Capítulo 8: Prudência
Sofia
Eu olhava o céu sentindo a brisa da noite passar pelo meu rosto, desde que cheguei a casa de mestre Naamah as coisas parecem melhorar, sinto-me mais tranquila.
— Não sente sono? — Naamah andou calmamente, parando ao meu lado em sua varanda.
— Ainda não, mestre. Mas não se preocupe, eu já vou dormir. — Sorrio e continuo a olhar o céu.
— Quando mente seus ombros se levantam... — ele falou e eu o encarei.
— Quer me contar algo?
— Não estou conseguindo dormir... Quer dizer, até durmo por algumas horas, mas não sinto tanta necessidade como antes. — Me afastei, passei as mãos pelos cabelos e olhei para meu mestre novamente.
— Você se sente cansada? Ou irritada? — Naamah me encarou, preocupado.
— Não... Estou bem. Não é que parei de dormir, apenas não estou dormindo tanto. — Voltei a encarar o céu.
— Então o que está te preocupando? — Naamah também encarou o céu.
— Estou mudando, mestre. Meu corpo está mudando, tenho medo de não me reconhecer mais.
— Seus poderes são transmutáveis, eles mudam e vão mudar você também... — Ele me encarou colocando suas mãos para trás. — Não fique com medo. Seu corpo está se preparando para o futuro.
— Sinto que minha respiração está mais branda e tenho mais cuidado com o que falo... Sinto a mudança vindo aos poucos. — Apoiei o braço na coluna de madeira.
— Tenho certeza que vai passar por isso muito bem... Se quiser dormir por mais tempo, comece a meditar, isso me ajudou com a insônia. — Naamah sorri e fez um gesto de respeito. — Boa noite.
— Boa noite, mestre. — O faço uma reverência e o vejo entrar na casa.
Alguns minutos depois, voltei ao quarto que estou a dividir com meus amigos, nós dormimos em três camas uma do lado da outra, Daren e Val já estavam no sétimo sono.
Hades dormia em minha cama, me deitei e ele subiu até o meu pescoço, talvez devo seguir os conselhos do mestre Naamah e meditar para conseguir dormir.
Sinto que meu corpo relaxar e fecho meus olhos.
***
— Sofia. — Mestre Naamah fala, assim que eu entro na cozinha.
— Bom dia. — Ele faz reverência.
— Bom dia, mestre Naamah. — Também o faço uma reverência.
— O senhor viu meus amigos? — Estranhei eles não estarem dentro da casa.
— Eles foram buscar alguma coisa na vila de Sunku. — Me serviu o chá.
— Isso parece ser um problema... Por que não me chamaram? — Sentei-me na cadeira e Naamah sentou ao meu lado.
— Eles não queriam te incomodar, você tem outras preocupações... — Ele me encarou. — Conseguiu dormir?
— Sim, bem mais que antes... Vou começar a meditar.
— Isso é ótimo. Tenho uma coisa importante para te ensinar hoje. — Naamah colocou um prato com biscoitos na minha frente e sorriu.
— Obrigada... O que tem para me ensinar? — Sorri e peguei um dos biscoitos.
— Tome seu chá tranquilamente, logo você vai saber. — Naamah falou com a maior naturalidade do mundo e deixou a cozinha.
Continuei tomando chá, isso era problema pra outra hora.
— Pronta para sua lição? — Estávamos no jardim, sentados no chão com pernas cruzadas. Hades me olhava em cima do banco de pedra, seus grandes olhos fixos em mim.
— Sim, mestre. — Falei, me ajeitando no chão. Val e Daren ainda não tinham voltado, o que me preocupava muito porque desde que nossa aventura começou nós não tínhamos ficado tanto tempo separados.
— Seus amigos já vão chegar... — Ele parecia ler meus pensamentos. Franzi a testa, isso me assustou.
— Feche os olhos e respire fundo.
— Sim, mestre. — Obedeci.
— Visualize seu caminho, seus encontros e desencontros, sua jornada — Naamah prosseguiu.
Eu podia me ver caminhando sozinha, estava escuro e frio era tudo o que eu sentia, a estrada em que eu estava se dividiu em dois caminhos.
Um deles parecia ser mais fácil de seguir, porém, não era o que eu buscava, o outro por sua vez, não parecia nada fácil, mas algo gritava para seguir por ele, e eu segui.
— Leve em conta que não é apenas sua vida que está em jogo, mas o destino do reinos... — Continuou.
Conforme eu seguia pelo caminho, sentia que estava cada vez mais difícil, como se forças invisíveis me impedissem de andar, entretanto, as minhas mãos brilham com a luz branca e eu consigo deixar essa parte do caminho.
— Você precisa lidar com suas emoções, não deixe aqueles que ama impedir você de ser quem é... — A voz de mestre Naamah parecia mais longe.
Vi a minha mãe e Luca no meio do caminho, tentei alcançar eles, porém, sumiram assim que me aproximei, minha mãe reapareceu na minha frente e me causou muita dor, Luca segurou meu braço, mas eu fugi, como se tivesse medo dele.
— Respira. Não deixa o amor cegar você...
Corri para o mais longe possível deles, o lugar começou a ficar quente e parei um pouco por não conseguir respirar, as minhas mãos acenderam com a luz branca e sigo em frente.
— Está indo bem, continue com a cabeça erguida, lembre-se que você tem uma força inexplicável.
Simplesmente não consigo mais visualizar meu caminho, as minhas mãos se apagaram...
— Abra os olhos. — Naamah falou em bom tom e eu obedeci como se saísse de um sonho.
— O que foi isso?
— Um pouco do seu caminho... A prudência está em cada atitude que você terá que tomar, pois a dominando, vai lidar bem com seus poderes. — Ele levantou e se afastou.
— Usando o que você acabou de ver, faça uma esfera de poder.
Me levanto, respiro fundo e junto as minhas mãos.
Lembro de todas as visões e canalizo tudo para as mãos, conforme vou as afastando, vejo a esfera crescendo.
— Eu consegui, mestre. — Digo e levanto as mãos mostrando meu poder em forma de esfera.
— Muito bem, agora expanda. Domine ele...
Comecei mover meu corpo lentamente e a esfera virou uma onda que passou a me rodear, vi Naamah sorrir.
— É isso, ele é seu e não o contrário, nunca mais tenha medo dos seus poderes.
— Acha que estou indo bem, mestre? — Perguntei, enquanto dançava junto com a onda de poder branca.
— Seu progresso é constante. Creio que já dominou boa parte da prudência... — Ele me encarou.
— Sério? — Minha expressão é confusa.
— Não tenho muito o que lhe ensinar... Você já sabe dominar seus poderes sem medo. É prudente. — Deu de ombros. Não pude conter meu sorriso, assim que abaixei as mãos a onda sumiu, Hades saiu correndo e levantou voo, parando em minha cabeça.
Ao longe vejo Daren e Val, eles conversavam animadamente, os dois estavam com os braços para trás.
— Sofia! — Os dois acenaram, vindo em minha direção.
— Gente, fiquei com saudades. — Os abracei de uma vez, Hades aproveitou a deixa para pular no colo de Daren.
— A gente também, querida. — Daren falou, assim que nos soltamos.
— Como foi o treino? — Val pergunta, arrumando meu cabelo, sei que Hades o bagunçou.
— Foi bom, eu perdi o medo dos meus poderes. — Contei, orgulhosa.
— Já é prudente? — Daren segurou Hades em suas mãos.
— Ela está no caminho... — Naamah se aproximou. — Mas todas as quatro habilidades que ela vai aprender, a maioria vai ser na prática. — prosseguiu.
— Pelo esforço que eu fiz hoje, já devo estar bem adiantada... — Pensei alto.
— Por que passaram tanto tempo fora? — Me virei para meus amigos.
— Compramos coisas para a nossa aventura. — Val mostrou a sacola que tinha em suas mãos, levantando-a. — Tem uma capa maior para você, pois aquela mostra todo seu rosto. — Ela tirou a capa azul claro da sacola, me mostrando
— Obrigada. Vocês podiam ter me avisado.
— Não podíamos atrapalhar seu treinamento para restaurar a magia. —Daren pronunciou.
— É mesmo, o tempo conta muito e você tem que adquirir habilidade. — Val prosseguiu e passou por mim, Daren a seguiu entrando na casa.
Olhei para o mestre Naamah, que apenas sorriu e também entrou na casa.
Quando me virei para entrar, notei que alguém vinha pelo caminho que meus amigos acabaram de fazer.
Parei ao reconhecer quem era.
Nate
Andava pela floresta seguindo as últimas pistas sobre o paradeiro da criança da profecia, quando vi três mulheres andando em minha direção, pareciam ter levado uma surra.
— Tem algum perigo à frente? — Perguntei, e elas se olharam antes de responder.
— Apenas a criança da profecia, nada demais. — Uma delas falou e a outra bateu em seu braço.
— Se eu fosse você, nem tentaria... — A terceira falou. — É bonitinho para morrer tão novo.
— Agradeço pela preocupação, senhorita, mas não faço isso por dinheiro, alguém precisa da minha ajuda. — Encarei as três que riram na minha cara.
— Que nobre... Você parece ser da nobreza.— A outra falou.
— Eu era... Me digam, se eu seguir por este caminho, vou encontrar ela? — Questionou, apontando a direção.
— Vai... Ela seguia para as montanhas junto com duas pessoas e um filhote de dragão. — A primeira deu de ombros.
— É, um grupo aparentemente inofensivo, mas os três quase nos mataram. — A terceira falou.
— Como eles são? — Permaneci na mesma posição.
— O cara é alto e moreno, tem uma loira e a criança da profecia é negra e tem um longo cabelo volumoso. — A mulher parecia enumerar os detalhes e eu parei ao ouvir as características dos três.
Não pode ser! Não pode ser quem eu sou pensando!
— O que foi, garoto? — A segunda me perguntou. — Você ficou meio atordoado.
— Nada, tem algo mais a me falar? — Perguntei, voltando a realidade.
— Toma cuidado que essa gente é perigosa. — A primeira falou e as outras concordaram com a cabeça.
— Obrigado, e vou tomar cuidado. Com licença, senhoritas. — Sigo em frente.
A cada passo dado, eu negava que poderia ser a Sofia, nós tivemos uma conexão, como se fossemos atraídos por uma força inexplicável e agora eu estou caçando ela para entregar ao Reino de Tier.
Como a nossa atração se tornou uma perseguição?
Sigo andando e evitando pensar que poderia ser ela, quando surgiu por entre as árvores um monstro, parecia um inseto com garras e olhos gigantes, era roxo e o barulho que ele fazia quase me deixa surdo.
O bicho começa a correr em minha direção igual um perturbado, desvio rapidamente caindo do outro lado.
O ser volta a tentar me atacar, nisso, eu tiro minhas espadas e consigo cortar umas de suas garras ou sei lá o que é isso, esse mostro é um dos mais confusos que eu já vi.
Por eu ter cortado uma parte de seu corpo, o bicho fica possuído e me levanta logo depois jogando em cima das árvores, vou caindo de galho em galho até chegar ao chão.
Levanto e corro para acabar com esse monstro de um vez, ele já me encheu.
Subo pela sua perna gigante, ele começou a rodar e eu quase que caí, mas me segurei, tirando a adaga de meu tio e consigo enfiar em suas costas.
O monstro pula de um lado para o outro, repito novamente o movimento com a adaga e o vejo pendendo até cair de uma vez no chão.
Limpo minhas espadas e a adaga e volto para o meu caminho, espero que não apareça mais nenhum desses, pois não tenho tempo para ficar parando toda hora para matar esses monstros.
Anoiteceu e eu tive que parar, não podia continuar sem enxergar nada, a escuridão tomou conta.
Deitei e encarei o céu, gosto de como quanto mais afastado da civilização é melhor para ver as estrelas.
Meu pensamento voltou a Sofia, não posso a entregar para o Reino de Tier, ela é a esperança do mundo para ter paz, como eu seria tão traiçoeiro?
Embora eu só tenha a visto uma vez, sentia que encontraria com ela novamente, mas não podia imaginar que seria sobre essas circunstâncias, que não seria fácil e natural como eu imaginei.
Ao amanhecer, continuei com meu caminho, o sol ficou alto e quando já estava estranhando essa demora toda para chegar, vi uma casa de madeira em cima de um colina, fui me aproximando lentamente. Havia uma garota na estrada, e ela não me era estranha. Foi então que percebi, era a Sofia.
Nos encaramos enquanto me aproximava, ela permaneceu imóvel.
— Quase não acreditei quando vi... — Sofia sorriu colocando uma mecha atrás da orelha. — O que faz por aqui?
— Vim encontrar você. — Falei. Ela franziu a testa. — Preciso da sua ajuda.
— O que aconteceu?
— Uma criança corre perigo. — Lembrei.
— Tem uma vila afastada onde querem trocar a criança por você.
— Mandaram você me encontrar por isso?— Perguntou, olhando parabaixo, murmurei um sim.
— Sei que você é ocupada, tem muito o que fazer, mas Sofia, essa criança é mais uma vítima dessa guerra — ela me olhou, respirei fundo.
— Posso ver em seus olhos que se importa. Deve ser por isso que foi você que nasceu para vencer Zagan. — Vi um sorriso de lado surgir em seus lábios.
— Tudo bem, me convenceu. — Cruzou os braços. — Tem toda razão, chega de tantas mortes por causa dessa guerra.
— Eu sabia que você aceitaria — Sorri.
— Obrigado.
— Não precisa agradecer.
Após isso, ficamos em silêncio.
— Então... — Falamos juntos, rimos e eu apontei para que ela continuasse.
— Essa vila fica longe daqui? — Perguntou. Neguei com a cabeça.
— Dois dias de caminhada.
O silêncio caiu sob nós novamente.
— Desculpe não queria incomodar. — Um homem baixinho saiu da casa, confuso. — Seu amigo? — Questionou, Sofia assentiu.
— Sim, esse é o Nate, ele veio me encontrar.— Ela sorriu, animada. Eu ri.
— Não seja indelicada — O velho negou com a cabeça. — Entre, meu jovem, parece cansado.
— Ah, se não tiver problema... — Falei, vendo Sofia concordar com o velho e me guiar pela escada.
Eu sabia que ela aceitaria me ajudar, e que sentia o mesmo sobre a guerra e tudo o que acontece há dezoito anos, meu tio tinha razão quando disse que eu jamais falaria algo ruim sobre ela novamente.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro