Sofia

  Estamos há alguns dias em Lup, vejo Nate mais sorridente do que nunca, a relação dele com seu tio é tão bonita, nem percebo quando estou olhando para ele feito criança ao lado de Saleos.

— Então, Sofia, você já tem o mestre da confiança? — perguntou Saleos, nós três conversávamos em seus aposentos.

— Ainda não, Saleos, o responsável pelo meus mestres é Daren que ainda não me apresentou ninguém. — expliquei, ele concorda com a cabeça.

— Nós passamos por muita coisa em Urs, ele deve estar te dando um descanso. — pronunciou Nate.

— Deve ser isso, e até agora nós estamos ganhando, certo? Não conclui tudo, mas é um avanço.

— A vitória de vocês sob Tier em Urs foi algo impressionante, quando Nataniel me contou fiquei impressionado. — Saleos continua, eu sorri.

— Teve um momento que eu achei que tinha perdido, e que tudo estava acabado. — me arrepiei ao lembrar de quando Zagan me atingiu. Senti Nate segurar a minha mão.

— Mas ela conseguiu ganhar mesmo com tudo dando errado, Sofia tem lutado tanto, tio. — ele continuou, eu sorri, olhando seus belos olhos azuis.

— Vocês estão juntos? — perguntou Saleos, eu engoli em seco.

— Sim, nós estamos juntos. — Nate respondeu rápido. Eu estava com muita vergonha.

— Isso é ótimo, parabéns. — e nada mais disse. 

  Mais tarde, eu, como de costume, fui ver como Hades estava. Assim que me viu, ele saiu correndo na minha direção, comecei a rir e quando ele já estava bem próximo, o abracei.

— Amigo — segurei sua cabeça e encarei seus olhos. — Está confortável aqui? — por alguma razão, ele parecia feliz.

— Você conquista todos, não é? — Saleos surgiu. Eu soltei Hades com delicadeza.

— Eu não vi que estava aí. — falei, um pouco tímida.

— Desculpe, não quis te assustar, sua amizade com ele, seu dragão, é bonita. — Saleos encarou Hades e depois me olhou.

— Obrigada, tem algo que quer me falar? — perguntei. Ele ficou sério.

— Nataniel e sua irmã são a minha família, eu só te peço que não magoe ele, sei como sua jornada é árdua, mas seja sincera com meu sobrinho. — disse de uma vez. Agora sei de onde Nate puxou toda essa sinceridade.

— Eu entendo a sua preocupação, Saleos. E prometo não magoa-lo, eu o amo. — sorri me lembrando dele. Saleos também.

— Posso ver isso, e fico feliz também. Vou deixar você com seu dragão, com licença. — e simplesmente saiu.

  Acabei levando Hades para voar, senti que nós precisamos. Meu dragão é aquele que me entende sem dizer uma palavra.

  Mas será que Saleos tem razão em sua preocupação? Eu posso vir a machucar Nate?

  Pensar que o que temos é intenso, sublime e verdadeiro. Nate é tudo o que sempre quis mesmo não sabendo o que queria. Como eu poderia pensar em perde-lo? Como?

  Minhas horas com Hades se alongaram, estávamos em uma floresta próxima, ele deitou embaixo de uma árvore e eu deitei em suas costas. Por alguma razão, ao lado dele me sentia segura e em paz.

— Hades, vamos ser amigos para sempre. — digo, ele ronrona. — Sei que você me entende. Parece que você foi colocado na floresta para que eu te achasse.

  Sinto que ele dorme, sua respiração fica mais alta, aos poucos, eu fecho os olhos e acabo dormindo também.

  Em um jardim cheio de flores repleto de borboletas eu me encontrava, deitei sob as flores e acabei rolando por entre elas. O aroma me deixava leve e feliz, enquanto sentia o calor dos raios solares esquentando meu corpo, sinto que alguém se aproximando. Era Aron.

— Você parece bem. — sentou-se ao meu lado. Me levantei e também sentei.

— É primeira vez que nos encontramos que as coisas estão bem. — digo, ainda admirando a paisagem. Ele respira fundo.

— Tem razão, Sofia. Me alivia ver que está bem.

— Tenho até medo quando você aparece assim, está vindo algum problema? — questionou, ele riu.

— Por enquanto não, mas sabe que eu lhe avisarei se tiver. — olhei para ele que parecia mais velho.

— Está diferente.

— Você que está me vendo diferente. Mas me diga, Elidriell tem cuidado de você? — perguntou, eu franzi as sobrancelhas.

— Quem é Elidriell? — ele para e logo sorri.

— Desculpe, em sua época ele tem outro nome, na verdade, foi você quem lhe deu um nome.—explicou. Eu arregalei os olhos.

— É o Hades?— questionei, ele concordou.

— Ele era meu, e quando morreu aguardei sua essência e mandei que cuidasse de você em sua vida, mas agora ele é só seu.— continuou.

— Não acredito que Hades foi literalmente mandado pra ser meu amigo — digo, pasma. Ele sorriu.

— Elidriell foi meu companheiro, minha vida não seria a mesma sem ele. É o melhor amigo que um herói pode ter e você merecia ter um companheiro assim. Vocês são um do outro. —continuou a explicar, eu sentia que poderia chorar, mas não fiz isso, Hades foi um presente de Aron. Eu sabia que era muita coincidência ele cair da minha frente na floresta.

— Eu nem sei o que dizer, obrigada, Aron. Hades é mais que um companheiro. Nem posso imaginar minha jornada sem ele.

— Fico feliz por ter te ajudado. Cuide dele, certo? — também sorriu. — Ele é valioso.

— Vou cuidar, outra coisa, obrigada pelo aviso sobre Zagan, pelo menos não foi uma surpresa.— dei de ombros. — Posso respirar um pouco agora?

— Por nada, aproveite seu descanso, mas fique alerta. Pessoas como nós, precisam ficar sempre preparados. — de uma vez, Aron se foi. 

  Depois que voltei para o castelo, caminhei pelos corredores, entediada. Ficar sem treinar é estranho, parece que falta algo, sei que Daren pensou que poderia ser bom um recesso, entretanto, não vejo a hora de voltar a ativa. Procurei por minha equipe por todo lugar, mas nada de encontrá-los , era o que faltava, preciso de atenção. 

  Então, lembrei do que Val me contou sobre a tal biblioteca, eles podem estar lá. Olhei de um lado para o outro, até encontrar uma menina loira, fechando uma porta.

— Desculpa te incomodar, mas você sabe onde fica a biblioteca? — questionei, ela assentiu.

— Sim, sim, alteza — curvou-se. — Posso te levar, sem problemas.

— Obrigada, mas não precisa ser tão formal, acho que nós fomos apresentadas — tentei puxar na memória seu nome, mas conheci tanta gente nesses poucos dias que confundo os nomes.

— Sou Alina.

— É verdade, céus, me perdoe não me lembrar de você. — coloquei as mãos no rosto, realmente envergonhada. Foi Nataniel que me apresentou ela, dizendo que eram amigos de infância e eu simplesmente esqueci.

— Não tem problema — ela riu. — Está procurando por alguém na biblioteca? — Alina virou-se, visto que eu estava no lado errado se fosse por ali, a segui, e concordei com a cabeça. 

— Apenas preciso de atenção, não vejo minha equipe faz horas — resmunguei, inclinando a cabeça, triste. 

— Oh, entendo, acredito que eles estão na biblioteca, a maioria dos visitantes passam horas nela, o conhecimento que possui é centenário. Há livros sobre os deuses, espíritos, guerreiros, e uma coleção sobre Aron.

— Nossa, eu não fazia ideia — falei, impressionada.

— Logo os livros sobre você também serão escritos, então é melhor se acostumar. — Alina sorriu, continuando o caminho.

— Nem imagino como vão me retratar, provavelmente, não vou gostar de nenhum deles. — ri, ela também.

— Mas falarão que salvou pessoas, como fez em Urs. 

— Pode até ser, porém, eu não consegui salvar quem gostaria. — murmuro, cabisbaixa.

— Quem?

— Um amigo, talvez agora eu pudesse fazer algo por ele, mas nem sei se ainda está vivo. — de todos os meus arrependimentos, não ter obedecido Luca naquele dia foi o maior deles, creio que ele poderia estar bem se não fosse por mim.

— Sinto muito. — lamentou-se, sincera. 

— Tudo bem, onde fica essa biblioteca? — mudei de assunto, ela olhou para uma escada na nossa frente.

— Ali, descendo as escadas — apontou a direção. — Espero ter ajudado.

— Muito obrigada, Alina, e perdoe-me por não me lembrar de você no começo, vá conversar conosco quando quiser. — falei, indo para as escadas, ela assentiu, e nós nos despedimos.

  Após descer os degraus, que pareciam infinitos, me deparei com uma porta azul e prata, franzi a testa e bati algumas vezes.

— Ué, será que eles não ouviram? — questionei-me, assim, a porta abriu.

— AMIGA, VOCÊ VEIO — Valentina pulou em cima de mim, abraçando meu corpo contra o seu. — Tem tanta coisa boa aqui, vem! — me puxou pela mão, quando entrei, vi Daren flutuando enquanto pegava um livro na primeira plateleira.

— Finalmente resolveu colocar conhecimento nessa cabeça de vento que você tem! — Daren gritou de onde estava.

— Não enche meu saco, peste! — gritei de volta. 

— Não liga pra ele palerma, vem, quero que conheça alguém — ela riu, me guiando sem delicadeza.  — Ei, mestre Coolio, essa é a Sofia, ela veio nos ver. — Val parou na frente de um livro que ficava em um pedestal, o livro fechou sozinho e tinha um rosto nele, olhei pra ela sem entender nada.

— Oh, céus, devia ter tirado a poeira do lugar! Perdoe-me pela bagunça, alteza. — o livro falou, sim, o livro fala, eu amo a minha vida nesses momentos. 

— Eu peço desculpar por não ter vindo antes! E obrigada por cuidar da minha equipe, eles estão dando trabalho? 

— ELES SÃO OS MELHORES VISITANTES QUE TENHO HÁ ANOS! — ele berrou, com isso suas páginas abriram, mas ele voltou a fechar-se novamente.

— Ele tem nós ensinado tanto, tem que ver, nem mesmo Daren sabia. — Val contou, empolgada. Assim, o intrometido surgiu na nossa frente.

— Vocês não tiram meu nome da boca! — reclamou o mago. 

— Para de me perturbar, criatura — revirei os olhos.  — Mestre Coolio, eu soube que há livros sobre Aron, tem algum que fala sobre Elidriell? 

 —  O feroz dragão de Aron!  — ele sorriu.  — Sim, sim, temos documentos sobre ele, dizem que Aron o encontrou machucado perto de uma ribanceira, cuidou dele como pode, e para agradecer, o dragão o protegeu em sua jornada. 

 — Explica como ele morreu? — perguntei, ele parecia pensar, então, uma das estantes pulou e dela, um livro voou até a nossa direção, o peguei antes que batesse no rosto de alguém.

 — Nesse livro, há com mais detalhes sobre a história dele. Leia com calma, temos ótimos espaços aqui para estudar. 

 — Eu a levo, mestre — Val me puxou novamente até algumas mesas. Abri o livro, buscando informações sobre a vida passada de Hades. 

"Eu o conheci em um dia de chuva e frio. Fazia menos de um dia que presenciei minha antiga vila ser destruída pelas chamas verdes de Evie, tive que fugir e me esconder, com medo e confuso, então, quando não tinha mais esperança, vejo algo caído na praia, as árvores em volta estavam quebradas, e fogo em alguns pontos, olhei novamente para baixo e aquilo tentou se levantar, mas parecia sentir dor e desistiu. Me aproximei, temendo o que poderia ser, nesse momento, as chamas que ele mesmo soltou iluminou o ambiente e pude ver que era um dragão da floresta, ele me olhou com aqueles olhos verdes enormes, tão bonitos que a minha esperança voltou, eu sorri, pois sabia que tinha encontrado um amigo."

  Parei de ler, desviando o olhar das palavras por uns segundos. Eu tive a mesma sensação quando vi o Hades pela primeira vez, não resta dúvidas, esse dragão é o meu dragão. Mas eu ainda precisava saber o motivo de sua morte. 

"O dei o nome de Elidriell, nunca fui bom com nomes, mas ele gostou, pelo menos acreditei que sim. Dizem que conseguir perceber o que as pessoas carregam no coração é uma habilidade apenas dos seres da floresta, e sinto que ele sentiu que eu carregava a mesma dor que ele. Nós dois estávamos perdidos, machucados e sozinhos, talvez seja por isso que ele não me atacou. Durante toda a minha jornada, ele esteve ao meu lado. Eu não poderia cumprir meu destino sem ele. Infelizmente, no dia que enfrentei a cruel Evie, meu dragão foi fatalmente ferido, espinhos cresceram e o perfuraram, fazendo meu amigo perder a vida, nesse instante, meu companheiro, um dos membros da minha equipe, me ajudou a prende-lo no mundo espiritual, para que um dia, ele pudesse voltar ao mundo físico. Nenhuma perda até aquele momento me doeu tanto quanto a dele."

  Quando tirei os olhos daquele livro, estava chorando. Mal posso imaginar a dor que ele sentiu, céus, que sofrimento. 

 — Sofia, o mestre Coolio mandou outro livro pra você, esse aqui fala mais sobre a antiga equipe de Aron, esse é mais extenso.  — Val me entregou-o, assenti, fechando o livro estava lendo antes. Ela sentou do meu lado, entretida com suas próprias anotações. 

  Abri o novo livro, corri os olhos por algumas páginas até a parte que conta sobre os integrantes.

  "Cruzei um vasto deserto com Elidriell, foram dias de calor e areia antes que encontrássemos alguém pudesse ser nosso aliado ou se sequer seguir conosco, e então, o encontrei. Valentim Orcus, o homem era um viajante que vendia ouro, ele tinha poderes, mas os escondia por medo de ser chamado para lutar contra a era escuridão."

  Parei de ler novamente, pasma. Valentim é o avô da...

 — O que foi?  — perguntou a loira, franzindo a testa. 

 — Seu avô fez parte da equipe de Aron!  — falei, ela pegou o livro, lendo o mesmo trecho que eu.

 — Mulher! É ele mesmo! 

 — Por que vocês estão gritando? Aqui uma biblioteca, oh sem educação.  — Daren se aproximou, com braços cruzados. 

 — Homem! Lê isso aqui!  — ele pegou o livro, e depois riu.

 — Vai dizer que vocês não sabiam, burras!  — continuou rindo, Val socou seu braço, ele fez uma careta.

 — Devia ter nos contado.  — digo, e ignorei a briga deles enquanto voltava a leitura.

"Assim, Elidriell, Valentim, e eu continuamos a viajem, depois de dias para sair do deserto, encontramos uma floresta cheia de espíritos, atravessamos com muita custo e demos de cara com uma vila, lá, encontrei Cassius Wilker, o mago que gostava de se meter em confusão, ele foi o novo membro da equipe."

 — Ah, e meu pai também fez parte, oh, Sofia já deve saber.  — contou o mago, Valentina continuou com o choque, continuei a leitura. 

"Para que pudéssemos prosseguir a jornada, precisávamos atravessar a bendita floresta novamente, porém, por entre as árvores, encontramos uma casinha no alto de uma colina, de lá, um garoto saiu, ele era bem magro e baixinho, quando o vi de longe, pensei que fosse uma criança, mas ele já era adolescente. Naamah Raypo, anos para frente, vai se tornar o meu melhor amigo."

  Tirei os olhos do livro, o mestre Naamah também fez parte da equipe de Aron.

 — Procurei vocês por todo lugar  — Nataniel apareceu, sorri pra ele, vê-lo chegar é sempre uma dádiva.  — O que aconteceu pra loira estar tão estressada?

 — Essa maluca fica nervosa com qualquer coisa.  — falou Daren.

 — Seu rabo!  — resmungou Valentina, e os três seguiram conversando, resolvi voltar para a leitura.

"Tivemos que cruzar o mar com um navio para chegar em uma terra como eu nunca vi, era fértil e florescia mesmo no inverno, dela, encontramos aventuras e ouro, mas nada se compara com ele, o menino ainda não havia entrado na juventude, tão pouco estava perto de ser adulto, porém, era forte e inteligente, um guerreiro completo, seu nome Saleos Kawami, o último membro que entrou na jornada."

 — Pessoal, o tio do Nate também fez parte da jornada de Aron.  — contei, eles se entreolharam, chocados.

 — Se nossos anteriores lutaram pelo mesmo motivo que nós, será que fomos destinados para sermos uma equipe?  — questionou Nataniel.

 — Provavelmente sim, nós não poderíamos fugir do nosso destino.  — Daren pronunciou, depois trocou olhar comigo, eu ri, e abaixei a cabeça, voltando para o livro, seja lá quem me mandou essa equipe, muito obrigada.