Capítulo 28: Espírito do urso
Sofia
— Querida, onde você está? — como se acordasse para o passado, eu estava em Vultor, lembro de uma conversa que tive com a rainha. Eu tinha seis anos.
— Sofia não está aqui. — falei enquanto me escondia entre as grandes almofadas da cama. A rainha sorriu.
— Não sabia que o quarto dela falava. — Kali sentou na cama e tirou uma das almofadas. Eu estava com a mão sob os olhos, achando que assim ela não me veria.
— Eu não quero ir. — me levantei, saltando da cama, e sentei no chão.
— Você nunca quer. — ela sentou ao meu lado.
— Ninguém gosta de mim lá.
— Isso não é verdade, eu gosto. — ela sorri, e me cutuca com o cotovelo.
— Só a senhora. — eu estava emburrada, como uma criança estressada, não queria estar em um ambiente que me sentia desconfortável.
— Está errada de novo, mas dessa vez, você vai gostar.
— Todos me acham diferente e ninguém gosta de mim, eu não quero ser assim.
— Querida, eu quero que você se destaque. Seja o mais diferente que puder — se levantou e segurou a minha mão, fazendo com que eu me levante.
— Amo você ao máximo que um ser humano pode amar.
***
Agora, como se essa memória se apagasse, eu estava com Daren, mas eu era criança.
— Nós precisamos conversar — Daren estava ao meu lado, em frente a fonte brilhante em forma de águia. Seus ombros caídos e um olhar apreensivo, mas ainda sorria.
— Sobre o que? — eu olhava a água e os pequenos patos que brincavam com as folhas que caíam.
— Não vamos mais nos ver — o olhei e por um segundo o sorriso sumiu do seu rosto. Eu puxei os fios soltos da sua roupa.
— Você não gosta mais de mim? — lembro-me que o chamava de mago D. Ele sempre ria dessa minha maneira de falar.
— Como não gostar da minha pupila? — segurou minhas mãos. — Mas tenho que ir, coisa de adul... — eu o interrompi.
— Não! Você vai embora e não quer me contar? — soltei suas mãos, cruzei os braços.
— Não fale assim, se não te conto é para seu próprio bem. — me repreendeu.
— Desculpa.
— Está tudo bem — sorriu. — Ainda vamos nos encontrar, sempre estarei por perto, embora você não saberá.
— Não vou esquecer de você. — falei, ele sorriu de maneira triste.
— Irá, mas eu vou sofrer para esquecer você.
***
— Luca? O que aconteceu? — eu estava mais velha, treze anos, enquanto andava pelo castelo encontrei meu amigo, e sua expressão não estava nada boa.
— Eu não consigo fazer o que gostaria e me sinto mal. — sentou no chão, encostando na parede.
— De frustação eu entendo... — também sentei ao seu lado.
— Não acha que está sendo muito duro consigo mesmo?
— Eu tenho que ser bom pra provar que tenho valor. — indagou.
— Seu valor vem do que você é, não do que faz. Pra mim, tem tanto valor quanto Aron. — sorri. Ele também.
— Obrigado, mas se eu não sou bom em lutar, no que sou bom? — perguntou.
— Acho você vai descobrir aos poucos, e com tempo, sua opinião irá mudar — eu falava calmamente. — Como se juntasse partes de si mesmo enquanto vive.
— Será que vou gostar da minha versão do futuro? — Luca estava assustado.
— Você sempre pode melhorar, é a graça da vida, possibilidades. Não somos os mesmos sempre.
— Ainda vamos ser amigos no futuro?
— Farei de tudo pra que isso aconteça. — por alguns minutos, ficamos em silêncio.
***
— Posso me sentar aqui com você? — voltei a infância, exatos nove anos, e dessa vez estava com Valentina.
A loira, um pouco mais alta e um sorriso amável, se aproximou com as mãos para trás, um vestido vermelho e o cabelo trançado, geralmente, não gostava que se aproximassem de mim, mas com ela não tive problemas.
— Pode — respondi, tímida. Por alguma razão, senti que finalmente havia encontrado a amiga que tanto esperei.
— Prefere ficar sozinha? — questionou, enquanto se ajeitava ao meu lado.
— Não, meus pensamentos me assustam. — digo, naquela época, eu tinha muitos pesadelos e passava o dia todo pensando neles.
— Eu tenho truque — a loira me olhou travessa, eu estava curiosa.
— Quando começar a pensar em coisas ruins, lembre-se das coisas boas que já existem na sua vida, e as que ainda podem existir. Funciona comigo — conto, animada, eu sorri. Sinceramente, uso esse truque até hoje.
— Acho que posso tentar, obrigada, mas qual o seu nome? — eu nem estava acreditando, que depois de tanto tempo acreditando que ninguém gostaria de mim, estava fazendo uma amizade.
— Valentina. E você é a Sofia, certo? — afirmei com a cabeça. — Espero que não acabe aqui.
— Vou me lembrar desse momento quando as coisas estiverem ruins no futuro. — sim, eu estava tão feliz com essa amizade que já pensava no futuro. Era tão ruim ser sozinha no Castelo, quando ela surgiu a minha vida, tudo mudou da melhor forma. Sorrimos, sem planejar, nos abraçamos.
***
Despertei dessa memória e encontrei uma floresta escura. Eu estava no presente e, por alguma razão, meu peito doía, caminhei até ouvir uma voz que me fez parar.
— Você me chamou, como posso ajudar?
Virei-me lentamente, encontrando um grande urso, majestoso, seu poder exalava por todo o lugar, e quando ele se aproximou, sentia sua magia.
— Espírito do urso? — perguntei, ele acenou. — Acho que não preciso mais de ajuda.
—Tem certeza disso? Se você está aqui, deve ter algum motivo.
O urso começou a se afastar e eu passei a segui-lo.
— Eu perdi a guerra, Zagan venceu, a escuridão venceu, os deuses devem abençoar outra pessoa pra salvar o mundo — contei, apressada, afastava as mãos como se estivesse jogando algo fora.
—É isso que realmente quer? Sinto que agora você está mais conformada, porém, quer desistir?
— Não, eu quero lutar e salvar o mundo, mas acho que Zagan me matou.
—Um pouco antes de Zagan lhe atingir, eu lhe trouxe para o mundo espiritual, fiz você rever as memórias que formam sua essência, pessoas que definem quem você é. Sofia, quando pensar em desistir, lembre-se deles! Não quer estar aqui por eles, pelos seus pais, pelo Nataniel, lute pra isso.
Paramos em frente a uma cachoeira, uma luz parecia estar dentro da gruta, escondida pela água. O som me fez suspirar.
— Me salvou, obrigada, espírito do urso. — o fiz reverência. Ele também.
—Sua jornada é árdua, de vez em quando, um de nós lhe ajudamos, mas não foi eu quem lhe contei.
— Esse é o nosso segredo — sorri. — Como vencerei Zagan? — voltei a expressão confusa.
—Você não usou tudo que podia, seus poderes vão além do que você pode imaginar, os use, nasceu pra isso.
— Preciso liberar o que está aguardado — falei, como se tudo se esclarecesse. — Ainda posso vencer.
—Vá em frente, criança! Cumpra o seu destino.
Apontou a luz atrás da cachoeira, me revelando o caminho de volta. Fiz uma reverência, ele também. Comecei a cruzar a água, atravessando o rio, e entrando de vez na cachoeira, sentindo uma luz tão forte que fechei os olhos.
Nate
No momento que vi Sofia cair junto com Hades, corri o mais rápido que podia, sentindo minha pele se cortar, logo, o mago e a loira estavam do meu lado. O dragão agonizava, pois sentia dor, seu sangue cercava o lugar, mas, por algum motivo, não soltava Sofia.
Zagan sobrevoou o local até parar no chão, se ajoelhou, colocando uma mão na terra, o reino inteiro parecia se contorcer em formas estranhas, sombras agonizantes passavam por entre as pessoas que ainda lutavam por sua própria sobrevivência. O céu ganhou uma nova cor, como se fosse sangue, enquanto ventos fortes pareciam querer nos arrastar.
— Hades, está tudo bem, nos deixe a ver, por favor. — Daren suplicou e, aos poucos, o dragão abriu as asas, revelando Sofia que estava desacordada.
— Ela não está sangrando, o golpe foi contra sua magia. — Valentina concluiu, Daren parecia tentar achar uma solução, e eu estava tão nervoso que sentia meu estômago revirar.
— Sofia já vai acordar, está no mundo espiritual, vejam — Daren levantou levemente as pálpebras de Sofia e seu olho brilhava. — Algum espírito deve estar ajudando ela.
— É o do urso, ela tentou mais cedo e não conseguiu, talvez agora esteja com ele — falei, eles concordam. — Daren fica com o Hades e a Sofia, os dois precisam de você, Valentina e eu vamos deter Zagan para que ele não destrua tudo.
— Vou com vocês — Dália surgiu. — Tomei a liberdade e deixei sua irmã na mansão Orcus.
— Obrigada, Dália — a loira agradeceu novamente. Vi Valentina abraçar o que pôde de Hades e segurar a mão de Sofia, logo foi em direção à Zagan. Me aproximei deles e respirei fundo, olhando para ela, desejei que tudo isso acabasse bem, por fim, a beijei nos lábios e fui em direção à Zagan.
Zagan nos olhou e sorriu.
— Superando o luto? — questionou.
Em sequência, mestre Naamah e mestre Clairo surgiram e, como se estivessem sincronizados, o atacaram, as luzes vindas dos três cercaram todo o lugar, enquanto desviavam, eu senti que precisava estar com Sofia, como se ela me chamasse. Corri e encontrei Daren curando os ferimentos de Hades.
— Aconteceu alguma coisa? — me perguntou, suas mãos brilhavam, passando no corpo do dragão.
— Não quero ficar longe dela. — Sofia parecia em um sono profundo, me aproximei e segurei sua mão.
— Vocês tem muita sorte de ter um ao outro, acho bonito. — o mago fazia com que os ferimentos do dragão se iluminassem. — Eu queria ter vivido algo assim.
— Você não teve alguém assim? — encarei Sofia, ela estava sob o peito de Hades, a cada minuto que passava, seu rosto suavizava, como se estivesse se acalmando.
— Tive, mas as coisas mudaram, nós mudamos, não fazia sentido tentar. — Daren abriu um círculo de poder e cobriu todo o dragão, me afastei, enquanto vi que começou a brilhar fortemente, o mago sussurrou palavras que não pude identificar.
— Sinto muito.
— Não se preocupe, já faz muito tempo — sorriu. — O Hades vai ficar bem. — o círculo se desfez. Uma explosão nos fez olhar nessa direção, Zagan lutava contra mestre Clairo e mestre Naamah. Seu poder maligno destruía tudo, minha irmã o cortou, desviando seu poder para o outro lado, a loira surgiu atrás dela, pegando impulso e atingindo Zagan em cheio, o rei se desequilibrou, deixando a guarda aberta, assim os mestres aproveitaram, unindo seus poderes, fazendo Zagan cair um pouco mais longe. Porém, quando Zagan se levanta, seu poder parece ter dobrado. Ondas pretas e verdes exalavam de todos os lugares, gritos de desespero saíam das formas agonizantes que pareciam sugar todos. Daren saiu correndo, tentando ajudar ,mas assim como os outros, foi sugado pelas formas horrorosas. Me segurei em Hades enquanto tudo parecia estar sendo engolido por Zagan, olhei pra Sofia que abriu os olhos.
— Nate? — ela se levantou, notando que estava em cima de Hades, ficou mais assustada. — Hades, você está machucado? — Sofia se segurou no dragão que parecia sonolento, Hades emitiu um som, mas não como se estivesse com dor ou nervoso, ele queria tranquilizar sua guardiã.
— Sofia, Zagan está engolindo tudo e todos com seu poder — ela olhou em volta, o caos estava espalhado, nossos amigos nem estavam mais conosco. — Eu... — tentei falar, mas ela me beijou. E logo sumiu. Encontrei Sofia no alto, seu corpo brilhava, suas mãos se movimentavam rápido, como se fosse limpando o ambiente, aos poucos, alguns daqueles que tinham sido engolidos surgiram novamente, o primeiro foi Naamah, ele caiu no chão corri e o segurei, ele despertou e nós dois começamos a ajudar quem foi liberto por Sofia. Zagan, notando o retorno de Sofia, foi voando até que ela, tentando a atingir, mas nem conseguiu, ela desviou e de uma vez lançou seu poder nele, que atravessou algumas construções. Ao seu redor, um círculo apareceu e conforme suas mãos se moviam, o círculo se espalhava, as ondas cobriam tudo e atravessa as pessoas, assim que passou por mim, senti como se aliviasse minhas dores. Quando Zagan voltou, mais uma vez tentou, porém foi atingindo pelas ondas de Sofia e, ao contrário, ele parecia sentir dor, como se algo estivesse o quebrando por dentro, aos poucos, Zagan sumiu. Sofia ergueu as mãos como se liberasse esse círculo, a luz foi tão forte que fechamos os olhos e, por alguns segundos, ouvi apenas zumbidos.
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