Capítulo 20 - O caçador de lobos
olá lindxs,
meu marido foi hospitalizado novamente. peço energias de cura pra ele. como eu tinha deixado alguns capítulos prontos aí vai mais uma att pra vcxs.
bjokas. se tudo der certo att na segunda ou terça.
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Capítulo 20 – O caçador de lobos.
Olhou para a estalagem no instante em que uma carroça, enfeitada de guirlandas nupciais fazia alto diante da porta. A noiva, risonha e coroada de flores, desceu do veículo com o noivo, seguidos por mais convidados em trajes festivos.
A luz se despejava no terreno nos fundos da estalagem como uma poça de mel aquecido, brotando de seu pórtico coberto. Filipe ouviu mais risos quando o jovem casal foi recebido pelo grupo de convidados, reunidos no interior. A música ritmada de uma flauta encheu o terreiro escuro assim que teve início à comemoração, e os dançarinos escolheram seus pares, sob as telhas gotejantes.
Filipe observou os dançarinos, tomado de nostalgia. Depois olhou para a entrada do estábulo. Encurvou as mãos quando seu corpo começou a formigar com uma súbita ideia. Tomando uma funda respiração cruzou o pátio às pressas até a carroça que ficou estacionada, entulhada de presentes para os recém-casados.
Agachando-se, tateou às apalpadelas entre as caixas e pacotes cobertos. Após um momento de procura, puxou uma calça comprida de pano tecido em casa, tingido de azul mar, uma jaqueta cor de ferrugem e uma blusa de linho. Sorridente, embolou as três peças e correu de volta ao estábulo.
O falcão continuava inquietamente empoleirado na beira de um caibro. Filipe deixou as roupas sobre a palha, alisou-as com as mãos e ergueu os olhos para a ave. – Não posso garantir que estejam na medida certa, mas... – sorriu, embaraçado. – Bom proveito! – murmurou, e tornou a sair para a chuva.
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Elazar caminhou penosamente através da floresta, enquanto ia escurecendo, debaixo da mesma chuva torrencial. Seguiu a estrada na direção que Filipe e o falcão haviam tomado, permanecendo escondido pelas árvores; era incapaz de resistir à compulsão que o fazia segui-los, mesmo que quisesse outra coisa. As singulares sensações físicas da mudança se tornaram mais intensas em seu corpo, ficou mais insistente o despertar de estranhos instintos em sua mente à medida que se aproximava o pôr-do-sol. Tirou as luvas, uma de cada vez, afrouxou o gibão e despiu as roupas, símbolo de sua humanidade, representando agora apenas um empecilho para o animal em que logo se transformaria.
Pelo menos esta noite seria diferente, de certo modo, de todas as anteriores... pelo menos, Isaac não ficaria sozinho e sem amigos na escuridão. Pela primeira vez, desde que começaram essa jornada no chão eles tinham um aliado... o mais improvável que ele esperaria encontrar a seu lado. Uma gratidão relutante o invadiu, ao recordar a saudação de despedida de Filipe, mesclada a uma pontada de amarga esperança.
Elazar olhou subitamente para trás, quando os instintos animais já despertando lhe disseram que não estava mais sozinho na floresta. Parou no meio de uma pequena clareira, procurando, aguçando os ouvidos. Um cavalo aproximava-se... eram dois... havia um homem circundado pelo cheiro de lobos — e o cheiro da morte.
Na mente de Elazar houve uma aguilhada de pânico, ao perceber o quanto estava vulnerável. Agora não... por que tinha de ser agora? Começou a correr, acabando de tirar as roupas com desajeitada precipitação. Na retaguarda, ouviu o caçador chegar com seu cavalo até a clareira e estacar de súbito, pois percebera movimento.
Elazar olhou para trás. Durante uma batida de coração, seus olhos encontraram o olhar mortal do homem vestido em peles de lobo, exalando um odor de sangue. Ficou rígido. Então, atirando fora a camisa, correu desesperado, tentando ocultar-se na proteção das árvores.
A mudança o apanhou a meio caminho, enquanto fugia. Uma força além de seu controle o dominou em sua garra sobrenatural, traspassando a carne e os ossos do homem para transformá-lo no corpo de um animal, modificando-o inexoravelmente. Uma onda trêmula de escuro esquecimento passou por ele... e, ao desaparecer, Elazar se fora. Um enorme lobo negro caminhava por entre as árvores.
O caçador ficou imóvel em seu cavalo, fitando a floresta sombria com o cenho franzido de medo.
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Filipe terminou de mudar as roupas debaixo dos beirais gotejantes do estábulo, cantarolando satisfeito, no ritmo da música que vinha da estalagem. Tornou a olhar para as portas do estábulo e parou de cantarolar, tentando ouvir alguma voz ou som que viesse do interior. Nas florestas além do estábulo havia um negrume de breu. A esta altura, a hora do pôr-do-sol já devia ter passado há muito e...
– Senhor? Senhor? – chamou suavemente. Não houve resposta. – Vou entrar! – anunciou mais alto. Precipitou-se para o interior do estábulo, mas ali não havia sinal do falcão ou de quem quer que fosse, em todo o sombrio recinto. Ele ouviu, o coração batendo mais forte, mas seus ouvidos aguçados captaram apenas o relincho de um cavalo, música amortecida e o tamborilar da chuva.
– Senhor? – repetiu, incerto. Sua voz extinguiu-se. – Senhor, sou eu...
Algo roçou seu braço, por trás. Filipe gritou e girou sobre os calcanhares. Isaac destacou-se das sombras, usando o traje que ele roubara. Tinha os olhos cheios de gratidão, enquanto as mãos tocavam o tecido da calça comprida.
Embaraçado, Filipe engoliu em seco, depois sorriu com prazer, baixando os olhos. Disse, vacilante – Filipe, o Corajoso, lembra-se?
Isaac sorriu em retribuição, como um candeeiro na escuridão, e assentiu. Estendendo o braço, afagou carinhosamente o pescoço arqueado de Trovão. Depois olhou para a porta, para a chuva no lado de fora e para a noite.
Filipe ergueu a cabeça. Disse, cauteloso – Vivo. Como o senhor. Cheio de esperança. Como o senhor.
– Ele está nos levando a Moldovan, então ele não desistiu dos planos que teve. — disse Isaac.
– Sim, ele ainda quer sua vingança – assentiu Filipe, relutante. Uma escura sombra agourenta toldou o olhar de Isaac. Respirando fundo, ele acrescentou, com mais animação – Ele o deixou sob meus cuidados, como pode ver, por sua espada ali adiante. "Diga a ele que nós dois falamos como um", foi como disse. "E ele seguirá suas instruções como se fossem minhas".
– De fato. – Isaac ergueu os olhos, torcendo a boca, enquanto estudava os caibros por um longo e reflexivo momento. Depois tornou a fitá-lo e sorriu de novo. – O que... você recomenda?
– Recomendo que se sente ao lado de um bom fogo – disse Filipe com firmeza. – Que beba uma taça de vinho doce e dance ao som de uma música animada, tocada com alegria. – Filipe apontou para a estalagem.
– Dançar? – perguntou ele, tão incrédulo como se o rapaz o tivesse convidado para caminhar nas nuvens.
– Por que não? – O sorriso dele interrompeu-se novamente. Isaac olhou pela porta aberta do estábulo, na direção da luz e da música. Filipe viu seu rosto deixar transparecer uma admirada percepção, ânsia e dúvida. Era como a face do prisioneiro que ficou trancado em negra solidão, a ponto de até mesmo a lembrança da música e do convívio humano não passar de um sonho.
Os compassos iniciais de uma nova melodia infiltraram-se pela porta aberta. Filipe fez uma rápida mesura para Isaac oferecendo-lhe a mão, como um galante lorde. – Praticamos um pouco?
Sorrindo com hesitante prazer, ele lhe tomou a mão e fez uma graciosa mesura. Filipe passou o braço em torno dele e começou a guiá-lo através dos passos e volteios da agitada dança camponesa. A princípio Isaac se moveu de maneira tão incerta como se dançasse sobre os ovos. Contudo, a cada vez que seus pés repetiam os passos, mostravam-se mais confiantes, até estar rodopiando tão alegremente à música como se houvesse nascido dançando. Suas faces pálidas estavam rosadas e os olhos brilhavam.
Depois de dez anos gerenciando uma boate. Onde música eletrônica era constante. Dançar ouvindo a música simples das pessoas do chão. Pessoas como ele. E com um bônus. Estava nos braços de seu segundo companheiro. O calor de Filipe, seu cheiro misturado com o cheiro fraco de Elazar. Isaac não sabia como o lobo estava conseguindo segurar o desejo de acasalar com pequeno humano. Mas, ele entendia as razões do Alfa. Se tudo desse errado eles não sobreviveriam mais tempo. Como poderiam marcar o rapaz e depois abandona-lo sozinho no mundo. Seria melhor se nunca tivessem se encontrado.
Quando a dança terminou, virou-se ofegante para Filipe, batendo palmas e rindo com alegria. O sorriso dele ampliou-se, ao sentir os ouvidos inundados pelo riso do seu companheiro, algo mais belo para ele do que a música de cem canções. Era a primeira vez que o ouvia rir e, observando-lhe o rosto admirado, notou que estava tão surpreso quanto ele, ante a beleza daquele som.
Isaac apertou as mãos de Filipe e seus olhos cintilaram como esmeraldas, cheios de inesperada emoção. O shifter o puxou juntando seus corpos. Podiam sentir partes do corpo que antes estavam adormecidas, despertando diante do desejo. Isaac era mais alto e curvou-se tocando suavemente os lábios de Filipe com os seus. Diante da dominância do falcão o jovem rapaz abriu a boca deixando escapar um doce gemido. Sem perder tempo Isaac selou os lábios juntos num beijo incerto no começo e urgente no final. Faminto. Desesperado. Sorvendo os sabores um do outro.
Filipe afastou-se dele, soltando-lhe as mãos, o coração transbordante. De repente sentiu medo de insistir em testar mais suas promessas de cavaleiro. Cruzou o estábulo em largas passadas até a espada de Elazar e, ajoelhando-se, ele a apanhou.
O sorriso de Isaac era estranhamente condescendente, quando Filipe tornou a fitá-lo. – Oh, então pretende ser também meu protetor? Fico envaidecido. – Elazar não deve ter falado que Isaac era versado nas artes da guerra, do combate corpo-a-corpo. E mesmo sendo um ômega, era mais forte do que muitos shifters e com certeza derrubaria facilmente um humano.
Filipe assentiu. – De certa maneira, senhor. A verdade é que... – seu sorriso ficou tímido – bem, ele me mataria, se eu perdesse sua espada.
Embrulhou cuidadosamente a espada em um pedaço de estopa, a fim de protegê-la do tempo e de olhares curiosos. Isaac apanhou uma coberta dos cavalos e a jogou sobre ambos, com os olhos antecipadamente animados. Os dois esgueiraram-se pela porta do estábulo e correram para a estalagem, de cabeça abaixada contra a chuva.
De repente um cavalo materializou-se na escuridão. Os dois se chocaram cegamente contra o flanco do animal e tropeçaram, surpresos. Filipe ouviu Isaac ofegar, quando ela ergueu os olhos. Olhou também e até esqueceu de respirar, ao ver o rosto do estranho.
O homem era enorme, com barba negra e cicatrizes abaixo de um olho. Ele os fitou com a expressão implacável da cabeça de um morto. Seu rosto estava raiado de sangue, que nem a chuva conseguira lavar inteiramente. Com forte sotaque estrangeiro, disse – Vejam por onde andam! – Era como se da próxima vez o erro pudesse ser fatal.
– Sim, senhor – disse Filipe, acanhado. – Obrigado, senhor. – Tomou o cotovelo de Isaac, tentando afastá-lo dali, mas ele permanecia estático, olhando além dele, com o rosto cheio de horror. Filipe olhou na mesma direção. O cavalo de carga do caçador levava uma enorme pilha de peles de lobos mortos recentemente, formando um emaranhado fantasmagórico de pelames, sangue e olhos sem vida.
Isaac gritou, mas Filipe o puxou para si, segurando-o nos braços, virando-lhe o rosto para que não visse mais aquela cena. — Isaac! Isaac! — sussurrou. – Não é ele. Nós saberíamos se ele morresse. Doeria em nossa alma. Acalme-se.
Os lábios do caçador repuxaram-se em uma espécie de sorriso zombeteiro, mostrando dentes arruinados. – Isaac? – murmurou. – Isaac... – O sorriso acentuou-se.
Filipe fez Isaac ficar às suas costas e puxou a cobertura da espada de Elazar. Erguendo-a com esforço, apontou a lâmina para o rosto do caçador. — Toque nele um só instante e encontrará isto no chão, perto de sua cabeça! Agora, vá embora!
Os lábios do caçador encurvaram-se, divertidos. Estirou a mão, em uma súbita finta, mas a puxou bruscamente, quando Filipe fez menção de atingi-la com a espada. – Calma, homenzinho! Não pretende ferir um homem por ele ganhar a vida, não é mesmo?
– Está surdo? – bradou Filipe. – Vá embora!
Espetou o traseiro do cavalo do caçador com a ponta da espada. O animal saltou para diante e disparou, levando o caçador e sua carga hedionda para a escuridão da noite. Filipe se virou, triunfante. – Bem... Acho que mostramos a ele como...
Sua voz sumiu. Isaac não estava mais ali. Virando-se para o estábulo, ele ouviu um ruído no interior. Isaac irrompeu na entrada do estábulo, montada no garanhão negro. Seus calcanhares se fincaram no corpo do animal, passando em disparada ao lado de Filipe, como se ele fosse invisível. Ele saltou rapidamente para um lado, escapando por pouco de ser atropelado.
Isaac galopou para dentro da noite, seguindo o caçador. Filipe levantou-se da lama e contemplou a escuridão vazia, em desespero. – Ele vai me matar! – gemeu. – Ele vai me matar!
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