Capítulo 19 - Toda maldição pode ser quebrada
Olá lindxs,
Desculpem esses 20 dias sem postagens. Além das festas de fim de ano meu marido foi hospitalizado duas vezes. Ele agora está melhor. E vamos ver onde a história nos leva.
Espero que gostem. Cliquem na estrelinha e façam um comentário.
bjokas e até a próxima att.
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Capítulo 19 – Toda maldição pode ser quebrada
Elazar desmontou rigidamente do lombo de Trovão, ao ver que o rapaz conseguira escalar o caminho de volta em segurança. Não presenciou tudo o que levou àquilo, mas o que viu tinha sido suficiente. Erguendo os olhos, perscrutou os céus, em busca de algum sinal do falcão.
– Hoi! – gritou. – O vazio e o silêncio foram sua resposta. O vento sibilou ao longo da crista despida da montanha. – Hoi! – ele tornou a gritar, com desespero na voz. Os ecos de seu chamado rolaram através da terra e extinguiram-se. Não havia qualquer sinal do falcão. Elazar voltou para junto de seu cavalo, cabisbaixo, de coração oprimido.
Um grasnido estridente encheu o ar acima dele. Elazar ergueu vivamente a cabeça e então viu o falcão que descia em voo espiralado, batendo as asas com imprecisão. A ave pousou pesadamente em sua mão enluvada, fazendo-o piscar, depois encrespou as asas em reconhecimento.
Elazar acariciou ternamente a cabeça selvagem, os olhos preocupados buscando o lugar em que o falcão tinha sido ferido. – Shhh... – murmurou. – Quietinho agora fique quieto... Apertou-o contra o coração e a ave o bicou bruscamente por aquela excessiva familiaridade. Elazar puxou a mão com rapidez e sua boca se torceu em um sorriso tristonho. – Então é assim que acolhe seu companheiro, é?
Subiu para a sela lentamente. Seus ferimentos em cicatrização ainda provocavam considerável dor, mas Elazar sabia que não eram fatais. Podia suportar o sofrimento. E agora, com o falcão de volta ao lugar que lhe pertencia, seu braço, a dor realmente insuportável que sofreu naqueles últimos dias tinha desaparecido como se nunca houvesse existido.
Guiou seu cavalo montanha abaixo, em direção à abadia arruinada e a Damastor. Mantivera-se afastado até então, não apenas devido à fraqueza física, mas porque não confiava em si mesmo se encarasse seu traidor, sabendo que precisava dele... que Isaac precisava dele. Contudo, ficou vigilante no alto da montanha, recebendo um frio conforto com os relatórios gritados de Filipe ao alvorecer, e sabia que, desta vez, o monge não falhou.
Teve tempo para perceber o que Filipe devia estar fazendo naquela emboscada – que o rapaz, provavelmente, foi forçado a traí-lo. No entanto, Filipe pagou com juros qualquer traição, salvando o falcão... salvando Isaac.
Em sua montaria, Elazar passou pelo portão danificado e subiu a ladeira. Parou diante da entrada da abadia. Damastor Menjou aproximou-se, cruzando a ponte levadiça sem hesitação, em passos rápidos.
Elazar ficou tenso, quando seus olhos encontraram os do homem cuja fraqueza havia causado tanto sofrimento, a ele e ao homem a quem amava. Crispou os punhos que seguravam as rédeas.
Damastor parou, ao perceber sua expressão. Os dois homens estudaram-se por um longo momento, frente a frente pela primeira vez, depois de dez anos.
Elazar disse por fim – Imaginei que você devia estar morto, velho. Houve vezes em que eu mesmo quis matá-lo. – Tomou uma respiração funda e encontrou forças para acrescentar – Sou grato pelo que fez por Isaac.
O monge assentiu e baixou os olhos. – A vingança, assim como o perdão, é privilégio do Deus Único – falou. – E Ele me perdoou. – O tom de sua voz era o de quem realmente acreditava no que dizia.
– Eu não sou o Deus Único e nem seguidor dele – respondeu Elazar, com amargura. – Não o perdoei. E não posso esquecer. – Desmontou. Pelo canto do olho viu Filipe surgir à entrada. O rapaz ficou olhando para os dois em silêncio.
– O que irá fazer então? – indagou Damastor, lamuriosamente. – Matar-me? Matar Sua Excelência Reverendíssima? – Relanceou os olhos para o falcão. – Matá-lo, talvez?
Elazar o encarou fixamente. – Talvez – disse.
Damastor abanou a cabeça despenteada. – Não é assim que sua história termina! Só eu sei como terminará! O Deus Único me ensinou como a maldição pode ser quebrada!
Elazar ficou tenso. Seu braço estendeu-se bruscamente e ele agarrou o monge pela frente das vestes esfarrapadas, puxando-o para perto. – Quer trair-me novamente, velho? – sussurrou, a voz semelhante a puro ácido. – Torturar-me com falsas esperanças?
Damastor replicou, com tranquila segurança – Dentro de três dias, na Catedral de Moldovan, o Bispo ouvirá a confissão do clero. Basta que vocês o enfrentem... ambos, em suas formas humanas, em carne e osso. Então, a maldição será anulada. O Maligno recolherá seu prêmio e vocês dois estarão livres.
Elazar o examinou, encarando os olhos, em busca de algum indício de traição ou de dúvida. Nada constatou. Dizia-se que, por sua própria natureza, uma maldição sempre era imperfeita. Havia sempre uma falha, um modo de ser quebrada, desde que a falha fosse encontrada.
– Impossível! Não em nossas formas humanas! Não em carne e osso! Isto é impossível! – Não obstante, julgou impossível alguém escapar dos calabouços de Aosta... Olhou de relance para Filipe, que permanecia parado à entrada, como que hipnotizado.
– Impossível, enquanto houver noite e houver dia – assentiu Damastor. – Contudo, dentro de três dias, você terá a sua chance. Dentro de três dias, haverá em Moldovan um dia sem noite e uma noite sem dia!
Elazar fitou o velho por um prolongado momento, revirando e revirando aquelas palavras na mente, sentindo o súbito florescer da esperança murchar e morrer dentro dele. Seu olhar ficou frio como gelo. – Volte para dentro, velho! – exclamou, desgostoso. – Volte para seu vinho! Seu Deus Único não o perdoou. Ele o enlouqueceu, em vez disso!
Damastor Menjou abriu a boca para implorar a Elazar que o ouvisse, mas então apenas meneou a cabeça e deu meia-volta, incapaz de enfrentar o desespero inexorável nos olhos do homem mais novo. Pôs-se a caminhar lentamente de volta à abadia. Filipe começou a andar quando o monge se retirava e cruzou por ele na ponte.
Elazar recompôs-se, e era novamente dono de si, quando o rapaz parou à sua frente. Estendeu a mão. – Estou em dívida com você – ele disse.
Filipe apertou-lhe a mão, acanhadamente. – Comigo, senhor? Nem um pouquinho! – Olhou para o rosto rigidamente inexpressivo de Elazar, com ar sombrio e preocupado. – Isaac quis que eu lhe desse uma mensagem – acrescentou, vacilante. Olhou para o falcão, depois de novo para Elazar. – É para dizer-lhe que ele ainda tem esperança. E que confia no senhor.
Os olhos do shifter lobo pesquisaram inquisitivamente o rosto do pequeno ladrão, quase com crueldade, procurando outra traição. O rapaz não pestanejou e nem abaixou os olhos. Suas pupilas brilhavam de segurança, até que, afinal, Elazar acreditou. Com um profundo suspiro, ele fitou o falcão encarapitado em seu braço. A ave inclinou a cabeça, examinando-o com curiosidade.
Filipe permaneceu onde estava, como que esperando algo mais. Elazar olhou para ele. – Você está livre para ir embora. – Uma dor no coração o atingiu assim que pronunciou aquelas palavras. Como ficaria sem seus dois companheiros?
Filipe assentiu. – Eu sei, senhor – disse, mas continuou parado. Sentiu a mesma dor que Elazar. Mesmo sem compreender direito sabia que não podia mais ficar longe daqueles dois. Apesar do medo que sentia.
– Faça o que quiser – disse Elazar, pouco à vontade.
– Sim, senhor – assentiu Filipe de novo. Vacilou, antes de acrescentar – Quer dizer que o senhor e o Lorde falcão seguirão em frente?
Elazar olhou para a ave. Um sorriso suave e fugaz perpassou por seus lábios, adoçando-lhe a boca. – Lorde falcão... – murmurou. Ergueu os olhos, novamente recordando o rapaz e o futuro. – Sim – disse, em tom brusco. – Para Moldovan.
Filipe endireitou os ombros. – Por acaso, eu também estou indo naquela direção.
Elazar deu de ombros evasivamente, sem se preocupar por que o rapaz, de repente, decidira seguir a atração entre companheiros que ele já devia sentir há algum tempo. – Você é quem sabe – replicou. Empunhando as rédeas de Trovão, começou a descer a ladeira. Filipe seguiu a seu lado, sorrindo. – Pegue um dos cavalos dos guardas – indicou Elazar. – Você cuidará dos animais, como antes. Manterá aceso um fogo decente. Cozinhará as refeições...
– É a minha sina na vida senhor – disse Filipe alegremente. – Tão comum quanto a terra. Roubei minha primeira bolsa quando tinha sete anos de idade. De um cavalheiro que ia a uma das cidade-Estado, para uma missa solene. Achei melhor aliviá-lo antes que entrasse, enquanto ainda tinha algumas moedas sobrando. Naquela noite, minha mãe cozinhou carne, pela primeira vez em dois anos. Minha família era de uma pobreza criativa, compreenda, e...
Elazar finalmente olhou para ele. De relance, perguntou-se se Filipe saberia mesmo onde a verdade começava e terminava em sua vida. – Ainda se lamentando, hein, rapaz?
O sorriso de Filipe desapareceu. – Eu nasci assim, Alfa – disse.
Elazar sobressaltou-se, ao ouvir alguém tratá-lo por seu antigo posto. Fitou o rapaz curiosamente, tentando ler-lhe a expressão.
Filipe sorriu de novo, subitamente. – E, sem a menor dúvida, também morrerei assim.
Elazar riu, sacudindo a cabeça.
Filipe acompanhou Elazar durante toda a manhã, de cabeça erguida. Agora tinha sua própria montaria, um fato que não mais o aterrorizava, ao contrário, melhorava seu estado de espírito. Filipe, o Corajoso, companheiro de Elazar e de Isaac, podia manejar um cavalo. E, talvez, de algum modo descobriria o meio de mudar o ânimo de Elazar...
Por toda a manhã, seguiram um trajeto tortuoso pelo sopé das montanhas, evitando as patrulhas do Bispo. A estrada principal que levava à cidade, agora estava muito bem vigiada, e teriam que encontrar uma outra forma de se aproximarem de Moldovan.
Elazar fez uma parada para dormir, no meio do dia. Exausto e ainda fraco em face de seus ferimentos e o envenenamento por nitrato de prata.
Filipe dormiu ao lado dele, sentindo o corpo musculoso aconchegar o seu e grandes braços fortes o abraçar. Sentiu-se seguro. Era como se pela primeira vez estivesse finalmente em casa, depois de tantos anos longe.
Quando Elazar acordou sentiu falta do calor de seu segundo companheiro. Filipe já acendera o fogo e fizeram uma pequena refeição juntos. O rapaz notara a formação de uma tempestade que vinha do oeste, enquanto esperava que Elazar acordasse e então, ao prosseguirem viagem, as nuvens escureceram o céu da tarde. Trovões começaram a estrondear à distância.
Filipe estendeu a mão, esperando a primeira gota de chuva. – Essa parece das grandes, Alfa. Vamos ficar encharcados.
Elazar emergiu de seus sombrios pensamentos e estudou o céu. Olhou as árvores. – Encontre abrigo – disse. – O sol já está descendo.
Filipe olhou para o horizonte toldado por nuvens cinzentas. – Como é que pode saber? – perguntou.
Elazar deteve seu cavalo e desmontou. – Após tantos pores-do-sol... como eu não saberia? – Estendeu a Filipe sua espada, depois as rédeas do garanhão. O falcão voou para baixo e empoleirou-se no pulso de Elazar. Ele susteve o pássaro, afagou suas penas carinhosamente e depois o passou para os braços de Filipe. – Cuida do Lorde falcão.
Virando-se, enveredou pela floresta, mancando levemente. Filipe o viu afastar-se com uma estranha mescla de tristeza e orgulho. De relance, perguntou-se como seria vagar pelas florestas a noite inteira, um animal selvagem dirigido pelo instinto, esquecidas todas as memórias de uma existência humana. No entanto ainda assim o lobo de algum jeito lembrava de Isaac, como o falcão recordava de Elazar. Filipe gostaria de saber se Elazar e Isaac recordariam...
Aninhou a ave contra si, segurando a espada tão estreita como que formando parte de seu braço. Elazar parou, virou-se e olhou para ele, sentindo sua tristeza e insegurança. Filipe sorriu confiantemente, erguendo a espada em uma saudação. Elazar retribuiu a saudação com um sorriso e entrou mais na floresta.
Enquanto Filipe o contemplava, um raio atingiu uma árvore nas proximidades, com ensurdecedor estrondo. Ele saltou, assustado. Ao olhar para trás, Elazar não estava mais à vista.
Seu sorriso gelado desmanchou-se lentamente. O braço tremeu com o peso da espada e ele a deixou cair, com um suspiro de alívio. A chuva começou a cair, quando Filipe seguiu em frente sobre sua montaria.
Contudo, antes de ir muito longe, ouviu vozes ansiosas e viu um grupo de jovens e sorridentes aldeãos que corriam pela estrada, à sua frente. Todos vestiam seus melhores trajes de festa e dirigiam-se para uma pequena estalagem à beira da estrada. Seguindo-os cautelosamente até os fundos do prédio, ele se refugiou agradecidamente em seu vasto e bolorento estábulo, quando a chuva se tornou torrencial.
O falcão voou para o alto dos caibros e lá ficou empoleirado, agitando as asas e espiando. Filipe desarreou os dois cavalos e os colocou nas baias, dando a cada um deles um bom punhado de feno. Os dois animais sacudiram-se e bateram com as patas no chão, a respiração saindo de seus focinhos em nuvens branqueadas.
Trovões estrondeavam e relâmpagos dançavam. A chuva caiu em prateada cortina além da entrada do estábulo. Também escoava insistentemente através de incontáveis e minúsculas goteiras no teto maltratado da construção. Filipe acomodou-se cansadamente sobre uma pilha de feno úmido segurando firme a espada de Elazar a seu lado.
Músculos que jamais imaginara possuir, tinham sido castigados ao máximo, após todo um dia na sela. Olhou para cima, quando o falcão voou agitadamente para a borda de uma baia ao lado dele.
– Está com fome? – perguntou. O falcão desviou os olhos. Filipe ficou de joelhos na palha. – Compreende o que digo, Lorde falcão? – Observou o olho dourado da ave, esperando um sinal de entendimento, mas ele o fitou com total falta de interesse. – Sabe de uma coisa? – prosseguiu, obstinadamente, – falcão é meu prato favorito para o jantar. Já comi milhares deles. Costumava matar um por dia, só para praticar.
O falcão continuou a fitá-lo, impassível. Filipe deu de ombros e voltou a ajeitar-se na palha, encolhendo os joelhos, tiritando dentro das roupas encharcadas. – É bem-feito, por envolver-me neste pesadelo! Pesadelo. – murmurou. – Pesadelo acordado... e então... "Não haverá noite nem dia..." – resmungou. – Por que não? Faz tanto sentido como o resto disso tudo!
Tornou a olhar para cima, quando o falcão ruflou as asas. A ave sacudiu-se inquietamente, como se estranhas sensações despertassem dentro de seu corpo. Pôr-do-sol. Filipe ficou de pé, tomado repentinamente de súbita incerteza e angústia. Elazar o incumbira de proteger o falcão... um falcão que estava prestes a transformar-se em um homem lindo e nu.
– Escute – falou, sentindo o rosto avermelhar-se. – Eu vou... esperar lá fora, está bem?
Dando meia-volta, saiu quietamente pela porta do estábulo e confundiu-secom a escuridão. Encontrou abrigo sob o beirai do teto, onde ficou esfregandoos braços e tiritando, enquanto a chuva soprava sobre ele, e suas roupasgélidas, molhadas, ficavam ainda mais frias e ensopadas.
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