Thunder: 001
— Esse visual esbranquiçado realmente não combina com você, seu pamonha. Só tente não se mexer muito para que eu consiga retirar toda essa poeira de argila da sua pelagem, está bem?
— Ei, guria, vá com calma!
Sem o mínimo de gentileza, Yuna abriu a mangueira daquele lava-rápido de estrada que prontamente invadimos assim que o avistamos. Caso a memória de vocês não seja uma das melhores, o motivo para tal operação de assalto era por conta de meu espesso pelo cinza estar todo sujo com argila em pó. Aconteceu quando saí de dentro do shikigami bizarro que encontramos no caminho de nossa verdadeira missão, junto daquele guri, Daigo, que necessitava de resgate imediato.
Neste mundo, quando se é um inugami, e consequentemente um shikigami, parece que existe um preço a se pagar por cada ato de benevolência que se faz. Uma inversão no sistema de recompensas aparenta me perseguir incansavelmente e sempre me coloca em situações desagradáveis ao que concretizo alguma boa ação.
Como lobo, líder de alcateia, digo que esse não é o melhor método para se adestrar um canídeo da minha magnitude.
Ali estava um ótimo exemplo sobre isso.
A água da mangueira veio contra meu corpo com uma poderosa pressão, e mesmo minha pele sendo mais resistente do que a de um lobo comum, a temperatura da torrente estava mais fria do que eu esperava.
Era uma situação desagradável e gélida tomando conta de meu corpo como recompensa por ter ajudado a salvar a vida de um shinigami indefeso e servir de montaria para uma hanyou sem escrúpulos.
— Pronto. Acho que está totalmente limpo, agora.
A guria cessou o disparo de água e começou a enrolar a mangueira enquanto dava passos tranquilos sobre a enorme poça que se formou ao nosso redor. Ela colocou a mangueira no local de onde havia a retirado, e bateu uma poeira inexistente de suas mãos, se voltando em minha direção para observar seu trabalho concluído.
Por algum motivo idiota, meus instintos caninos me avisavam de que ela sentia orgulho pelo o que realizou comigo. Seus olhos azul-escuros brilhavam de uma maneira esquisita ao me contemplar naquele estado.
— O que é que está olhando tanto, guria?
— Nada demais. Só acho divertido como você fica parecendo um leão quando está com os pelos molhados.
— Não diga besteiras! Eu sou um lobo, líder de alcateia. Ser comparado com uma espécie prepotente e ignorante é ofensivo para mim.
Como ela ousou em completar aquela frase?
Francamente.
— Hmph, não precisa ficar tão bravo por conta disso, seu pamonha. Eu falei de propósito para te provocar, só isso.
— O problema é que você é muito boa nisso, sabia?
— Eu não acho que sou tão boa assim, Ulim. Às vezes, você me superestima demais, não acha? O mundo deve estar repleto de pessoas que são melhores do que eu em um monte de coisas.
Enquanto Yuna me respondia, eu aproveitei para chacoalhar minha pelagem e espirrar toda aquela água ensopando meu pelo com voracidade.
— Para falar a verdade, guria, eu concordo com esse seu ponto de vista. Há muitas coisas em que você não se sai nem um pouco bem, fazendo com que até um humano comum a supere. Por outro lado, no campo do assassinato sobrenatural, pelo menos, você sempre será um nome de referência. E também em me fazer perder a paciência, claro.
— Esqueceu em ser a mais bela das garotas da ficção moderna.
Como se suas palavras a fizessem perder a força, a guria se sentou no azulejo que cobria o espaço onde se encontrava a mangueira e colocou uma perna por cima da outra, antes de recostar seu torso no vidro às suas costas.
Para realizar o ato de lavar minha pelagem, aquela que detêm o título de Assassina de Youkais decidiu tirar seu uniforme por completo para que não o molhasse. Sem seus tênis de basquete, par de luvas e a regata branca e laranja, Yuna se mantinha trajada somente com sua lingerie de ornamentos transparentes. As peças intimas também eram brancas, mas sob a luz do luar pareciam se camuflar junto a pele da guria. Claro que, sobre sua cabeça, seu famigerado gorro cinza se mantinha intocável.
— Hmph, anos atrás você diria coisas mais arrogantes, guria. Acabou criando uma espécie de bom-senso nesses anos que passamos distantes?
— É, talvez seja isso.
— Hmm.
— Acho que depois que fui expulsa da Associação, entrei em uma jornada de autoconhecimento diferente da que eu esperava. Agindo com o codinome Slim Shady eu precisei me esforçar bastante para conquistar meu espaço e conseguir dormir tranquila à noite. Acredito que seja como sair do colégio e ir para a faculdade ou ter que arrumar um emprego. A AAA era um local onde meu espaço já estava demarcado e existia um respeito por lá. Mas, quando fui expulsa, era como se tudo o que construí na Associação não tivesse significado algum, socialmente falando. Quando estava no Mandarim, eu não podia deixar que descobrissem minha verdadeira identidade já que isso me tornaria um alvo de muitos ali dentro. E quando fui para a Mythpool, era justamente por saberem quem eu era que meu espaço foi construído com muita dificuldade, se é que chegou a ser finalizado. Tanto no Mandarim quanto na Mythpool, existem pessoas com espaço maior e mais respeito do que eu. E bem provavelmente, são personalidades que estão acima de mim em alguma coisa. São pessoas que são boas o suficiente em algo para que seu lugar no pódio fosse garantido.
De fato, eu não esperava que algo tão reflexivo saísse da boca da guria por conta de um comentário sarcástico. Mas até que foi interessante escutar sua massa de pensamento sobre bom-senso.
— Entendo. Mesmo para alguém como você, uma assassina da Elite, as portas não se abrem tão facilmente. Deve-se mostrar o seu valor para que seu espaço e respeito sejam concedidos.
— Exato, Ulim, até mesmo para mim. Mas, não posso dizer que não foi excitante. E também, tudo isso me tornou mais forte, no final das contas. É como diz aquele cara de nome esquisito... o que não nos mata, nos deixa mais gore.
— Nietzsche, guria. E não é "gore" é "forte". O que não me mata, me deixa mais forte. Essa é a frase verdadeira.
— Hmm, esse nome é complicado demais de se pronunciar, seu pamonha, não seja duro comigo.
— Hmph, deixarei passar por compartilhar da mesma opinião do que você. Nietzsche é quase um trava-língua para nós.
— Hã, "Nietzsche"? Eu estava falando de "forte".
— Mas essa é uma palavra comum! Como pode?!
— Está bem, foi só uma piada, não precisa levantar a voz.
— Tsc.
Como eu havia comentado, Yuna era muito boa em me tirar do sério. Até ouso latir que não há nada em que ela seja melhor do que me fazer perder a compostura.
Enfim.
— Certo, guria, mudando de assunto. Ou melhor, voltando ao assunto que realmente importa. Quando vamos voltar ao nosso verdadeiro propósito desta madrugada? Desde que desviamos o caminho para resgatarmos o guri deus da morte, só estamos perdendo tempo, não acha?
— Bem, na verdade, eu não estou com tanta pressa, Ulim, e não iria continuar com nossa viagem com você todo sujo de argila em pó. A parte interna das minhas pernas ficaram completamente sujas e confesso que isso me incomodou um pouco. Também não foi muito empolgante lavá-las. E mais, você está todo molhado agora, precisamos esperar que seu pelo fique seco. Não vou montar em você todo molhadinho desse jeito.
— Não diga coisas desse tipo em voz alta! Alguém pode passar e ouvir.
— Estamos em um lava-rápido em uma estrada deserta no meio da madrugada, seu pamonha. Ninguém que, se por acaso passar por aqui, vai prestar atenção no que está ou não sendo dito. Acredito que eles evitariam e aumentariam o ritmo de seus passos ao ver uma garota seminua se dirigindo a um cachorro um pouco maior do que o normal.
— Não sou um cachorro, guria. Sou um lobo, líder de alcateia.
— É isso aí, isso aí.
Dia 2 de abril, um pouco mais de 3:15 da manhã.
Nós estávamos em um ponto da estrada que cruzava Tochigi e o lava-rápido provavelmente ficava no distrito de Nasu. Como nunca havia seguido por aquela estrada com meu mestre ou mesmo com Yuna, era difícil me localizar geograficamente com precisão, ainda mais considerando a escuridão da madrugada. Contudo, pelo o que a guria me disse, nós estávamos na metade do caminho de nosso destino.
Uma usina de vento em Fukushima.
Esse era o nosso objetivo.
Ao que parece, o QG do NIP se encontrava nesse lugar.
Por isso a guria estava tão reclusa quanto a usar todos seus recursos para derrotar o shikigami de argila. Não sabemos o que vamos encontrar nesse quartel-general e por isso, é preciso estar em cem por cento para o que der e vier.
Pela determinação que Yuna vem mostrando deste que decidiu realizar essa operação de ataque, acredito que ela esteja cogitando acabar com seja lá o que surgir para nos enfrentar nesse local.
Uma coisa que vocês devem estar se perguntando é sobre o uniforme, imagino. Talvez não estejam, mas irei esclarecer mesmo assim. A guria estar usando seu uniforme branco e laranja, ao invés do que ela foi buscar com aquele anão dias antes, se deve ao fato de que o 23° Japão apresentou falhas após o confronto com Yamato. Pelo o que ela me explicou, a Pele do Rato de Fogo não foi capaz de suportar os efeitos da magia negra e acabou perdendo seus efeitos naturais. Ela retornou até o anão para que ele desse um jeito de consertar, mas o tempo pedido foi maior do que o esperado, o que a forçou a retornar ao branco e laranja hi-tech.
Ela não tem nada contra esse outro uniforme, é só que o 23° Japão era melhor em matéria de magia.
Realmente uma pena.
— Com esta brisa fraca de agora, guria, talvez demore um pouco para que eu fique totalmente seco. Minha pelagem é bastante espessa.
— Não tem problema, seu pamonha, se chacoalhe mais um pouco que...
Bzzz! Bzzz!
Bzzz! Bzzz!
O som de celular vibrando veio de onde a guria havia deixado suas roupas.
Não. Não era um celular. Ela não estava com o seu no dia.
O barulho se originava de outra fonte.
Vinha de uma de suas luvas de seu uniforme de combate. Da mão esquerda, para ser mais especifico.
— Quem me ligaria esta hora do dia, hein? E ainda mais neste número.
Yuna desceu do azulejo onde estava sentada e bateu a sujeira de seus glúteos, antes de se aproximar de suas roupas com seus pés descalços formando ondas na poça d'água a cada passo. Ela apanhou a luva pelos dedos e falou para a parte que cobria o pulso.
— Alô? Quem é que fala?
— S-Senpai? É você? Ah, que bom ouvir sua voz.
— Ieda? Você já voltou, é? Achei que ficaria por mais tempo em missão com o 3k1.
— É, nós acabamos terminando o que precisávamos fazer mais cedo do que o calculado. Eu cheguei agora há pouco e não encontrei ninguém aqui, e como vi que seu celular estava na cama, liguei direto para o número do seu uniforme.
— Hmm, entendo. Se eu soubesse que estaria para chegar teria deixado algum bilhete ou pelo menos algo pronto para você comer. Mas, se bem conheço 3k1 e a hospitalidade da Mythpool, você não deve ter sido dispensada com fome, não é?
— Hehe, sim. Eles cozinham muito bem por lá, não tenho nada a reclamar sobre. Aliás, senpai, por que há pedaços de tecido cinza no nosso quarto? Estava simulando demência e andou rasgando algum uniforme, foi?
— Não foi bem isso que aconteceu, mas é algo nesse sentido. Uma longa história e lhe contarei os detalhes depois. E sobre a comida da Mythpool, espero que tenha aproveitado bastante, porque nunca vou cozinhar em um nível sequer próximo. Para ser sincera, se quiser, podemos nos manter vivendo só com pizza, taiyaki e macarrão instantâneo.
— Acho que essa dieta não nos fará muito bem à saúde, mesmo com nossa capacidade regenerativa, senpai.
— É justamente por nossa capacidade regenerativa que podemos comer essas coisas sem nos preocuparmos, kouhai.
— Sim, mas... ainda podemos ter problemas digestivos e dor de barriga.
— Ah... verdade.
Durante o início de minha estadia na ACSI, presenciei por algumas vezes Yuna ser refutada facilmente pela guria-aranha. E geralmente, os tópicos eram coisas não muitos relevantes para serem citadas aqui. Quando se tratava de procedimentos químicos ou alquímicos, nossa querida Assassina de Youkais se curvava perante Ieda, deixando-a livre para agir como quisesse, já que ela tinha conhecimento claramente superior no assunto. Por outro lado, quando o tema era artes marciais, magia e estratégia, a guria-aranha colocava Yuna sobre um pedestal imaginário e inalcançável.
De todo modo, era sempre Ieda quem endeusava Yuna, e nunca o contrário, mesmo quando ficava por cima em algo.
— A propósito, senpai, onde você está agora, já que está usando seu uniforme? Aconteceu alguma coisa nesses dias que fiquei ausente?
— Bem, acho que faz parte da longa história que mencionei, na verdade. Se posso resumir alguma coisa, atualmente estou a caminho de um suposto QG do NIP.
— Q-Quê?! M-Mas, senpai, por que não me esperou? Pode ser muito perigoso. Se eles são os responsáveis pelos shikigamis que estão sendo criados, não tem como saber o que te espera nesse lugar.
— Ulim me disse algo parecido na primeira vez. Vocês estão ficando bastante próximos. Mas, não precisa se preocupar, Ieda, um shikigami tem seus poderes limitados ao de seu invocador. Significa que mesmo se tiverem uma fonte própria de magia, não podem ser invocados por alguém com magia inferior já que não seria possível cumprir as condições de lealdade da evocação. Em outras palavras, minha querida kouhai, se aquele mágico de circo, Aleister Oz, for o onmyoji desses familiares, nenhum shikigami pode ser mais poderoso do que ele. Sendo assim, está tudo sob controle.
— Essa explicação não me parece muito confiável, senpai. Se realmente Aleister for o onmyoji, pode ser que os shikigamis estejam em um nível abaixo do dele, e talvez não sejam um grande desafio. Porém, isso é só uma teoria, não é? Esse Aleister pode ser só uma peça, não pode? Veja, aquela bengala shikigami que se transformou em garota, ela era bastante poderosa, não era? Você teve até que usar sua forma escura para vencê-la.
— ......
Ao argumento da guria-aranha, Yuna entortou o lábio lentamente, expressando silenciosamente que sua tentativa de manter Ieda longe daquela situação estava indo por água abaixo.
— Qual é, Ieda? Não confia na sua adorável senpai? Sabe muito bem que posso cuidar de shikigamis muito bem com meus próprios punhos. E outra, Ulim está aqui comigo, ele por si só já é uma grande ajuda. Eu até deixaria você vir se estivesse aí quando decidimos por esta missão, mas como você estava ajudando o 3k1, achei que não seria legal atrapalhá-los por conta de uma operação boba como esta.
— Mas Katônomaru também não está aqui. Por acaso você está com ela? Por que precisaria de uma espada como essa para uma operação tão simples?
— ...É, ligações covalentes.
— Hã? Por que "ligações covalentes"? Está simulando demência, é?
— I-Ieda, vamos entrar em um túnel agora, preciso desligar. Estarei de volta até a hora do almoço. Preciso me vestir.
— Ei, senpai, espere...
Fim da ligação.
Yuna encerrou a chamada na cara de sua kouhai.
Isso não seria um bom exemplo para a educação dela, mas evitei fazer qualquer comentário sobre a discussão que havia acabado de escutar. Como integrante calouro da Agência de Combate Sobrenatural e Inteligência, julguei que minha opinião sobre a conversa que elas tinham ou deixavam de ter não era algo tão relevante.
Mas, só para constar, aqui entre nós, eu concordo com a guria-aranha sobre os reforços. Não por não confiar na guria como combatente ou algo do tipo. Latindo de maneira sincera, meus instintos caninos estavam me alertando de algo perigoso em um futuro próximo, e me incomodava um pouco não ter certeza se esse pressentimento era efeito de um receito natural ou realmente um alerta de sobrevivência.
— Certo, Ulim. Acho que seu pelo já está em um ponto de umidade onde é possível retornarmos para a estrada. Se chacoalhar é de fato bastante efetivo, não?
— É um método primitivo bem eficaz, não posso discordar disso, guria. Mas creio que o calor de meus circuitos mágicos tenha auxiliado em meu processo de secagem.
— Pode ser, pode ser.
Aproveitando a luva que já estava em sua mão, a guria vestiu o par esquerdo e logo em seguida o direito. Depois, seu uniforme de basquete, com maestria o bastante para que seu gorro cinza não saísse um milímetro do lugar. E por último, mas não menos importante, após chacoalhar seus pés de bailarina para secá-los, seus tênis brancos de basquete foram calçados um por um.
— Beleza. Vamos a isso, Império das Pulgas.
— Como disse?
— Hmm? Oe? Disse o quê?
— Império das Pulgas. Você me chamou por esse apelido idiota, guria. Achei que tínhamos conversado sobre...
— Você está paranoico, Ulim. Ninguém te chamou disso daí que você falou. Eu proibi esse apelido quando você ingressou na ACSI, não se lembra?
— Eu acho que é você que não se recorda, guria. Hmph.
— Deixe disso, seu pamonha. Você só deve estar sentindo a emoção desta operação de ataque tomar conta de você.
— Claro...
Com isso, a guria terminou de se aproximar de mim e então montou sobre minhas costas caninas, ajeitando sua postura para como se estivesse sobre uma motocicleta de competição.
— Você precisa mesmo se empinar toda em cima de mim, guria?
— Ei, não me amole. Sabe que é a melhor opção tanto para mim quanto para você, principalmente por você chegar aos quatrocentos quilômetros por hora muito fácil. Vamos a todo vapor contra nosso destino, seu pamonha. E sem paradas para o café, desta vez. Quero saber logo o que nos espera nesse lugar.
— E eu só quero encerrar com isso e ir tirar um longo cochilo.
Eu lati.
Minhas quatro patas caninas se esfregaram no pavimento da estrada deserta, e no momento seguinte, meu corpo disparou com toda sua velocidade, indo de zero a cem na metade de um segundo, e deixando um rastro de poeira na frente daquele lava-rápido.
Nós seguimos em altíssima velocidade para o norte, praticamente em uma linha reta a caminho de Fukushima.
A paisagem, na escuridão da madrugada, era enfeitada pelos discretos pontos de luz a cada vez que cruzávamos próximo de uma área residencial pela estrada, e aquilo acabou me remetendo àquelas vezes em que Yuna planejava sair de madrugada para algum lugar bobo e me convencia a acompanhá-la para que servisse de transporte e guarda-costas, embora esta última utilidade fosse meramente um capricho de nossa querida Assassina de Youkais, visto que ela, por si só, conseguiria guardar muito bem a qualquer parte de seu corpo.
Geralmente, não eram as costas da guria que tentavam tocar sem permissão.
Homens velhos, álcool, e noites agitadas em Tóquio, não é a melhor construção de cenário para se colocar uma jovem, que na época, tinha seus dezesseis anos de idade.
Era nostálgico imaginar todas as coisas que passamos juntos e todas as vezes que pegamos uma estrada juntos, principalmente considerando as pequenas mudanças em sua personalidade.
Inconscientemente, ou talvez só fosse um delírio de minha mente canina, Yuna estava transmitindo uma energia cada vez mais parecida com a de meu mestre.
Não seria errado dizer que, se a Associação de Assassinos Anônimos ainda fosse a mesma de antes da Batalha de Saitama, a guria seria a segunda mais letal assassina de toda a Elite.
Aproveitando que o citei, meu mestre não havia dado nenhum sinal de vida desde que me deixou aos cuidados da guria, mesmo que a palavra "cuidados" com certeza não seja uma das melhores para definir o modo como Yuna me trata.
Bem, eu sabia que não deveria ficar preocupado já que nosso vínculo mágico ainda se mantinha firme e forte, mas ele realmente não tinha esse costume de não entrar em contato.
Se pararmos para pensar, seja lá o que ele estiver fazendo, é provável que tenha a ver com esses shikigamis quem vêm aparecendo de um dia para o outro. Em Aokigahara, quando reencontrei com a guria em uma missão, ele apareceu atrás do boneco de ventrículo após a confusão com Aleister e o sequestro de Ieda. Não posso afirmar, mas aquele mágico de circo tinha um certo interesse no mesmo boneco, e pelo o que temos de informação até o momento, ele é o onmyoji dos familiares que atacaram o guri-shinigami.
Se meu mestre está atrás de Aleister também, ou atrás desse NIP, por que não me contou e por que quis me manter afastado disso me deixando com Yuna?
Se a guria estiver certa sobre a localização desse QG e alguma verdade realmente for descoberta por aqui, espero que as respostas para as minhas perguntas sejam reveladas também.
— Ulim, à esquerda!
— Certo!
Conforme adentramos Sukagawa, Fukushima, pela estrada E4, cruzando o Rio Shakado, nós fizemos o retorno e seguimos à esquerda do caminho por onde viemos, contornando o rio e se afastando cada vez mais da civilização. Nessa nova rota, a região era um pouco mais rural, com apenas pequenas áreas residenciais pelo percurso. Não demorou muito para que a densa vegetação substituísse as pequenas casas tradicionais japonesas, e que nossa rota nos colocasse entre duas paredes de incontáveis árvores.
Nessa parte da estrada onde não havia ninguém na madrugada, pude usar de toda minha velocidade para diminuir nossa distância de nosso objetivo e compensar o tempo perdido em nossas duas paradas.
Em poucos minutos, nós estávamos em nosso destino.
A usina de vento Nunobiki.
Minhas patas frearam bruscamente, patinando um pouco no asfalto empoeirado com terra, e a guria alisou as costas de meu pescoço assim que paramos.
Ela arrumou sua postura em cima de mim, erguendo seu tronco para melhor visualizar o lugar.
— Hmm, não está muito diferente do que as imagens fornecidas pelo aplicativo de mapas. É até que um lugar bem pacífico, não acha?
— É exatamente como no aplicativo de mapa, guria. Um descampado com cata-ventos gigantes em fileira. Não me parece um QG.
— É aí que está, seu pamonha. Não é para parecer um QG, e de fato, esta usina de vento não é um QG. O local deve estar escondido por aqui. Ou talvez, só esteja naquela casinha. Está sentindo cheiro de algo, Ulim? Alguma pista que seu poderoso olfato possa encontrar?
— É, estou sentido um odor, sim, guria. Mas não sei distinguir exatamente do que se trata.
— Ah, é? E consegue me dizer pelo menos de onde está vindo?
— Certamente. Está vindo de lá.
— Hmm.
Eu apontei com meu focinho para um ponto a oeste da posição onde nos encontrávamos, e a guria se voltou para a mesma direção que indiquei. Lá, a mais de cem metros usina de vento adentro, em uma pequena região cimentada na planície, havia uma pessoa, observando alguma coisa em uma van branca.
Yuna estreitou seus olhos para enxergar melhor daquela distância, e segundos depois do esforço de sua vista de hanyou, ela soluçou em uma mistura de surpresa e decepção.
— Só pode ser brincadeira.
— O que foi, guria?
Ela não me respondeu. Parecia que não estava mais escutando nada ao seu redor desde que visualizou a pequena pessoa ao longe. Apressada, ela desceu de minhas costas e mal tocou seus pés no chão para começar a caminhar com passos firmes e decididos na direção para onde eu apontara, sem se importar se eu a seguiria ou não.
— Ei, guria, aonde você está indo? O que tem de errado lá?
Mais uma vez, ignorado.
Francamente, como era difícil ser companheiro da Assassina de Youkais.
Conforme ela aumentava a distância entre mim e ela, e diminuía entre ela e a pessoa com a van, eu a observava de costas para mim com seu longo cabelo negro cobrindo seu tronco como uma cortina de sombras. E então, reparei em seus punhos. Eles estavam cerrados de um modo que indicava claramente, com base em meus conhecimentos sobre Yuna Nate, que ela não estava se aproximando para perguntar primeiro e atirar depois.
— Hmph, e lá vamos nós de novo, então?
Eu questionei a mim mesmo... embora eu já tivesse a resposta.
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