Capítulo 32: O Último Ritual
— Posso dormir com você essa noite?
Maya pergunta apreensiva, assim que entramos no fusca ao sairmos da casa da Claire. O clima estava bastante tenso, e desde que voltei da realidade alternativa do Nolen, não consegui ter um tempo a sós com a Maya.
— Claro. — Concordo, e vejo Dener no banco de trás quase cochilando.
— Pode me deixar na casa do Kai? — Ele pergunta, parecendo anestesiado pelo sono.
— Posso.
Dirijo até a casa do Kai e Dener agradece ao descer. Logo, após mais alguns minutos, finalmente estaciono o fusca na garagem de casa. Desço do carro ao lado de Maya e abro a porta, começando a me acostumar com o silêncio daquela casa.
— Vou tomar um banho. Pode ver alguma coisa para comermos? — Maya pergunta, caminhando em direção ao meu quarto e pegando uma toalha limpa dentro do meu guarda-roupa.
— Claro.
Assim que Maya dá as costas, pego meu celular e mando mensagem para a pizzaria, fazendo o pedido, o qual viria em cerca de vinte minutos. Obviamente, Maya demoraria bem mais que isso no banho, então aproveitei o tempo de espera da pizza para sentar no sofá e ligar a TV.
Quase não percebo os minutos passando, e ao ouvir a campainha tocar, presumo ser a pizza. Vou até a porta e recebo o entregador, fazendo o pagamento e levando a pizza até a cozinha. Assim que Maya sai do banho, entro no banheiro e tomo um banho rápido, pois já havia tomado um antes da Kaylee ligar.
— Hmm, pizza de camarão. Adoro! — Diz Maya, sentando na mesa e começando a cortar os pedaços.
— Será que a Trívia vai aparecer amanhã mesmo? — Questiono, fazendo Maya perder totalmente o ânimo. — Desculpa. Não era o momento de falar sobre isso.
— Eu estou com medo, Vincent. Muito medo. Independente de quando ela irá aparecer, não estamos preparados. — Maya desvia o olhar e eu percebo que suas mãos estavam um pouco trêmulas. — Não vamos conseguir.
— Vamos conseguir. — Digo firme, pegando um pedaço de pizza e levando até a boca dela. — Abre a boquinha.
Comemos alguns pedaços da pizza enquanto conversamos algumas coisas aleatórias. Mesmo que o mundo estivesse colapsando, pensar no que Trívia poderia fazer não mudaria nada. Então, é melhor dançar sob a desesperança e esperar o fim começar.
Quando guardamos tudo e escovamos os dentes, fomos para a cama. Ouço o som da chuva caindo lá fora, e finalmente sinto meu corpo descansar e se acalmar com o toque real da Maya. Dessa vez não era uma simulação, e mesmo a realidade sendo bem mais destrutiva do que o lugar que Nolen me prendeu, ainda valia muito mais a pena.
— Vince? — Maya me chama, deitada sob meu ombro. — Me promete uma coisa?
— O quê?
— Promete não me abandonar se... se acontecer alguma coisa. — Ela pede, demonstrando um pouco de insegurança.
— Eu nunca te abandonaria. — Respondo, fazendo carinho no seu cabelo enquanto ela se aconchega no meu abraço.
Quase não percebi quando meus olhos fecharam. Tive uma doida de sono bem tranquila, pois parecia que eu estava acordado há dias.
No dia seguinte, nos arrumamos e guardamos tudo o que seria necessário para a missão. Maya e Kaylee passaram a tarde toda treinando, enquanto Claire havia sumido e não respondia nossas mensagens.
— Será que aconteceu alguma coisa com ela? — Dener pergunta preocupado ao meu lado, enquanto eu apoiava o telefone no meu ouvido, ouvindo apenas a ligação chamar e ninguém atender.
— Espero que não. — Respondo, indo até o fusca e terminando de colocar algumas coisas no porta-malas.
Dener entra, logo após Maya e eu. Kaylee disse que nos encontraria na entrada da floresta junto com Adrian e Claire, quando a encontrassem. Assim que dirigi até a floresta, senti a atmosfera mudar totalmente. Eu sabia que Trívia já estava ali, pronta para nos atacar.
Deixo o fusca na entrada da trilha e desço, já com tudo pronto. Não demora muito até eu ver o Porsche da Kaylee se aproximar, e logo a garota desce com a Claire. Claire estava um pouco estranha desde que saímos do prédio da Artificial Paradise, mas imaginávamos que era por ter visto o Noah com vida.
— Cadê o Adrian? — Questiono para Kaylee.
— Ele mandou virmos na frente. Precisou ir até o templo do grove pegar, acho que um grimório para o ritual de selamento de Setealem. — Kaylee explica na pressa e logo liga sua lanterna. — Vamos logo. A Trívia já está aqui.
Kaylee começa a ir na frente, seguida de Claire, Dener, Maya e eu. Eu também estava com medo, não nego, mas era tarde demais para voltarmos atrás. Tínhamos que tentar, mesmo que fosse tudo dar errado.
— Vince. — Maya me chama, diminuindo seus passos, enquanto os outros continuam andando mais a frente.
Me aproximo de Maya e percebo que ela estava tremendo. Seguro suas mãos e as sinto frias, sem entender bem o que estava acontecendo.
— O que houve? O que você está sentindo? — Pergunto preocupado, apoiando seu corpo que parecia estar perdendo as forças.
— É ela. É a Trívia que está fazendo isso comigo. — Maya diz se ajoelhando no chão, enquanto começa a gemer de dor.
— Espera, vou chamar os outros. — Me viro para ir atrás de Kaylee e Dener, mas Maya me impede, segurando minha mão.
— Não! — Maya implora e eu volto a me aproximar dela. — Ela está tentando me possuir.
— Maya, eu preciso chamar os outros. — Insisto, mas ela nega.
— Ela avisou que isso aconteceria, mas eu não esperava que as coisas fossem mudar assim. — Maya diz quase em um sussurro. — Eu roubei o Livro das Sombras.
— O quê? — Pergunto incrédulo, achando uma péssima hora para Maya brincar.
— Minha mãe é a sacerdotisa do grove. Eu entrei no templo, eu roubei o livro. Eu libertei a Trívia. — Vejo Maya começar a tossir sangue, e ela fecha os olhos e põe as mais na cabeça, parecendo sentir uma forte dor. — Antes de tudo isso ela invadia meus sonhos, tentava fazer pactos comigo. Tentei falar com Hécate, mas ela não me ouviu, e então eu acreditei na teoria da Trívia. Ela me convenceu a roubar o livro e ajudá-la a escolher as vítimas do ritual, e em troca eu teria tudo o que eu quisesse. Mas, quando eu comecei a me aproximar de vocês, eu não queria mais. A Trívia não quer me deixar em paz, ela quer que eu termine o que ela começou.
Fico totalmente estático com sua declaração. A pessoa que procurávamos estava este tempo todo ao nosso lado, e bem próxima a mim. Um misto de sentimentos toma conta de mim. Medo, decepção, desespero. Eu não conseguia entender, eu não sabia o que fazer.
— Por qua, Maya? Por que você deixou ela fazer isso com você? — Pergunto desapontado, mas eu ao menos conseguia culpá-la. — Por que não nos contou antes?
— Ela iria matar todos se eu fizesse isso. Me perdoa, Vince. Eu queria parar, eu queria que ela me deixasse em paz, mas um pacto não pode ser quebrado. — Maya começa a chorar e abraça o próprio corpo. — Eu não sabia que as coisas sairiam do controle. Eu não sabia que a Trívia era tão ruim a esse ponto.
— Tudo bem, tudo bem. — Respiro fundo e toco seu ombro. — Vamos dar um jeito nisso.
— Não! — Maya diz se levantando do chão, mas ela não parecia estar falando comigo. — Vince, você e os outros precisam ir embora daqui agora!
— O que está acontecendo? — Pergunto me assustando ao ver seus olhos começarem a sangrar. — Maya!
— Ela quer me possuir para cumprir o último ritual. Ela quer que eu te mate, senão ela me mata. — Maya diz, fazendo meu corpo paralisar.
— Tem que ter outro jeito... — Tento não entrar em desespero, mas não dava. Os outros a essa altura já haviam se perdido de nós. — Você não vai morrer, Maya.
— Eu não posso matar você. — Ela diz em meio às lágrimas, e logo a vejo puxar uma adaga e colocar sob o pescoço. — Obrigada por tudo.
— Maya, se a Trívia te matar, ela irá assumir outro corpo e matar outra pessoa de qualquer jeito. E aí ela vai vencer. — Tento controlar minhas palavras, mas minha voz estava bastante trêmula. — Me mata. É o único jeito.
— Não, Vincent! — Maya nega, mas seus olhos mudam para um tom roxo e sua expressão fica séria. — Olá, Vincent Whitmore.
— Trívia! — Digo rangendo os dentes e dou um passo para trás. — Deixe-a em paz!
— Ah, como o amor é lindo! — Ela diz fingindo emoção e tenta se aproximar de mim. — Surpresa, não é? Pense bem, Vincent. Lembra da Maya do fundamental? Aquela menininha feia e esquecida, que você e seus amigos ignoravam? A que sofria bullying e ninguém fazia nada? Foi essa Maya que eu salvei. Eu fiz dela o que ela é hoje, uma garota forte e com poderes bem maiores que o de todos vocês. Por isso escolhi ela para ser meu último corpo antes de sair de Setealem.
— A Maya era nossa amiga, só não éramos... próximos. — Tento não me embolar, me recordando das poucas vezes que falamos com Maya ou Dener no fundamental. — Mas tudo mudou, e agora você vai deixar o corpo dela!
— Ela sempre foi apaixonada por você, mas você sempre teve olhos só para a Lexie. Quando você se interessou pela Maya, Vincent? Quando ela ficou bonita? — Trívia pergunta com um enorme sorriso no rosto. — É o fim do jogo, Vincent, mas vou deixar você fazer sua última jogada. Seja meu último sacrifício, morra como um herói e a Maya poderá sair com vida. Em outro caso, vou fazer com ela o mesmo que eu fiz com a Ava.
— Por que eu? — Questiono, tendo a grande dúvida pelo qual a Trívia quer tanto que eu seja o último corpo.
— Ah, é pelo entretenimento. — Ela responde.
— Eu aceito, mas quero falar com a Maya uma última vez. — Peço, e logo eu vejo o sorriso satisfeito da Trívia.
Logo, o brilho nos olhos de Maya some, voltando para seu típico castanho. Maya me olha confusa, e eu não sabia se ela tinha ou não consciência da conversa que Trívia e eu tivemos, mas se era a última saída, eu não podia arriscar mais ainda.
— Maya. — Chamo, e ela me encara confusa. — Eu te amo. Eu te amo por quem você é por dentro, e não pelo o que você se tornou.
— Você não pode aceitar esse pacto! — Ela insiste e eu me aproximo e a abraço, enquanto ela começa a chorar de novo. — Não, Vincent!
— Eu não te culpo por nada, entendeu? — Pergunto, me afastando um pouco e olhando em seus olhos. — Estou pronto.
Antes de Maya tentar impedir, Trívia volta a assumir seu corpo. Ela ergue uma adaga dourada e se aproxima de mim, enfiando a ponta na minha barriga algumas vezes. No sinto uma dor aguda, mas não algo que fosse insuportável no início, até ela ir piorando gradativamente. Toco minha barriga e vejo uma grande quantidade de sangue me molhando, e logo sinto meu corpo enfraquecer.
Caio no chão, sentindo cada vez mais dor. Trívia ficou ali na minha frente, me olhando como se estivesse se divertindo, mas a única coisa que pude enxergar foi Maya. Eu esperava que ela não estivesse assistindo aquilo.
• • •
Acordo em um lugar estranho, frio e mórbido. Estava escuro, e eu não estava mais sangrando. Eu parecia estar em um salão com paredes de mármore marrom, e eu não ouvia nada além do eco dos meus próprios passos e de latidos.
Então o céu era assim?
Ou, submundo, como os bruxos costumavam dizer. Eu não sabia muito bem como funcionava o processo, se eu precisava pagar uma taxa ou algo do tipo para continuar morto. Não tinha certeza se minhas ações na terra iriam me levar para um lugar bom ou ruim.
— Não era para você estar aqui!
Ouço uma voz feminina firme, fazendo as paredes desse lugar tremerem. Me viro e vejo uma figura atrás de mim, com aparência adulta e uma túnica preta cobrindo todo seu corpo, e ao lado dela haviam três cães negros e grandes, enquanto ela segurava uma tocha.
— Hécate? — Pergunto surpreso.
Hécate estava de volta.
• • •
Continua...
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