Prólogo
New Chamor, 13 de janeiro de 2018
23:51
A lua mostra-se parcialmente inútil hoje, ao menos para mim. Além de quase completamente escura, esconde-se em meio às nuvens. Não consigo enxergar quase nada. Está tudo muito escuro, quieto e frio.
Respirando pela boca, os lábios ressecados e a garganta ardendo a cada respiração que sofro para realizar, nunca senti tanto medo na minha vida. Nem mesmo quando ela se revelou.
Porque sei que, se for pega agora, jamais verei a luz do dia novamente. Ou qualquer outra coisa.
Não sei para onde devo ir, e isto me deixa ainda mais apavorada. Não sei o que fazer, não sei porque tomei essa decisão por impulso. Devia ter ficado lá, mesmo que sofrendo. Ainda assim, estava em uma situação menos pior. Nos primeiros segundos em que estive fora, culpei Lilith por desistir e ficar lá. Eu convenci a mim mesma de que estava certa, e ela errada. Mas agora percebo que ela foi esperta. Já eu...
O sangue parece ter muita dificuldade em passar pelos meus pés, que afundam na neve numa falha tentativa de me guiar a algum lugar. Sinto que posso cair a qualquer momento e nunca mais conseguir me levantar. Sei que todo esse esforço pode se tornar inútil caso eu simplesmente tropece.
Estou vestindo um sobretudo, que impediu uma morte lenta ao dar de cara com a nevasca noturna. Mas ainda assim está tão frio que não me surpreenderia se eu congelasse de repente, perdendo todos os movimentos.
Não. Preciso continuar. Não posso ter passado por tudo isso nessas últimas semanas e morrer agora. Seria ridículo.
Quero sair desta maldita cidade, deste país de merda. Quero morar na Austrália, ou na Nova Zelândia, quero sentir minha pele queimando pelo calor ao sair na rua. Não quero ver neve nunca mais, não quero passar numa rua qualquer e ver um milhão de bandeiras dos Estados Unidos penduradas por aí. Sempre detestei todo esse patriotismo exagerado.
Principalmente, quero acordar todos os dias tendo a plena certeza de que ela está bem longe de mim. De que nunca mais a verei, nem suas lâminas mortíferas disfarçadas de unhas.
Mas eu estou aqui, correndo feito um porco ao escapar do abate que não sabe se realmente terá sucesso em sua fuga.
A ausência de sons por aqui me conforta e apavora, ao mesmo tempo. Ouço apenas a minha própria respiração, dificultada pelo frio, e sei que estou sozinha. Mas não sei por quanto tempo. Até onde tenho ciência, ela pode aparecer a qualquer momento para me castigar.
— Não. Ela não vai me pegar -—minto a mim mesma.
Mas talvez seja verdade. Talvez. Talvez ela esteja tão eufórica com o "grandioso evento" que mencionou que demore a notar minha falta. Talvez eu já esteja em outra cidade quando isso acontecer. Talvez eu sobreviva.
Talvez, talvez, talvez.
Quero apenas ter certeza de algo. É tudo o que eu quero. A certeza de alguma coisa, qualquer coisa. Boa ou ruim. Só quero poder ter certeza do meu próprio destino, mas não acho que sou capaz.
Quero chorar, mas não consigo. Quero liberar toda a energia negativa que se acumulou dentro de mim, mas nem essa capacidade eu tenho. Nunca tive, não é agora que mudanças vão ocorrer. As lágrimas — de dor, medo, angústia — se recusam a sair. Melhor assim. Se meus olhos estivessem úmidos, estaria enxergando pior ainda.
Continuo andando e finalmente vejo luzes. Postes de iluminação. Vejo? É real?
Sim. Eu consegui.
Tento correr mais depressa, eufórica, quase dando pulinhos. Se conseguir chegar até a minha casa, posso pegar minhas coisas e ir embora. Sei que nunca mais verei minha irmã, as pessoas que amo, mas pelo menos ficarei viva. Esta é a minha prioridade. Viver.
Talvez eu me arrependa quando já estiver bem longe e perceber que não poderei mais trocar nem sequer uma palavra com eles, mas eu não posso pensar assim agora. Tenho que continuar.
Parece uma ideia surreal neste momento, mas preciso lutar pela minha própria vida. Tenho tudo para conseguir; não estou machucada, nem ferida, nem doente. Apenas com um pouco de fome, muito frio e esse cheiro de sangue entupindo minhas narinas. Nem mesmo as feridas causadas pelas algemas me incomodam mais.
Meus pés correm desesperadamente até a rua, e me sinto imediatamente aliviada pela camada de neve aqui ser bem menor. Consigo caminhar com menos dificuldade.
Consegui. Estou aqui, saí da floresta. A pior parte já passou.
Mas que parte da cidade é esta? Acho que nunca estive aqui. Droga, ainda vou demorar até encontrar minha casa. Não há muitas por aqui, e as poucas que existem estão com as luzes apagadas.
No entanto, não é como se eu fosse bater em alguma dessas portas e contar tudo o que me aconteceu. Eu seria levada a um hospital psiquiátrico imediatamente. Terapia de choque funcionaria com ela, eles diriam. E talvez até seja verdade. Quem acreditaria em mim? Nem eu mesma, se não tivesse presenciado tudo.
É por isso que a minha melhor opção é ir embora. É triste, me deixa angustiada, mas é o que devo fazer.
Paro de correr para descansar. Estou me expondo ao perigo, mas preciso me recuperar. Abraço a mim mesma para me aquecer. Tive tanta sorte até agora que parece impossível. Tenho medo de acordar lá novamente, descobrindo que essas poucas migalhas de liberdade foram uma ilusão.
Pronto. Não posso me dar ao luxo de ficar parada por muito tempo. Preciso analisar a situação, me localizar para então me direcionar até onde preciso. Que lugar é este? Que bairro é este? Nunca estive aqui antes, não tenho a menor ideia de onde estou. Não sei aonde esta rua vai dar, mas preciso seguir por ela.
Minha intuição pede que eu siga em frente. Obedeço. Em algum lugar isto vai dar, não é?
Um dos postes está com uma falha. A lâmpada está piscando, falhando e voltando, falhando e voltando. Sinto-me em um filme de terror. A ridícula menininha em perigo, indefesa, coitada. Odeio saber que me encontro exatamente assim.
Paro novamente, vejo algo bem ali, alguns metros à minha frente. É uma pessoa? Acho que sim, mas não sei dizer exatamente porque a luz do poste, que continua piscando, machuca minha vista.
— Droga — resmungo. Não queria encontrar ninguém agora. E quem é que fica andando por aí de madrugada, ainda mais sozinho?
A pessoa caminha em minha direção. Não sei o que fazer. Não quero ter que passar por ela, muito menos voltar à floresta. E se for ela? O que eu faço? O que eu faço?
— Ei, você precisa de ajuda? — a pessoa grita. É um homem. Fico aliviada por não ser ela, mas logo o sentimento vai embora. Estou sozinha na rua, de madrugada, e tem um homem vindo até mim. — É sangue na sua roupa?
Decido correr e passar por ele, tudo para não precisar voltar atrás. Se eu atravessar a rua, consigo passar ao seu lado sem correr o risco de ser segurada. Mas ele é mais rápido. Antes que possa pôr em prática, ele me alcança e segura meu braço.
— Eu vou gritar — aviso, sem forças para tentar me soltar.
— Você sabe que isso não adiantaria — ele me responde com um sorriso cruel. A iluminação torna seu rosto alaranjado, mas consigo ver bem a outra cor que predomina. Meu corpo inteiro de repente fica pálido e gelado, mas não por causa do frio.
Os olhos do homem são azuis, e brilham neons no escuro.
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