Capítulo 15: Segundo Ciclo
Saint Luna, 17 de agosto de 2021
Terça-feira - 11:03 A.M.
Quando me dou conta, eu havia corrido para dentro de um enorme corredor e estava tropeçando em algumas macas. Já havia perdido Maya, Dener e Claire de vista, mas torcia para estarem bem. O comunicador que Vincent colocou em nós falhou. Houve uma interferência.
Puxo a adaga e dou um chute em uma das criaturas e rapidamente pego a adaga no meu cinto. Seguro com força e acerto bem na garganta de um deles, vendo-o se afastar e sangrar um sangue preto, até finalmente desfalecer. Os menores pareciam não ser tão difíceis de morrer, o problema é que tinha vários.
Dou um chute traseiro e uma rasteira quando um deles tenta me pegar por trás. Esses seres não tinham pelo, apenas o que pareciam ser escamas. Enfio a faca na nuca de um e, ao mesmo tempo, pego a pistola e atiro em uma fileira dos que vinham correndo até mim. Por sorte, eu já estava acostumada a lidar com armas de fogo e a minha mira era boa.
Um, dois, três, dez, quinze... vários deles se juntam até mim formando um tapete negro. Subo em uma das macas, enquanto continuava atirando e começo a correr, saltando de maca em maca. Elas sacodem com o impacto do meu corpo, então fico estática por alguns segundos até retomar o equilíbrio e finalmente chegar a outro enorme corredor, rumo à ala pediátrica.
Desço da última maca e começo a correr na direção onde vejo menos daqueles seres. Tento abrir uma enorme porta de aço, que noto pelo letreiro que me levaria ao centro de triagem, onde havia um elevador de emergência, que julgo ao nome, funcionar sem energia elétrica.
Empurro a porta com força, mas ela não abria. Olho para trás e vejo a enorme criatura bestial se aproximar de mim, com saliva descendo pela sua boca como se estivesse prestes a fazer uma degustação. Eu daria tudo para ter meus poderes agora. Aponto a arma para ele e atiro na sua cabeça algumas vezes, mas agora parecia não fazer efeito. Ele se acostumou com o dano da minha bala.
Calculo mentalmente rotas de fuga, tentando aproveitar meus segundos restantes. Começo a entrar em desespero quando vejo que todas as saídas estavam bloqueadas, e que nem na minha tentativa mais inútil eu conseguiria escorregar por debaixo da criatura. Como câmera lenta, a criatura ruge próximo ao meu rosto e levanta as garras, pronto para me acertar fundo.
De repente, o monstro é puxado para trás por uma espécie de corda. Vejo o chicote enrolar no seu corpo, e quando consigo ver melhor, era Maya atrás da besta. Conforme o ser tentava se soltar, a corda o apertava cada vez mais. O som do grito da criatura atrai outros dos filhotes, que correm na nossa direção. Rapidamente pego a arma e começo a atirar em cada um, mas em fração de segundos, a munição acaba. O tempo de recarregar foi suficiente para a criatura puxar o fio do chicote e fazer Maya cair, deixando-o livre. O monstro fica em dúvida de com qual acabar primeiro, mas por fim, me escolhe. Acho que ele gostaria de terminar o que começou.
— Não! — Maya grita e então ouço um som muito familiar à ferro dobrando.
A porta atrás de mim, que estava impossível de abrir, é solta como a peça de um brinquedo. Maya fechava as mãos, que eram rodeadas por uma chama azul, que preenche todo o redor da porta de metal. A porta logo voa com força na direção da criatura, que é lançada para longe.
— Vamos! — Corro segurando a mão de Maya até a passagem que a mesma abriu, passando por outro corredor, que conforme andávamos ficava cada vez mais escuro.
Paro de correr quando sinto Maya parar também. Vejo o que havia de errado, e percebo a besta atrás dela, com as unhas cracas bem na direção do seu coração. Olho atordoada ao ver sangue escorrer pelo corpo de Maya, manchando toda a sua roupa.
— NÃO! NÃO! NÃO! — Grito, me arrependendo mentalmente de não ter levado uma espada comigo.
O monstro ergue Maya no ar, ainda com as unhas dentro do corpo da minha amiga, jogando-a longe, tão forte que quebrou uma coluna de concreto. Me sinto uma fraca por paralisar no momento que mais precisavam de mim. Eu era a próxima, vi isso nos olhos da besta.
Sou salva (novamente) por uma flecha que atinge o monstro na garganta. Ele começa a se debater e tenta tirar a flecha da sua garganta. Dener surge do corredor lateral, acompanhado de Claire, que imediatamente corre para a direção de Maya.
— Desculpa! Desculpa! — Digo segurando o choro, e Dener olha apavorado para a irmã.
A besta, que era quase imortal, se tira a flecha de Dener da garganta e avança na nossa direção, mais furiosa que nunca. Um exército dos outros seres menores vêm correndo junto, mas eram vários. Sentia que nosso fim estava próximo.
Não!
Um sentimento indescritível começa a sair de mim, e é como se eu pudesse ouvir as vozes de todos aqueles que agonizaram no hospital. Homens, mulheres, crianças, idosos. Todos morrendo, agonizados, doentes, assassinados.
Toda essa energia se junta como um espiral ao redor do meu corpo. Por mais que essa seja a energia que estão usando para os rituais, também era favorável para mim. Eu conhecia meu avô, soube que ele era um bruxo satânico, logo herdando para minha mãe, que herdou para mim.
O caos sou eu.
Uma explosão sai de mim e atinge diretamente a besta, eletrocutando-o por inteiro. Sinto um alívio imediato quando deixo o poder sair de mim, vendo o monstro gritar de dor e se desfazer em fumaça, soltando várias faíscas até explodir em névoa totalmente. Sinto meu corpo fraquejar, mas uso minha força para andar até Maya e me sentar no chão ao seu lado.
— Ela está bem mal. — Claire diz com lágrima nos olhos, segurando firmemente a mão de Maya, que por incrível que pareça ainda estava consciente.
— Está... doendo. — Ela diz, cuspindo um pouco de sangue. É estranho vê-la sem fazer piada ou deboche com alguma coisa. — Dener!
— Eu estou aqui. — Dener diz, sem controlar as lágrimas.
— Precisamos voltar, chamar uma ambulância! Que se dane o padeiro, ele não vale a vida da Maya! — Digo furiosa, tentando me levantar e Maya começa a agonizar. — Vamos!
— Não vou deixá-la. — Claire diz fechando os olhos com forças. Maya já não nos respondia mais.
Vejo uma aura correr ao redor de Claire e sinto uma energia transparecer dela. Era totalmente diferente da minha, eu diria o oposto. É como se sua energia nos transmitisse força e vitalidade, o que fez Maya dar seu feliz suspiro.
O ferimento na sua barriga começa a cicatrizar lentamente, mas não totalmente. Maya pisca várias vezes, se forçando a se sentar sozinha. Estava quase renovada.
— Santa Deusa! — Dener braveja, abraçando Maya com força.
— Claire. — Digo impressionada, e a mesma me olha com surpresa do próprio ato. — Você a curou.
— E você matou o monstro. — Claire comemora, e então nos abraçamos felizes. Era uma vitória a mais.
— Chega de chororô. Vamos para o terraço. — Maya se levanta com certa dificuldade, ficando de pé ainda com o salto alto. — Ai que dor!
— Você precisa se recuperar melhor. — Bravejo ao levantar também, segurando firme minha adaga. — Não sabemos o que vamos enfrentar lá em cima.
— De qualquer forma não sabemos se não enfrentarmos. — Maya conclui, caminhando até o elevador de emergência.
Entramos juntos, e felizmente o elevador funciona. Ele faz um ruído estranho, mas era resistente, mesmo com o tempo. Ao chegarmos no último andar, descemos e subimos as escadas para o terraço, o qual não era ao alcance do elevador.
— Demoraram! Ah, meu filho os atrapalhou? — Ouço uma voz de deboche e vejo uma mulher parado ao outro lado do terraço, com Alfred de cabeça para baixo, levitando acima de um altar com o heptagrama. — Estava esperando vocês.
Forço a visão e, então, levo um choque ao notar de quem era a voz tão familiar.
— Amber? — Pergunto, lembrando-me da minha rival do esgrima.
— Aqui quem fala é a Trívia. Amber está, hm, digamos que indisponível. — A mulher responde se aproximando em passos curtos, e no lugar onde deveria estar os olhos azuis brilhantes de Amber, havia uma luz roxa, quase neon. — Finalmente pude conhecê-los, mas... está faltando um, não?
— Vincent. — Maya conclui rangendo os dentes. — Sabia que viríamos.
— É claro. Por que acham que adiei meu ritual apenas para uma apresentação especial para vocês? — Ela questiona, só então percebo a athame na sua mão.
— Trívia. — Dener repete o nome do ser que possuía Amber. — Deusa romana da magia, a versão plagiada de Hécate.
— Mais respeito com os mais velhos! — Trívia diz quase que ofendida. — Aparentemente alguém me conhece. Não sou a versão de Hécate, meu bem. Eu sou apenas Trívia, muito melhor e mais forte. Sou o começo e o fim, sou a forma física da magia, sou uma deusa, uma titã. Sou a lua nova, a escuridão, a morte!
— Se é tão forte assim, por que precisa dos rituais? Para que precisa dessas pessoas? — Claire questiona, mas eu não queria conversar. Queria apenas matá-la.
— Acontece que no momento eu não passo de uma entidade medíocre. Parte de mim está presa no Sete, e de sete preciso para me libertar e voltar a ser quem eu era. Adorada por muitos, onisciente... as cascas humanas as quais possuo são frágeis demais! — Trívia passa a lâmina da athame na barriga de Alfred. — Tenho certeza que as pessoas as quais matei até então não farão falta para a civilização de vocês. Apenas preciso do sangue desses ratos imundos!
Antes da Trívia enfiar a athame de vez em Alfred, uma flecha atinge. Sua mão. Trívia olha friamente para a flecha, e em seguida para quem atirou: Dener.
— Onde está Hécate? — Ele questiona, e Trívia abre um sorriso como quem estivesse esperando essa resposta.
— Não precisa se preocupar, Densrzinho. Em breve não haverá Hécate e nem panteão grego. Vocês poderão fazer os rituais em meu nome. Prometo ser boazinha. Mas, se ficarem no meu caminho, terei que matá-los. — Trívia diz cantarolando.
Olho para cada um deles, pensando se valia a pena ou não. A resposta era óbvia: Trívia era uma deusa narcisista, e se está presa é porque há alguma razão. Certamente, a pessoa que pegou o livro das sombras, ajudou a libertá-la. Mas Trívia ainda não está totalmente livre – parte dela está em Setealem, e aos poucos, a cada ritual, está mais próxima do nosso mundo, da nossa realidade.
É então que partimos para a briga. Penso em atirar contra Trívia, mas mesmo assim não queria ferir Amber. Apesar de tudo, ela era humana.
Éramos quatro contra uma. Quatro bruxos iniciantes contra uma deusa milenar no corpo de uma patricinha. Talvez fosse fácil, como se fossemos protagonistas da história que derrotam o vilão com anos de treinamento.
Conforme nos aproximamos, Trívia cria uma parede de plasma na nossa frente. Sinto como se uma força invisível me empurrasse para longe, e logo tento buscar a mesma energia que liberei mais cedo, mas não a encontro de jeito algum. Precisava de um gatilho. Nossas armas eram poucas, fracas, inúteis.
Apenas Dener, que era o único que trouxe uma arma de alcance a distância, começa a aturar flechas na direção da entidade, que quebra todas no ar. Ela era rápida, mas enquanto não estivesse totalmente no nosso mundo, não era invencível. Sombras no chão começam a criar a forma de outro monstro, dessa vez mais humanoide. Também feito de sombras e com os olhos cinzas brilhantes, a criatura estica vários braços ao redor do seu corpo, que nem sólido era, na nossa direção.
— Maya e Claire, tentem tirar Alfred daqui! Dener, preciso de ajuda com as flechas. — Oriento, tentando encontrar o ponto fraco daquela criatura.
Respiro fundo e me concentro nos meus poderes, vendo Maya e Claire avançarem contra Trívia e entrarem em uma luta corporal. As flechas de Dener acertam o monstro, que inquietamente as suga para dentro como um buraco negro. Ele me acerta com um dos braços, fazendo-se cair não tão longe. Com minha faca, tento acertar um de seus membros, mas o efeito foi quase que inútil.
A criatura das sombras avança contra Dener, que corre na direção oposta de onde Trívia estava. Atiro mais algumas vezes, fazendo a criatura voltar sua atenção para mim. Droga, onde estava os meus poderes quando eu mais precisava?
Em um piscar de olhos, vejo duas pessoas extremamente familiares aparecerem entre o monstro e eu. Se teletransportaram.
O casal, que seguravam espadas longas muito semelhante, lutam um de costas com o outro, cortando os braços da criatura. A espada não era uma espada qualquer, e sim útil contra seres sobrenaturais, mesmo aqueles que não possuem forma física. Os dois giram seus corpos e as lâminas no ar, quase ao mesmo tempo, liberando uma outra forma de magia dentro de si e atingindo a criatura em uníssono.
Ava e Lucas eram bruxos também.
Em um golpe final, o monstro se desfez em fumaça assim como a besta que matei no andar de baixo. Antes de perguntar algo idiota do tipo "o que vocês estão fazendo aqui?", vejo Maya e Claire serem jogadas para longe.
— Bela tentativa! Mas, ainda sou mais forte. — Trívia ri, e então sinto meu corpo paralisado. Literalmente paralisado.
Finalmente, o sangue do corpo de Alfred começa a escorrer enquanto Trívia fazia uma trilha com a lâmina pela sua barriga. O homem, que antes estava inconsciente, começa a gritar e agonizar de dor. Trívia segura uma vasilha e deixa o sangue de Alfred escorrer até preenchê-la, e logo uma forte ventania corre sobre nós. O céu estava mais escuro que nunca, e lua não estava visível.
— O segundo ciclo! — Trívia diz agradecida, e então a luz de um heptagrama surge no meio do terraço, iluminando a segunda ponta.
Eu já estava fraca, não queria mais lutar. Todos estavam exaustos também, e Trívia, desde o começo, sabia que estaríamos cansados demais para lutar. O corpo de Alfred cai com brutalidade no chão, e Trívia sorri satisfeita.
Uma fumaça preta sai do seu corpo, e Amber cai no chão. O espírito de Trívia havia a deixado. Não precisava mais da sua casca.
O segundo ciclo estava completo.
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