Prefácio
Com todo cuidado e esmero, L. H. Lourenço vai tecendo a saga de Floralice, garota de origem humilde do Centro-Oeste do Brasil, que se muda para Minas Gerais, por necessidade, levando como bagagem apenas os valores morais e os segredos da culinária de sua avó, originária de povos nativos. Ali, é adotada por pais afetuosos, onde recebe amor, instrução formal, estuda idiomas e agrega receitas da cozinha mineira. No entanto, uma circunstância adversa obriga a jovem Flora a se separar da família, mudando-se para São Paulo, onde busca realizar seu sonho: ser Chef de cozinha, estudar Nutrição e Gastronomia.
A autora consegue nos envolver e empatizar com a protagonista, na sua luta pelo respeito e reconhecimento da arte de cozinhar com amor, fazendo magia com os temperos. Isso a diferencia de tantas migrantes que vêm para o Sul, sem ter nenhum conhecimento especial, nem estudo e se submetem a serviços degradantes. Além disso, também é exposto o preconceito de classe e de raça, que Flora tem de enfrentar ao longo da sua caminhada, sem falar nas investidas masculinas abusivas, por ser uma morena de corpo escultural, beleza exótica, devida à sua ascendência indígeno-germânica.
Por onde anda, Flora faz amigos, mas um deles é especial: Giovanni, outro Chef de cozinha, um personagem enigmático e adorável, que alarga a visão de mundo da moça, não só do ponto de vista geográfico, mas derruba as suas barreiras, inaugurando possibilidades de existir. Amizade verdadeira, que acolhe, protege, mas liberta. Giovanni é um dos personagens que mais incentiva Flora a crescer no ofício de cozinhar e a se valorizar como mulher e profissional.
Os capítulos curtos e o ritmo pulsante da narração composta principalmente de diálogos, mantêm o leitor magnetizado. Nos intervalos, surgem bônus-surpresa: frases preciosas sobre a culinária, na maior parte, escritas por Chefs de cozinha, que ressignificam a nossa visão estreita do cozinhar só para alimentar. Nas palavras da autora, "a cozinha ajuda a relaxar e a pensar melhor. É terapêutico. As ervas, os temperos, os aromas, a harmonização dos sabores, tudo traz enormes benefícios para o coração e o cérebro". Diz ainda: "quando nos sentamos juntos e comemos, reina a harmonia e melhora a nossa compreensão. A comida traz amor, paz e compaixão para a mesa."
Mas o livro também gira em torno de um caso de amor entre dois jovens de classe social e ascendência conflitantes: Flora e Paulo Henrique, que embora apaixonados, terão que transpor muitos obstáculos para vencer o preconceito que está arraigado em toda sociedade brasileira, na maioria das vezes, de forma velada. Transparece o eterno confronto entre classes, num país de passado escravagista, onde a desigualdade e a exploração passam despercebidas, de tão banalizadas.
Outra preciosidade que esse livro traz é o linguajar mineiro e baiano, um falar que faz parte da identidade daquelas pessoas, assim como a apresentação dos pratos e ingredientes típicos regionais, tornando esses contatos saborosos. O leitor experimenta o aroma dos temperos, aproxima-se da aventura pelo paladar, associa os pratos degustados a experiências da infância. É uma viagem de encantamento em que se deseja estar presente, deixando-se ser enfeitiçado pela alquimia dos temperos. Leitura cativante e uma surpresa deliciosa no final.
Percebe-se que muita pesquisa foi necessária para compor esse livro, elaborado com o mesmo espírito de quem cozinha por amor, o que o torna mais valioso. Somos seduzidos pelo paladar e olfato, mas enternecidos pela doçura da protagonista, que apesar de ter sofrido muitas perdas em sua vida, mostra-se guerreira e resiliente, sem perder a feminilidade.
Conhecendo a obra da autora, sabemos da diversidade dos temas que aborda em seus romances e encontramos uma vez mais a sua escrita potente e sensível, sua facilidade em compor diálogos, que dão vida aos personagens. Daí, L.H. Lourenço ter criado A MAGIA DO TEMPERO: O AMOR É A CHAVE, um convite a cozinhar com alma, em tempos de fast-food, a construir um relacionamento consistente, com paciência e cuidado, em tempos em que imperam o descartável e os amores voláteis.
Carmo Prestes, escritora
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