Capítulo 38: Erros do passado
Aris
Do meu lugar, podia ver todos os representantes dos distritos e os demais lordes da corte. Essa cerimônia era o mais próximo que tínhamos de um funeral, por ter passado muito tempo, o rei foi dado como morto. Enquanto eu ouvia o sacerdote falando em uma língua desconhecida por mim, meus pensamentos vagavam por minha infância e começo da adolescência, onde, eu, embora muito inseguro, podia ir até a sala do trono contar como tinha sido meu dia.
Lembro de uma conversa que tive com o rei, tinha doze anos.
Memórias de Aris
— Aris, não o vi chegar, venha aqui — Zagan sorri e deixou os papéis de lado, um dos generais recolheu seus materiais, fez uma reverência ao rei e começou a deixar a sala, assim que passou por mim, sorriu. — O que faz aqui, jovem?
— Majestade, eu vim contar como foi meu dia — digo, me aproximando, ele concordou com a cabeça e puxou uma cadeira para que eu fique na sua frente.
— Estudou bastante? Eu falei para você que para ser um lorde tem que estudar sobre muitas coisas. — ele explicou, eu assenti, ajeitando-me na cadeira.
— Mas eu estudei, majestade. E comi vegetais também. — contei, ele riu.
— Parabéns, é pra continuar assim, entendeu? — perguntou, concordei. — E você está bem? Te falta algo?
— Estou bem, mas hoje eu sonhei com meu pai e juro que o vi perto da minha cama quando acordei. — expliquei, o sorriso dele some, sua expressão mudou para apática. — Desculpe.
— Pelo o que? Ele era seu pai, sentir a falta dele é completamente normal. Não se culpe por ter sentimentos, Aris. — Zagan advertiu, respiro fundo, e acabo concordando com a cabeça. — Quer me contar mais alguma coisa?
— Acho que não. E o senhor quer me contar alguma coisa?— perguntei, ele ergueu as sobrancelhas e sorriu.
— Ah, quer ser meu conselheiro real? Então, mi lorde, hoje tive uma longa reunião com os generais, parece que as colônias de Tier em Urs estão sofrendo ameaças, querem que eles voltem para cá, mas eles não querem. — Zagan explicou e se ajeitou na cadeira, eu franzi as sobrancelhas. Era um grande problema para conselheiro real tão novo.
— As colônias são o lar deles, não é? Onde estão suas famílias e as pessoas que eles amam. Não é uma boa ideia fazer eles irem embora, majestade — sugeri , ele parou por alguns instantes e concordou com a cabeça, sorrindo.
— Obrigado pelo conselho, mi lorde. Agora vá até a cozinha e peça algo realmente bom para comer.— ele ri, eu também.
— Eu vou comer um pote de mel com pão. — contei, ele assentiu. — Quer também?
— Não. Nem posso, já que não fui tão bom assim como você foi — ele se levantou, eu faço o mesmo.— Durma bem e não fuja dos seus tutores.
— Pode deixar, boa noite, majestade.— curvou-me levemente e deixo a sala do trono em passos apressados para chegar o mais rápido na cozinha.
Momento atual
Me vejo jogando terra no túmulo vazio dele. Engulo em seco enquanto os outros lordes também fazem isso, desviei o olhar quando os servos terminaram de fechar o túmulo, eu não estava nada bem naquela situação, o vento gelado do ar livre me fazia tremer, era um dos dias mais difíceis de lidar da minha vida. Eu sei que ele fez muita coisa errada, passei semanas viajando por vilas e vi como as pessoas estavam amedrontadas por Tier, mas me acostumar com a ideia de que ele está morto é muito doloroso. Ele foi minha família quando meu pai morreu.
— Lorde Aris? — Fergus apareceu na minha frente, assenti.— Sei como você e o rei eram próximos, quero lhe dar pêsames também. — ele estende a mão, eu a aperto.
— Obrigado, como pôde ver, mi lorde, ainda estou um pouco aéreo, desculpe por não conseguir falar durante a cerimônia. — explico, ele concordou com a cabeça. Fergus queria que eu desse um discurso durante o funeral, mas não consegui.
— Está tudo bem, agora serão três meses de luto em Tier, vamos ter muito o que fazer nesse reino — falou, eu concordo com a cabeça. — Está ocupado amanhã à noite?
— Preciso ir em um lugar, por que?
— Quando estiver disposto, venha jantar em meus aposentos, faço questão de sua presença. — Fergus fala, animado, eu franzi as sobrancelhas.
— Obrigado, mas eu preciso de tempo, depois eu falo com o senhor, tudo bem assim?— perguntei, ele assentiu.
— Não se preocupe. Vá apenas quando estiver confortável. Com licença, mi lorde.— ele foi embora, fiquei parado por alguns segundos no mesmo lugar, por fim, ando em direção ao castelo.
Horas depois, entrei em uma taberna no centro, usava roupas simples, que não denunciavam que eu pertencia à corte, as pessoas não me notaram, então caminhei até o balcão. A velha limpava as canetas, virou-se quando notou alguém se aproximar, ela deu um sorriso fraco, e encheu uma daquelas canetas para mim.
— Que bom te ver — ela me entregou, sentei no banco, e agradeci com um aceno. — Sinto muito, garoto.
— Obrigado .— tomei um gole, encarando a caneca em seguida.
— Você esteve com ele nos últimos momentos? — perguntou, neguei com a cabeça.
— Não, e não sei direito o que aconteceu com ele — falei, abatido. — Talvez se eu estivesse com ele, pudesse ter sido diferente.
— Aris, desde a morte do seu pai, ouço você dizer que poderia ter feito algo, você não poderia porque não há como controlar a morte de alguém, se tivesse, eu seria a primeira a voltar no tempo para controlar, eu perdi muitas pessoas, querido, mas continuei vivendo, é isso que pode fazer, por ele e por você.
Respirei fundo, a velha tinha razão, mesmo que não concordasse, na infância, enquanto eu, Khalida e Kieram estávamos fugindo dos tutores, essa mulher nos encontrou, calmando os nossos responsáveis, fiquei bravo no dia, é claro, mas quando fui colocado na frente do rei depois de um dia inteiro fugindo, pensei que levaria uma bronca, entretanto, ele me abraçou, estava realmente preocupado, dizendo que passou as últimas horas sem paz até que tivesse notícias minhas. Foi um dia bom. Enfim, para fugir das obrigações vez ou outra, vinha para essa taberna e para conversava com essa velha, era sempre divertido, porém hoje não era um dos melhores.
— É — terminei de beber, virando a caneca. — Mais um para minha lista.
— Mas eles ainda estão aqui...— disse, e apontou para a porta. De lá, vi Khalida e Kieram entraram, ambos não usavam roupas formais e nem joias, eles caminharam, sabendo que eu estava ali, então os dois se sentaram no banco, cada um de um lado.
— Achei que pudesse estar aqui. — falou Kieram.
— Nós pensamos que precisava de companhia hoje.— pronunciou Khalida.
— Pessoal — encarei seus rostos.— obrigado.
Alguns dias seguinte, deixei meus aposentos, tentando arrumar minha roupa, estava mais apertada, devo ser ganhado peso esses dias. Caminhava pelo castelo até encontrar a porta de Fergus.
— Mi lorde, entre, todos já estão te esperando.— o guarda abre a porta, acenei em agradecimento e entrei no lugar. Encontro Fergus e sua esposa na entrada.
— Lorde Aris, é uma honra tê-lo em nossa casa, bem-vindo.— Fergus apertou minha mão fortemente, sorri tímido.
— Ah, é ótimo estar com vocês, mi lady, está linda.— digo, ela sorriu.
— Obrigada, Aris, me dê seu casaco, aqui é mais quente do que o resto do castelo.— ela mesma começou a tirar meu casaco, ajudo-a. Olhei para o lugar, era bem maior que o meu. Se bem que o meu é para uma pessoa e seu serviçal. Uma moça de olhos azuis, pele morena e longos cabelos cacheados surgiu na sala, ela me encarou e fez uma reverência.
— Ah, venha Ayla, deixa-me lhe apresentar para o lorde Aris.— a garota se aproximou, eu acenei, envergonhado. — Essa é Ayla, minha sobrinha. Querida, esse é o Aris.— Fergus nos apresentou, eu seguro sua mão e a beijo. Ela sorriu.
— Encantada, mi lorde.— nessa hora, eu soube as reais intenções de Fergus, está dando uma de casamenteiro.
O jantar foi agradável, eles são discretos quando se trata de cortejo, até que eu estava me divertindo. Enquanto Fergus e eu estavam no escritório bebendo, o velho acabou sendo sincero com suas intenções.
— Aris, pretende se casar um dia?— perguntou, concordo com a cabeça. — E está pensando nisso ultimamente?
— Não, ando muito confuso, ainda não estou pronto para ser um marido e um pai.— expliquei, encarando o copo vazio, ele assentiu. — Eu me lembro dele, mas sei que não seria nem um terço do pai que ele foi.
— Não diga isso, jovem. Você sempre foi um bom garoto, todos nessa corte gostam de você. Lucius nos deixou muito cedo, sentimos sua perda até os dias de hoje. Vocês são muito parecidos, é honrado igual ele.— Fergus deixou o copo em cima da mesa e me encarou. — Eu ficaria muito feliz se nos tornássemos da mesma família.
— Fergus, sempre admirei sua família, sua história, espero ser um lorde como o senhor um dia, mas eu não posso lhe dar minha palavra agora, seria muito desrespeitoso com tudo o que o senhor e sua família representam para mim. Ayla é uma moça adorável e merece alguém totalmente disposto a ter uma vida com ela, e eu não sou essa pessoa.— digo, sério. Ele sorriu.
— Isso só me provou que é o homem para minha sobrinha, mas se o senhor não está pronto é melhor que não assuma nenhum compromisso agora, Ayla vai morar na corte, pode pensar um pouco sobre isso, e não se preocupe.
Fergus era um homem persuasivo, no fim, disse que iria pensar. Não gosto da ideia de casamento arranjado, sei lá, não parece certo, no mínimo, as pessoas devem se amar, quem sabe um dia posso me apaixonar, mas com toda certeza não quero isso agora.
Sofia
Meus amigos e eu estávamos de mãos dadas em um círculo, nossa missão era voltar para o passado e descobrir o motivo daquela carta que Haures deixou para sua corte, após muitas tentativas sozinha, consegui chegar no tempo certo e, seguindo os conselhos do meu mestre, resolvi esperar que eles estivessem comigo. Nós nos afastamos da cidade para abrir o portal, então lentamente, nos levei para o passado. A primeira coisa que notei foi uma praia, entretanto, não parecia ter nada além dela, ou seja...
— Estamos em uma ilha? — perguntou Daren, confuso. Concordei com a cabeça.
— Acredito que sim. — respondi.
— Nos livros, há uma parte que cita uma ilha que é muito importante para o fim da era da escuridão, mas não explica o porque. — falou Val.
— É, citam que essa foi a última viajem da equipe de Aron, eles chegaram aqui de barco depois de Lup. — explicou Nataniel.
— Certo, se esse foi o último lugar, a escuridão foi aprisionada nessa ilha. — conclui, eles assentiram. — Temos que encontrar o selo, são escrituras antigas, provavelmente estão no idioma nativo de Vultor, estamos no lugar onde nossa história começou. — continuei.
Começamos à procura pelo selo, adentramos a floresta e ela era densa e úmida, porém, a flora e fauna pareciam não se importar, pois as plantas cresciam e os pássaros cantavam normalmente, ficamos em silêncio, prestando atenção no caminho, afinal, precisávamos achar o bendito selo, antes que descemos conta, encontramos uma caverna, em suas paredes exteriores, haviam desenhos e símbolos pintados, pareciam ter sido feitos às pressas, quando dei um passo para frente, uma onda eletrizante passou pelo meu corpo, fazendo-me quase cair. Só podia ser aqui, essa caverna é o lugar do selo da escuridão.
— Querida, o que houve? — Nataniel se aproximou, segurando minhas mãos.
— Essa caverna é o selo dela, vocês precisam sair daqui, vou entrar sozinha — falei, eles ficaram nervosos.
— Nós vamos com você, vê se não diz besteira — disse Daren, revirei os olhos. Nesse momento, ouvimos um barulho por entre as árvores, nos entreolhamos e corremos para trás da caverna, ficando escondidos. Um homem alcançou nosso campo de visão, ele tirou o capuz e pude ver seu rosto.
— Merda, é o Haures — murmurou Daren, nós olhamos para ele. — Por que raios ele está aqui?
— Vamos descobrir agora, escutem, eu vou entrar na caverna, fiquem escondidos e se algo acontecer, correram para a praia, encontro vocês lá — digo, saindo do esconderijo.
Caminhei ao redor da caverna e entrei, vendo que Haures já estava lá, fiquei no canto, esperando que ele não me note, assim, o vi sussurrar algumas palavras e o chão da caverna começou a tremer, porém, algo pareceu dar errado porque ele olhou para o chão, e então, uma fumaça preta cercou todo o ambiente, dela, luzes verdes piscavam, senti um arrepio percorrer todo meu corpo.
— Obrigada — a fumaça preta ganhou forma de um rosto feminino, era ela... — Em troca, vou cuidar daquele que você mais ama. — Nisso, um braço feito de fumaça e luzes pretas seguraram Haures e o jogaram contra a parede da caverna, depois a fumaça passou por mim, deixando a caverna.
Corri dali, assustada. Não pode ser, Haures liberou a escuridão, ele foi responsável por toda essa merda, aquele imbecil. Olhei em volta, não vi meus amigos, provavelmente devem estar na praia, então apressei os passos na naquela direção, quando encontrei o mar, os vi me esperando.
— Sofia! — Nataniel gritou, indo desesperado na minha direção. — O que era aquilo? Parecia uma nuvem de chuva do mal.
— Era a escuridão, Haures a libertou, ele fez algo errado no ritual e ela fugiu!
— Mas que porra! Cadê ele? — questionou Daren.
— Ficou na caverna, ela o machucou, isso só vai piorar, temos que...
— Olhem aquilo! — berrou Val, olhamos para onde ela apontou, uma neblina começou a cercar a ilha e se espalhar, a luz do sol sumiu, e o tempo ficou nublado.
— Pessoal, estou aqui, vamos embora — gritei, aos poucos, consegui encontrá-los, porém, vi luzes verdes se aproximarem, engoli em seco. — Deem as mãos, rápido! — abri um portal, entretanto, a fumaça começou a vir na minha direção como uma serpente, merda, merda, merda! Empurrei eles no portal, os três caíram do outro lado, coloquei minha perna e me joguei antes de fechar o portal que quase ela nos alcançou.
Céus, coloquei a mão na testa e deitei no chão, essa foi por pouco, como vou contar uma desgraçada dessas para a corte de Lup?
Algumas horas depois, tomei coragem para dizer, os reuni com ajuda de Jian.
— Obrigada por conversarem comigo às pressas, mas o que tenho a dizer diz respeito à todos nós, mi lordes — digo, os grandes de Lup estavam reunidos na sala de reunião. No canto esquerdo, meus amigos me olhavam para demonstrar apoio.
— Estamos aqui para ajudar, vossa alteza — pronunciou Rober, o mais velho dentre eles. Sorri fraco, isso não será nada fácil.
— Mi lordes, como sabem eu cheguei com um propósito, os queria como meus aliados e consegui, uma parte do que vim fazer foi cumprida, mas senti que precisava demais, as coisas não estavam claras na minha mente e eu busquei a verdade.
— Sofia, onde está querendo chegar?— perguntou Jian, eu respirei fundo.
— Eu descobri o motivo de Haures escrever aquela carta.— digo, eles se entreolharam. — Vocês querem saber?
— Queremos, somos seus aliados agora.— respondeu Rober, concordei com a cabeça.
— Haures sem querer, libertou a escuridão, ela corrompeu Zagan, trazendo a guerra e a destruição da magia.— assim que explico, sinto a tensão no ar, todos os homens de rostos pálidos e cabelos pretos me encaravam pasmos, eu mordi os lábios de nervoso. — Sinto muito, não quis causar nenhum mal. Só achei que precisavam saber.
— Não se preocupe, Sofia. Estamos chocados, mas não é sua culpa.— pronunciou Jian.
— Haures não era perfeito, mas isso foi horrível, tudo o que acontece está diretamente ligado a nós e por anos, ficamos isolados, sem ao menos ajudar.— Rober falou e se levantou, saindo da sala. Alguns de seus companheiros o seguiu.
— Não é hora para lamúrias, tem uma jovem disposta a ser sincera com nosso reino, nossa corte. Já chega de imparcialidade. Sabemos a verdade e eu aconselho os senhores a se acostumarem com a verdade a partir de hoje.— Saleos, que até então ouvia tudo calado, falou, Jian soltou o ar e concordou com a cabeça.
— Quer que mandamos tropas para as colônias de Tier em Urs?— perguntou Jian, neguei com a cabeça.
— Não, Jian, Tier está recluso, em luto por Zagan, seu corpo não foi encontrado desde a invasão. De qualquer forma, eu ainda não sei os planos da corte de Tier ao que se refere a guerra. Não posso arriscar.— explico, ele concorda.
— Não se preocupe conosco, já tem problemas demais para uma menina. Vamos ficar bem, siga o seu treinamento, tá bom?— Saleos disse e sorriu. Eu sorri de volta.
— Eu fico feliz por isso. E eu não quero causar nenhum problema, obrigada e desculpa.
A verdade é que essa situação me deixava confusa.
Eu podia descontar em Haures, mas ele não está vivo, por anos, sua corte fez algo horrível e eu ainda estou tentando entender esse reino, mas pelo o que vi, eles estão realmente dispostos a mudar. Enquanto caminhava com Hades pelo reino, sinto algo estranho, como se me observassem, olhei em volta, porém, não havia ninguém, continuei andando e vejo luzes verdes novamente, igual na praia, será que...
Segui as luzes verdes pela floresta, não sei quanto tempo fiquei vagando, entretanto, o cenário havia mudado, estava no meio do nada, olhei para trás e Hades não estava mais me seguindo, não conseguia ver o reino ou a cidade, ou a floresta, apenas um enorme vazio.
O mapa dos reinos
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro