Ambrosia
16 de abril de 2017
Gabriel me levou de volta até a boate Catwalk. Eu estava animada com a possibilidade de ter alguma ação no meu plano vago de vingança, parecia certo ter algum tipo de domínio sobre as habilidades que recebi. Não me culpei por querer usá-las, porque mesmo que sentisse que não as merecesse, eu as estaria usando para o outro e não para mim.
Estávamos na cabine que descobri ser como uma espécie de escritório para meu irmão. Sentada no mesmo lugar da noite anterior, apenas uma garrafa de cerveja e um copo de refrigerante de uva coberto por chantilly pairando entre nós, enquanto nos encarávamos como oponentes no velho oeste. Eu estava estranhamente empolgada, curiosa para testar minhas habilidades, não que eu fosse admitir isso para Iddie ou Egor, mas que garota nunca sonhou em ser uma heroína? Não que eu fosse uma heroína. Não que eu pudesse ser uma. De qualquer forma, havia essa ansiedade pairando sobre mim que fez meus pensamentos se concentrarem em imagens mais animadoras do que sangue e ossos.
Gabriel cerrou os olhos, inclinando-se para frente, quieto demais para o sempre agitado Gabriel.
— Você pode ler a minha mente — permitiu por fim, dando início ao que ele disse ser um treinamento nível Divisão Quimera, seja lá o que isso signifique.
Também me inclinei, tentando me concentrar na nova voz que passava a preencher minha mente. A porta da cabine estava entreaberta, o barulho da música e das pessoas do lado de fora atrapalhando minha concentração. Gabriel disse que fazia parte do treino, que quando realmente precisasse usar os poderes de Catarina o mundo não se calaria para que eu me concentrasse. Respirei fundo e deixei minha atenção focar apenas no que estava acontecendo dentro da minha cabeça.
"Dal? Alô, alô, Dal, está me ouvindo? Lendo? Escutando? Sentindo? Não tenho certeza do certo."
— Se ela não ouvir nada significa que a cabeça do Gabriel está vazia? — Iddie sussurrou para Egor.
Os dois estavam sentados na mesa entre a cerveja e o meu corpo, a forma como o rabo de Iddie se ondulava mostrava que ela estava a muito pouco de derrubar os dois.
— Eu posso ler a mente de vocês? — a pergunta me veio, fazendo os pensamentos de Gabriel enfraquecerem... De novo. — Droga — resmunguei cansada, esfregando os olhos quando todo o barulho começou a me causar dor de cabeça.
— O quê? O que foi? — Gabriel sacudiu as mãos ao redor da minha cabeça como se isso pudesse ajudar.
— Estamos fazendo isso há horas, parece que minha cabeça vai explodir — choraminguei na expectativa de que meu tom e expressões fizessem Gabriel me liberar mais cedo.
— Mas hoje você só leu os meus pensamentos, os da DJ, do papai e de mais dez bêbados aleatórios e demais drogados que encontramos — Gabriel contou nos dedos, parecendo realmente não ver o motivo do meu cansaço.
O encarei zangada, tomando um gole do refrigerante, se ele soubesse como a mente das pessoas alcoolizadas é confusa. Todo o barulho em volta já não me ajudava muito e a hiperatividade causada pelo álcool fazia com que as linhas de pensamentos se perdessem facilmente, restando apenas palavras cortadas, música barulhenta e meus próprios pensamentos se entrelaçando uns com os outros, diferenças sutis de tons que se perdiam e me confundiam.
— Não é bom forçar — Egor alertou, voando até mim para dar um tapinha consolador na minha têmpora.
— O que de pior pode acontecer? Ela desmaiar?
— Desmaiar não é algo bom — resmunguei na direção de Iddie, sem forças para brigar com ela, um bocejo involuntário escapando dos meus lábios... Algum bocejo é voluntário?
— Dal, foco — Gabriel estalou os dedos na minha frente. — Vamos lá, só mais uma vez e você pode ir para casa.
— Vocês ainda vão me matar — bufei, terminando de tomar o refrigerante. — Vamos lá.
Respirei fundo, escutando com cuidado, procurando algum resquício dos pensamentos do meu irmão no meio dos meus. Eu tinha ficado boa em reprimir a mente dos outros, apenas deixando as vozes intrusas se perderem em algum lugar da minha cabeça, como quando outra pessoa lava a louça ou toma banho na sua casa, o barulho só sendo registrado quando foca sua atenção nele.
"Tapete... Anna... Errado..."
Consegui ouvir em algum lugar. Agarrando-me a essas palavras, seguindo-as, procurando-as. Apertei os olhos como se isso pudesse ajudar e finalmente consegui ouvir, de forma clara, um tímido:
"Dal?"
— Consegui — exclamei aliviada quando ouvi Gabriel claramente, mantendo os olhos fechados e a respiração calma, como aprendi nas oficinas de meditação que Gabriel nos inscreveu. Confesso que, quando disse que queria passar mais tempo com meu irmão, não era isso que tinha em mente. "Catarina construiu sua fama de heroína com o nome de Donzela Vermelha."
— Ela tinha identidade secreta? — inclinei a cabeça em confusão. — Como você sabia que o nome dela era Catarina? — Do que estão falando? — Iddie cutucou minha bochecha com curiosidade, sua intromissão fazendo a próxima linha de pensamentos soar mais baixa.
"Eu sei de tudo, lembra?"
— Isso e alguém me pagou para descobrir — Gabriel murmurou em voz baixa.
— Não é porque estou lendo seus pensamentos que não posso ouvi-lo, Gabriel — resmunguei, abrindo apenas um olho para encará-lo. — Você foi pago para descobrir a identidade dela? Para quem você entregou essa informação?
— Camarosa — disse ele distraído, para então continuar:
"Para não te confundirem com ela, pensei que seu nome de heroína poderia ser... Malus ou... Outono. Quer dizer, sei que combinamos de não espalhar a notícia, mas não vai demorar até perceberem que Cat está diferente e quando isso acontecer quero estar preparado"
As palavras voltaram a se perder, tornando-se distantes quando abri os olhos, percebendo que Gabriel nem mesmo estava mais na sala.
— Bola Branca! — chamei, olhando a porta aberta da cabine, o som da boate mais alto agora, as luzes mais claras, minha cabeça doendo mais também.
— Ele saiu — Egor comunicou prestativo, ao contrário de Iddie, que também não estava mais na sala.
"Ambrosia? Não, soa como uma senhora ricaça. La Pomme? Sim, muito francês. Açam? Parece mais uma carne do que nome de heroína."
Os pensamentos voltaram quando Gabriel retornou à cabine, trazendo um novo copo de refrigerante, dessa vez de laranja.
— Saia da minha mente, Dal — pediu, seus pensamentos sendo imediatamente silenciados para meu alívio. — Você conseguiu ler quando eu não estava por perto?
— Não — suspirei um pouco envergonhada, porque sabia que Catarina conseguia. — Você roubou minha cereja de novo? — indaguei quando aceitei o refrigerante.
— Não vamos nos preocupar com bobagens — dispensou, sentando-se na frente do computador. — Isso significa que você não consegue ler a mente de alguém quando não sabe onde a pessoa está ou que você consegue ler a mente de alguém apenas quando a pessoa está no mesmo cômodo?
— Ambos — Egor respondeu por mim. — Por enquanto.
— Egor escolheu as duas opções, minhas habilidades vão evoluir com o tempo — poupei um comentário sobre o quanto não tínhamos tempo, levantando-me do meu lugar para fechar a porta, a cabine mergulhando em um silêncio confortável. — Que história é essa de nome falso?
— Se você vai entrar nessa vida não pode deixar as pessoas saberem quem você é — Gabriel revirou os olhos, como se tudo isso fosse óbvio. — O que acha de Macieira?
— Por que todos os nomes têm alguma ligação com maçãs?
— Você ganhou seus poderes comendo uma, não foi? — me encarou por cima dos óculos.
— E tentando se suicidar — Iddie lembrou “prestativa”.
— Salvar — Egor me defendeu. — Pelo menos foi essa a intenção... — "defendeu".
— Por enquanto as pessoas gostam de Garota da Maçã — Gabriel comentou distraído, dando um impulso na cadeira giratória para pegar a cerveja na mesa.
— Que pessoas? — perguntei com uma risada nervosa, não crendo que Gabriel tinha feito o que eu estava pensando.
— Todas as trintas que participaram da votação.
Ele fez.
— Gabriel! Não pode fazer votações sobre isso — gritei na direção do idiota, procurando pela sala alguma coisa que pudesse atirar em sua cabeça.
— Só gente confiável — Gabriel defendeu-se com um sorriso, seu chapéu caindo de lado quando Iddie o chutou, o que fez um sorriso genuíno de felicidade brotar nos meus lábios. — Você pode mandá-lo parar com isso?
— Ela — corrigimos.
— Tanto faz, Garota da Maçã — Gabriel rebateu, consertando seu chapéu.
— Não vou me chamar assim — revirei os olhos, aproveitando o refrigerante fresco e cheio de gás depois de cinco horas ouvindo estranhos despejarem todo tipo de pensamento em cima de mim.
— Vocês têm ideia melhor? Codinomes são importantes, então, como seu empresário, estou aberto a sugestões.
— Eu gosto de Rosto Irreconhecível — Iddie sugeriu, desviando da mão de Gabriel quando ele tentou espantá-la.
— Deveria ser Campeã da Alma — Egor comentou, recebendo olhares confusos, Gabriel perdido sobre o que eu estava olhando. — Por causa do poema de Prudêncio? — o anjo tentou nos lembrar, minha carranca se aprofundou, Iddie começou a rir. — Prudêncio foi o primeiro a usar a ideia de um ser humano ter por perto uma entidade boa e uma má.
— Oh, como nós — Iddie se interessou, chegando mais perto do anjo. — Mas isso é relativo, tenho certeza de que eu sou uma entidade boa também.
Não reprimi uma risada, Iddie e sua autoestima inabalável. Terminando meu refrigerante, recolhi a mochila do chão, vesti minha capa e ajudei Gabriel a desligar tudo.
— Ele chamou isso de psicomaquia — Egor continuou e nós o olhamos mais uma vez sem entendermos nada. — Significa batalha da alma, então, se Dalila passa por isso todos os dias, ela é... — estendeu a frase para que a completássemos.
— Alienada? — Iddie me encarou em busca de confirmação.
— Campeã da Alma — conclui encantada, o nome ressoando bem em meus ouvidos.
E mesmo que eu não pudesse me enxergar como uma super-heroína e que ninguém jamais me chamasse assim, Campeã da Alma pareceu bonito e cheio de personalidade, como os antigos quadrinhos que costumava ler e os personagens que criava para brincadeiras. Consegui até imaginar isso em uma frase, “a Campeã da Alma resgatou a filha do prefeito” ou “a Campeã da Alma impediu que envenenassem o reservatório de água”, e imaginei a pequena Dalila saltando pela garagem junto de Gabriel, gritando para toda rua que iria derrotá-lo, porque eu era a melhor super-heroína da Terra, a boa e justa, a que salva a todos e nunca erra... Sim. Campeã da Alma, um nome bonito, mas talvez não para alguém como eu. Porém, como minhas opiniões não pareciam estar em pauta:
— Excelente ideia — Gabriel pareceu considerar, ajeitando seus óculos e apagando as luzes antes de abrir a porta e nos guiar para fora. — Amanda! — gritou quando encontrou a mulher perto da saída dos fundos. — Já te apresentei minha irmãzinha, Campeã da Alma?
Amanda Adelante, dona da Catwalk, chefe do meu pai e uma das mulheres mais bonitas e intimidadoras que já conheci. Usando orelhas de gatinho e saia felpuda, um visual que não deveria parecer tão atraente em uma mulher de meia idade que fuma muito e serve bebidas. Amanda me lançou um breve olhar avaliador, estendendo a mão para um aperto.
— Finalmente fomos apresentadas da maneira certa — disse alegre, apesar de não sorrir... Ou ter qualquer outra expressão além do desinteresse genuíno em seu rosto.
— Ela é uma empata, sua leitura corporal fica meio confusa quando ela está sobrecarregada — Gabriel sussurrou, o que em uma boate lotada é o equivalente a falar em tom normal. — Ela é como uma pequena e gata esposa, nossa Manda.
Encarei melhor Amanda, que tinha longos cabelos negros presos em um rabo de cavalo; olhos castanhos esverdeados, pintados de preto esfumado, piscavam agitados; as longas pernas cobertas por uma meia arrastão preta e salto meia pata, o pé esquerdo se balançando impaciente; suas mãos, exibindo longas unhas vermelhas, moviam-se no ritmo da música ou se fechavam e se abriam de forma nervosa e sua boca estava ora achatada em uma linha fina, ora se esticando no começo de um sorriso psicótico que logo desaparecia.
— Parece que ela vai ter um colapso — comentei baixinho.
— Está tudo bem — Amanda tentou sorrir, os lábios se abrindo mais que o necessário. — Não posso deixar meus poderes impedirem a minha vida — riu maníaca e inclinou a cabeça. — Bola Branca, Jovem-Alma — despediu-se.
— É Campeã da Alma — corrigi, mas ela já estava longe para ouvir e talvez eu devesse ter corrido em sua direção para corrigi-la, porque Amanda matou o nome Campeã da Alma tão rápido quanto Egor o criou.
Jovem-Alma... Eu não faço ideia de onde Amanda tirou esse nome, imagino que ser ativamente influenciada pelo emocional de bêbados, drogados, super-heróis complexados e vilões sociopatas fazem isso com alguém. A única coisa de que tenho certeza, é que ninguém jamais me chamou de Campeã da Alma outra vez, nem mesmo Egor.
E sabe que eu gostei mais de Jovem-Alma. Ao contrário do imponente e cheio de espírito, Campeã da Alma, com o peso esmagador anunciado pela palavra campeã para alguém que é uma perdedora de carteirinha, Jovem-Alma pareceu melhor, pareceu meu de verdade. Simples e efetivo, medíocre se você for muito crítico e apenas um ok mediano se for alguém com mais o que fazer do que ficar julgando nomes de super-heróis. Talvez porque a ideia de ser jovem e ingênua traga esperanças a minha alma, talvez porque Jovem-Alma combina com Dalila Silvestre.
17 de abril de 2017
Para minha insatisfação, no dia seguinte, a dor de cabeça ainda não havia passado, quase parecia pior, como se meu cérebro se revoltasse com minha soneca de 4 horas e resolvesse me punir por continuar insistindo em usar fones de ouvidos no volume máximo.
— Martelar, trovejar, arder, tilintar, bater... — Iddie citou os verbos que poderiam descrever minha dor. — O que mais?
— Latejar? — Egor agitou suas asas, listas sempre o deixam animado. — Desculpa, Dal — ainda assim se desculpou.
— Vocês me apoiam tanto — resmunguei baixinho, parando de andar assim que cheguei à sala indicada por Chico. — É aqui — encarei a madeira da porta como se ela pudesse se abrir magicamente, porque aí eu não teria escolhas a não ser entrar, infelizmente telecinese não faz parte do conjunto de poderes da Catarina. — É muita responsabilidade.
— Tenho esperança de que você leve uma surra — Iddie se divertiu com meu desespero.
— Ainda não acredito que Gabriel conseguiu me colocar numa sala avançada — respirei fundo, desolada e cheia de medo, abrindo a porta da sala num ímpeto de coragem. — Agora eu sou um Gumball faixa azul.
— Gub — Egor corrigiu com um suspiro. — E eu não acho que essa seja uma boa ideia.
Suspirei inquieta, entrando na sala de taekwondo. Eu também não achava que era uma boa ideia. Para alívio da minha ansiedade, a sala avançada de taekwondo parecia apenas uma sala como qualquer outra, sem apetrechos complicados e perigosos, sem alunos fazendo manobras arriscadas, sem sangue manchando as paredes... Eu tenho que confessar, não fazia ideia do que se tratava taekwondo. Fui recebida por quatro paredes pintadas com grafites coloridos e o chão coberto de tatames azuis, isso parecia melhor do que a cela de treinamentos que estava imaginando.
— Ei, olha só quem está ali — Iddie chamou minha atenção, puxando uma mecha do meu cabelo insistentemente.
Olhando na direção em que Iddie apontou, encontrei Emilly encostada no canto da sala. Ela tinha um sorriso no rosto, enquanto via algo no celular, parecendo relaxada e a vontade no ambiente, ao contrário de mim, eu já me sentia suando nos lugares mais improváveis e tinha certeza de que levaria uma surra gigantesca. Iddie disse que os poderes de Catarina me deixavam mais resistente e com algum tipo de fator de cura, mas é Iddie, ela também disse que eu possuía a capacidade de falar com maçãs e que meus ossos viraram gravetos.
— É sua chance — Iddie tentou me empurrar, o que deveria ser um alerta para o que não fazer, se a Iddie manda, você faz exatamente o oposto. — Precisa falar com ela logo!
— O que eu digo? — perguntei em desespero, dando alguns passos na direção da garota, indo contra minha racionalidade. — Fala sobre os sapatos, sei lá.
— Ela está descalça — bufei, resistindo a tentação de apenas correr para fora da sala onde era seguro e sem Emillys.
— Pergunte sobre o professor de vocês — sugeriu o anjo.
Pensei nas palestras de “combate ao estresse” e “como se tornar um milionário” que Gabriel também me fez assistir... Acho que ele queria companhia.
Caminhei até Emilly devagar, como quem se aproxima de um animal ferido ou foge de um animal zangado, tentando não chamar atenção até estar perto o suficiente. Não havia muitas pessoas na sala, apenas um grupo de quatro garotas no fundo e uma que chegou alguns minutos depois de mim.
Para meu azar, Emilly ergueu os olhos da tela assim que notou minha presença, abrindo um sorriso digno da capa da primeira página da revista Chilique. Seus olhos se enrugaram dessa forma adorável, o mundo pareceu se iluminar e Emilly era apenas uma presença quente para olhar. Soltei uma risada nervosa. Quanto tempo já não fazia que queria falar com Emilly? Apenas observando, acompanhando seus trabalhos e fingindo odiá-la porque, por favor, como ela consegue parecer tão... Emilly? É tão irritante!
— Oi — disse com uma risadinha, levantando uma mão para me lançar um pequeno aceno. — Estudamos juntas, não é?
Arregalei os olhos e soltei um som engasgado. Emilly Diniz lembrava de mim!?
— Sem tempo para seus ataques de fã — Iddie tentou dizer em tom irritado, mas acabou rindo junto de Egor.
— Sim, sim, sim, sim — repeti como uma idiota, procurando as palavras certas para dizer. — Bem-vinda... Digo, eu sou nova aqui... Sabe... Professor?
Emilly sorriu ainda mais com isso, parecendo acostumada às pessoas agindo dessa forma perto dela, porque ela apenas ignorou e continuou a falar, seus olhos se erguendo para o topo da minha cabeça.
— Eu adorei seu cabelo — elogiou, passando as mãos por seu próprio cabelo, preso em um coque. — Não importa o que eu faça, o meu nunca cresce mais do que isso, eu estou presa com ele na altura dos ombros — abri a boca na intenção de falar alguma coisa, qualquer coisa, o que acabou sendo esquecido quando Emilly prosseguiu: — É sua primeira vez em uma atividade extracurricular? — terminou de ajeitar os fios, guardando o celular em sua bolsa e fazendo um movimento elegante com os ombros, alongamento o nome. — Eu já fiz de tudo nessa escola e nunca te vi em nenhuma oficina.
Abri a boca mais uma vez, então a fechei e sorri largo. Aaaaaaaaaaaaaaaa!!!! Era o que estava acontecendo dentro da minha cabeça. Emilly falou comigo! Emilly sabia quem eu era! E eu queria ter forças para gritar o quanto admirava seu trabalho, que ela estava absolutamente maravilhosa quando apresentou seu próprio talk show, Miny Emilly, e que seu papel em Eu Não Estou Realmente Aqui foi de arrasar corações. Embora também quisesse apontar que ela deveria ser mais legal com os maquiadores e cabelereiros, porque os boatos sobre ela não eram muito legais, e também quase comemorar o fato de existir, pequenina e quase imperceptível, uma manchinha em sua bochecha!
— Diga alguma coisa, diga alguma coisa — Iddie repetiu no meu ouvido e eu gostaria de gritar que isso não ajudava.
O professor entrou na sala nesse momento, interrompendo qualquer conversa que eu pudesse ter com minha principal candidata aos poderes de Catarina.
— Depois me conte como conseguiu sua faixa azul — a garota sorriu de novo, dentes perfeitamente alinhados, indo em direção ao meio da sala, um cheiro doce deixado no ar.
E eu engoli em seco, porque não tinha condições de eu me sair bem tendo pulado tantas etapas e com apenas 10 aulas online de taekwondo no portfólio. Que Iddie estivesse certa sobre minha resistência aumentada e que Gabriel tivesse dado dinheiro o suficiente para que o professor não me chutasse para fora da sala.
23 de abril de 2017
— ...e na verdade o anão era minha tia — terminei de contar, vendo a mesa onde estávamos explodir em risadas animadas.
Eu, Iddie e Egor estávamos de volta à boate Catwalk, uma rodada de drinks coloridos e refrigerante de laranja repousavam na mesa e eu estava cercada por uma dúzia de pessoas as quais nunca havia visto na vida, mas as quais me sentia conectada em algum nível estranho e inexplicável. Era, de alguma forma, mais confortável falar e me soltar com a segurança de que ninguém ali me conhecia, ninguém poderia reconhecer meu rosto, ninguém poderia me julgar.
Foi a primeira vez em que eu consegui sentar e me conversar com cada pessoa de uma mesa, sem me sentir a desajustada ou a errada, eu apenas envolvi todos em uma conversa animada e foi... Bem legal. Foi muito legal.
— Bola Branca — Glacial, um cara que usava uma máscara de urso polar, cumprimentou. — Sua amiga é uma comédia.
— Por que estava escondendo ela dá gente? — Culminância, aparentemente uma heroína, apertou minha mão com carinho. — Ela nos contou sobre a professora.
— O quê? Que professora? — Bola Branca riu nervoso, apertando meu ombro em alerta.
— A de Geografia? Um passarinho me contou que vocês estavam namorando — sorri maliciosa, achando graça do embaraço do meu irmão.
— Eu não me pareço com um passarinho — Iddie bufou ao meu lado, soando absolutamente indignada.
— Desculpe, um percevejo me contou — brinquei, ouvindo mais risadas da mesa, para ser franca, tudo isso se devia muito mais ao cigarro passando pelas mãos dos adultos e menos a mim sendo um prodígio da comédia.
Gabriel deve ter decidido que já bastava de me expor a esse ambiente, dando um tapinha nas minhas costas e acenando com a cabeça para que eu me levantasse.
— Certo, senhores e senhora — Bola Branca lançou uma piscadela para Culminância por trás dos óculos. — Minha amiga precisa ir, temos trabalho a fazer.
Um lamento coletivo foi ouvido na mesa e eu suspirei tristemente, não querendo deixar a atmosfera confortável.
— Sinto muito, minha presença é requisitada — terminei meu refrigerante e me levantei, fazendo uma reverência ridícula que Iddie nunca me deixaria esquecer.
— Apareça qualquer dia, Jovem-Alma — Glacial sorriu amigável. — Peça para Amanda te trazer até a mesa das pessoas legais.
Gabriel não me deixou responder, guiando-me pela pista de dança até a cabine nos fundos, lugar que rapidamente se tornava cada vez mais familiar para mim. Que loucura imaginar como a vida muda em um piscar de olhos, era insano apenas imaginar que poucos dias atrás minha maior preocupação era se Júnior me acharia mais bonita de batom e então eu tinha um terrorista para deter, pessoas para vingar, amigos para visitar. Que loucura!
— Até Egor estava se divertindo — resmunguei a contragosto, sorrindo apenas quando notei, na mesa da cabine, um copo com refrigerante de limão, chantilly e... — Onde está minha cereja?
— Era um morango desta vez — Gabriel não se esforçou para mentir, sentando-se na sua cadeira de sempre. — Por que todo mundo resolveu te mimar?
Dei de ombros, puxando minha própria cadeira e tirando o capuz da capa de Catarina. Iddie sentou-se em cima do chapéu de Gabriel, sorrindo diabólica com intenção de derrubá-lo quando achasse conveniente.
— Eu também gostaria de voltar para lá — Egor murmurou, sentado no meu ombro com os braços cruzados.
— Temos trabalho a fazer — Gabriel disse em seu tom sério e mandão, nesses momentos em que parece um irmão mais velho responsável e não um mercenário, informante e agiota.
— Estamos fazendo isso a semana toda — gemi entediada, abaixando a cabeça para descansá-la na mesa. — Taekwondo na segunda e na quinta; academia na terça, no sábado e na sexta e eu ainda tenho que esgotar minha energia mental no domingo? Fora aquelas palestras e sermões inúteis que você me força a assistir como se eu tivesse entrado para uma seita — ergui a cabeça para beber um gole do refrigerante. — Eu tenho uma vida, sabia? Faz duas semanas que não vou à escola, porque estou com muita dor para levantar e agir como uma adolescente normal, Júnior está fazendo perguntas.
— Você quer vingança ou não? — Gabriel ergueu uma sobrancelha, sabendo qual era a resposta.
Endireitei a coluna e suspirei pela última vez.
— Tudo bem, o que vamos fazer hoje? — perguntei, porque Gabriel estava certo, eu tinha um objetivo.
Destruir Primazia... Talvez matar... Ainda não decidi. Porque matar não é legal. Nos dois sentidos da palavra.
— Hoje — Gabriel começou, apenas para ser interrompido por Iddie, que derrubou seu chapéu.
Sorri, vendo Iddie me lançar uma piscadela antes de fugir para fora da sala, preferindo ouvir a música da boate às instruções mandonas de Gabriel.
— Hoje você vai tentar me enviar uma mensagem mental — Gabriel continuou sem se afetar, tirando seus óculos escuros. — Você pode ler minha mente.
Revirei os olhos, Gabriel me expulsava dos seus pensamentos toda noite depois dos treinos, temendo que eu ouvisse coisas que não deveria.
"Alô, alô? Está me ouvindo?"
— Estou — me acomodei melhor na cadeira, deixando as demais distrações da sala de lado.
— Ótimo! Agora tente me dizer isso, mas sem falar — Gabriel auxiliou, já pegando a prancheta onde fingia fazer anotações de nosso progresso, mas eram só desenhos feios.
— Como eu faço isso?
— Não faço ideia — Gabriel riu nervoso, encolhendo os ombros. — Cat conseguia, pergunta para os seus pokémons.
— Egor? — busquei orientação do meu tutor menor e fofo.
Embora contra nosso plano de vingança, Egor estava engajado em me ajudar com a evolução dos poderes de Catarina, esperançoso de que isso pudesse me fazer querer ficar com eles. Egor tinha um jeito calmo de explicar, que me deixava confortável e nunca me fazia duvidar das minhas capacidades. Com o incentivo dele e as orientações de Gabriel, eu sentia que a cada dia eu estava mais perto dos meus objetivos.
Egor se levantou de onde estava sentado, indo até o meio da mesa para falar comigo. Gabriel, como o idiota que era, encarou o centro da mesa também.
"Eu gostaria de poder ver esse diabinho."
— É o anjo — corrigi com uma risadinha, não deixando de me sentir ligeiramente privilegiada.
Meu irmão me encarou feio, indignado com minha intromissão em seus pensamentos fora do treinamento.
— Você quer enviar uma mensagem, certo? E estamos trabalhando com a visualização — Egor começou em tom diplomático. — Se para filtrar pensamentos você usa uma peneira metafórica e para bloquear você usa uma barragem, para enviar mensagens você precisa de...
— Barcos — exclamei animada, assustando Gabriel.
— Iria sugerir pássaros, mas barcos servem, eu suponho.
— Barcos? — Gabriel piscou sem entender.
Não respondi, focando em minha respiração, fechei os olhos e, derrubando por completo a barreira já automática entre meus pensamentos e os de Gabriel, senti aquela enxurrada de ideias, devaneios e memórias invadirem minha mente. Frases incompletas, junto de medos e ansiedades e tantas ideias que iam e vinham, batendo nas paredes do meu crânio como ondas de uma correnteza. É insano e é mágico. É como ter acesso a uma consciência completamente nova, milhares de possibilidades que me são dadas com a simples permissão para que eu leia seus pensamentos.
Eu sabia que se seguisse determinada linha de pensamentos poderia navegar dentro da mente do meu irmão, mexendo, revendo e literalmente assistindo suas memórias. Eu poderia implantar ideias que não eram suas e enviar mensagens constantes que poderiam enlouquecê-lo.
Havia coisas as quais eu não deveria ter acesso. Memórias que toda vez que eu entrava em sua mente, Gabriel se esforçava muito para não pensar nelas, essas ficavam acima de tudo, cuidadosamente protegidas longe da vista, como Deus se esconde no céu e o diabo na Terra. Respeitando a privacidade do meu irmão, eu preferia focar apenas nos pensamentos mais altos e presentes, esses que parecem uma segunda pessoa dentro de nossa própria cabeça, a voz principal no meio da bagunça de sons que é nosso consciente.
Tentei imaginar um barco. Um pequeno barquinho navegando pelas águas agitadas que é a psique de Gabriel. Sempre agitado, sempre cheio de opiniões e julgamentos e de vida, a toda hora havia algo novo surgindo, algo novo para prestar atenção na mente inquieta do meu irmão.
Eu só precisava fazer minha mensagem chegar até ele no meio dessa bagunça. Uma única mensagem. Minha voz tinha de chegar até a cabeça dele. Como em um barquinho, que navega, navega, navega..., mas eu não conseguia me conectar e o meu barco parecia de papel, afundando na água em pouco tempo, perdendo força a cada segundo.
— Talvez um carteiro fosse melhor — bufei impaciente, soltando uma risada nervosa. — É tão difícil lidar com isso, é tudo hipotético, como sei se a mensagem realmente chegou?
— Ele vai te dizer — Egor respondeu calmamente. — Concentre-se, basta pensar no que quer enviar e para quem.
Apertei os olhos. Pensei em Gabriel. Parado na minha frente, olhando para mim com expectativa, batendo com a ponta da caneta na mesa e formando uma mancha que Amanda reclamaria sobre ter que limpar depois. Gabriel. O que eu tenho para te enviar...
"Por que está namorando a professora de Geografia?"
Pensei de novo, pensei com força, apertando os olhos e gritando dentro de minha própria cabeça, tudo na tentativa de fazer minha voz ser ouvida. Imaginei um barco e o empurrei para Gabriel, minha voz navegando, de alguma forma, seja por magia, ciência ou roteiro, até Gabriel, minha voz ressoando como um eco entre nós quando consegui enviar a mensagem e o que ele ouviu foi o que eu ouvi e o que ele pensou foi o que eu pensei e apenas por um momento pudemos ser um para logo voltarmos a ser dois.
Abri os olhos, o som dos gritos animados e da música alta da boate passava pela porta entreaberta, minha cabeça latejava como nunca com a quantidade de informações que estava recebendo. Muita coisa estava acontecendo, mas tudo valia a pena. Saber controlar o poder que tem é mais emocionante, mais impressionante, mais importante, do que apenas ter. Mesmo que o dito poder não me pertença.
— Também estou atrás de Primazia e sua professora é a única que deu aula para todos os alunos que morreram — Gabriel respondeu, um sorriso enorme em seu rosto. — Você conseguiu, Dal! — comemorou, seu tom todo orgulhoso e contente.
— Consegui? — pisquei devagarinho, suspirando em alívio ainda sem acreditar, eu havia conseguido. — Finalmente!
Comemoramos brindando com nossas bebidas, mais um passo concluído. Cada pequena conquista me fazia sentir mais forte, mais preparada para encontrar Primazia e concretizar minha vingança. A vingança de Iddie. A vingança de Catarina. A vingança de todos que perderam familiares e amigos no incidente. Cada passo conta.
🍎🍎🍎
Gabriel, no entanto, não parecia entender o conceito de passos pequenos, sempre me fazendo correr uma maratona. Depois da minha pequena vitória, rodamos a boate inteira com ele me fazendo enviar mensagens para quem quisesse ouvir. Gabriel disse que praticar facilitaria tudo, mas não parecia fazer muita diferença se ele só escolhia bêbados.
— Sabe como é difícil saber se um bêbado realmente ouviu minha mensagem ou se ele está apenas inventando? — resmunguei para Iddie que continuava a rir.
— Está virando rotina ter dor de cabeça na segunda e dor no corpo durante o resto da semana — gargalhou alegremente, sentando-se no meu ombro direito quando passamos pela catraca da estação do metrô.
— Adoro essa parte — Egor comemorou, escorregando pelo corrimão da escada rolante.
— Ele nunca se cansa? — Iddie bocejou, aconchegando-se no meu pescoço. — Acorde-me quando chegarmos.
— Claro, preciso de ajuda na prova de História hoje — resmunguei, abrindo os braços para receber Júnior em um grande e apertado abraço quando nos encontramos na plataforma. — Eu senti tanto a sua falta.
Júnior sorriu do jeito que sempre fazia quando me via, cheio de dentes e uma covinha na bochecha direito.
— Raio de Lua — me apertou um pouco mais, depositando um único beijo nos meus lábios, antes de se afastar e declarar com seriedade: — Precisamos conversar.
— Oh não — Egor se apavorou.
— Ótima maneira de começar uma conversa — ri nervosa, analisando seu semblante em busca de alguma dica do que poderia estar errado. — O que aconteceu?
Júnior me encarou com uma careta engraçada.
— O que aconteceu? — repetiu em falso tom risonho, indo se sentar nas cadeiras disponíveis para esperarmos o metrô. — Por onde começar? Talvez pelo fato de semana passada você só ter ido na escola para fazer aulas de taekwondo, ter chegado atrasada em todas elas e mal ter falado comigo?
— Eu... — gaguejei, assustada com sua explosão. — Tem muita coisa acontecendo.
Foi o que consegui dizer, pigarreando de forma desconfortável. Eu sabia que seria apenas uma questão de tempo até que Júnior percebesse que havia algo errado. Não é como se eu pudesse chegar para meu namorado e contar que ganhei superpoderes. Em parte, porque eu estava em uma condição de ilegalidade, a obrigação de qualquer um que ganhe poderes é ir ao médico e se registrar. Em parte, porque não tinha absolutamente chances nenhuma de Júnior aprovar o que eu queria fazer com esses poderes.
— Que coisas? O que está acontecendo? — pressionou.
— É complicado — desviei o olhar e pigarreei, imaginando que pudesse escapar sendo ambígua.
— Não saímos mais juntos, não nos vemos durante a semana, nem minhas mensagens você está respondendo — citou em tom irritado, seu semblante contorcido em uma careta.
Olhei na direção de Egor, esperando que o ANJO que LITERALMENTE serve para DAR CONSELHOS tivesse uma desculpa para me tirar dessa saia justa.
— Não conte, não arraste ele para essa vida — Egor aconselhou e eu lhe dei um aceno de cabeça. — Proteja-o.
E não queria contar. Não apenas porque é crime esconder isso do governo, mais o fato de eu ter presenciado um assassinato e não ter denunciado, mas também porque Júnior não merecia isso, não quando ele odeia tudo relacionado a super-heróis e só quer viver uma vida normal. Não quando eu cresci com quadrinhos onde a namorada do herói sempre morre. Não quando eu não sabia colocar em palavras, não tinha coragem ou vontade, para explicar mais uma vez tudo o que aconteceu desde que mordi a maçã.
— Então, Dalila, eu é quem te pergunto, o que está acontecendo? — Júnior pressionou.
O encarei sem saber como reagir, levantando a mão para bater no meu ombro na intenção de acordar Iddie.
— Ainda estou acordada, Dalila — a pequena demônia grunhiu e chutou meu dedo.
— Diga que estava ocupada estudando para as provas — Egor disse em tom decisivo.
— Diga que estava ocupada estudando para um assassinato — debochou a pequena endiabrada.
— Eu não estou com paciência para isso — bufei irritada, os conselhos de nenhum dos dois ajudando.
Júnior arregalou seus olhos cor de uva, uma expressão magoada moldando suas feições. Ele se virou para olhar os metrôs que iam e vinham, tirando a touca de sua cabeça, torcendo-a nervosamente entre as mãos. Sua raiva sendo substituída por insegurança.
— Isso é tão triste — Iddie comentou em tom sarcástico.
Precisava consertar isso. Júnior era uma das únicas pessoas presentes na minha vida, eu o amava e queria protegê-lo de toda essa loucura temporária. Eu queria beijá-lo, dizer que estava cuidando de tudo, que as coisas ficariam bem logo e que nada precisava mudar.
Mas a verdade era que eu mudei. Minha rotina havia mudado e meus planos para o futuro eram outros. Planos os quais Júnior não fazia parte. Eu nem sabia se ainda estaria viva no final do mês! Quem dirá jurar amor eterno ou garantir um encontro no final de semana.
— Sem tempo, amor — era o que eu queria dizer, encerrar o assunto e ir embora.
— Diga o que você gostaria de ouvir — Egor incentivou.
— Diga o que ele quer ouvir — Iddie decretou.
E como tomar boas decisões nunca foi meu forte...
— Gostaria de ler seus pensamentos — mais uma vez segui os conselhos de Iddie... — Eu posso?
Júnior me olhou como se eu considerasse todo o nosso relacionamento uma grande piada, exatamente como Iddie me olha todos os dias. Ele colocou a touca de volta na cabeça, levantou-se e entrou dentro do metrô que chegou sem dizer uma única palavra.
— Espera, Júnior — o segui aos tropeços, sentando-me ao seu lado. — Não acredito que ia me deixar sozinha.
— Não acredito que está tratando tudo isso como uma piada — usou o máximo de sarcasmo que conseguiu, que não funcionou, Júnior nunca foi um cara da ironia.
— Por que está tão preocupado? Já disse que só estou ocupada com algumas coisas, não é nada demais — cruzei os braços, era a minha vez de ficar irritada, sabia que só estava tentando jogar a culpa nele para me sentir melhor, mas era verdade que a falta de confiança dele em mim me afetava.
— Não fale como se eu estivesse exagerando.
— Vamos, amor, basta um sim — escorei a cabeça na janela. — Deixe-me ler sua mente.
E eu sabia que Júnior queria me mandar calar a boca, que ele não estava entendendo minha pergunta e que para ele toda a situação soava como se eu estivesse debochando das suas preocupações. Mas quem se importa? Se meu tempo na Catwalk me ensinou algo é que as pessoas não pensam muito quando você faz uma pergunta como essa. — Posso ler sua mente? — elas riem e permitem, surpresas demais para considerarem que vivemos em um mundo onde telepatas existem, despreocupadas demais para negarem.
— Deixo — Júnior desviou os olhos para o corredor, observando as pessoas que entravam e saíam. — Eu sempre deixo você fazer o que quiser.
Rápido e infalível como sempre, bastou um segundo para os pensamentos do meu namorado não serem mais só dele.
"Restam mais duas estações e o caminho da escola. Por favor, que ela não esteja me traindo. Por favor, que ela não tenha encontrado alguém melhor. A blusa daquela moça daria uma boa pintura. Diga alguma coisa, Raio de Lua. Tenho um jantar hoje à noite. Talvez eu devesse convidar a Dal. Aposto que ela tem coisas melhores para fazer. Ou alguém melhor para ver. Eu deveria cuidar da bagunça do meu quarto. Que saco."
Os pensamentos de Júnior dispararam, soltos e rápidos, agitados. Eu já esperava por isso. A mente de Júnior era inquieta, sempre pensando em algo novo, vendo as coisas por uma nova perspectiva, dando voltas ao redor do mesmo tópico. Sempre pensei que uma pintura é o reflexo da mente e da alma de seu artista e as pinturas de Júnior eram intensas, cheias de cores, uma montagem agradável, indo de paisagens em potes de vidro até cacos de vidro flutuando no infinito.
Júnior era um dos garotos mais calmos que eu conhecia, mas por dentro ele era um verdadeiro turbilhão de emoções, um furacão de anseios e um tsunami de expectativas, um vulcão de vida e o big bang da morte.
— Não estou te traindo, jamais faria isso com você — disparei, tentando tirar o pensamento da sua cabeça o mais rápido possível. — Eu... Tenho estudado com Gabriel depois da escola, então não está sobrando tempo para a gente ou... Para jantares — resolvi acrescentar, temendo ter que inventar uma desculpa para rejeitar o convite.
Egor me lançou um olhar reprovador.
— Por que não me pediu ajuda? — Júnior ainda parecia emburrado, mas seus pensamentos fizeram uma pausa que indicavam que eu tinha dito algo de certo.
— Você está sempre tão ocupado, não quis incomodar — passei os braços pelos seus ombros, puxando-o para deixar um beijo demorado em seus lábios.
— E sobre as faltas? — Júnior aceitou o beijo, sua boca se abrindo em um familiar sorriso bem-humorado.
"Quanto tempo faz que não nos beijamos? A última vez que saímos foi mês passado. Amélia está certa, talvez devêssemos terminar. Ou não. Ela está estudando, o problema não sou eu. Sou eu? Não sou eu. A mulher da blusa está indo embora. Tomara que Dalila esteja me contando tudo. Tenho que pintar um quadro com aqueles detalhes. O que tem para o almoço? Droga! Hoje não é dia de apresentar o trabalho da vaca da Susi?"
— Meu pai está doente — respondi após olhar um anúncio sobre convênio e seguro de vida colado na última estação que passamos. — Passei as últimas duas semanas cuidando dele — inventei na tentativa de curar suas preocupações.
— Seria mais realista dizer que você estava doente — Egor acrescentou, aquietando-se no meu ombro quando nossa estação chegou.
— Dal, por que não me contou? Ele está bem? — Júnior se preocupou, virando-se para me encarar.
— Sim, claro, vou me esforçar para vir mais às aulas — e tomar remédio para dor antes, acrescentei mentalmente. — Quem é Amélia mesmo?
— Minha madrasta — respondeu confuso, levantando-se da cadeira quando o metrô parou. — O que seu pai tem?
E, mais uma vez, acordei Iddie, na esperança de que ela conhecesse alguma doença convincente.
🍎🍎🍎
— Síndrome do trava-língua não existe — comentei risonha assim que chegamos na sala de aula, não tendo conseguido parar de rir desde que me separei de Junior. — Tomara que ele não pesquise no Google.
— Como assim? Seu pai sofre com isso toda manhã — Iddie brincou, sentando-se em cima da minha mesa.
— Bom dia, Dalila — Emilly me cumprimentou quando passou por mim, meu sorriso só aumentando quando Iddie, Egor e eu viramos a cabeça para vê-la passar.
— Ela é perfeita para o papel — suspirei contente, sabendo que tudo estava dando certo.
Iddie e Egor tinham um lugar seguro para irem, evitei uma crise no meu relacionamento e em breve Gabriel localizaria Primazia e poderíamos terminar o que ela começou. O que de pior poderia acontecer?
30 de abril de 2017
Ninguém nunca pode dizer que meu irmão não sabe ouvir críticas.
— Isso dói, isso dói, isso dói — repeti, batendo a cabeça e os pés no chão, puxando o ar com força mesmo que a ação parecesse inútil.
Gabriel estava sentado em cima da minha coluna e eu juro que podia ouvir o barulho das minhas costelas rangendo, ele torcia meu braço com uma mão e mexia no celular com a outra, o som da última música viral tocando baixinho enquanto rolava a tela de seu feed.
— Veja bem, Dal, querida irmã, quando você disse que estava cansada de torrar sua mente todo domingo, eu ouvi você, o dia de torrar a mente da Dal agora é no sábado! — eu podia ouvir a satisfação em sua voz e o sorriso em seu rosto. — Agora, escape daqui e eu te conto o que descobri daquele assunto que você me pediu.
— Descobriu algo sobre Aline? — falei esperançosa, apenas para gritar quando ele puxou meu braço um pouco mais.
Brincadeiras à parte, isso realmente doía, como se meu braço pudesse ser separado do meu corpo a qualquer momento, as articulações protestando com o movimento, enquanto minha garganta soltava gritos horríveis que eu não me imaginava capaz de produzir. Marcas roxas, amarelas e verdes passaram a ser comuns de serem encontradas pela minha pele e além de ter que dormir com um saco de gelo na coluna, minha penteadeira foi preenchida por muitos medicamentos para dor e vários tipos de base.
Achei que Gabriel estivesse brincando quando disse que passaríamos a treinar meus poderes em uma luta corpo a corpo. Depois pensei que ele estava apenas sendo cruel. E então eu apenas parei de pensar.
Estávamos no meio da pista de dança da Catwalk, uma hora antes de abrirem. O lugar estava vazio, exceto por Amanda, que discutia alguns assuntos no telefone na sala dos fundos. Era estranho ver a boate sem as luzes piscando e todas as pessoas dançando. Vazia, a Catwalk era um grande quadrado de paredes vermelhas e cadeiras para cima, um cheiro persistente de alvejante e água sanitária no ar.
Consegui tirar minha mão esquerda de onde estava presa sob o joelho de Gabriel, virando meu corpo e agarrando seu celular, apenas para ver um nude da minha professora de Geografia piscando na tela. Gritei, jogando o aparelho longe.
— Poderia parar de namorar minha professora? Você já descobriu que Primazia não escolheu as vítimas do ataque, não precisa mais desse relacionamento! — reclamei com irritação, derrubando Gabriel de cima de mim e puxando o ar com ganância quando finalmente pude respirar de verdade.
— Não estamos namorando, mas ela não sabe disso — Gabriel sorriu, guardando o aparelho no bolso do terno.
— Você é nojento — me levantei e voltei à posição de luta, as pernas abertas e os braços levantados. — Por que ainda está de terno mesmo?
— Eu tenho uma marca para manter — revirou os olhos como se fosse óbvio, avançando em minha direção. — Egor está por perto?
— Egor! — chamei, levantando os braços para defender uma joelhada que Gabriel estava pretendendo dar no meu abdômen. Com o canto da visão vi Egor sair de trás do balcão de bebidas para pairar perto do meu ombro. — Cadê a Iddie?
— Escondendo o chapéu do seu irmão — ele soltou uma risadinha.
Eu teria rido também, não fosse a joelhada que Gabriel me deu, dessa vez acertando e me fazendo tropeçar e cair no chão, gemendo quando bati a bunda, todo meu corpo estremecendo com o golpe que me roubou o ar por um instante e fez o meu almoço questionar se deveria mesmo permanecer dentro de mim. Gabriel estendeu a mão para me ajudar a levantar, a qual aceitei, sabendo que minhas pernas já estavam sem força depois da sequência de agachamentos que fizemos antes de começar a luta.
— Você precisa treinar a projeção de energia — Gabriel conversou, puxando minha mão para cima, apenas para passar o pé pelas minhas canelas quando eu já estava de pé, me derrubando no chão de novo. — Regra número um, nunca baixe a guarda perto do seu oponente, o que significa que você não deve aceitar ajuda dele, Dalila, isso é óbvio — tagarelou acima de mim, embora eu não estivesse mais ouvindo muito bem com minha cabeça momentaneamente fora do ar.
— Todo mundo sabe disso — Iddie disse quando se juntou a ele apenas para rir de mim.
Gemi de novo, enrolando-me em uma bola. Ultimamente parecia normal sentir dor, só porrada diferente.
— Tão dramática — Iddie revirou os olhos, sumindo de vista em seguida.
Se meus olhos estivessem abertos eu os teria revirado, Iddie não parecia entender muito sobre dor. Tudo em mim doía! Cada osso no meu corpo parecia estar fazendo seu protesto pessoal contra o que parece ser minha jornada para ver por quanto tempo eu conseguia ser um saco de pancadas humano. Pelo menos Egor ficou por perto, encarregado de explicar pela quarta vez no dia como eu poderia projetar um escudo com a força da mente ou algo assim.
— Não deveríamos começar com coisas fáceis? Tipo uma esfera? — choraminguei, lutando para ficar de pé sem a ajuda de Gabriel, minhas pernas tremendo e meu corpo cambaleando para frente.
— Você só precisa acreditar — Egor voou alegremente ao meu redor. — Literalmente, se você acreditar que nada vai chegar até você, nada vai chegar até você.
— Não seria mais fácil começar com Iddie? — Gabriel entrou na conversa, andando em círculos ao meu redor de forma que não deveria ser tão ameaçadora.
Gabriel era meu porto seguro. Portos seguros não deveriam atacar nossos rostos e bater na gente até dizer chega.
— Iddie não quer trabalhar com você, e a projeção só funciona se ambas as partes estiverem empenhadas — Egor explicou prestativo.
— Claro que sim — revirei os olhos, engolindo em seco quando Gabriel avançou mais uma vez. — Acreditar. Posso fazer isso.
Respirei fundo e desviei do primeiro soco, apenas para cair de novo no chão, apenas um segundo depois, quando Gabriel me derrubou com a mesma maldita joelhada de antes, ainda me dando um chute quando eu já estava caída.
Não consegui reprimir o grito que escapou quando voltei ao chão, lágrimas saltando dos meus olhos com o impacto.
— Eu não posso fazer isso — solucei, meio desesperada, meio envergonhada, ignorando a mão estendida de Gabriel.
— Isso não está dando certo — Gabriel suspirou pesadamente, ele não estava decepcionado, eu sabia, eu nunca havia lutado na vida, ninguém esperava que eu me tornasse um prodígio em artes marciais da noite para o dia, mas ainda assim não pude evitar me sentir um fracasso.
Observei Gabriel sumir de vista e não pude evitar deixar mais lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Céus, isso tudo era tão difícil. Aproveitei os segundos de folga para fechar os olhos, como se não bastasse o nosso treinamento fracassado, ainda havia uma lista com lições pendentes pairando na minha cabeça, me lembrando que depois que saísse da Catwalk, eu ainda teria que fazer a lição de Matemática, escrever uma redação, lavar a louça e as roupas. Será que a capa da Catarina poderia ser lavada com as outras roupas? Posso passar amaciante em itens mágicos?
— Acorda, preguiçosa — Gabriel bateu o pé na minha cintura, cutucando um hematoma particularmente recente.
Abri os olhos para vê-lo parado de pé ao meu lado, segurando uma garrafa de vodca e uma de rum.
— Por que está com isso? — cerrei os olhos, desconfiada de que Gabriel fosse louco o suficiente para me dar álcool.
— Qual você mais gosta?
— Nunca provei nenhuma — resmunguei confusa, voltando a fechar os olhos enquanto podia.
Gabriel apenas soltou uma das garrafas perto da minha cabeça. O som da garrafa estourando me assustou e me fez abrir os olhos de imediato, senti os cacos de vidro voarem perto do meu rosto, o líquido se espalhando pelo chão, molhando meu cabelo e uma parte da blusa que eu estava usando. Tentei me levantar, mas Gabriel foi rápido em colocar o pé na minha garganta, dificultando minha respiração com o movimento. Pisquei confusa para o que estava acontecendo, o líquido da garrafa se infiltrando por baixo de mim, o cheiro forte de álcool fazendo meu nariz coçar de maneira incômoda e pequenos cacos de vidro penetrando a lateral do meu corpo.
— Então será rum, a bebida dos piratas — Gabriel sorriu, sem me explicar nada, apenas segurando a garrafa restante de forma ameaçadora. — Eu vou soltar.
— Não? — saiu em tom de pergunta, uma risada nervosa saindo da minha garganta, o movimento de engolir desconfortável. — Você não pode fazer isso.
— É melhor criar um escudo, Dal, ou vamos ter que passar o resto do domingo no hospital consertando a sua cara — ameaçou com um sorriso de lado, não o sorriso brincalhão, mas o sorriso teimoso, de quando Gabriel tem uma ideia terrível e nada pode impedi-lo.
— Isso é interessante — Iddie apareceu, sentando-se no ombro direito de Gabriel. — Mas também um verdadeiro desperdício, deveria ter pegado uma garrafa vazia.
— Ele não pode te ouvir, Iddie — sibilei, esticando o pescoço na tentativa de aliviar a pressão no meu pescoço. — Eu não gosto disso, Gabriel — falei de forma séria, esperando que isso o fizesse desistir.
O fundo grosso da garrafa balançou acima de mim e eu vi o líquido dourado chacoalhar ameaçadoramente. O sorriso de Gabriel se esticou e eu só tive tempo de fechar os olhos quando ele largou a garrafa.
Ele soltou a garrafa! Que imbecil!
— Isso é trapaça — Gabriel bufou, vendo que usei as mãos para segurar a garrafa antes que chegasse ao meu rosto! A garrafa de vidro, pesada e grossa, que com certeza teria quebrado meu nariz ou me dado a pior das dores de cabeça.
Com a respiração trêmula, empurrei sem muita delicadeza o pé de Gabriel de cima de mim e me levantei do chão, pegando a capa de Catarina no balcão e saindo pelos fundos sem responder aos questionamentos de Gabriel. Saí para fora da Catwalk para poder respirar, tentando me recuperar do absurdo que era Gabriel apenas ter tentado acertar uma garrafa na minha cabeça!
— Ele ia apenas... — disse com o pouco de fôlego que me restou, respirando fundo várias vezes, que loucura! Que maldita e surreal loucura!
Minhas pernas estavam tremendo, o coração disparando. Não consegui andar muito mais que alguns passos tortos, acabando por me sentar no meio-fio em frente a Catwalk. Gabriel apenas havia acabado de largar uma garrafa de vidro em cima do meu rosto, continuei repetindo isso na minha cabeça, rindo de desgosto, de nervoso, de medo. Por Primazia, eu tive que me lembrar. A frase pareceu errada.
Estou me sacrificando por Primazia. Estou sentindo dor por Primazia. Estou lutando para chegar à altura de Primazia. Não, isso era errado. Era para parar Primazia, não por ela.
Não demorou muito para Iddie e Egor voltarem para perto de mim e eu apreciei o tempinho que eles me deram sozinha. Egor se aconchegou na ponta da capa enquanto Iddie se ocupou em voar ao nosso redor. Gabriel chegou logo depois, sentou-se ao meu lado, carregava uma garrafa de cerveja e um copo de refrigerante de uva coberto com chantilly.
— Eu te odeio — ri fraco, aceitando o refrigerante, sabendo que não poderia ficar brava para sempre.
— Achei que funcionaria — ajeitou os óculos escuro com uma careta. — Você viu meu chapéu?
Comecei a rir, tomando um gole da bebida em vez de responder. Caímos em um silêncio confortável, enquanto meu coração acelerado se acalmava aos poucos e restava apenas a exaustão de um dia cheio.
— Está decepcionado? — perguntei baixinho, insegura com a resposta que receberia.
— Por que estaria? — Gabriel se virou para mim, parecendo não entender do que eu estava falando.
— Eu não consigo fazer nada do que você me pede — olhei para o céu, vendo as pesadas nuvens passarem acima de nós, a tranquilidade da visão e o frescor do tempo nublado acalmando meus nervos. — Meu professor de taekwondo me odeia e ainda não manipulei a energia do Egor.
— Faz apenas três semanas, se dê um tempo, Dal — tomou um longo gole da cerveja despreocupado, jogando um braço por cima do meu ombro e me puxando para um abraço de lado. — E confie em si mesma.
— Egor me diz a mesma coisa.
— Confie em nós — Gabriel sorriu, puxando meu queixo para que eu olhasse a rua e não o céu. — Se eu te disser que tem um grande guarda-chuva sobre nossas cabeças nesse momento, você pode confiar nisso, mesmo sem vê-lo?
— Não tem nenhum guarda-chuva — Iddie se intrometeu e eu ri fraco com isso.
— Você não pode olhar para cima para confirmar que está lá — Gabriel acrescentou de novo. — Apenas confie em mim.
— Eu acredito — confirmei sem realmente prestar atenção, não que não fosse verdade, Gabriel era quem melhor me conhecia nesse momento, o único que passou a saber de cada detalhe da minha vida e estava lá para me apoiar, como não confiar nele? — O que descobriu sobre Aline?
Mudei de assunto, puxando os joelhos para cima e apoiando minha cabeça neles, olhando os grafites desenhados na parede dos fundos da Catwalk. Era bem diferente da entrada, com mais personalidade eu diria.
— Certo, Aline Lessa — Gabriel se afastou um pouco, tirando o celular do bolso e desbloqueando a tela para me mostrar algo. — Não achei nenhuma Aline com esse sobrenome ou que tenha nascido em oitenta e quatro.
— Eu falei, Catarina escondeu bem — Iddie relembrou, tendo apostado que nem mesmo Bola Branca encontraria algo. — E as coisas que Catarina não escondeu, Aline deu um jeito de sumir com elas.
— No entanto — Gabriel me mostrou uma foto de uma fila de jovens em um palco e eu franzi o cenho em confusão. — Show de talentos de dois mil e um de uma escola de bairro, essa última da fila é Alice Tessa, de dezenove anos.
Peguei o celular para analisar a foto, dando zoom na garota que Gabriel indicou.
— Eu sabia que o nome era Alice — Iddie se animou, aproximando-se da tela para olhar melhor, praticamente tirando o telefone das minhas mãos.
— As contas batem — Gabriel deu de ombros, tomando o restante da cerveja. — Isso foi tudo que encontrei, não tem registros no cartório, ficha na polícia ou entrada em hospitais. A garota da foto tinha os cabelos e os olhos castanhos escuros, seu cabelo estava em um penteado ornamentado por brilhos e grossos cachos na altura dos ombros; sardas preenchiam suas bochechas e um sorriso empolgado rasgava seu rosto. Vestia um vestido curto que parecia ser cor-de-rosa, cheio de lantejoulas, junto de uma faixa com algo inelegível passando por seu peito. Segurava um troféu em formato de microfone, acenando para alguém animadamente.
— É ela? — virei a tela para que Egor enxergasse também
— Tentei entrar em contato com o pessoal que organizou o concurso, mas eles disseram que as inscrições eram feitas na hora e eles não guardam registro pessoal dos participantes — Gabriel continuou tagarelando.
Egor voou para perto da tela, tocando delicadamente a face da menina com uma nostalgia tão grande no gesto que fez algo se quebrar dentro de mim, como quando vemos a fotografia de alguém querido que há muito já se foi. Luto.
— É ela — assentiu para si mesmo. — Alice Tessa era o nome artístico que elas usavam para se inscreverem nos concursos de talento, Aline queria ser cantora.
— Eu me lembro disso — Iddie flutuou perto do meu ombro. — Ela fugiu um ano depois, nunca mais tivemos notícias.
— Conseguiu mais alguma coisa? — devolvi o celular a ele.
— Nada, todos os registros foram apagados ou roubados — levantou os óculos para esfregar os olhos, parecendo cansado depois de passar a última noite em claro. — Por que queria saber sobre essa mulher?
— Acho que ela pode ser Primazia — confessei entre dentes, desviando o olhar das entidades.
— Não ouse contar — Iddie flutuou até meu campo de visão na mesma hora, porque não importava que eu não quisesse olhar para ela, Iddie é quem decidia isso. — Ele vai vender essa informação e as pessoas vão começar a procurar por Catarina para saberem mais e vão descobrir que ela está morta e vão chegar até você e depois vão chegar até a gente! Eu não vou voltar para o laboratório, Dalila! — os olhos de Iddie pareceram verdadeiramente borbulharem de ódio, sua voz saindo como um rosnado sibilante que eu nem sabia ser possível e foi mais assustador do que uma criaturinha de 13 centímetros deveria ter direito.
— Iddie, acalme-se — Egor voou para colocar a mão em suas costas, puxando a demônia para perto de si.
— Eu confio no meu irmão — murmurei como um pedido de desculpas, sabendo que Iddie tinha a tendência a desconfiar das pessoas, porque foi exatamente o que ela fez comigo.
Vi Egor afastar Iddie para conversar com ela o mais longe possível, Iddie gesticulando de forma raivosa e apressada. Não contive um suspiro, voltando minha atenção para Gabriel, alheio ao que estava acontecendo com as entidades, ele falou durante todo esse tempo, meu olhar confuso deve ter entregado que eu não ouvi nem a metade.
— Por que acha que ela é Primazia? — Gabriel me cutucou, parecendo só um pouco indignado com o meu deslize.
— Ela é filha da Catarina — afirmei, sentindo um peso sendo tirado dos meus ombros. — Egor me contou.
— E você só me conta isso agora? — Gabriel disse em tom alto, meio irritado, meio animado com a informação. — Mas a Primazia parece ter em torno de vinte anos, Aline tem trinta e três.
— Você trabalha com mulheres que podem desaparecer e caras que conjuram animais, acha mesmo que é impossível alguém se manter jovem?
Gabriel abriu e fechou a boca.
— Mas por que Aline atacaria a própria mãe?
— Poderes — disse desgostosa.
— Mas quem está com os poderes é... — Gabriel se impediu de continuar, seus olhos se arregalando quando fez o que deve ter pensado ser uma grande revelação. — Dal, Primazia vai tentar chegar em você — e dessa vez Gabriel parecia mesmo preocupado, sua testa franzida de forma pensativa.
— Não vamos mudar os planos, Aline não tem como chegar até mim, exceto se alguém contar ou descobrir quem eu sou, o que também serve para você — apontei em sua direção com um dedo acusador. — Se chegarem até você, chegam em mim, você confia mesmo nessas pessoas com quem temos conversado? Amanda? — inclinei a cabeça na direção da Catwalk.
— Confio — Gabriel não hesitou. — Mas Dal, e se ela...
— Gabriel — imitei seu tom paternalista.
Gabriel suspirou, ainda inconformado com as revelações, pela primeira vez desde que prometeu me ajudar chegar até Primazia, parecendo não ter certeza se eu poderia fazer isso.
— Acha que se eu for na casa da Cat, eu consigo descobrir alguma coisa sobre essa tal Aline? — mudou de assunto e eu agradeci por isso.
Minha segurança não era tão importante, desde que o treinamento e as investigações continuassem. Poderíamos conseguir. Poderia dar tudo certo. Sem mais perdas e dores.
— Acho que sim — olhei para Egor, que assentiu minimamente, ainda conversando com Iddie aos sussurros.
— Perfeito, vou te levar para casa e passo lá — Gabriel estava prestes a se levantar quando pareceu lembrar de algo, começando a checar seus bolsos. — Quer ir comigo?
— Não, não quero voltar naquela casa e não quero forçar Egor e Iddie a voltarem.
— Sim, depois do que vocês viram — deixou a frase no ar, tirando de um dos bolsos de seu terno uma caixinha de joias vermelha. — Dal, por ser a minha irmãzinha e estar se esforçando tanto... — Gabriel abriu a caixinha. — Aparentemente ninguém sabe o formato de uma alma, por isso escolhi maçãs.
Engasguei-me ao olhar para a caixinha, encontrando lá um par de brincos cujos pingente se tratavam de pequenas maçãs douradas, uma única pedra vermelha incrustada no centro de cada uma, reluzindo em minha direção com essa beleza que as pedras preciosas sempre têm. Brincos de maçãs! Perfeitos.
Não pude evitar o sorriso de orelha a orelha que se formou em meu rosto, sentindo o carinho e o amor que esses brincos representavam, de repente não me sentia mais tão mal por não conseguir realizar a projeção de energia ou por continuar caindo em todas as lutas em que me envolvia, de repente apenas tentar foi o suficiente e o presente só me deixou ainda mais motivada para seguir adiante.
— São lindos — sorri encantada, pegando a caixa como se fosse de vidro, temendo quebrá-la. — Obrigada!
— São de ouro e eu vendi um rim para pagá-los, então não se meta em encrencas até que tenha pleno domínio dos seus poderes para não os perder — alertou com pomposidade, deixando dois tapinhas no topo da minha cabeça.
Concordei distraída, tentando colocar os brincos nas orelhas, animada com o presente tão carinhoso vindo de alguém que pouco menos de um quarto de horas atrás tentava quebrar minha cara com uma garrafa.
Já era possível ouvir as pessoas começando a chegar na boate, alguns indivíduos entrando pela porta dos fundos, indiferentes à chuva que começou a cair e aos carros dos policiais que vinham monitorando a boate.
— Estou falando sério, Dal, me prometa que não vai fazer nenhuma besteira até sabermos mais sobre essa filha da Cat — Gabriel insistiu, estalando os dedos na frente do meu rosto para chamar minha atenção, seu tom exigente. — Estou deixando você seguir esta história de vingança, mas precisa estar comigo nisso, entendeu? Eu te protejo.
— Tá, tá, eu prometo — concordei, colocando as mechas que escapavam do meu rabo de cavalo para trás para mostrar as orelhas decoradas pelos brincos dourados. — O que achou?
— Está chovendo — Gabriel olhou a rua molhada e os pingos que caíam no asfalto sem parar com notável espanto, como se fosse a primeira vez que via água caindo do céu.
— Acontece o tempo todo — dei de ombros, sem entender sua surpresa e seu sorriso gigante. — Certo?
— Não estamos molhados! — Gabriel gargalhou para o nada, fazendo gestos vagos com as mãos, o barulho constante da chuva se chocando contra os telhados, carros e guarda-chuvas. — Está chovendo e não estamos molhados.
Nessa hora arregalei meus olhos, levantando a cabeça na direção do céu tão rápido que senti meu pescoço protestar contra o movimento. Gabriel e eu olhamos para cima e encontramos um guarda-chuva verde flutuando sobre nossas cabeças. Brilhava como um ponto de esperança. Sorri com isso. Gargalhei para isso. Eu finalmente consegui projetar a energia defensiva de Egor.
1 de maio de 2017
Emilly bateu as mãos na minha mesa, suas unhas pintadas de rosa, refletindo no branco do papel em que estava escrevendo. Iddie grunhiu quando teve seu monólogo interrompido e eu agradeci por isso, levantando os olhos para ver a sorridente Emilly, hoje vestindo uma jaqueta púrpura por cima do uniforme e com um laço dourado no cabelo.
— Bom dia, Lila — balançou as mãos ao me cumprimentar. — Podemos fazer dupla?
Franzi o cenho para sua escolha, sabendo que ela poderia fazer o trabalho com qualquer um na sala, mas também não questionei, assentindo devagar. Emilly piscou para mim, indo buscar sua mesa para colocá-la ao meu lado. As garotas com quem ela ficava nas poucas vezes em que vinha a aula não vieram, estava sendo um dia chuvoso, não fosse minha tentativa de manter Júnior tranquilo, também teria faltado.
— Faça silêncio — olhei para Iddie.
— Você não manda em mim — Iddie cruzou os braços, voando para longe de mim por puro despeito.
— Eu adoro trabalhos em dupla — Emilly comentou, sentando-se ao meu lado. — E você?
— Claro — menti com um sorriso amarelo. — Como não amar trabalhar com todas essas pessoas estranhas e sua divisão desigual? — brinquei, comemorando internamente por conseguir falar uma frase completa.
— Você é engraçada, Lila — Emilly riu baixinho, abrindo seu fichário para retirar uma das folhas. — Eu posso copiar o enunciado, minha letra é bonita.
É claro que a letra dela era bonita.
— Normalmente eu faço dupla com a Rebeca — traçou o título da matéria com caneta rosa.
— Por que me escolheu dessa vez? — virei o pescoço para olhar para trás, porque Rebeca estava na sala.
Rebeca também era loira e tinha muitas sardas no rosto, ela se parecia com Emilly, exceto que seus olhos eram castanhos escuros e os cabelos longos, geralmente presos por uma trança. Ela estava concentrada em algo no livro didático, a cabeça balançando ao som da música que ouvia nos fones.
Eu sabia que Emilly e eu vínhamos nos aproximando desde que comecei a oficina de taekwondo e devido a encontros acidentais totalmente não planejados por mim, mas ainda parecia surreal que ela quisesse fazer dupla comigo.
— Beca está estranha desde o atentado com Primazia, ela não para de falar nisso — Emilly comentou, sua concentração nas palavras que escrevia.
— Cada um reagiu de uma forma — me virei para Emilly, colocando a mão entre as mesas para impedir Egor de tropeçar nas canetas da garota. — Não gosta do assunto?
— Eu? — levantou a cabeça para me olhar, parecendo hesitar apenas por alguns segundo antes de confessar. — Eu estou exausta, faz semanas que meu empresário está me obrigando a ir até as escolas e em comitivas para falar sobre isso.
— Você não gosta? — me surpreendi, sussurrando a pergunta como se acabasse de receber o maior dos segredos de estado em um parque deserto de Londres, dentro de uma pasta marrom de aparência pouco suspeita, escrito “TOP SECRET” por cima em letras vermelhas.
Emilly se inclinou em minha direção como quem vai fofocar e a fangirl que em mim habita soltou gritinhos de felicidade pouco lisonjeiros.
— Não! — balançou a cabeça veemente, parecendo chateada em ter que falar sobre o assunto de Primazia para tantas pessoas. — Os alunos que morreram eram todos meus amigos, eu deveria estar com eles naquela explosão, você sabe o quão difícil é discursar, dia após dia, sobre superar e olhar o lado bom das coisas quando eu só quero chorar? — ela abaixou a cabeça, os fios loiros tampando seu rosto quando sua voz pareceu quebrar, um soluço vindo de algum lugar quando prosseguiu com dificuldade e longas pausas: — Eu sei que pareço bem, eu tenho que parecer bem, mas eu estou exausta, Lila, isso é loucura, eu nunca pensei que uma supervilã atacaria tão perto da nossa escola.
Coloquei a mão no seu ombro, tentando demonstrar empatia. Não estava passando pelo mesmo que ela, mas conseguia entender a sensação. O medo, a revolta, o cansaço. Primazia tirou muito de muita gente. Crescemos assistindo eventuais ataques aqui e ali, os quais logo são resolvidos e as consequências minimizadas como só o tempo e a falta de audiência conseguem fazer. A gente nunca pensa que vai acontecer com a gente. Por que aconteceria?
— Você é mais forte do que pensa — sorri fraco, esperando que isso ajudasse, mesmo que soasse medíocre.
— Essa é a coisa mais gentil que já me disseram hoje — Emilly levantou a cabeça, lançando-me um pequeno sorriso e eu não pude deixar de piscar surpresa por sua beleza, Emilly apenas tinha essa áurea serena com ela. — Tudo bem se eu não sorrir tanto com você? Sinto que pode me entender.
— Obrigam você a sorrir? — desatei a rir, imaginando o quão difícil não é isso.
— Me obrigam a fazer tanta coisa — voltou a escrever, a letra redonda e alinhada preenchendo o papel. — Não posso deixar de sorrir, meu empresário quer que eu seja uma "figura de esperança" — fez aspas com os dedos, bufando logo em seguida. — É realmente cansativo, ainda mais quando eu só quero gritar que os sapatos estão me apertando ou quando contam uma piada péssima e eu tenho que fingir achar engraçada.
— Até os trocadilhos terríveis? — falei distraída, inclinando-me para tirar Iddie de perto da mochila de Emilly.
— Eu acabei! — passou a folha para minha mesa, retirando da mochila o livro didático de Português. — Eu amei seus brincos, Lila, maçãs estão na moda.
— Ah, obrigada — toquei os brincos por reflexo, sorrindo ao lembrar de Gabriel e quase choramingando ao lembrar que tínhamos mais treinamento durante a noite.
— Você é tão bonita — Emilly olhou-me com interesse, seus olhos quase se franzindo em uma falsa expressão analítica que era muito fofa. — Por que nunca conversamos antes?
— Eu não tenho muitos amigos — respondi a verdade, procurando uma caneta para responder as perguntas.
— Por que será? — Iddie zombou quando continuei a impedir suas travessuras.
— Bom, é uma pena — Emilly abriu seu estojo para procurar algo. — Amanhã tem extracurricular de ginástica antes das aulas, o que acha de tentar? Podemos almoçar juntas depois.
Pisquei estarrecida para isso, sem acreditar na sorte que estava tendo, Emilly havia mesmo acabado de me convidar para almoçar?! Eu mal podia acreditar, não fazia sentido que alguém como Emilly quisesse andar com alguém como eu, mas ao mesmo tempo fazia, porque Emilly era boa assim.
— Isso seria incrível — balbuciei, assustada com a facilidade que estava tendo em me aproximar da garota.
— Aqui, usa essa caneta, é melhor — entregou-me uma caneta rosa, enfeitada por pequenos corações, tão fofo!
Fiz um lembrete mental para pedir a Gabriel para me colocar na turma de ginástica. Com sorte isso iria me ajudar nas lutas e a me aproximar ainda mais de Emilly, a próxima herdeira do poder que Catarina deixou.
6 de maio de 2017
A boate foi cercada pelos policiais. Amanda disse que já estava esperando por isso, era rotineiro ou algo assim.
— Eles sempre acham que podem entrar aqui e descobrir algo que incrimine a gente — me informou em tom entediado, enquanto fazia uma grande bola com o chiclete que mascava, escorada na porta dos fundos. — Somos ruins para os negócios deles.
— Por quê? — perguntei curiosa, tentando ignorar os gritos assustados vindo das pessoas dentro da boate ao serem abordadas pelos policiais, por sorte a boate havia acabado de abrir e poucos clientes conseguiram entrar antes da polícia dispersar a fila que sempre dobrava o quarteirão.
— Muitas pessoas aprimoradas preferem se aventurar no submundo em vez de tentarem a vida na falida Divisão Quimera — foi o que Amanda disse e eu franzi o cenho para isso, certa de que já havia ouvido esse nome antes.
Depois disso Gabriel me arrastou até uma saída secreta, colocando-me para fora apenas com minha capa nas mãos.
— Vejo você no café da manhã — sorriu acolhedor antes de bater à porta na minha cara, sem me dar mais informações ou me deixar ajudar com o que quer que estivesse acontecendo.
Pisquei, encarando a rua a minha frente sem saber o que fazer ou para onde ir.
— Eles vão ficar bem? — hesitei em sair dali.
— Quem sabe? — Iddie bufou sem ter a decência de sequer demonstrar preocupação. — Estragaram toda a diversão.
— Egor? — chamei apenas para ter certeza de que ele estava ao meu lado, só aí comecei a andar, meio perdida sobre o que fazer depois de tanto tempo sem ter um dia de folga.
— Vamos para casa, está começando a chover — Egor aconselhou, encolhendo-se no meu ombro e fazendo a gola da minha camiseta de cobertor.
— Agora eu tenho um guarda-chuva portátil — projetei um pequeno guarda-chuva do tamanho do anjinho, ouvindo uma risadinha dele e resmungos de Iddie.
Era estranho admitir como acabei me aproximando de Egor nas últimas semanas, encantada por sua doçura e inteligência, Egor sempre tinha um comentário pertinente e uma ideia brilhante. Não parece justo dizer que tinha um preferido, mas entre o anjo bonitinho e a demônia que me torturava...
Desviei o olhar quando passei pelo meu pai, parado na porta discutindo com um dos policiais. Ainda tinha a sensação de que ele poderia me reconhecer apenas pela minha postura, então tratei de passar rápido por eles, agradecendo por não ser notada por nenhum dos homens da dita Divisão Quimera.
— Dalila, tenho notícias suculentas — Iddie flutuou perto dos meus olhos, segurando meu celular com um notável esforço. — E não são nudes do Júnior.
— Como você aguenta segurar isso? Você tem o tamanho do celular — questionei, pegando o aparelho para ver do que ela falava. — É da Emilly — cerrei os olhos para a mensagem.
"SUPER-VILÃ PRIMAZIA É VISTA NO BAIRRO DO BRÁS. CIDADÃOS EM PÂNICO!"
Dizia a manchete tirado do site do À Caneta, seguida por outra mensagem de Emilly: Tome cuidado e não saia de casa. Aconselhou na legenda. Tá certo que ela mandou a mesma mensagem para todos as centenas de contatos dela, mas a intenção é o que conta...
— São apenas onze minutos de carro até o Brás — Iddie sugeriu, seus olhos se acendendo em rosa, amarelo e loucura. — É nossa chance! — brandiu com animação, fazendo mãos de jazz e tudo o mais.
Eu inclinei a cabeça na direção da entidade, considerando...
— Não, não pensem nisso — Egor apareceu no meu campo de visão, parecendo muito sério quando relembrou: — Você prometeu ao Gabriel que ficaria segura até...
— Até o quê? — Iddie o interrompeu com uma risadinha do mal. — Ele não descobriu nada na casa da Catarina, não fez nenhum progresso além daquela foto velha — Iddie zombou, suas palavras escorrendo como veneno.
Eu tinha pouco tempo para tomar essa decisão. Era minha chance de enfrentar a Primazia como deveria ter feito desde o começo, minha chance de fazer valer a vingança que prometi a Iddie e a Catarina. Meu coração disparou com ansiedade nervosa e eu senti que poderia parar de respirar. Primazia estava tão perto. Seria tão simples apenas ir até ela e... E eu não sabia. Mas eu estava treinando para isso.
— Iddie, vá buscar as chaves do carro do meu irmão — decidi no impulso, absolutamente extasiada com a oportunidade que tinha se feito presente, caído no meu colo como um claro sinal dos céus de que era o momento certo de fazer as coisas acontecerem.
— Fique perto da boate — alertou a pequena endiabrada antes de sumir pela janela da sala dos fundos da Catwalk, felizmente perto o suficiente para que pudéssemos nos separar antes dela ser arrastada de volta para mim.
Ao lado do mal-humorado Egor, corri para perto do carro de Gabriel, estacionado nos fundos da boate. Havia alguns policiais na área, então eu tive de esconder a capa e parecer uma adulta que com certeza tinha uma carteira de motorista.
— Você nem mesmo sabe dirigir — o anjo protestou, tentando chamar minha atenção, balançando as mãos e começando um longo discurso sobre más decisões.
Mas eu não o escutei. Egor poderia ser o meu preferido, mas era Iddie quem tinha os mesmos objetivos que os meus.
🍎🍎🍎
A explosão alguns metros à frente sinalizou a exata localização de Primazia. Respirei fundo, coloquei a capa e, contra todo o meu bom senso, corri na direção contrária a maioria das pessoas. Já podia avistar Primazia no telhado de uma das principais lojas da rua e algo em mim gritou em pura euforia maníaca, ela estava tão perto. Finalmente eu poderia ter minha chance. Era isso. Eu poderia apostar que só precisaria de uma chance.
— Dalila, não faça isso — Egor alertou.
— Vamos vingar Catarina! — Iddie motivou.
Outra explosão aconteceu, uma sequência de destroços espalhou mercadoria barata e pedaços de concreto pela rua movimentada em que estávamos. Seria em meio à confusão de fumaça, pessoas correndo e gritos escandalizados que teria minha chance? Algo dentro de mim queimou com revolta, ela estava fazendo de novo. Deus, ela estava fazendo isso de novo. Explodindo coisas, machucando pessoas, sem falar nada, apenas observando todos de cima, como se tivesse algum tipo de poder sobre a vida dessas pessoas.
Eu queria tanto ter apenas uma chance de causar a Primazia a mesma dor, o mesmo desamparo pelo qual ela estava forçando essas pessoas a passarem. E eu faria isso. Eu precisava. Esse era o meu propósito. Vingar Catarina. Vingar todo o sangue derramado, toda vida perdida.
Materializei um extenso escudo no meio da rua, tentando impedir que as pessoas que fugiam se machucassem com os destroços que caíam do céu. Havia um claro rastro de destruição pelo caminho, a maioria das lojas foi explodida e muitas pessoas haviam morrido, o sangue manchava a calçada. Tanto sangue. Céus, foi terrível.
Engoli em seco. Pessoas haviam morrido. Os gritos me fizeram apertar os olhos. Iddie cutucou minha bochecha, lembrando-me do nosso objetivo. Precisava me vingar. Precisava fazer alguma.
— Ande logo — Iddie ditou e como se fosse isso que eu precisava, eu me coloquei a andar.
Foi em meio ao caos de um ataque de Primazia, cercada pelas mais terríveis visões, que me ergui pela primeira vez como Jovem-Alma, não como heroína, mercenária, agente secreta ou o que fosse, mas como humana, só uma civil que ganhou poderes e decidiu fazer algo com isso. Foi a primeira vez em que salvei alguém.
Uma nova explosão aconteceu, explodiu ao meu lado com um barulho horrível que fez meus ouvidos protestarem e todo meu corpo recuar. Foi quando encontrei um adolescente magricela, olhos azuis e arregalados, fuligem cobrindo suas feições. Não foi como nos trilhos com Catarina, onde eu tentei e não consegui. Não foi como na casa de Catarina, onde eu nem pude tentar.
Um escudo verde, alto, imponente como só as coisas mágicas conseguem ser, se ergueu sobre nós quando a explosão aconteceu. Destroços se chocando no escudo com violência suficiente para nos matar esmagados, mas estava lá, um escudo de energia e esperança, simplesmente angelical de alguma forma estranha, mas tão certa. Não tive tento para checar o garoto quando o barulho parou e a poeira abaixou, voltei imediatamente a correr na direção de Primazia, e eu nunca me senti tão pronta, com essa confiança desmedida que todas as jovens almas têm em comum.
— Pergunta de última hora — ri histericamente, minha respiração ficando difícil devido à fumaça e ao esforço, mas eu nunca parei de correr. — Eu posso manter um escudo desses por quanto tempo?
— Dalila, não é hora para isso — Egor gritou perto de mim.
O céu estava nublado por nuvens pesadas e a fumaça preta do incêndio que se iniciava dificultava minha visão. Contornei os carros parados no meio da rua, entrando na loja em que Primazia estava. Inúmeros corredores de araras me levaram direto para a escada que dava acesso ao terraço.
E quando atravessei a porta, eu a vi. Primazia estava parada na minha frente, olhando algo no horizonte. Minha respiração se perdeu, o mundo pareceu se silenciar e o tempo parar, em um desses momentos em que se dá para cortar a tensão do ar com uma faca e existem tanta coisa não dita, tantas emoções acontecendo, que fica difícil fazer qualquer coisa que não seja apenas existir. E por um momento foi apenas isso, eu e Primazia, frente a frente, coexistindo.
Ela vestia a mesma armadura dourada do primeiro ataque, asas mecânicas em suas costas e uma máscara cor-de-rosa emoldurando seus olhos castanhos escuros. Primazia era muito magra, alguns centímetros mais alta do que eu, tinha fartos cabelos loiros presos em um coque trançado, uma pequena coroa repousando no topo da cabeça.
Sem se dar nem mesmo o trabalho de me lançar um olhar, Primazia falou e isso fez tudo voltar a funcionar, toda a minha raiva, o pânico abaixo de nós e o mundo existindo ao nosso redor, tudo voltou com força e eu prendi a respiração e a vontade de apenas avançar em sua direção.
— É tão bom finalmente te conhecer — disse em um tom baixo e contido. — Eu estava pensando onde minha mãe poderia ter te escondido.
— Mas você não me achou — tentei soar natural, erguendo a postura e o queixo.
— Não — ela concordou, dando um passo em minha direção. Por instinto dei um passo para trás, me arrependendo quando vi seu sorriso se alargar e me punindo em pensamentos pela demonstração de fraqueza.
— Chega de conversa, faça alguma coisa — Iddie continuou dizendo desde que chegamos, sua voz ressoando firme em meus ouvidos como as badaladas de um relógio.
— O melhor jeito de se pegar um peixe grande — ela segurou a pistola cor-de-rosa que usou no primeiro ataque, mirando na direção da loja ao lado. — É atraindo-o com os peixes pequenos.
Corri na direção da loja assim que Primazia atirou por uma das janelas, meu coração disparando com a hipótese de machucar alguém que estivesse lá dentro. De novo não. Por favor, de novo não.
Mas antes que eu pudesse saltar para o outro lado, Primazia agarrou minha capa, puxando meu corpo para trás. Fui jogada na direção da porta pela qual entrei, minha cabeça bateu no chão em seguida, minha visão girando com a força do impacto, a dor sendo registrada apenas como pano de fundo para a supersensibilidade que estava enfrentando naquele momento. Primazia correu até mim para chutar minha coluna, sendo impedida apenas pela barreira que ergui entre nós, a energia de Egor parecendo mais escura, mais viva.
Tomei distância, deixando que a proteção dada por Egor me deixasse organizar minhas ideias. Pelo menos um pouco.
— Vamos mocinha, lute! Aquela loja vai explodir em nove minutos se você não fizer nada — cantarolou com graça, seu sorriso intacto, dentes brancos e alinhados.
Dessa vez eu iniciei o ataque. Primazia era mais rápida, mais forte e mais experiente, me deixando em desvantagem em diversos níveis, o que eu não demorei para notar quando ela não fugiu dos meus golpes, mas sim os usou contra mim. Tentei colocar os escudos de Egor para bloquear seus ataques, mas eram muitos, rápidos e coordenados, suas pernas e braços em uma sincronia que seria impressionante não fosse eu o alvo em questão.
Atravessamos o terraço atacando uma à outra. Em pouco tempo eu tinha um pulso machucado, um corte na bochecha e muita dor na coluna, o pior é que eu nem tinha certeza de como isso havia acontecido. Apenas que tudo era dor. Dor em todos os lugares e eu quis rir quando Primazia continuou a me encurralar, me batendo com tanta força que eu só conseguia cambalear com o impacto e gemer de dor. Eu quis rir da minha estupidez.
Primazia socou meu rosto com força o suficiente para que eu sentisse o sangue empoçar dentro da capa. Ela usou as hastes de metal de sua armadura para cortar minha pele e em um instante havia mais sangue do que o apropriado saindo de mim, enquanto ela parecia perfeita, recomposta quando virou meus avanços contra mim, me jogou de um lado para o outro como uma boneca, quebrou coisas dentro e fora de mim, arrastando meu corpo pelo terraço, me batendo nas paredes e no chão, torcendo meus membros em ângulos estranhos e muito mais inatingíveis do que quando era Gabriel quem fazia isso e apenas continuou atacando, atacando e atacando, me fazendo recuar a cada golpe até que estivéssemos na beirada do terraço, três andares nos separando da rua cheia dos destroços afiados de sua última explosão.
Primazia parecia bem melhor do que eu, o vento trazendo finos fios loiros para seu rosto, sua postura altiva e poderosa, enquanto eu só tinha minha capa ensanguentada que o vento enviava para trás, revelando os All Star vermelhos, a calça jeans e a blusa larga que eu usava, todos cobertos de sangue e sujeira. Que jeito de terminar a trama. Eu quis gargalhar! De repente toda a minha adrenalina, toda esperança e determinação foram embora, restando apenas um medo estarrecedor de morrer, sabendo que não teria chances, que ninguém viria me salvar.
Eu me senti idiota. E ingênua. E boba. Como uma criança que descobre que não tem forças o bastante para carregar o mundo nas costas e todos conhecemos essa sensação. Essa impressão de que se é patético. Como eu pude pensar que conseguiria fazer isso? Como eu fui louca o suficiente para me iludir assim? Eu tentei rir, mas tudo que saiu foi um som de gargarejo, o gosto metálico de sangue em todos os lugares quando Primazia continuou a me bater.
— Sabe, eu estou meio decepcionada — falou chutando meu rosto e me lançando ao chão sem esforços, sua bota alargando o já grande corte na minha bochecha esquerda. — Pensei que minha mãe teria escolhido alguém mais apropriada, A melhor.
Os primeiros pingos de chuva começaram a cair, a água se misturando ao meu e ao sangue de tantas outras vítimas. Iddie e Egor continuavam a gritar ordens e conselhos aleatórios que apenas se perderam no caos de tudo que eu estava sentindo.
— Você está perdendo — ouvi Iddie de relance, sua voz assustada. — Egor, Primazia vai matá-la! Faça alguma coisa.
Respirei trêmula, encarando o caminho do topo do terraço até o chão. Três andares. O máximo que poderia acontecer era eu quebrar uma perna, não poderia ser pior do que continuar apanhando de Primazia. Fugir. Eu ia mesmo apenas fugir? Céus, como eu sou patética.
Uma criatura patética, mas que salvou uma vida. De relance, olhos azuis arregalados piscaram como um flash na minha memória. Aquele garoto... Eu salvei uma vida. Valeu a pena passar por isso, porque eu, Dalila Silvestre, a pior pessoa possível para ser algum clichê idiota de A Escolhida, salvei uma vida. Certo? Por favor, por favor, por favor, tudo não pode ter sido em vão. Eu queria chorar. Eu tinha trabalhado tanto para chegar até ali, para ficar de frente com Primazia e fazer a diferença, ter minha vingança, a minha redenção. Talvez isso não fosse para mim. Talvez eu apenas não estivesse pronta. Talvez eu fosse apenas jovem demais.
— Ela não precisava da melhor — levantei-me do chão com o pouco de orgulho e dignidade que restou, por pura teimosia e força de vontade, porque nada estaria perdido enquanto eu respirasse e esses poderes estivessem comigo. — Só de alguém melhor que você.
Senti o impacto do soco de Primazia no meu estômago, lançando-me para fora do terraço da loja. Respirei fundo, tentando acreditar em Egor, tentando confiar em Gabriel, tentando acreditar que por aquele garoto desconhecido, não foi inútil ter vindo lutar contra Primazia. Porque eu estava caindo do terceiro andar e havia apenas uma corda feita de energia do Egor ligando minha cintura ao topo.
— Material de escalada? — Egor admirou-se. — Genial.
— Não se eu quebrar o quadril — grunhi, agarrando a corda e pressionando os pés na parede para diminuir a velocidade.
Consegui diminuir o impacto da queda, mas isso não me impediu de bater o quadril em um dos destroços que estavam espalhados pela calçada. Não havia tempo para sentir dor, desfiz a corda e praticamente me arrastei para dentro da loja ao lado de forma cambaleante, gritando para me certificar de que não havia ninguém preso ou escondido. Era uma loja de balas e fantasias, a maior parte das prateleiras estavam caídas, as mercadorias da frente chamuscadas ou esmagadas.
— Procurem pelos explosivos, vou checar para ver se há pessoas — ditei, vendo Iddie e Egor se separarem.
Estava prestes a gritar à procura de algum sinal de vida quando Primazia passou pela porta, sobrevoando o local devagar. Fui rápida em me esconder entre duas prateleiras caídas, dividindo espaço com uma fantasia feminina do Jigsaw, pacotes de amendoim e gravatas com as cores das bandeiras do Brasil, Marrasquino ou Portugal.
— Vamos lá, Garota da Maçã — Primazia chamou com uma risada, inclinando-se para olhar atrás do balcão. — Ou você prefere ser chamada de Jovem-Alma?
Respirei fundo, tentando manter a calma. Como ela poderia saber desses nomes? Como eu iria sair dali? Como Iddie reagiria quando chegássemos em casa e percebêssemos que eu não fui capaz de deter Primazia? Eu não sei se aguentaria. Não sei se poderia.
Tentei pensar em algo para desviar a atenção da minha oponente atual, essa era a prioridade. Quando notei a vilã se aproximando demais materializei uma esfera do outro lado da loja. A pequena bola de energia verde rolou pelo chão até perto da prateleira de pratos de plástico, chamando a atenção de Primazia para lá e mantendo-a longe de mim.
— Você não está pronta para esse poder, deixe eu cuidar disso, me dê essa responsabilidade — a esfera desapareceu assim que Primazia a tocou. — Ou pare de se esconder e deixe eu tomá-lo de você.
Notei Egor e Iddie nos fundos, eles empurraram no chão algumas taças, o som do vidro se quebrando chamou a atenção da vilã. Primazia foi até lá, me dando tempo para correr para fora. Agarrei a fantasia de Jigsaw, as gravatas e os amendoins antes de sair. Apavorada. Alucinada. Viva.
— Acharam os explosivos? — perguntei as entidades enquanto tirava a capa, aninhando-a juntos com os outros itens no meu braço em uma sacola improvisada.
— Bob preto! Bob preto — Iddie gritou no meu ouvido.
— O quê? — perguntei desnorteada, começando a correr o melhor que pude para o final da rua antes que a Primazia saísse da loja, meus pés protestando a cada passo que dava.
— VAI EXPLODIR — foi Egor quem gritou, sua voz cortada pela explosão da loja em que estávamos.
Resisti a vontade de olhar para trás e continuei correndo, misturando-me entre a pequena multidão de curiosos que se amontoaram para ver o caos, confiante de que embora estivesse sangrando e com as mesmas roupas da Jovem-Alma, Primazia não me reconheceria no meio de mais dezenas de pessoas tão machucadas e sujas quanto eu.
— O que diabos deveria significar Bob preto? — apontei um dedo acusador para Iddie quando saímos de perto da comoção, recebendo um sorriso culpado da parte dela.
— É um código, significa que algo vai explodir por culpa do inimigo — foi Egor quem explicou.
— E como eu deveria saber disso? — continuei a me afastar da multidão, pensando em uma forma de ir para casa, o trânsito estaria um caos, os metrôs com certeza pararam e eu sentia que poderia desmaiar em pouco tempo.
— Está no Guia de Introdução à Catwalk que seu irmão te entre... — Egor foi interrompido por Primazia, sobrevoando a multidão a minha procura.
Abaixei a cabeça e desacelerei meus passos, fingindo estar tão assustada quanto todos, o que não foi difícil, porque além da surra que levei da maluca, eu ainda perdido o carro do meu irmão. Gabriel iria me matar quando soubesse.
— Dal, isso é roubo — Egor se referiu à mercadoria da loja nos meus braços.
— Considerando que a loja explodiu, eu diria que é reciclagem — Iddie assentiu para si mesma.
E eu não pude deixar de sorrir agradecida, sabendo que estavam evitando o assunto da vilã até que eu me acalmasse. Poderia esperar isso de Egor, mas Iddie me surpreendeu. Talvez ela não fosse tão má.
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