Normalmente quem puxa o assunto é Maya ou Vincent, mas como os dois estavam envergonhados demais, seguimos o caminho em um silêncio desconfortável.
Vincent para na frente da casa dos gêmeos, e antes de saírem, Maya diz para ninguém específico:
— Show da Midnight Echoes. Vocês vão, né? — Confirmo com a cabeça e ela sorri, se despedindo e entrando em casa com Dener.
— Gostou né, safado? — Começo a provocar Vincent, para compensar todo o bullying que ele fez comigo quando comecei a gostar do Noah.
— Cala a boca. Foi sem querer. — Responde olhando para frente, tentando esconder o sorrisinho de lado.
— Fala sério. Você sabe que ela era a fim de você. — Dou um leve empurrãozinho nele. — Desencana da Lexie.
— Você falou certo. Ela era a fim de mim. Além disso, não temos nada a ver, somos só amigos, e Maya toda semana se envolve com alguém diferente. — Responde na defensiva. — E eu não estou encanado na Lexie.
— É óbvio, você não deu um voto de confiança para a garota. Ela não é você que fica obcecado numa pessoa só sabendo que ela te menospreza. — Solto sem querer, mas me arrependo logo quando percebo que ele ficou desconfortável com meu comentário.
No entanto, não peço desculpas. Já estava mais do que na hora de Vincent largar essa história de vez. Sei que eram amigos e tudo mais, mas ela fez a escolha dela. Detesto vê-lo se humilhando para ela, e todas as formas que ela o menosprezou. Tentei defendê-lo algumas vezes, mas é pior. Parece que ele não gosta que se metam nesse assunto.
Assim que chegamos na minha casa, notamos um carro parado na minha porta. Vincent e eu nos olhamos, pois sabíamos de quem era aquele carro. Desço do fusca e Vincent me acompanha, e juntos corremos até a entrada.
Assim que abro a porta, vejo a Kaylee na ponta da escada, conversando com Adrian. Abro um sorriso e a vejo se aproximar, nos cumprimentando com um abraço. Não demorou muito para subirmos com ela para o meu quarto.
— Como foi a viagem? — Pergunto, ansiosa por vê-la novamente depois de tanto tempo.
— Esquisita né. Uma hora estava de madrugada em Madrid, outra hora eu estava no carro com a minha mãe, depois do nada estava no carro com minha mãe nos Estados Unidos e depois estava em Saint Luna de dia. Tudo isso em menos de duas horas! — Responde, me confundindo um pouco, mas compreendendo.
— E o que você acha sobre isso? Sobre o roubo do Livro das Sombras? — Vincent pergunta enquanto adentrávamos no meu quarto.
— Lucy tem razão. Quem roubou conhecia bem o lugar, os pontos de segurança e como desfazer os feitiços de proteção sem acionar o alarme. Alguém experiente, que provavelmente planejou isso há muito tempo. — Kaylee fala pensativa, com uma das mãos no queixo. — Por isso acham que foi alguém do próprio grove.
— Vai ser difícil saber quem foi. A Ordem das Bruxas é o maior grove do mundo, o conjunto de vários covens, isso inclui o planeta inteiro! — Concluo, mesmo sem conhecer o grove, o qual as reuniões no templo eram apenas para representantes da magia.
— É. Mas não vamos pensar demais nisso. Nossas mães vão dar um jeito. — Kaylee diz confiante, tentando acreditar na própria verdade. — E então, como vão as coisas?
— Até então bem. Você vai entrar na Everest High School na próxima semana, não é? Tem aulas extras muito interessantes. Eu faço cálculo avançado e robótica. Claire faz biologia avançada e primeiros socorros. Você já sabe qual vai fazer? — Vincent pergunta, aparentando estar empolgado para apresentar as coisas para Kaylee.
— Esgrima. Vou fazer esgrima. — Kaylee responde com convicção, nos surpreendendo com a resposta.
Apesar de um estilo meio "menina rica mimada", também era o estilo "bad girl do bem". Se ela fosse uma cor, eu diria vermelho vinho. Sutil, delicada, mas que poderia te matar com o olhar. Okay, provavelmente ela não vai querer usar meus pijamas da Cinderela.
— Boa escolha. — Admito. Seria bom ter alguém entre nós que sabe lutar.
— E vocês? Namoram? — Kaylee pergunta com um sorriso travesso, mas logo se desfaz quando me olha. — Desculpa, Claire. Sinto muito pelo Noah.
— Está tudo bem. Eu tento conviver com isso a cada dia, mesmo sendo doloroso. — Respondo, forçando um sorriso de lado. — Sei que ele iria querer que eu seguisse em frente.
— Ele com certeza queria te ver bem. — Vincent completa, pois o conhecia bem. Eram melhores amigos.
— Enfim. Já o Vincent.... — Olho para ele e seguro o riso. — Esse acabou de ganhar uns beijos da Maya. ELE GOSTOU DE BEIJAR A MAYA! — Falo brincando, começando a gargalhar.
— ELA JÁ FALOU QUE FOI SEM QUERER! EU NÃO GOSTEI, QUER DIZER, EU GOSTEI, MAS NÃO... — Vincent começa a se explicar nervoso, mas as palavras não saem direito da sua boca. Então, ele optou por jogar o travesseiro na minha direção.
— Maya? A filha da Lucy? — Kaylee pergunta chocada, olhando para Vincent.
— Ela mesma. Mas o Vincent é um idiota que não aproveita a oportunidade. — Digo e mais, ele merece ser exposto. — Acha que é qualquer garota que vai gostar dele com aquele fusquinha dele.
— Por quê você não a chama para sair? — Kaylee pergunta como se fosse óbvio.
— Porque ela vai me expor no Tik Tok. — Vincent diz fingindo estar chateado e se joga na minha cama. — Eu vou pra casa.
• • •
Vincent foi para casa naquela mesma tarde. Combinamos de levarmos Kaylee à cafeteria da cidade na manhã seguinte, pois ela precisava conhecer os melhores lugares da cidade. Assim que acordo, vou até o banheiro, tomo banho e coloco um short jeans claro, com detalhes de flores rosa pela lateral. Visto uma blusa branca com babados na manga, sem muito detalhe. Queria usar algo casual.
Encontro Kaylee no quarto de hóspedes, já arrumada também. Ela usava uma saia jeans escura e uma blusa de alça bem justa, curta, mas não o suficiente para mostrar o umbigo, azul com listras rosa bebê, amarelo e vermelho. Seu cabelo estava solto, também bem simples. Só que o simples dela é bem mais sofisticado que o meu.
Não demorou muito para Vincent nos buscar no seu fusca vermelho. Kaylee insistiu para nos levar no Porsche dela, mas Vincent a convenceu na lábia como o bebê (fusca) dele era melhor e mais legal. Nem ele acreditava nisso, mas ela não quis magoá-lo.
— Hoje à noite iremos a um show. Vai ser em um bar aqui perto, só vai estar a galera da escola. Maya e Dener estarão lá. — Comento com Kaylee enquanto entrávamos no fusca.
— Acabo de descobrir de onde sai a maior parte dos gases do efeito estufa. — Kaylee comenta baixo, afastando a fumaça do fusca com as mãos. — Gosto de rock.
— É, a Midnight Echoes tem músicas boas. Você vai gostar.
— Que dor no pescoço. Acho que dormi mal. Ou será que tem um espírito sentado no meu ombro igual em Luzes do Além? — Vincent diz enquanto dirigia, e eu apenas seguro o riso.
— Talvez seja a segunda opção. — Kaylee responde.
Não leva nem dez minutos para chegarmos. Vincent acha um canto para estacionar e desce da espelunca que ele ama, e Kaylee e eu descemos logo em seguida. Se ele estava orgulhoso com o carro dele, não tínhamos o que reclamar.
Assim que entramos na Lunar Coffee, escolhemos um lugar perto da enorme parede de vidro. Sento-me de frente para Kaylee, que senta ao lado de Vincent. Logo, um atendente vem até nós, recolhendo nossos pedidos.
— Lexie! — Vincent acena para atrás de mim, e quando me viro, vejo Lexie sentada em uma mesa, sozinha, com um caderno nas mãos, lápis e fones de ouvido cobrindo toda sua audição.
Ela com certeza o viu, mas fingiu que não ouviu. Lexie posiciona o caderno um pouco mais a frente de si, para evitar que Vincent a encarasse, mas o garoto se levanta da mesa e vai até ela.
— Vincent, não! — Tento chamá-lo de volta, mas era tarde demais. Ele já tinha ido até sua mesa.
— Oi, Lexie! Tudo bem? Fiquei sabendo do show hoje... vou estar lá. Aposto que vai tocar muito bem. Quer sentar com a gente? Estamos com uma amiga que veio da Espanha. — Ele diz gentilmente, de maneira que sei que não foi por mal, mas não tem como defender.
Lexie respira fundo e tira os fones, colocando-os na mesa com certa brutalidade e finalmente encarando Vincent.
— Qual é a parte do "eu não quero falar com você" que você não entendeu? — Lexie fica de pé, aparentando estar bem irritada, e isso atrai alguns olhares dos outros clientes. — Não preciso do seu voto de confiança. Não preciso de nada de você, e não estou nem aí para sua amiga. Larga de ser idiota e me deixa em paz! Não somos mais amigos, por mim se você desaparecesse seria um alívio!
Vejo que, dessa vez, Vincent quebrou de vez. As palavras de Lexie são duras demais, e o clima começou a ficar bastante pesado. Antes de pegá-lo pelo braço e tirá-lo dali falando "eu avisei", Kaylee levanta com sutileza e aproxima dos dois, se pondo entre eles. Ela cruza os braços e olha para Lexie, com o olhar de desprezo.
— Quem te deu permissão para tratar o meu amigo assim? — Ela pergunta, bem tranquila. Tranquila até demais. — Não é porque você é uma cantorazinha de bar meia boca qualquer, que tem o direito de falar assim com alguém. Você não é a Beyoncé, você não é nada. Não aqui.
Lexie abre a boca para responder Kaylee, mas por um momento pareceu sem resposta. Vincent fica surpreso, mas mesmo assim sabia que ele ficaria chateado com a Kaylee mais tarde. Como eu disse, ele odiava que o defendessem nessa questão.
— É mesmo? Então manda o seu amiguinho querido me deixar em paz e parar de me encher o saco! — Lexie responde levantando o tom de voz.
— Você é medíocre. Ele realmente não merece se humilhar por alguém como você. — Kaylee mantêm a postura firme, sem alterar a voz, sem modificar a expressão.
Ela é extremamente fria.
Vincent respira fundo e sai pela porta da entrada, sem ao menos esperar seu achocolatado. Penso em ir atrás, mas não quero deixar Kaylee sozinha com Lexie. Sabe-se lá a guerra que estaria instalada aqui.
— Não ligo para a opinião de alguém irrelevante como você. Bem-vinda à Saint Luna, vadia! — Lexie pega suas coisas e passa ao lado de Kaylee, esbarrando-a de propósito, mas Kaylee a segura pelo braço e a faz virar de volta.
Ando na direção delas para intervir qualquer agressão física, mas Kaylee fixa seu olhar em um ponto específico. Olho na direção, e vejo que Kaylee observava o colar de Lexie. Era bem parecido com o seu, feito de prata, com uma pedra azul, mas ao invés da Lua Tríplice, havia um símbolo de proteção.
— Quem te deu isso? — Kaylee questiona intrigada. — Não é uma prata qualquer.
É a prata da sua família.
— Meu pai! Me solta! — Lexie se solta com firmeza do braço de Kaylee e sai andando.
Ao lado de Kaylee, observo a garota sair da cafeteria e tento assimilar tudo o que havia acontecido.
Não era um bom começo para a vida de alguém aqui em Saint Luna.
Mas não vou mentir. Bem feito para Lexie.
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