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Darci tinha 60 anos mas não aparentava a idade, tinha o porte atletico, 1,80 de altura, músculos definidos e se gabava de perfeita saúde. Era um cara que se preocupava com a saúde, fazia exercícios físicos regulares, não fumava e mantinha uma alimentação saudável. Segundo ele, essa era a verdadeira receita para a longevidade. Mas quem o via agora, não o reconheceria há alguns anos atrás. Com 30 anos tivera um infarto que mudou sua rotina de forma definitiva. Até os trinta anos ele vivera da maneira mais fugaz possível, vivia de noitada em noitada, transando com uma mulher após a outra (ao menos camisinha era uma coisa que ele sempre achara completamente indispensável), fumava, bebia, e sua alimentação era basicamente composta por pacotes de Doritos que ele comia, acompanhado de cerveja e coca-cola, enquanto assistia jogo na TV.
O modo “perigoso” de viver o levara ao hospital aos trinta anos, e os médicos disseram que tinha sido um verdadeiro milagre ele ter sobrevivido.
Às vezes um homem precisava ser jogado dentro de uma fornalha para aprender alguma coisa, e ele aprendera da pior maneira possível.
Ele cortou o cigarro, a bebida e as noitadas regadas a farras e mulheres, o Doritos e os lanches que geralmente costumava comer nas sextas-feiras, deu lugar a uma alimentação balanceada, passou a frequentar academia, e depois, quando a coisa ficou feia, passou a fazer corrida e caminhada, que era tão bom quanto e não se precisava gastar nada.
Agora ele era um novo Darci e podia dizer que estava vivendo a melhor parte de sua vida.
Era casado, tinha um casal de filhos, morava em uma casa abastada em um bom bairro na cidade, casa essa que estava paga; tinha um carro (era um chevette, que era seu xodozinho), uma moto, que ele usava para ir trabalhar (quem aguentava o preço da gasolina?), e para completar, o que todo homem precisava para viver bem: tinha um bom emprego. Darci era vigia noturno e trabalhava no mini shopping Galeria Barão, que ficava no centro de Pindamonhangaba, e aquele era o melhor emprego que existia no mundo. Ele era o único vigia, que trabalhava durante a noite, de modo que tinha todo o lugar para ele, e o serviço consistia basicamente de sentar-se em sua sala que ficava no primeiro andar, e ficar monitorando as câmeras de segurança, depois fazer rondas a cada duas horas em cada um dos seis andares do edifício, se houvesse algum problema (geralmente coisas elétricas sem importância, como lâmpadas queimadas) era só resolver, se não desse para resolver bastava fazer um relatório e informar o zelador de manhã. No final do mês ele recebia um cheque de 3 mil reais, já com os descontos e adicionais noturnos. Um homem não podia querer emprego melhor.
Naquela noite de 25 de fevereiro de 2001, ele percebeu que havia alguma coisa errada, somente depois das 23 horas, depois de ter usado o banheiro. Tinha comido um bolo de nozes (que ele gostava bastante), e o bolo estava doce demais, e não lhe caiu bem. Alguma coisa estava errada, e a coisa estava ficando feia, ele chegou àquela conclusão quando ouviu gritos vindos do lado de fora, na cidade, gritos e ruídos estranhos que ele achava que eram batidas de carros. Algum maldito tinha enchido a cara de cachaça naqueles malditos baile funk que estavam se alastrando como uma praga infernal e nojenta, pegara o carro e causara um acidente, e Darci pediu a Deus que o filho da puta tivesse morrido.
Normalmente ele daria um pulo até a rua, pela entrada que ia dar de frente com o supermercado Excelsior, onde sua mulher trabalhava, mas alguma coisa, algum impulso repentino o impediu de fazer tal coisa. Ao invés disso ele pegou o elevador e subiu ao terraço do edifício. Às vezes ele fazia isso quando queria respirar um ar, principalmente em noites enluaradas, quando o céu se tornava um tapete de estrelas. Gostava de sentir o ar frio da noite, e curtir a tranquilidade em que a cidade caía, quando os habitantes estavam dormindo.
Naquela noite a lua estava brilhando, mas algo estava acontecendo com ela; nuvens estavam encobrindo-a, mas eram nuvens estranhas, não parecidas com nada que ele já tivesse visto antes. Ele pensou em tempestade, mas não havia relâmpagos, nem trovões, nem mesmo vento. A previsão do tempo não tinha alertado sobre nenhuma tempestade, nem uma gota de chuva.
Darci olhou para a parte norte da cidade e viu alguma coisa vindo, no ar. Parecia uma fumaça, ele se lembrou do final de um filme que tinha visto algum tempo antes, A colheita maldita, mas aquela fumaça que estava se aproximando era negra, e tão espeça que ele achava que conseguiria pegá-la se quisesse.
Um sinal de alerta acendeu em sua mente, ele olhou para o centro da cidade lá embaixo e estava acontecendo alguma merda, porque as pessoas estavam gritando e correndo. De repente o transito se tornou um caos e ele levou um baita susto quando um ônibus explodiu no meio da rua.
- Puta que pariu! Mas que porra está acontecendo?!
Instintivamente ele se afastou da beirada do prédio e meteu a mão no celular. O abriu e digitou o número de casa. Mas havia alguma coisa errada, porque ele ouviu aquela voz eletrônica de inteligência artificial dizendo: o número chamado encontra-se fora da área de cobertura.
- Bosta!
Darci olhou para a tela e viu que não tinha área.
Ele olhou no relógio e ele viu que estava parado. Tinha parado às 11:37 da noite .
Olhou para o céu novamente e estremeceu. O céu agora estava opaco, pintado de preto, a lua brilhava como se fosse uma pintura gótica, sem brilho.
Ele saiu dali, e se aproximou do elevador, apertou o botão 1 no painel, o elevador não se mexeu e ele apertou de novo. Uma certa impaciência inexplicável se apoderava dele. O elevador começou a descer aos trancos e barrancos e descer ao primeiro andar pareceu levar uma eternidade.
Quando a porta se abriu, Darci julgou ver uma sombra no final do corredor, a meio caminho de sua sala. Uma silhueta estava parada lá, os olhos eram vermelhos. Ele arregalou os olhos e sentiu seu coração palpitar no peito. As lâmpadas ao longo do corredor piscaram por um momento.
Depois de alguns segundos ele caminhou até sua sala, entrou rapidamente e começou a abrir as gavetas, à procura de sua arma, um velho revólver calibre 38.
Darci raramente o usava, ele não gostava de armas. Achou o revólver, abriu o tambor e checou as balas, vazio. Abriu outras gavetas e achou algumas balas, carregou a arma. Estava tremendo, e nem entendia ao certo porquê. Uma leve tensão estava no ar e era patente.
Foi saindo da sala e parou, olhando para os monitores. Viu que a porta de lata da entrada principal da galeria estava sendo arrombada.
- Mas que merda!
Darci saiu da sala e olhou para o final do corredor. Não tinha nada lá além de uma lâmpada que estava piscando. Mais um problema elétrico que ele teria que concertar. Sua sorte era que o almoxarifado no porão estava repleto de lâmpadas.
Ele seguiu para o hall e desceu pela escadaria. De certa forma o elevador iluminado, com a porta aberta, parecia a boca de um monstro, e isso o desagradou.
Ele saiu no hall principal, olhou à esquerda e viu um casal, o cara estava acabando de fechar a porta.
Darci apontou a arma para a frente e caminhou sorrateiramente até eles.
- Parados aí mesmo! Não se mexam ou eu atiro!
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