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Castelo Branco



Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima a qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda.

Clarice Lispector - A Descoberta do Mundo



Capítulo I

Castelo Branco



As estrelas queimavam.

No curso do rio qual separava o continente, via-se claro – mas indiferente aos olhos de outros – a separação natural que a água exercia em terra. Duas faces de uma mesma ligação; dois territórios para dois reis e irmãos.

Localizada no extremo noroeste, além das planícies e dos milharais, da floresta extensa de coníferas sustida próximas as montanhas, crescia e expandia o reino branco do mais jovem rei; mas poucos conheciam seu verdadeiro nome ou mesmo o pensamento vivo sob a noite em sua fortaleza.

Desde o ruir da esquecida unificação, ideologias espalharam-se face ao continente portados pelos corações dos homens. Logo, ao decorrer dos astros, províncias subsequentes surgiram, pequenas cidades e pequenos controles; e entre o caos do desentender e acirrar, duas sobrepujaram-se sobre os demais.

Na revolução por dias melhores, amaciados pelas promessas de paz, dois homens obtiveram poder. Os pequenos, à proporção em que a força crescia, foram massacrados. E quando o auge do acirramento proclamava guerra, os supostos líderes propuseram um pacto, uma ideia de apartação ou uma divisão entre as gerações que se sucedeu e iria. Dois reinos vivos pela geração dos irmãos.

No coração do extremo noroeste um rei refletia consigo, sozinho sob o luciluzir das frias estrelas da madrugada.

Os passos do monarca ecoavam secos pelo contraste branco do mármore e o negro da ardósia. O silêncio profanado por inerente agitação incomodava-o numa agressividade incoerente, pois repugnava qualquer sentido de ansiedade. Há tempos em que tem sonhos e pensamentos ilegíveis, acordando durante a noite alta, aspirando ou receando alguma coisa oculta das brumas da mente. Temia por espiões. Temia por sua vida. Não poderia morrer. O fato do perecimento casava-lhe náuseas como uma doença ainda sem cura. Não se sujeitaria a morte em porte da complacência e compreensão. Não. Nunca.

Ao auge do desatino, o rei ouve um suave gemido. A luz noturna derivada das janelas ovais e da sacada mesclava-se a luz alaranjada e silenciosa das tochas e velas. A oscilação quieta das cores refletia-se indiretamente ao fino tecido róseo de brilho opaco qual revestia a rainha de longos cabelos negros, mechas suaves do puro piche que caiam sobre os ombros em confronto à suavidade da vestimenta.

– Volte a dormir. – Disse o rei, assevero, observando silenciosamente da sacada a fortaleza de seus ancestrais.

– Algo te perturbas, meu rei? – Perguntou, sonolenta, a voz invicta reverberando calidamente no âmbito real abobadado, o corpo estirado na cama longa e de cabeceiras altas, de madeira nobre e escura trabalhadas à mão.

– Parece-me irrequieto. – Continuou. – Estás sem sono novamente? Desejas algo em alimento?

– Volte ao teu sono, Selenia! – Verberara pausadamente, costas à sua mulher. – Deixe-me em paz ao menos uma vez! Disse-te que não tenho fome.

– Referia-me a outro significado de alimento. – Respondeu após segundos. – Entretanto – continuou –, consigo claramente discernir quando não sou bem-vinda a uma conversação com meu próprio homem. Com sua permissão, meu rei, voltarei ao meu sono.

Selenia respirou profundamente, o cenho afilado e delicado a muito comprometida retraindo-se em dor e compaixão a um homem distante da qual compartilha a mesma cama.

Morphean respirou profundamente. Estava demasiado preocupado para debater assuntos ordinários com sua mulher. Clamava-a por ignorante, ausente dos verdadeiros deveres carregados por um rei. E como saberia? Gastava parte boa de seu tempo sentindo compaixão pelos desafortunados que com seu próprio esposo! Odiava-a e amava-a por isso, por mais relutante fosse admitir.

Ao longe, cavalgadas repercutiram sobre a pedra, som que o retirou de seus pensamentos.

– Retirar-me-ei. – Pronunciara apático, caminhando direção a grande porta vertical da câmara branca. – Que não me esperes acordada.

– Morphean. – Chamou-lhe. – Morphean, eu lhe peço, volte para a cama.

Em suave tom, por um instante segurou os passos. Por alguns instantes analisara a vestimenta que o cobria. Não aparentava o porte de um rei com as roupas de baixo. Aparentava a face de um comum como qualquer outro.

– Durma, minha rainha. – Disse expirando a raiva. – Não há razão para esta preocupação. Durma. Faça isso por mim.

Estalos e rangidos foram produzidos pelo abrir da porta ao instante preciso em que o rei caminhava direção à passagem.

– Não permitam que ela saia deste quarto enquanto eu estiver ausente. – Ordenou severamente aos guardas do aposento quais abriram a porta, sem dirigir o olhar. – Deem-na o necessário, caso for solicitado.

Ao assentirem obedientes, retornaram à posição atenta ensinada.

Fora-lhe providenciada vestes, justas a ocasião a se suceder. Não usaria a coroa, tampouco necessitaria dela ao lugar onde ia e por um momento repugnou tal pensamento. Chegado a um ponto, ordenou as sentinelas pessoais que o seguiam um intervalo sem oferecer explicação, concedida sem perguntas ou desconfiança. Sozinho, caminhava por entre o labirinto de sua morada, descendo escadarias, o branco se sucedendo intermutável entre as colunas e cortinas, chão e teto; poucos eram os dias em que detestava a cor de seu castelo.

Chegado a um corredor sem saída, piscou. Pouco à frente encontrava-se a pintura do falecido pai, emoldurado ricamente a presença de um rei, esse portado solenemente de uma espada brilhante e detalhada em joias e ornamentos. Um curto rosnar vibrara na garganta do observador. Muitos eram os motivos em odiá-lo e aquela espada fazia ressuscitar memórias das quais confrontava em esquecê-los.

"Rei Heliuns", leu em silêncio a epígrafe dourada.

Caminhando em direção ao quadro e pressionando uma pequena protuberância no canto inferior da moldura, uma imediata passagem revelou-se ao chão. Como aliviasse uma pressão imaginária, o buraco retangular revelado a direita produzia o som de atrito de rocha com rocha. Era uma passagem, degraus que levavam metros abaixo do chão; e ao transportar consigo uma tocha qualquer, Morphean adentrou na fosca escuridão.

Fato que a descida resultou em apenas alguns degraus, tais esses semelhantes em contagem ao trespassar por um corredor ligeiramente plano. Não existia um subterrâneo a se explorar, mas a nova ala que se apresentava era diferente de todas no castelo, ambiente que resumia a intenção primordial do rei: a privacidade.

Não era branco ou mesmo revestido em mármore. Era uma ala comum de rocha escura sem tratamento, sem móveis ou janelas, luz ou brechas além da passagem direcionada a parte mais afastada do castelo, oculto dos olhos curiosos.

Na parcial escuridão, aguardou. Quando a impaciência tomava parte de seu corpo, uma velha porta na extremidade do cubículo fora aberta revelando um guerreiro de armadura prateada e um cavalo, ao longe, pastando calmamente o capim que aflorava estre as junções das pedras do jardim.

– Meu rei. – Inclinou-se o guerreiro num só joelho ao fechar da porta, eliminando a fraca iluminação noturna, sustendo o elmo sob o braço esquerdo, revelando um escuro cabelo curto e esgrouvinhado.

– Explique-se bem. – Falou o rei asperamente. – Qual a razão de este tardar tão inapropriado?

– Devo manter meu sigilo, senhor. – Disse ao expor a face a luz alaranjada, as linhas duras e trabalhas em feição delineadas pelas sombras do âmbito lôbrego. Via-se a juventude brilhar em face; mas aos olhos, a opacidade de uma alma cansada. – Minha família não deve participar de minhas atribuições.

– Tua esposa persiste na desconfiança. – Expusera um ar entediante e ironicamente cômico.

– Por ora vacilante, mas não. Ainda assim, ela não é indiferente ou muito menos estúpida, senhor.

– És um fraco. – Murmurou distante.

Morphean ficara em silêncio por alguns instantes, a posição imperiosa desfadigada enquanto.

– Quero que saiba que realizas um nobre trabalho, Orteadrir. Lembre-se bem disto. Um nobre trabalho.

– Sim, meu rei. – Respondeu a um suave tom sombrio.

– Erga-se. – Ordenou. – Aqui estamos como iguais.

Fincado a tocha em uma base, continuou:

– Desde tua partida decorreu-se muito tempo, acredito que tenhas observado. Expectativas são alimentadas do que se diz respeito desta tua jornada. – Respirara, os olhos caídos de relance ao soldado prateado. – Diga-me então. Obteres sucesso no encargo do qual atribuir-te? – Virara-se solene para a chama, braços às costas.

– Não foi um caminho fácil a se ser introduzido, senhor. – Iniciara o guerreiro robusto. – Desde nossa partida, dia após dia, a floresta secretamente conspirava incansável contra a sanidade minha e a de meus homens. É doloroso combater um inimigo sem forma. Vi a mocidade de muitos passarem ao estio da vida e deste ao suceder do declínio e do frio.

A sombra do rei tremulava suave no chão áspero. Os olhos fitavam a chama em labor de consumir a substância da qual a mantinha viva. Aquilo o fez despertar uma cólera sem sentido, motivado por um critério desconhecido.

– Disponho-me de pouca resignação para tuas lamentações ou a de teus homens. Responda-me! Obteres sucesso em tua tarefa ou não?

– Sim, meu senhor.

– Fale-me então de uma única vez!

O guerreiro pareceu respirar.

– O teu povo alimenta com esperança a lenda, meu senhor, mantendo-a viva nos costumes, na mais simple atividade e artes... No alimento onde se planta e cria, na água donde se bebe, na criança que nasce... Não foi uma busca fácil. – Vacilou. – Vosso povo não é transigente ao senhor. Eles a protegem tanto quanto àqueles cujos o senhor teme existir. – Respirou. – Estão por todo o continente. E quando ameaçados, recuam para um lugar que ninguém sabe da existência.

– Infelizes... – Rosnara Morphean cerrando os punhos, a unha perfurando a carne. – Queimarei toda alma vulpina que teve o desplante de conspirar contra mim. Malditos!

Ao subtrair do reverberar na ala retangular, Morphean respirara lentamente apoiando os braços à parede, estendendo a cabeça para baixo, a observar sua respiração ofegante. Recompôs-se. Em um movimento calculado, afagara a vestimenta alva e longa na busca do resultado da sua investigação. Um saco de moedas caíra aos pés do soldado, esse que o recolheu com aparente desconfiança ao brilho da cólera.

Silêncio.

– Então é este o resultado que me ofertas nas estações recorrentes desta busca? Superstições de velhos moribundos acalentados pela morte!? Diga-me, Orteadrir! Diga-me!

– Fiz o que me foi possível, senhor. – Respondera-o, obediente. – Existe algo a mais que desejas?

– Não me molde a tua inútil estupidez, Orteadrir, filho de Elandrir e Norun. Eu quero a criança! A criança! Diga-me onde ela está. Diga-me onde ela se esconde! – Solicitara, imperturbável.

– Em um lugar muito longe daqui. – Replicara o soldado em voz sussurrada.

– Como disse!? – Estagnara-se o rei. – Sejas mais claro. – Aprumou-se.

– Nada nunca é, meu senhor. – Clareara a voz. Moedas colidiram-se ao chão. – Ouro e prata são bens irrisórios.

Entre o ar entrecortado da surpresa e afirmação, Morphean se fez distinto. Preparava-se para isso, cedo ou tarde.

– Tu cometeste um péssimo erro, homem. – Voltou-se ao guerreiro. – Perguntarei apenas uma única vez mais. – Pausara. – Onde a criança está?

– Longe. – Respondeu, os olhos a coriscar, o corpo inflando na obtenção da coragem. – Longe, caminhando para o legítimo trono, portada da lança magistral, a verdadeira herdeira do amanhã!

Ante as palavras, o rei gargalhara. A chama que iluminava cessou-se por um vento jamais presente, mergulhando a câmara numa completa e maciça escuridão.

– Grande erro. – Ciciara o rei. – Tua mulher e filhos sofrerão por esta tua aleivosia.

– Tente se quiser. Tu nunca os encontrarás. Estão demasiados longe. – Rosnou. – Minha morte mudará em nada em tua busca.

– Estás correto. – Revelou-se próximo, empunhando uma lâmina essa que atravessara o metal e a carne. – Mas significará a eles.

A chama retornou ao instante em que o brilho dos olhos deixava o corpo do soldado. Face a face encontravam-se, ambos portando expressões complexas ante a situação atingida.

– Estás amaldiçoado. – Sorriu num triunfo abatido. – Tu... nunca a encontrarás. – Golfava sangue o guerreiro. – Nunca... nun...

Imóvel no chão imundo a prata da armadura refletia a única luz existente.

– Veremos.

Livrara-se da espada, descartando-a ao lado do corpo, intencionalmente omisso. Não abdicaria de seu sono por tamanha irrelevância. Um a mais silenciado em seu caminho apenas ganharia oportunidades; nunca estivera tão próximo. O dia se aproximava. "E quantos seriam?" – Perguntava-se. Voltou-se para suas mãos. Não existia nada de anormal consigo. Estava incrivelmente limpo, natural para uma caminhada em seu castelo à noite. Ainda assim, sentia-se pesado não pela morte provocada. Era algo mais.

– Falei-te que não me aguardasse. – Reverberou o rei ao entrar na câmara particular real, fechando a porta em um único e forte movimento, realizando passos largos direção à sacada, visualizando a sua cama... vazia. – Será capaz de ouvir uma palavra minha? Será capaz de fomentar respeito a mim?!

– Ouvi vozes. – Respondeu a rainha, apartada em seu tom, em pé na parcial escuridão de sua cama, caminhando após direção a sacada, o vestido tremulando, o cabelo solto e revolto a favor do ar agitado da antemanhã.

– Ouça. – Disse ao sumir do campo de visão do rei.

Realizado mais alguns passos, Morphean estatizou-se. Seus olhos dilataram-se. Músculos enrijeçam-se.

– Selenia. – Chamou-a.

– Não fale! – Silenciou-o. – Por favor, Morphean. Pela primeira vez em via, escute! Deves capturar a quietude da noite. Deves escutar para que possa ouvir.

Morphean realizou um passo vacilante. Sentia o suor frio fazer-lhe calafrios sobre a pele, a veia a dilatar, o cabeça a borbulhar.

– Selenia, olhe para mim, eu a peço. Volte-se a mim! – Tremia.

– Não sejas assim, meu amado rei. – Virara-se, os pés dançando, equilibrando-se na divisa entre os vivos ao dos esquecidos, conflito e subsistência sobre a mureta impecavelmente branca, estrutura mantenedora da rainha em seus pés. – O que há de errado contigo? Desejas algo em alimento?

– Falei-te. Não necessito. – Estendera o braço esquerdo direção a mulher. – Segure-se em mim, Selenia. Segure minha mão, querida.

Por um momento a expressão da rainha mudou, oscilante. O prazer modificara-se em dúvida, aceitação e melancolia, resignação e conformação. Ao ver-se, seu braço estendia-se em resposta ao rei, mas logo retraíra-se, perceptiva. Permaneceria firme. Era uma decisão tomada por si e mais ninguém.

– Vejo teu cabelo úmido. – Sorriu a rainha, tenra, o vestido delicado deslocando-se em diversas direções, contornando a delineação pálida do corpo feminino. – Limpou-se. – Confirmara sem respostas, permitindo o cabelo negro revolto em sua face. – Mas não é o suficiente.

– Veja o que falas. Veja o que farás. Desça desta mureta, minha rainha, e vamos para cama.

– Estou com frio. – Respondera-lhe agasalhando-se em seus próprios braços. – Esta cama é fria. A noite está fria. E aqui... aqui as estrelas são-me às únicas chamas neste vazio. Sinto que preciso alcançá-las, mas veja onde estou... presa a esta cama, a este castelo e... a ti.

– Estás me deixando? – Vacilou o rei em sua voz.

– Tu deixaste-me a muito tempo, meu rei. Mas agora eu percebi. – Sorriu, piedosa. – Tu me amas?

– Por favor, Selenia. Eu lhe imploro.

– Diga-me a verdade pela primeira vez em tua vida, Morphean. Agora mais que tudo. – Aprumara-se. – Alguma vez me amaste verdadeiramente?

– Que tipo de pergunta me fazes? – O rosto distorcia-se. – Lamento... eu lamento tanto.

– Não desejo teu lamento. Nunca desejei. – Inclinara a cabeça para o lado, recordando, relembrando de algo que somente ela sabia. – Eu vivia em paz com minha família, com minhas terras e animais. Eu sobrevivia com o pouco que me tinha e o pouco que me havia tu tiraste de mim. O amor não é algo que se planta, mas com o tempo eu aprendi a te amar... mas o tempo não me respondeu... tampouco a tu...

"É irônico – continuou a rainha, expressando uma falta de atenção sem influência da vontade – como tudo terminará. Veja o horizonte. Sinta o salso elemento."

Morphean realizara outro passo em direção. Selenia, ao orientar-se ao céu e respirar fundo, fechara os olhos desviando-se da verticalidade, dando consentimento à gravidade ao seu corpo, tomando-a ao solo, amalgamando-se ao vento. Morphean realizara um salto no instante da visível rendição, resposta essa o suficiente para agarrar parte do delicado vestido da qual se rasgou sem muito esforço.

Pendulado no peitoril da balaustrada, Morphean assistiu o descender de sua esposa, como a via serena durante sua queda e colisão ao solo branco, alarmando as sentinelas próximas que verificaram a situação da rainha com pesar. Aos poucos, faces viraram-se para a torre real do castelo, expressões onustas em curiosidade e terror ao grito de um rei sem rainha. Uma estrela a mais queimava silenciosa na negra abóboda celestial.

O desejo de Selenia havia se cumprido.

Lágrimas caiam de encontro ao repouso, cintilações diminutas e silenciosas. O significado concluía-se na razão de suceder, acontecer e verificar, conhecer o propósito de ações e palavras, visualizar ou identificar, abarcar a si mesmo na viajem. A perda origina o significado. A dor origina o significado, muitas vezes tarde demais.

– Meu senhor! – Adentrada as sentinelas, alertas. – Meu senhor, onde se encontras? Levante-se. O que houve aqui? Onde está a rainha? – Perguntavam, soerguendo-o.

– Deixem-me aqui. – Relutava, serrando os punhos no pedaço de tecido que segurava.

– O senhor precisa ir conosco. Não é seguro aqui... precisamos...

– SAIAM! SAIAM DESTE LUGAR! – Inflara-se, o rosto distorcido pelas sombras. – SAIAM. – Empurrara-os.

Chamas se apagaram. O castelo agitou-se em diversos sentidos. Homens recuaram-se fronte a dor do rei.

– Senhor! – Anunciara-se uma terceira sentinela, aparentemente ofegante, a armadura atritando-se ao movimento de reverência. – Há algo que precisas saber.

– Deixem-me! Deixem-me! – Exclamava. A voz distorcia na ira e pesar. – Vão! Saiam de meus aposentos. Saiam!

O terceiro guarda ofegava. Não percebera a atmosfera despontada ou o terror que seus irmãos sentiam.

– É sobre a tua fortaleza. – Inspirou fortemente. – Estamos sob ataque.

Ante a informação, Morphean aprumara-se como tomasse uma profunda e dolorosa inspiração. Toda e qualquer demonstração de sentimento confinara-se no mais profundo cofre da sua mente. A face estava limpa. As lágrimas, secas. A dor, extinta; mas a ira permanecera a mesma. Pares de olhos direcionavam-se ao rei, atentos e amedrontados diante a mudança transcorrida. A empatia ao sofrimento e pesar subjugaram-se à indiferença e desconfiança.

– Onde? – Perguntou, os olhos coriscantes como chamas azuis, os dentes a ranger.

– Concentram-se na região leste do castelo, nos portões de ferro e pedra de vosso pai. – Informou, servil.

– Quem os lideram?

– Um homem e uma mulher chamados Faeton e Isarin. Trouxeram consigo cerca de mil homens, mas poucos em porte de cavalos, lâminas e escudos, arcos e lanças.

A respiração pesou no local. Distante e vago, urros soavam no silêncio da noite, o tinir do metal, o trotar dos cavalos, o estrondo do avanço assobiando na escuridão. O rei permanecia firme em posição, mergulhado em negrume, uma coluna negra de olhos azuis faiscantes.

– E o que esperam fazer parados aqui? – Caminhou direção a porta, os passos ecoando a raiva. – Preparem-me meu cavalo, tragam-me vestes e minha espada. – Bravejou ante os corredores e quartos, salas e pátios, virando-se após para a sentinela que lhe trouxera a notícia. – Acorde os que dormem. Contate Marcium e suas tropas. Junte-se as sentinelas e montem guarda na entrada principal. Assegurem-se – aproximara-se do rosto do jovem guarda, a saliva viajando em pequenas gotas – de que eles não toquem num grão de areia deste castelo.

– Sim, meu rei. – Concordara, paralisado. – Mas, quanto aos vossos filhos, senhor? – Perguntou logo ao distanciar do monarca.

O rei estagnou. Afagou o cabelo escuro deslizando a mão para a barba concentrada em seu mento. Pouco havia pensado neles. A noite estava alta e a muitos dormiam. Dois meninos e uma menina. Três crianças. O pensamento da morte voltara-lhe contra si.

– Leve-os para longe daqui. Leve-os com minha irmã para o refúgio no lago. – Disse unicamente, caminhando em direção ao estampido ressonante.

O castelo em si estava desperto. Sinos badalavam notas graves e vibrantes, monótonas. Homens corriam por todos os lados, alguns sonolentos e confusos, enquanto os serviçais preparavam-se para partir. Não havia mulheres na armada do castelo. Tamanha petulância jamais seria admitida por seus nobres, opinião essa ratificada por seu rei.

"Homens e mulheres pertencem a lugares opostos na terra, compartilhando unicamente a cama como conjunto da diversidade." – Assim era proclamado.

Mas por um breve momento naquele estopim, Morphean admitira a si que mãos a mais até poderia vir a ser útil.

Céleres reverências eram-se realizadas ao encontro do rei em caminho, inclinações preocupadas vestidas para noite. Crianças eram carregas no colo, serviçais encarregavam-se dos mantimentos à proporção que o alarido de reclamações e injúrias partido dos guarnecidos mesclavam-se aos gritos da hostilidade afora, do encontro das marchas e espadas.

Contudo, nada combalira o frígido monarca. A expressão suntuosa e determinada em nada aplicava a dor antes sentida. A eminência da agitação afastava-lhe dores e a muito expirava para dispor-se de sua espada e do galgar em seu cavalo ao ritmo do decesso, a lâmina trovejante na garganta dos inimigos. Caminhava donde manava a agitação, a ranhura e berros de mil homens rasgando o tecido da noite. Clamava por isso. Desejava. Ansiava. O esquecimento direcionava-se consigo para a guerra.

Logo uma claridade emergiu a proporção da aproximação, revelando o jardim e fontes brancas e limpas manando com simplicidade a água cristalina que absorvia a luz vermelha do fogo das chamas.

Fechas jorravam como chuva no céu negro em trajetos arciforme, incendiando árvores e arbustos, ateando-lhes o fogo e a destruição inicial.

– Senhor, cuidado! – Berrou a sentinela, empurrando o seu rei ao momento em que uma fecha assobiou no ar.

Cambaleante, Morphean erguera-se, o cenho encrespado ante o cenário apresentado. Olhou para cima e respirou aprumando a armadura posta, sua espada e seu escudo retangular grafado com o brasão da família: uma montanha. Olhou para o chão, viu seu mártir ausente de vida, o brilho encorpado da juventude escapando-lhe aos poucos sobre o mármore pálido.

– Meu senhor. – Surgiu um guerreiro no fervedouro de homens e cavalos, alto e moreno, de armadura prateada e avariada em locais estratégicos. – Meu senhor, – repetiu introduzindo-se no círculo de resguardo do rei, fincando a longa espada na grama ao início de uma rápida reverência – cumpri o que foi ordenado. Todas vossas forças concentram-se na entrada principal e nos portões de vossa fortificação. Espadas foram postas nas mãos dos homens de vossa majestade. Contudo, há algo... diferente aqui. – Respirou, lançando lentamente o ar de seus pulmões. – Talvez capacitado de profligar nossa resistência. O portão não resistirá a esta investida se não providenciarmos uma defesa alternativa.

– Nada compromete a segurança deste castelo, Marcium. – Reverberara o rei na impraticabilidade de tamanha realização. – Os portões sempre resistiram a qualquer investida aplicada. – Persistiu na caminhada, sem desviar o olhar, tomando posse das rédeas do cavalo branco entregue-lhe com rapidez.

– Mas eles estão aporte de uma... ferramenta significativa, senhor. – Retorquiu rapidamente. – Eles...

– Que qualidade de ferramenta? – Estagnou, defendendo-se duma fecha solitária.

– Não sei bem o que exatamente é. – Aparelhou-se ao rei, a espada aprumada atenta conforme às circunstâncias postas.

– Tente. – Solicitara à medida que cavalgava para o ponto da grande bulha.

– É uma invenção. – Disse a um tom negro. – A arma da qual eles obtiveram coragem para o ato desta investida. Infelizmente, senhor, desconheço o significado oriundo daquela estrutura, mas devo afirmar que é colossal.

– Descreva-a.

O guerreiro silenciou-se alguns instantes, a falar:

– É uma estrutura pendular com rodas, constituída por um forte tronco de freixo ou árvore de madeira resistente, com uma testa de ferro ou de bronze na forma da cabeça de carneiro donde chamas negras saem por suas narinas. Eles, aos poucos, a carregam para vosso portão no destino, acredito, de derrubá-lo, senhor.

– Eu sei exatamente a que se refere. – Disse unicamente, iniciando um gesto de finalização. – Permaneça em tua posição. Logo direi minhas ordens.

Dardos flamejantes cravavam-se no brasão do reino, o choque na penetração do ferro na madeira fragmentando-se ao valor do impacto, fazendo com que seu portador perdesse a solidez. Morphean, no entanto, conservara-se em seu avanço, determinado e atento ao ameaço vindo do céu. Desembainhara sua espada, a lâmina desprovida de ranhuras, limpa, dourada pelo fogo em derredor. Olhou para trás, para sua morada, para as torres altas e retangulares, estruturas alvas contra o céu negro, agora maculada pelas chamas.

Respirou, dilatando as narinas, fixando o olhar no portão indestrutível de seu falecido pai, observando toda aquela estrutura de ferro fundido entrançada a muralha de sua fortaleza... desfigurar-se num monte distorcido e inútil, abrindo caminho para centenas de homens ao auxílio da estrutura da qual fendeu a defesa inicial; a cabeça de carneiro brilhando por seu bronze, a fumaça escapando pelas aberturas do nariz.

– Mantenham a posição! – Reverberou o rei. – Formação! – Urros. Gritos. Faces de ira. – Lanças! – Passos reverberantes, chiar do metal, o assobiar do vento.

A colisão eminente se sucedeu. O estrondo de corpos e ossos resistentes difundidos pela proteção frágil do metal mesclava-se ao da colisão dos escudos, o friccionar das forças numerosas de ambos os lados. Brutos e desalinhados rompiam-se mais e mais homens da passagem forçada, a pele crua ao brilho da noite sucedendo-se em tons do branco ao mais escuro, homens e mulheres em porte de armas em maioria simples, materiais fora do curso destinado à sua fabricação. Facas, machados, ancinhos e enxadas, pás e foices. Poucos eram as verdadeiras espadas, essas apenas em mãos daqueles dos quais avançavam em montarias.

O rei sorriu na visão apresentada. Certamente repassaram-lhe uma informação pouco exata, pois aqueles homens não passavam de camponeses tempestuosos na busca de seja qual fosse o sentido da rebelião. Pouco lhe interessava o compromisso agregado a tamanha expressão de estupidez ou quem guiasse o sentido da ideologia. Não passavam de fracos, desorganizados e vulneráveis, um povo traidor amante de lendas a sua conspiração.

Grunhidos e berros passíveis de interrupção ausentavam-se da performance do avanço, da posição de ataque a rigidez do exício propagado pelos metais delgados, instrumentos ao propósito duma única ação. Homens caíam, resfolegavam e pereciam em questão de segundos. Metais clivavam-se, faiscavam face a subversão alheia. O fogo crepitava, consumia e dançava sobre os corpos amontoados. Mas disso nada interessava a Morphean. Seu pensamento, por um segundo, voltou-se para outro lugar. "Era óbvio. Como pude ser tão cego?"

Faces eram voltadas para o seu líder na ânsia por instruções, aterrorizados pela fúria dos atormentados e o número vantajoso. O rei, da posição em montaria, apenas berrou, as palavras reverberando distendidas:

– Perfurem a multidão. Avancem para a grande estrutura! E destruam o aríete!

Em frente, Morphean cavalgara ao seu objetivo e agora a de seus homens, empunhando a longa espada argêntea, sinalizando o avanço, as rédeas seguras numa das mãos e a direita livre da qual abscindia aqueles a seu caminho, introduzindo-se fora de seus muros juntamente a sua armada. Não tardou para que seu cavalo sucumbisse numa das investidas. Mesmo diante do bramido das feras, o perecer ante a dor do animal era um som equivalente a dor física submetida a outra pessoa. Morphean parou por alguns instantes voltando-se ao seu animal, deferindo uma execução limpa pela dor não apaziguada. O cavalo branco estremeceu. A espada fora retirada. E o rei gritou:

– Permaneçam em posição! – Berrou. – Escudos!

Gritos e berros na faculdade da compreensão escoltaram o seu rei, este no pico do avanço com sua arma posicionada. O escudo cobria-lhe parte do rosto. A espada acompanhava o ritmo dos passos. O aríete se afastava. Flechas perfuravam a carne e a madeira, porém nada impelia o progresso.

Corpos remanesciam sob os passos dos cavaleiros à proporção que homens da armada sucumbiam aos números. Aproximava-se o estopim do curso daquela batalha e Morphean sabia disso. Aquela arma talvez tenha motivado o ataque à sua fortaleza e talvez a mesma seria o seu regresso.

O engenho tornava-se eminente em diversos sentidos. Escoltas revestiam-na no intuito de proteger daquilo que em que o rei sabia que seria feito.

– Eles são muitos! – Surgiu Marcium juntamente a um dos seus, girando com precisão o instrumento imparcial em mãos. – Todo o povo... todo ele... – cortou, desviou, empurrou e gritou... – todos estão aqui. Precisamos de ordens!

– O aríete é a esperança. – Disse Morphean, defendendo-se, deferindo um golpe fatal.

– Aquela coisa? – Gritou. – Como, senhor?

– Cortem-na as pernas. – Disse somente.

Fronte a ordem do rei, uma torrente de homens impusera-se em caminho, aglomerando-se como animais num único intuito claro e simples. Independente das formas necessárias e das investidas que seriam atribuídas, toda a somatória da avançada tornou-se em caminho, fortificando o instrumento movediço na formação de uma frente composta por homens, mulheres e armas grotescas.

Uma segunda arremetida se sucedeu, ímpeto e furioso; todavia, a discrepância refletida nos números não resultou no anterior equipar. Os soldados prateados avançavam progressivamente, a marcha sincronizada reverberando entre as chamas, o metal colidindo-se nas junções da armadura. Mais homens sucumbiram. Mais o fogo era alimentado. E no momento em que a investida contra o castelo prognosticava seu desfecho não tão favorável para a rebelião, estes clamaram a retirada imediata abandonando o terreno expugnado, iniciando uma disposição ordenada.

Ao longe um trombeta ressoou, taciturno sob à atmosfera da morte. Ouvia-se a batida espaçada das patas dos cavalos na formação de um único som aflorando mais a Oeste a porte da ferramenta de som grave cada vez mais distante proporção em que se afastavam. Via-se como iniciados Faeton e Isarin e um desconhecido, ambos com suas trombetas douradas, trotando direção a floresta circunjacente juntamente a seus irmãos e irmãs.

– Eles comemoram? – Perguntou-se Marcium ao tom de afirmação. – Senhor, eles...

– Cale essa boca e destrua essa porcaria. – Vociferou o rei distante em olhar.

Acatado as ordens, todo tipo de forragem fora posto sob a engenhosidade de madeira e ferro para logo uma simples chama ser ateada e o fogo consumir o aríete com ferocidade como se a madeira composta estivesse banhada por algum artifício combustível. Lavaredas lambiam o céu negro, rugindo pelo alimento proporcionado, ganhando corpo e minguando, crescendo e diminuindo até o instante que em nada restava mais que brasas escurecidas e revividas por instantes ao momento de uma mera brisa.

Contudo, Morphean não compreendia. Figurava toda a invasão na sua mente, todo o planejamento realizado em últimos instantes e ainda sim faltava-lhe algo que coubesse sentido nesta revolta inesperada. "Teria sido apenas uma tomada forçada de meu reino? Não poderiam ser estúpidos o suficiente para combater minha armada com um mero aríete. E como conseguiram um? Como construíram um?" Morphean desconfiava e refletia. Existia uma destreza em todo acontecimento que lhe escapava de sua mente. "Eles não poderiam planejar algo desta magnitude sem ajuda de alguém."

Passava pelo portão distorcido de seu pai, caminhando por entre o jardim de chamas e águas vermelhas. Fechas ainda crepitavam fincadas nas árvores médias que compunham parte da extensão Sul e Sudeste do castelo. Retirou uma das quais não havia sido consumido pelo fogo. Examinou-a com cuidado a arte que a desenhava. Nunca havia visto fechas tão bem trabalhadas. A madeira era leve e resistente; o metal triangular em sua extremidade, balanceado. Não existia possibilidades de tamanha qualidade estar em posse de homens limitados a plantação de alimento e a criação de animais. Mesmo na formação dos camponeses observava-se uma organização não natural. Alguém os ensinava. Alguém fornecia os armamentos. Alguém com considerável riqueza. Alguém que queria o seu trono.

Apenas uma pessoa viera em mente.

Logo seus passos reverberavam seco sobre o chão maciço. Desfazia-se de sua proteção em sua caminhada, jogando-os com ira para longe de si, o metal vibrando e tinindo no silêncio do castelo. Muito distante ouvia-se gritos e reclamações de homens a seu serviço, mas nada perturbava a quietude dos corredores e salas, dos quartos e dos salões brancos e vazios. Sabia para onde iria. Imaginava o faria e falaria. Exigiria explicações. Faria perguntas.

Lances de espadas foram-lhe apresentadas em espirais. Em trajeto, aproximou-se dos quartos de seus filhos e adentrou por instantes ciente do devoluto. Uma iluminação vinda de nenhum lugar aparente clareava miseravelmente os objetos que preenchiam a área retangular; cortinas alvas tremulando na essência similar à de um espectro, a brisa da noite sibilando sua nota obscura dos segredos terrenos.

Ao todo, nada mais que alguns móveis recostados nas paredes vigorosas, armários extensos e camas longas se delineando na penumbra. Era um quarto para dois. Gêmeos. Ortus e Cadunt. A serenidade inclusa num elemento agitado era confusa. Aquele era um lugar onde gritos e risos eram empregues na singeleza de dois meninos de cabelos escuros de olhos azuis. Badernavam e desorganizavam enlouquecendo os criados que se divertiam com energia naquela extensão apática. Agora encontrava-se vazio e calmo, as camas desarrumadas, objetos espalhados pela urgência do acontecimento.

Saiu ao bater furiosamente a porta, caminhando a presença do estrondo resultante castelo adentro, encontrando-se depois, um pouco mais à frente, no quarto de a sua filha, Erítina. Diferente de todos os outros cômodos e lugares de todo o castelo, o quarto de sua filha ganhava tons laranjas e avermelhados recordando assim o entardecer. Ao lado direito, a cama extensa e trabalhada revestia-se por um delicado véu transparente a cor da pele. O toucador de madeira nobre destacava-se por seu espelho oval em reluzir um debilitado brilho derivado do nada. Mesmo na escuridão, aquele era um lugar vivo e claro independente da ausência de luz. Ao afastar-se, por um momento Morphean reviveu lembranças antes passadas lembrando de quem a sua filha herdara as feições.

Continuou a subir, uma simples e interminável escadaria na torre mais alta de seu castelo. Não carregava luz consigo, mas independente da obscuridade e da pouca iluminação oriunda das pequenas aberturas semicirculares alongadas, sua subida permanecia fluída e sem tropeços. Matinha uma expressão sisuda, derivada de um vago e simples pensamento, sentimento aquele ou este mascarado na antecipação de algo relativo ao princípio de alguma coisa meritória.

Ao fim de uma linha de pensamento irrelevante, uma porta apareceu, logo aberta por uma chave carregada pelo rei, somente. O destrancar ressoou mais alto na quietude assim como o ranger da porta de madeira negra.

Entrou e aferrolhou a porta por dentro. Respirando profundamente, aguardou. Permanecera de pé por minutos, sozinho na ala circular, unicamente consigo um solitário e cinzelado sólio de mármore e prata aderida ou propriamente fundida na própria parede alva daquela torre. Acima do trono, uma janela circular transportava o céu noturno ao lugar vultoso, coroando quem ou aquele que se acomodasse na devida posição.

Aquele era o trono de seu pai. Distinto de muitos reinos além-mar e continente, de ilhas e extensões subterrâneas, o trono de Heliuns elevava-se aos céus, cingindo-se entres as estrelas distantes a mais próxima e familiarizada, glorificando-se na noite e no dia, imparcial as calamidades alheias.

Em tempos idos, ricas escadarias envolviam-se na torre em um entrançado elegante, largas e presunçosas direção ao rei brilhante. Cortes de outros reinados – na velha, mas abstrata paz – marchavam entre os caminhos áureos do outono para a grande celebração anual da antemanhã. Presentes eram-se dados, cortesias eram-se distribuídas, os acirramentos eram-se esquecidos por pelo menos uma noite e um dia. Mas, agora, o antigo caminho do olvidado rei estava apagado. Nada mais restava que uma comum escadaria onde um dia tocavam as mais doces arpas.

Apesar disso, nenhuma das lembranças evocadas adocicavam a alma ferócia do jovem rei. O todo resguardado em mente sobrepujava-se no carinho especial de seu pai a seu irmão mais velho, àquele que era sempre o mais forte e o mais corajoso nas batalhas, o mais habilidoso na espada e cativante príncipe. A inveja alfinetava-o tal como uma tortura diária. Envenenava-o. Desde pequeno, diferente a seu irmão, as artes das palavras e da magia pendenciava para si como algo inescapável. Odiava-se por sua posição fraca e impotente ao lado de seu pai. Ansiava por sua atenção, mas os olhos dourados fixavam-se somente e unicamente ao seu magnífico irmão.

Algo então lhe chamou a atenção. Caminhando até o trono vazio, tocou delicadamente com as pontas dos dedos na prata entranhada entre o mármore da cor de neve. Tencionou a mão direita que a tocava. Logo, a prata sólida tornou-se líquida e viscosa; e como manobrasse aquela forma glutinosa, expusera-a ao chão acumulando-se num só ponto para então elevar-se em filamentos minúsculos dos quais fundiam-se pela sua quantidade. Uma delgada cortina de prata flutuava em face do rei Morphean, oval, reluzente, refletindo por instantes o seu próprio reflexo para então, sucessivamente, a de um outro.

– Olá, Phantasus. – Disse.

Por instantes não ouve resposta. A face apresentada revelava o mais profundo sono de um homem sengo, de expressões retas e forte; a barba que envolvia todo o maxilar conectava-se a barba situada no lábio superior, delineando seu aspecto, as definições retangulares, as curvaturas retas de seu rosto. Para Morphean era como ver seu pai mais jovem, de cabelo escuro e olhos castanhos amendoados.

– Morphean? – Perguntou vacilante, a delineação de seu rosto se revelando gradativamente. – Morphean, és tu? – Repetiu, levantando-se donde seria uma cama. – Por nosso pai, Morphean! – Rosnou. – Qual tipo agora de hermetismo invulgar tu proporcionas a mim?

Silenciou-se, olhando ao seu redor, para então cochichar:

– O que te dissemos... O que discutimos sobre estas tuas... atividades.

– Cala-te irmão meu e escute.

– Eu não faria algo assim mesmo diante de nosso pai. – Intensificara a voz ao uso do murmuro. – Mostre melhor teu respeito! A distância não influência na acidez de tuas palavras, tampouco na ausência de nosso pai.

– Esquece-te que não sou mais uma criança, meu irmão. – Respirara. – Muito anos se passaram deste dos dias de vida de nosso pai e mesmo assim não perderas tua arrogância tão deveras lapidada.

Silêncio.

– Perturbas-me de meu sono na troca de palavras ofensivas mediante as tuas artimanhas obscuras? – Seus olhos douraram com um brilho âmbar. – Diga-me teu propósito e desapareça.

– Venho-te fazer uma pergunta. – Disse Morphean, as sobrancelhas juntas no ato de segurar a raiva. – Quero saber o que obterias no ensejo de minha morte, irmão?

– Nada. – Disse única e palidamente, a face retangular e comprida na proporção de fundos olhos e lábios finos.

– Curioso – analisara o rei presente –, pois a mensagem que mandastes trazer até a vastidão de meu reino não fora de fato demasiada convidativa, ouso dizer. Esperaria muito mais de ti.

– Escutas bem que falas? – Sorriu Phantasus, lúrido. – Vejo que a morada tua não o aduzira a uma nova perspectiva dos acontecimentos, irmão meu. Perturbas-me de meu repouso no fim de despejar águas amargas de estações passadas? Acusas-me por originar um ficto conciliábulo ao antigo reino de nosso pai que agora és teu? Quem pensas que sou?

– Uma pessoa que nunca amou ninguém mais que a si mesmo. – Rosnou.

– Sempre fostes um fraco e um covarde, Morphean. E sempre será. Não possuis coragem de me enfrentar se não escondido por entre palavras impregnadas de rancor. Pai estava certo sobre você. Desde criança, sempre escapando dos desafios apresentados a ti, tendenciado ao caminho mais fácil. – Pausara. – Magia. – Cuspira. – Não importa o que faças, nada retirará a fraqueza que nascera em ti.

Morphean estava sorrindo, a raiva borbulhando dentro de si, mas sorrindo. Odiava o seu irmão, odiava-o pela sorte o ter favorecido em habilidade e beleza... odiava-o... todavia, diferente de muitos, aquele ódio era conhecido e por anos, domesticado. Uma sensação de conforto espalhara-se por seu corpo, alívio que não perdurou por muitos.

– Não fostes tu. – Calara o seu irmão. – Poupe tuas palavras. Agora vejo a verdade.

Com um único gesto, Morphean fez com que o espelho de prata se desfizesse, retomando o lugar donde fora retirado. Phantasus estagnara-se ao olhar para os lados. Por alguns segundos assustara-se na situação apresentada: falava sozinho em seu quarto.

Independente da resposta obtida, Morphean não estava satisfeito. Não era nada do que esperava. Aguardava fervorosamente que seu irmão estivesse incluso no ataque, mas no fundo sabia que não. Apesar do rancor e da amargura, ele ainda era seu irmão e ele sabia que um nada faria contra a ruína doutro tanto quanto ele a seu irmão. Existia uma promessa no leito de morte de seu pai.

"Jamais origine o mal entre vocês, meus filhos. A diferença não se torna um obstáculo quando vista em bons olhos." – Dissera Heliuns, a voz rasteira e forçada. – "Prometam. Prometam que farão o possível. Prometam, por favor, meu filhos."

"Prometemos, pai." Disseram ambos.

– Agora vejo a estupidez desta promessa. – Resmungava Morphean ao descer da escadaria. – Estúpidos.

Deparava-se com o último degrau quando um soldado viera a seu encontro, a armadura saltando, a espada embainhada vacilante em seu repouso. Freara. Aprumara-se em vista do rei e iniciou uma célere reverência.

– Meu senhor! – Exclamara ofegante. – Senhor...

– Respire ante de falar. – Instruíra, apático. – Seja breve.

– A Noroeste do castelo... na fortificação sob a fonte.

Morphean não mais ouvia. O mais impulsivo possível, correu. O desespero cavado em cada delineação expressiva de seu rosto, o medo do fracasso, a amargura, a agonia e a agitação, uma fusão de todos os sinônimos do pânico ao ver maculado o que um dia guardava seu bem mais precioso.

– Senhor. – Aproximara-se um soldado. – Não sabemos como...

– Imbecis! Estúpidos! – Rasgava o ar com sua voz reverberante. – Como permitiram uma falha tão grave?! Como abandonaram seus postos? Aonde estavam quando isso aconteceu?

– Estávamos ao teu lado, meu rei. Na rebelião, defendendo o portão de vosso pai.

– Não deveriam ter saído. Não deveriam! – Negava com a cabeça, o indicador e o polegar encrespando o espaço entre as sobrancelhas. Morphean olhava para a enorme fonte, fora de sua posição revelando uma passagem escura antes escondida. – E o que eles levaram? – Perguntou, evidente.

– Nada que saibamos, senhor. – Disse o soldado, postando-se lado de seu rei, firme.

Para a escuridão de seu cofre particular, Morphean adentrou. Com uma tocha em mãos, visualizou o caminho a muito tempo realizado. "Como eles sabiam deste lugar." – Pensava, caminhando no estreito corredor de pedra. "Os líderes vieram a Oeste, logo após a queda do aríete. Esses malditos planejaram cada passo..." Encontrou a porta de ferro fora de posição. Empurrara-a. Na área nova apresentada, o brilho do ouro, prata e outras pedras rutilaram na fraca iluminação. Estes caiam em pilhas extensas de moedas e outros artigos preciosos. Porém, entre todo aquele mar de preciosidades, Morphean não precisou procurar muito. Guardava em mente o local exato e a posição em que se encontrava o que desejava, agora vazia com apenas a delineação retangular desenhada pela poeira no pedestal ao sopé de uma pilha de ouro. Estava acabado.

– Apropriaram-se dela. – Balbuciava. – Não... não pode ser verdade. Não pode! – Empurrara o pedestal de pedra, este colidindo ao chão fragmentando-se em três grandes pedaços, sublevando uma camada fina de poeira. Depois de tossir, falou para si:

– A chave está perdida e o tempo está se esgotando. – Passou as costas das mãos em sua testa capturando gotas de suor. Uma dor no fundo de seu peito o fez lembrar do inevitável. – Está perto...

Ante o silêncio, ouviu-se o vento. Este percorrera todo o frágil corredor de seus tesouros, jorrando-se em seu rosto numa grácil lembrança amena, encurvando a chama da tocha. Respirara profundamente. O calor da agitação havia sido transportado para muito longe. O frio do Norte penetrava em seu osso outra vez mais. Estremecia. O ar de sua respiração condensava no ambiente. Caíra bruscamente sentado, recostado nas pilhas da fortuna de seu pai, a segurar o fogo com seu braço esticado.

Não só apenas o ar entrara em presença.

Isso talvez possa ser possível. – Disse alguém de lugar algum. Uma voz metálica indistinta de sexo.

– Q-quem está aí? – Perguntou ao bater dos dentes.

Arquitete uma pergunta melhor. – Replicara a voz.

Nos segundos de silêncio transcorrido, perguntou:

– Quem é você?

Eu sou... a solução. – Revelara-se da escuridão.

A princípio, uma massa negra expelira-se das sombras aglomerando-se num só ponto ao dar forma a um corpo rústico para então, gradativamente, minudências surgirem em feições humanas. Um longo vestido negro delineou-se, suave e de brilho opaco, transparente o suficiente na mostra de longas pernas ao particular tom acinzentado. Braços ganhavam forma, tal como os ombros e seios. À medida que a substância se aprimorava, um tecido vindo do nada a cobria tão naturalmente como o próprio respirar. Cabelos longos e negros cresciam, ondulantes e lisos movimentando-se à vontade nenhuma da natureza, tais como estivessem livres da lei que puxava tudo para si. Um sorriso frágil crescia entre os lábios daquela criatura de olhos faiscantes. Uma mulher, assim pensava o rei na mesma proporção em que negava para si.

– Meus cumprimentos, rei Morphean. – Realizou uma sutil reverência ao manejo de um curioso cetro, a voz sombria substituindo-se a uma familiarizada, tão doce e calma como as ondas de um lago.

– Como sabes o meu nome. – Erguera-se, aproximando-se da mulher que evitava comunicar-se com o chão.

– Oh – disse erguendo a bochecha esquerda com um sorriso –, eu sei de muitas coisas. – A Esfera negra em seu cetro de prata brilhou. – Muitas coisas...

Imagens sucederam-se na mente do rei, inúmeras tanto quanto a sua vida e a de outros. O fogo em porte, apagara-se. Fronte a surpresa, Morphean vacilara. Cambaleou, tropeçou e caiu por cima das pernas, arrastando-se para longe daquele ser sobrenatural. Ergueu uma das mãos ao pronunciar palavras de uma língua receada pelos antigos e esquecidas pelos mais jovens. O lugar em si estremecera no impacto da voz. Por alguns instantes o silêncio reinara, mas logo a figura negra revelara-se novamente, invicta e imperiosa como antes, sorrindo maliciosamente.

– Não obterás vitória recorrendo-se aos feitiços de Lir, rei bruxo. Ou por nenhum outro conhecimento feito e criado pelos homens.

– Eu n-não entendo. – Olhava para suas mãos na escuridão. – Tu... és uma de nós!

– Um dia eu fui. Não sou mais.

– O que queres de mim? – Erguera-se reacendendo a tocha com a força de um pensamento, tomando-a em posse. – Já estaria morto caso desejasse.

– Ao menos não és estupido como teu irmão. – Respirou melancolia.

– Comunicou-se com ele?

– Nenhum dom, além dos físicos. – Encrespava a face com nojo. – Um imprestável, um trouxa para mim. – Pairava centímetros do chão, circulando em volta do homem ao porte da chama. – Então, vim até você.

Morphean que a acompanhava com a cabeça, estagnara-se.

– Eu quero a caixa. – Disse a criatura feminina.

– Ela foi roubada de mim nesta mesma noite. – Respondera a um tom acurado.

– Eu sei. Eu permiti.

– Sua infeliz! – Avançara com ela com a chama, mas ela não estava mais presente.

Risos.

Desafortunado, Morphean. – Sussurrava, sua voz vinda do vazio, persuasiva e ardilosa. – Desprezado por seu próprio pai. Desestimado pelo seu próprio irmão...

Morphean girava em seus calcanhares, iluminando o escuro; o ouro e a prata refletindo seu temor.

– A mãe cuja o amaste cedera-se deste mundo tão jovem quanto a memória sua dela. O som de a sua voz já esquecida... Os abraços de carinhos, apagados... Os presentes de teus sorrisos, distanciados... E eles o jugaram como fraco e aceitastes como verdade. Esta é tua fraqueza. Passou tanto tempo enfeitiçando este previsível cofre que esqueceras que o homem és teu verdadeiro inimigo e não as Sombras. Os homens levaram tua preciosa caixa e não eu.

– Diga-me o que queres. – Procurava por ela.

Eu quero a caixa tanto quanto queres a vida. Eu o faço viver. Mas precisarei de algo em troca.

– E o que seria?

Somente tua palavra por ora.

– Enquanto a caixa?

Aprenda uma lição: o feito é revelado nas mãos daqueles destinados a tê-los. A caixa encontrará um caminho e neste encontraremos aqueles a quem procuramos.

– O que faço agora?

– Cuide dos lesados. Apresente dignidade à sua esposa. Os mortos precisam de seu repouso. Não sou um mostro como pensas.

Algo abstrato estalou no ar e toda aquela atmosfera pesada desaparecera. Morphean resfolegava, os olhos abertos saltando para fora. Soldados vieram ao seu encontro, encontrado seu rei recostado nas pilhas de moedas e taças.

– Ouvimos um grito teu, senhor. – Informara desconfortavelmente o soldado de voz jovem.

– Eu não gritei. – Levantou-se, dificultoso. – Convoque os sacerdotes. Temos homens a enterrar.

***

Sobre os galhos melancólicos do salgueiro-branco, Morphean velava o corpo de a sua mulher. Na superfície do delicado ataúde, sobre o pedestal de pedra alva na grama florida pelas pétalas decadentes, descrevia-se no branco do mármore lavrado a beleza de rosto e corpo da ida rainha. A noite estava calma. O chiar das inúmeras acetinadas e prateadas folhas lanceoladas era o único som presente, tal como se a própria árvore consumisse todo o alarido do mundo externo. Ali repousava a boa quietude, a eterna e talvez pacífica. Era a paz da unicidade e da solidão, do desaparecimento e do renascer.

– Perdoe-me. – Disse ao afastar-se do jardim, um pedaço frágil de tecido róseo a viajar na brisa noturna.

No fim, a lua sorria no céu estrelado.

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