Capítulo 19: Templo Egípcio
Saint Luna, 04 de setembro de 2021
Sábado - 05:10 A.M.
— É sério que iremos à uma missão em pleno sábado de manhã? — Kaylee pergunta indignada ao meu lado, enquanto ainda tentava despertar do sono.
— Pode dar tempo, levando em conta que ela sumiu ontem a noite. — Explico, terminando de vestir minha bota. — Por que Trívia escolhe locais aleatórios?
— Não são aleatórios. São locais com forte carga negativa. — Kaylee diz, prendo o cabelo em um rabo de cavalo. — O problema é que ela faz isso aqui em Saint Luna.
— O berço da magia. — Uso meu tom enfático e logo começo a caminhar para o carro de Kaylee.
O sol havia acabado de nascer. Não demorou muito para chegarmos no ponto, e antes de continuarmos, esperamos Maya e Dener. Assim que vimos o carro de Maya se aproximar do nosso, Kaylee logo voltou a dirigir. Levou cerca de uma hora e meia para chegarmos à ponta da colina, onde o carro não suportaria subir.
Hoje é o primeiro dia de Vincent na Artificial Paradise. Foi por esse motivo que Maya insistiu que não contássemos à ele sobre essa missão, pois Vincent precisava focar da investigação pessoal que faria na empresa. Ela estava certa, mas eu duvido muito que se ele descobrir nossa missão sem ele, não vá ficar chateado.
— Tem certeza que é confiável acreditar nas coordenadas da Lexie? — Maya questiona ao sair do seu carro e vem em nossa direção.
— É claro. Eu mesmo falei com o Kai, ele me contou tudo. — Dener diz enquanto se aproxima.
— Certo. Vamos tentar sermos os mais breves possíveis. Se a situação ficar muito complicada, vamos fugir. — Digo em um contexto óbvio, pois não serviríamos de nada se estivéssemos mortos.
A colina devia ter no mínimo 100m de altura, então presumo que chegaríamos no final em trinta minutos de caminhada. Era cercada de árvores que levavam diretamente à enorme floresta sweet, o caminho possuía uma trilha que estava lá há bastante tempo. Havia muito pedregulho e a subida não era tão estreita, mas mesmo assim, não deixava de ser perigosa.
Esperava que não encontrássemos Trívia ou não precisássemos lutar, mas de qualquer forma, eu estava ciente de que eram eventos os quais não daria para adiar. Passamos as últimas duas semanas treinando, e mesmo que eu não goste muito de lutas físicas, ainda era necessário aprender defesa básica. Eu não era boa com espadas, ou com arcos, ou com armas de fogo. Apesar disso, ainda tinha poderes, os quais aos poucos eu conseguia desenvolver.
Comecei curando plantas mortas, depois, ajudando animais pequenos doentes. Além disso, fizemos alguns feitiços de força para os deuses, mesmo sabendo que Hécate não nos ouviria. No entanto, sabíamos que ela não era a única Deusa presente na nossa religião. Por sermos do panteão grego, nossa devoção era à forma grega de Hécate, que era a representação da Deusa Mãe, mas por também fazermos parte da Wicca tradicional, adoramos também ao Cernunus, deus dos bosques, o rei do carvalho e do azevinho e senhor das matas.
— Eu espero mesmo que isso valha à pena. Logo em uma colina? Não podia ser, sei lá, em uma casa abandonada? — Maya reclama, mas já estávamos quase chegando ao topo. — Grr, eu só vou porque é a futura sogra do Dener.
Apesar das árvores ao nosso redor, dava para enxergar perfeitamente a estrutura no topo da colina. A colina Hemstorne é conhecida pelo seu castelo "assombrado", ou, para outros, uma masmorra. Às vezes alguns adolescentes sobem para fazerem vlogs de terror, inventam histórias, mas mesmo assim a colina era patrimônio histórico. Dizem que era o lar da grande rainha Lua, quando Saint Luna ainda era um vilarejo. Outros acreditam ser um lugar mítico.
— Uau. — Dener comenta, finalmente, ao chegarmos no final.
O castelo era grande e às ruínas. A parede cimentada bege estava bastante quebrada, com janelas e pilastras pouco v
Identificáveis. O chão ao redor era mato puro, e as colunas tinham espécies de símbolos cravados. O lugar era mais bonito do que nas fotos, o que nos deixou admirá-lo em silêncio durante alguns segundos.
— Olhem isso. — Kaylee se abaixa e puxa um celular do chão, que estava coberto de areia e folhas secas. — Acho que é da mãe do Kai.
Nos aproximamos e Kaylee liga a tela do celular. Era protegido por senha, mas dava perfeitamente para ver a foto de uma mulher loira, elegante, de cabelos lisos, bem semelhante ao Kai.
— Eu não sinto nenhuma energia negativa que sirva de base para os rituais nesse lugar. — Comento, sentindo até certa afeição pelo lugar. Eu sabia que era realmente mágico, mas era um tipo de magia difícil de identificar.
— Talvez tenhamos teorizado errado. — Maya responde, logo dando o primeiro passo. — Vamos logo ver o que tem lá dentro.
Lentamente, caminho até a entrada do castelo. Não havia porta, apenas um enorme salão aos pedaços. Não tinha resquício de móveis, apenas candelabros vazios. Ao me aproximar de uma das colunas redondas, notei que havia alguns desenhos e símbolos, cobertos pelo desgaste do tempo.
— Dener, está vendo alguma coisa? — Maya pergunta, se referindo ao óculos mágico de Dener, que olha impressionado ao redor.
— Magia. Pura magia. — Diz, quase como se estivesse vendo outra coisa diferente de nós. — Mas tem uma magia negativa no centro. No centro do templo.
Rapidamente começamos a andar para o centro do castelo, que tinha um vasto salão sustentado por colunas maciças. Havia muitas salas fechadas, o que me dava curiosidade de entrar e ver quais segredos aquele lugar escondia, mas precisava manter o foco e prosseguir até meu destino.
Um som alto nos faz parar.
— O que foi isso? — Pergunto apreensiva, torcendo para que eu não tenha sido a única a ter ouvido.
— Parece um... rugido. — Maya responde. — Mas não igual ao lobisomem do hospital. Parece um rugido de leão.
— O que um leão faria aqui? — Kaylee pergunta totalmente confusa, mas sua dúvida é rapidamente respondida quando um ser aparece por trás das paredes mais a frente.
Eu diria ser impossível, mas meus olhos assimilaram perfeitamente o "animal" que estava na nossa frente. Ele tinha a estrutura do corpo como de um leão, a cabeça de um crocodilo e a parte traseira de um hipopótamo. No entanto, devia medir uns três metros de altura. Rapidamente ele correu até nós, nos fazendo instintivamente correr. Com apenas uma patada, destruiu uma das pilastras na nossa frente.
— Trívia tem cada ideia de idiota, hein. — Maya comenta do outro lado, e o jacatigrepótamo se lança para frente dela, que o segura com a telecinese por alguns segundos. — Dener e Claire, vão! Kaylee e eu vamos distraí-lo!
Tento correr para a passagem que me levaria até meu destino, até onde Trívia faria da mãe de Kai seu próximo sacrifício, mas aquele monstro parecia mais rápido. Parecia que seu objeto era proteger aquele lugar a todo custo.
— Não vamos conseguir passar. — Kaylee diz sacando sua nova espada e se posicionando. — Cabeça de crocodilo, corpo de leão, traseiras de hipopótamo. Isso não é um castelo. É um templo abandonado!
— Você sabe o que é isso? — Pergunto, pois visivelmente Kaylee havia captado todos os sinais e os símbolos nas paredes.
A criatura era rápida demais, conseguia atacar nós quatro quase que ao mesmo tempo. Me escondo atrás de uma das pilastras e me concentro nas energias ao redor, mas aquelas energias não pertenciam à mim.
— Te vires ramorum teneant. — Recito a conjuração, e logo vejo galhos longos e grossos brotarem do chão e prenderem as patas da criatura. Ela se debate e ruge tão alto que as paredes tremem.
— Templo abandonado? — Dener questiona confuso.
— É um templo do panteão egípcio. Bruxas egípcias. — Kaylee responde ofegante, em meio aos gritos do monstro. — Ammit. Na mitologia egípcia, era um demônio fêmea, uma criatura do Salão dos Mortos. No dia do juízo final, se o coração de um indivíduo fosse pesado, Ammit deveria devorá-lo. Assim, a alma dessa pessoa iria vagar por toda a eternidade.
— Eu nem sabia que bruxas egípcias existiam! — Respondo, percebendo que os galhos não iriam durar muito tempo, pois Ammit estava enfurecida.
— Bruxas existem em qualquer lugar. São diversos panteões: grego, que é o nosso, romano, que é o de Trívia, brasileiro, celta, egípcio. Mesmo assim, Hécate continua sendo a maior deusa da magia em qualquer lugar, qualquer religião, em qualquer panteão.
— Uau, que poético. Mas agora temos que ir logo antes que essa coisa... — Maya começa a gritar, mas o som do galho quebrando nos trouxe de volta ao assunto principal.
Dener atira uma flecha na Ammit, que se esboça cada vez mais enfurecida. Ao mesmo tempo, Kaylee golpeia Ammit com nas pernas, fazendo-a dar um pulo para trás. Ammit tenta abocanhá-la, mas Maya a empurra e logo faz com que o bracelete em seu pulso se transforme em um chicote que exilava eletricidade, prendendo Ammit como um rodeio.
Havia uma enorme pedra na entrada em que nos levava até o salão principal. Era como uma porta gigante que nem sequer notamos que estava ali, então me aproximo e a toco com as duas mãos.
— Subversio.
As paredes da rocha começam a se partirem lentamente, formando rachaduras que logo mais destruiriam aquela passagem, como se a força viesse de uma explosão.
Tudo acontecia rápido demais, e eu só ficava pensando no que Trívia queria ao fazer um ritual em um templo egípcio.
Maya, ainda com o controle de Ammit, encarava a criatura no fundo dos seus olhos. Elas pareciam estar tendo uma espécie de comunicação, e de repente, os olhos de Maya mudam do castanho para um dourado brilhante. Ammit ruge mais alto e consegue se soltar do chicote, mas para a surpresa de todos, ela dá um passo para trás e sai correndo para as profundezas do templo. O chicote na mão de Maya logo volta ao seu formato de bracelete, prendendo novamente seu pulso.
— O que foi isso? — Kaylee pergunta tão surpresa, que nem ela conseguia explicar.
— Não sei. É só como se eu conseguisse falar com ela. — Maya apoia as mãos nos joelhos e respira fundo. — Ammit não é uma criatura maligna e não foi enviada por Trívia. Ela só estava defendendo o templo.
— E desde quando você fala com criaturas míticas egípcias? — Pergunto desconfiada, mas aquela era uma resposta que nem Maya sabia.
— Vamos logo. — Ela diz, e só então percebo que o caminho onde havia a pedra já estava livre.
— Ammit pesa o coração das pessoas no dia do juízo final. Divide o bem do mal de acordo com suas ações em vida. — Kaylee diz, andando ao nosso lado. — Jeremy, com seu discurso nazista, Alfred, com suas acusações de pedofilia. Soraya, a professora de teatro, o que ela tinha?
— Vincent descobriu que ela tinha uma passagem na polícia por maus-tratos à filha de dois anos. Tinha problemas com bebidas, o marido a largou com a filha pequena, a quem ela descontava a raiva e a frustração. — Dener responde.
Conforme continuávamos o caminho, cada vez ficava mais escuro. A névoa densa típica da presença de Trívia estava cada vez mais em evidência, e o ar começava a ficar frio. O salão central estava iluminado por velas pretas, e no centro, o altar.
— Estão gostando do passeio egípcio?
A voz irritante de Trívia, dessa vez, estava presa ao corpo de uma garota que nenhum de nós conhecia. Ela aparece das sombras, do outro lado do salão. Sem pensar muito, a atacamos. Trívia estava cada vez mais forte e poderosa, e conseguiu facilmente tirar a espada de Kaylee e jogá-la longe, paralisar o corpo de Maya, colocar Dener em um sono profundo e amarrar meu corpo a correntes de sombras.
— Onde está a mãe do Kai? — Kaylee pergunta, ofegante, com o corpo coberto de poeira.
— Meu quarto item de ritual? Morta. Vocês chegaram tarde demais, mas foi legal vê-los tentar. — Trívia diz e solta uma risada, apontando para o teto.
Lá pudemos ver o corpo da mulher pendurado, balançando como se fosse um lustre. Os órgãos estavam expostos e muito sangue escorria pelas suas pernas.
Um símbolo brilhante aparece acima de nós, agora, com a quarta ponta acesa.
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