Silver: 004
— Guria, é você quem está fazendo isso?
— Certamente que não, seu pamonha. Por que eu estaria fazendo isso?
O céu azul e límpido daquela manhã de primavera, de um momento a outro, começou a ser tapado por nuvens cinzas de inverno. O vento soprava como em um aviso sobre uma tempestade se aproximando. O ar era frio, muito parecido com o que Yuna produzia, o que me fez duvidar se realmente não era a guria quem estava causando aquele fenômeno.
Eu não tive coragem de perguntar novamente.
Até porque, sua feição confusa já me servia como uma resposta definitiva.
Ela não estava me pregando uma peça ou algo do tipo, eu tinha certeza.
— Mas, se não é você, então...?
De repente, o dia ensolarado se transformou em uma manhã invernal, cujo céu, coberto por nuvens cinzas, parecia um disco por sobre Nova Saitama.
O vento gélido, que vinha de uma direção fixa, começou a se mover de maneira circular, chicoteando com força para o centro daquela planície onde um dia foi a sede da AAA. Era como se toda friagem do mundo estivesse se fundindo naquele ponto.
Se não Yuna, só haveria uma outra alguém capaz de realizar um feito como aquele.
Cogitando essa hipótese, a guria rapidamente se virou, assustada de antemão com a simples ideia de que ali, naquela planície redonda, estaria surgindo aquela que foi morta por suas próprias mãos, e que lhe permitiu conquistar o título de Assassina de Youkais.
Sua ancestral youkai.
Sua própria mãe.
Yuki-onna, a Mulher da Neve.
Porém, ao se voltar para o centro daquele terreno abandonado, nada foi encontrado além de correntes de ar levantando poeira e se chocando em uma redoma espiral.
— O que diabos está acontecendo?
— Esta é a grande questão, guria.
Subitamente, uma presença se formou no meio daquela redoma de poeira e vento. Yuna não notou tão rápido quanto eu, mas meu olfato canino não vacilaria na hora H tão facilmente.
Eu conhecia aquele cheiro.
Eu havia o memorizado recentemente, aliás.
E então, os ventos cessaram, como fios de macarrão sendo sorvidos de uma vez. Após isso, a redoma de ar e pó se desfez, explodindo em um poderoso vendaval. Poderoso o suficiente para fazer a guria e eu protegermos nossas vistas por um segundo. E quando voltamos a observar o local, lá estava ele.
Para o alívio total de Yuna, não era sua falecida mãe.
Mas, talvez, aquele que estava no centro daquela planície poderia ser pior.
Como da primeira vez em que nos vimos, não muitas horas antes, o homem loiro de olhos azul-claros trajava-se em um uniforme totalmente branco de mágico de circo. Apesar de, em suas mãos e pés, tanto seu par de luvas quanto seu par de sapatos eram beges, assim como seu chapéu-coco em sua cabeça. Segurando em sua mão esquerda, uma bengala negra de cabo prateado que nós já conhecíamos o suficiente para não subestimá-la.
Aquele homem, responsável pela lavagem cerebral de Ieda Arakune, se apresentou para nós em um reencontro fatídico.
— Inquietante, não? Slim Shady, Dr. Dre. Vejo que vieram resgatar Eminem bem rápido. Admiro o oportunismo e companheirismo de vocês.
— Tsc. Corta essa, seu pamonha. O que você quer aqui? Minha parceira já não está mais sob sua feitiçaria pélvica.
— Oh, que expressão indelicada você utilizou, senhora Slim. Imagino que utilizou a palavra pélvica por conta de eu ter a enfeitiçado com esta minha bengala aqui, não foi?
— Só Slim, por favor. E não. Eu não havia pensado de maneira tão pervertida quando falei. Agora, minha pergunta. O que você quer aqui?
— Oh, não parece óbvio? Eu vim impedir que levem minha mais recente aquisição embora. Isso não seria bom para os negócios. Ela estava tão perto de seu objetivo, mas daí, vocês apareceram ao resgate.
— E por que enviou Ie... Eminem para cá, seu pamonha? Não consegue ver que este aqui é apenas um terreno vazio? Não poderia tê-la utilizado melhor?
— Hmph, inquietante. Você enxerga o mundo pelo buraco de uma fechadura. Onde você vê um terreno vazio, Slim, eu vejo a grande oportunidade para concretizar meu ideal.
— Se está falando sobre os homúnculos da AAA, saiba que eles foram aniquilados. E seja lá qual for seu ideal, acredito que eles não conseguiriam lhe ajudar em muita coisa. São criaturas não pensantes, máquinas biológicas de matar.
— Homúnculos? Não, eu não tenho interesse nesse tipo de coisa. Este lugar é especial por outro motivo. Algo que não se consegue enxergar vendo um ovo pela superfície. Mas, que seja. Chega de conversa. Me entreguem a filha de Jorogumo, e ninguém se machucará.
— Eu acho que não posso realizar esse seu desejo, seu pamonha. Eu pensei que alguém que enxerga o mundo além do buraco de uma fechadura conseguiria entender sem nenhum esforço. Ou talvez, devesse trocar esse seu traje de mágico por um uniforme de palhaço. Se quiser tocar um dedo novamente em minha kouhai, terá de me vencer em um mano a mano. Capiche?
— Em um mano a mano? Você quer dizer em um combate? Um duelo de punhos contra punhos?
— Não exatamente de punhos contra punhos. Eu pretendo te chutar também. Claro que, há sempre a opção mais segura disponível. Dê meia-volta e desapareça com mais um de seus truques com vento, eu não me importo. Eu só vim até aqui pela Eminem, nada além disso.
— Hmm... você não aparenta mesmo ser uma ameaça aos meus planos, Slim. Por outro lado, eu tomei o corpo dessa garota em troca do que tinha em meu terreno em Aokigahara. E, pelo o que vejo, vocês não estão com o meu boneco em mãos. Alguém precisa suprir o espaço em aberto na minha coleção. Se não for ela, que seja você, Slim Shady, eu não me importo.
Ao dizer o codinome da guria parecendo bem convicto de que aquele era seu verdadeiro nome, o homem mágico apontou o cabo prateado de sua bengala na direção de Yuna. Com um estalo sonoro, uma "força" passou por cima do ombro direito da guria, mexendo em seu cabelo como se fosse um sopro de vento. E, de certa forma, era disso que se tratava.
No instante seguinte que o ar passou por sobre seu ombro, uma ferida, como a de um corte por uma faca, se abriu com um pouco de sangue em sua bochecha.
Aquela não era uma atitude segura para se tomar contra Yuna Nate.
O ataque foi sem aviso algum, literalmente como um passe de mágica.
Simplesmente aconteceu.
Um segundo depois, a regeneração da guria cuidou da ferida, tão magicamente quanto o golpe que a causou.
— Hmm, inquietante. Eu não seria louco de enfrentar uma hanyou sendo somente um mero mortal. Mas, tem alguém aqui que adoraria lhe enfrentar.
— Aqui? Olhe ao redor, Mágico de Oz. Não há ninguém aqui além da gente.
— Não, Slim Shady. Você quem deveria prestar mais atenção.
Assim, o homem arremessou sua bengala para o céu, com uma força que seria inalcançável para um humano comum. E enquanto sua bengala subia, um portal de escuridão se abriu em um círculo às suas costas, o devorando para longe dali como em nosso primeiro encontro.
Após isso, lá no alto, a bengala explodiu com uma fumaça negra. E logo depois, algo novo desceu meteórico do céu, aterrissando pesadamente no mesmo ponto onde há pouco se encontrava aquele mágico de circo.
Não era algo.
Era alguém.
Uma garota.
Trajada em uma roupa colante preta, sem mais detalhes, que cobria todo seu corpo da metade de seu pescoço aos pés, expondo somente as pontas de seus vinte dedos. No rosto, uma máscara negra que cobria somente o nariz e os olhos. E na cabeça, o cabelo curto, prateado e brilhoso, quase como se cada fio de seu cabelo fosse feito desse valioso metal.
A garota pousou batendo um punho no solo, dobrando seus joelhos.
Era o tipo de entrada dramática que Yuna costumava fazer, mas imagino que a garota não teve outra escolha caindo daquela altura.
Ela levantou o rosto, parecendo direcionar o olhar para a Assassina de Youkais sob aquela máscara.
Instintivamente, meu olfato canino começou a trabalhar, farejando mesmo à distância o corpo daquela garota.
E então, uma surpresa.
O cheiro dela era idêntico ao da bengala que o homem lançou para o alto. E não só isso. Toda a grande quantidade de mana que emanava do objeto, agora estava muito bem distribuída pelas curvas femininas daquela jovem.
Ela também não era humana, mas estava difícil para mim distinguir a espécie.
— Shikigami... senpai.
— Hmm?
De bruços às minhas costas, Ieda mexeu sua cabeça, despertando dos efeitos da Palma de Buda. Ela estava enfraquecida, sonolenta, mas tinha forças o suficiente para falar. Aparentemente, o antídoto para a lavagem cerebral havia cumprido seu trabalho sujo.
— Ieda? Você está bem?
— É... sim. Minha cabeça dói, mas estou bem. Essa garota, senpai, ela estava em minha mente até antes de eu desmaiar. Ela estava selada dentro da bengala e seu poder foi o que tomou meu controle mental.
— Um shikigami... selado? Qual o sentido disso, guria-aranha? Por que alguém selaria uma criatura que foi criada somente para servir?
— Deve ter a ver com a habilidade dela, seu pamonha. Talvez, selada em uma bengala, seus poderes sejam mais uteis.
— Hmph, pode ser.
Aquela garota misteriosa era uma shikigami. Isso era aceitável para meus conhecimentos caninos. Contudo, bastava saber que tipo de receptáculo era aquele. Ela parecia ser humana, mas, mesmo com essa quantidade de mana emanando dela, duvido que seria o suficiente para cair da altura que caiu e não quebrar nenhum osso. Além do mais, um corpo humano comum não é o mais indicado para ser usado como shikigami.
— Bem, independentemente do que ela for, ela quer levar qualquer um de nós para aquele mágico de circo fazer experimentos estranhos. E eu não posso simplesmente ignorar isso. Se ela veio para lutar, não irá virar as costas e desistir, não é? Um shikigami não poderia se voltar contra a vontade de seu mestre.
Preparada para um round extra em nossa missão de resgate, Yuna se colocou à frente de mim e sua kouhai em minhas costas.
Nada precisava ser dito pela guria. Com seu longo cabelo negro caindo como uma cortina de sombras à minha frente, minhas patas me fizeram andar de costas para me afastar da Assassina de Youkais.
— Ei, senpai. Não simule demência, okay? Bernstein é mais forte do que parece.
— Bernstein?
— É o nome dela.
— Está bem. Prometo que tentarei ser breve.
Com essa promessa para Ieda, e tecnicamente para mim também, a guria, como da última vez, deslizou seus pés no chão e pincelou com suas mãos o ar para assumir a postura de combate do xing yi quan.
Seus olhos azul-escuros capturaram a shikigami em seu campo de visão como um leão prestes a atacar um antílope.
Naquele round extra Yuna realmente pretendia fazê-lo mais curto do que o principal.
No entanto...
Algo fez com que a curiosidade da guria fosse despertada.
E não só a dela, para ser honesto.
A garota shikigami, Bernstein, após Yuna se posicionar com sua pose de combate, começou também a se preparar para o duelo mano a mano que elas teriam. E, para nossa surpresa, seus movimentos para chegar a sua postura foram idênticos aos da Assassina de Youkais. Como se estivéssemos assistindo a um replay, de um ângulo diferente, desde o deslizar dos pés até os movimentos com as mãos, foi tudo exatamente igual. Até mesmo o ritmo, que se iniciava fluido como a água e finalizava rígido como a rocha, foi imitado pela shikigami.
— Hmm, entendi. Então, era você quem estava no controle do corpo de Ieda, não era? Teve tempo para estudar um pouco sobre minhas habilidades, não é? Hmph. Não sei como o pouco que viu vai lhe ajudar a me vencer, shikigami, mas lhe desejo boa sorte.
— Bernstein... em silêncio.
A garota respondeu dessa forma enigmática.
Sem mais nem menos.
Como se ela fosse um robô.
— Bernstein... recuperar hanyou.
— Vai sonhando.
No que a shikigami parecia pronta para partir em ataque, Yuna fez as honras e partiu para cima da garota com um movimento súbito. E dentro de um piscar de olhos, antes que Bernstein terminasse de processar a antecipação de sua adversária, a Assassina de Youkais já estava ante a ela, com seu punho armado em um soco.
Como era costumeiro da guria, seu punho foi disparado com perfeição, sem gentileza, na direção do plexo solar da shikigami. E pela potência que o golpe parecia ter, se aquele receptáculo fosse mesmo um corpo humano como aparentava, o punho de Yuna facilmente atravessaria seu abdômen, colocando os dedinhos brancos da guria para se tingirem de vermelho.
Porém, houve um empecilho para a vitória por um golpe da nossa querida Assassina de Youkais.
Um empecilho mágico.
A shikigami, embora não tenha processado bem a antecipação de Yuna, reagiu igualmente rápida para evitar o golpe da guria. Com seu antebraço esquerdo, Bernstein o baixou à frente de seu plexo solar, e como em um passe de mágica, um escudo quadricular de mana se formou entre seu corpo e o punho de Yuna.
Ao que o soco voraz da guria colidiu com o escudo mágico, o impacto reverberou em som, e a pressão se voltou contra o braço de Yuna. O osso, ulna, o mais longo do antebraço, se soltou da articulação do cotovelo, saindo para fora de sua pele. Era algo que só aconteceria se a guria socasse adamantina maciça.
— Urgh...
O braço de Yuna recuou com o choque e ela engoliu a dor à seco, durante o segundo necessário para que sua regeneração consertasse o grave dano em seu corpo. Mas, nessa mesma fração de tempo, a shikigami encontrou a brecha para contra-atacar a Assassina de Youkais.
Novamente, imitando um movimento de Yuna.
Com a mão direita livre, Bernstein se mexeu para golpear o centro do tórax da guria com a palma de sua mão. E ela foi bastante veloz em sua atitude. Com a guarda aberta, Yuna não poderia fazer nada além de receber o ataque em sua força total.
Aquele movimento proibido.
A Palma de Buda que esmagou o peito da Assassina de Youkais gerou um sopro descontrolado, mas não nocauteou a guria, e sim, lançou seu corpo com força para trás.
De fato, aquele movimento era a Palma de Buda, cujo objetivo é chacoalhar o espirito e não o corpo. No entanto, o golpe que a shikigami executou, embora idêntico à verdadeira técnica, teve um efeito físico em vez de espiritual.
Claro, como não pensei nisso?
A Palma de Buda é um golpe que acerta o espirito do adversário com uma onda de chi lançada através da palma de sua mão. Como Bernstein é um shikigami, ela contém toda estrutura mística de seu corpo e alma baseada em mana. Sendo assim, a Palma de Buda nunca teria seu efeito original pelas mãos daquela garota.
Mas, de qualquer forma, foi um golpe e tanto, direto no tórax da Assassina de Youkais.
— Tsc...
Ela deslizou a sola de seus tênis no solo e, com um estalo de língua que demonstrava seu desgosto por ter sido copiada novamente, Yuna voltou a avançar subitamente. Enquanto usava seus pés para desacelerar seu corpo lançado para trás, ela fez um pequeno esforço extra com suas pernas e disparou em altíssima velocidade. Agora, porém, não para um ataque direto, corpo a corpo. Dessa vez, a guria saltou na diagonal, aparecendo em pleno ar enquanto movia seu braço para trás, como se estivesse para apanhar algo. E, entre seus dedos que se juntaram agarrando o vácuo, uma lança de gelo surgiu com um brilho azulado.
A Assassina de Youkais havia compreendido rapidamente. Mesmo que aquela shikigami conseguisse copiar seus movimentos com perfeição, ela não poderia realizar aquele tipo de truque. Os poderes de gelo de Yuna, herdados diretamente de sua mãe, Yuki-onna, a Mulher da Neve, eram a carta coringa no baralho de habilidades dela. Não era algo que poderia ser copiado simplesmente com o olhar, mesmo que com toda a quantidade de magia naquele corpo. Afinal, os poderes de gelo da guria faziam parte de sua natureza, e sua baixíssima temperatura, que se aproximava do zero absoluto, não seria reproduzida pela shikigami mesmo se ela utilizasse o dobro da mana que continha dentro de si.
Bernstein não seria capaz de copiá-la se utilizasse seus poderes únicos, foi isso o que se passou pela cabeça de Yuna.
E, até certo ponto, ela estava correta.
A guria lançou sua gélida lança no instante seguinte que se formou em sua mão. Seu braço já estava preparado para o ataque e, no fragmento de um segundo, ela arremessou a lança contra a shikigami mais abaixo.
A lança de gelo desceu como um relâmpago congelante na direção da garota em terra firme.
Contudo, diferente da primeira ofensiva de Yuna, esse ataque não aconteceu de maneira tão repentina, dando uma brecha maior para que a shikigami pudesse se defender com tranquilidade. Assim, ao que a lança foi lançada, a garota conseguiu se safar somente com um salto para trás.
A lança gélida chegou zunindo ao solo, cravando-se com firmeza naquela planície circular. Quando sua ponta atravessou o solo, enfincando-se nele, todo o chão foi tomado por gelo em um raio de aproximadamente quinze metros.
Ao que aparentava, a guria não queria acertar a shikigami com sua lança. Sua intenção era preparar uma armadilha, demarcando uma certa área como ringue, onde a vantagem seria inteiramente sua.
A distância do salto para trás de Bernstein teve em torno de sete metros, o que a fez pousar no solo congelado de Yuna Nate. E, assim que seus pés tocaram aquele tapete de gelo, o corpo da shikigami começou a ser tomado pelo estado sólido da água, dos pés até a cabeça.
Em instantes, Bernstein havia se tornando uma escultura de inverno.
E Yuna voltou ao chão, pousando sobre seu gelo com seus tênis de basquete.
— Para ser sincera, eu não gosto muito de usar meus poderes em uma batalha tão casual, mas você me forçou a isso bem mais rápido do que os outros. Sabe, eu aceito que use o mesmo estilo marcial do que eu, shikigami, mas imitar a Palma de Buda mesmo sem poder usá-la apropriadamente, isso é inaceitável.
Caminhando seguramente pelo carpete de gelo, a guria foi até sua lança e a puxou para fora do solo. Ela passou a lança gélida da mão esquerda para a direita, e então a apontou para a estátua de gelo shikigami.
— E aí, o que é que vai ser?
Aquela pergunta já foi a última para muitos desde que Yuna recebeu o título de Assassina de Youkais, ou até mesmo antes disso.
Era como o "Finish Him" em um jogo da franquia Mortal Kombat.
Ela prometeu que tentaria ser breve nesse duelo, e não dá para negar que estava se esforçando para tal.
Uma pena não ter conseguido... pois Bernstein se livrou de sua prisão de gelo.
Primeiro, para nossa surpresa, o gelo que envolvia o braço direito da garota se quebrou sem mais nem menos. Após isso, o mesmo braço se moveu com violência e fez com que sua mão batesse com toda força no centro de seu peito congelado. O golpe foi poderoso o suficiente para fazer todo gelo que a envolvia trincar e se despedaçar, com exceção de suas pernas. A camada ali parecia ser mais grossa.
— Bernstein... recuperar hanyou!
E então, o ato que colocou a shikigami de volta no combate aconteceu. Seu corpo de garota entrou em combustão, gerando uma explosão de chamas dançantes que derreteu todo o gelo ao seu redor. Só o calor emanado por aquele fogaréu foi suficiente para fazer com que o resto do tapete gélido começasse a evaporar, assim como a lança na mão da guria.
— Ulim, se afaste com Ieda!
— Mas, guria...
— Não é um pedido!
E que outra escolha eu tinha? Não seria eu quem iria contraria Yuna Nate no meio de um combate que estava esquentando. Ieda estava se segurando bem em mim, o que evitou qualquer problema para me afastar em alta velocidade mais para o lado de onde a batalha estava acontecendo. Nós ainda estávamos dentro da planície, mas em uma distância onde o calor emanando da shikigami não nos alcançava.
A fogueira ao redor de Bernstein se dissipou lentamente, como se as chamas estivessem sido absorvidas pela garota. Quando todo aquele fogo finalmente se acalmou, a imagem da shikigami nos foi reapresentada. Agora, sua máscara e sua vestimenta negra estavam tomadas pelo fogo, mas sem tocar ou afetar o pouco da pele exposta de Bernstein, como se o material de seu traje fosse o causador daquele incêndio.
Yuna ia fazer algum comentário.
Minhas orelhas caninas se prepararam para ouvir.
— Não é preciso ser um gênio para entender que o fogo é meu inimigo natural. Mas, uma roupinha de chamas? Por acaso é fã do Endeavor?
— Bernstein... não ser fã.
— Hmph, que seja. Não era para você me responder, sua pamonha.
— ......
— Vamos. Vem com tudo com esse seu fogo, shikigami. Eu decidi que vou acabar com você sem mesmo usar as mãos, está bem?
O quê?!
Por acaso o calor afetou o cérebro da guria?!
Pelo jeito que ela falou, aquilo não era um blefe.
E Bernstein aceitou o convite de Yuna sem pensar duas vezes. Ela esticou seus braços para frente e juntou suas mãos na altura de seu peito, entrelaçando seus dedos e erguendo seus polegares.
Em um breve momento, uma imensa quantidade de calor se acumulou em suas mãos. O que sairia dali era mais do que o suficiente para carbonizar as células de Yuna.
— Guria! Saia daí!
— Ei, senhor shikigami, está simulando demência, é? Yuna-senpai não irá se machucar com isso.
— C-Como assim? Ela não é imune ao fogo.
— Observe e verá.
E foi o que fiz. Seguindo a orientação da guria-aranha, meus olhos caninos se focaram no duelo, e a shikigami realizou o seu ataque, sem enrolação.
Uma rajada de chamas foi dispara de suas mãos unidas, como se vindas direto da garganta de um dragão.
Não havia como a guria se defender. Praticamente em um instante, o grandioso raio de fogo engoliu a Assassina de Youkais sem dó ou piedade, varrendo com ela até mesmo a poeira que se erguia do chão.
O clarão alaranjado era intenso, e o calor ainda mais. Mesmo na distância em que estávamos, a temperatura elevada daquele ataque de chamas estava começando a me deixar um pouco zonzo.
Mas enfim.
A shikigami cessou seu ataque.
Tanto as chamas de seu corpo, quanto as que ela disparava voraz, começaram a se apagar.
E, no local onde a guria se encontrava, somente se via uma massa de fumaça escura.
Seu cheiro havia desaparecido do local, meu olfato não erraria quanto a isso. Porém, um outro odor estava emanando forte do mesmo ponto que toda aquela fumaça escondia.
Magia negra.
Meu faro não falharia sobre isso, também.
Quando a massa de fumaça deixou o local com o vento, uma nova Assassina de Youkais me foi apresentada.
Iniciando por suas vestes, que antes eram coloridas, agora estavam tingidas pela mais pura escuridão. Os tênis de basquete, o par de luvas, seu uniforme sem mangas, e até seu famigerado gorro havia se tornado negro como um conglomerado de sombras. E não somente seu traje que sofrera alteração. Seu longo cabelo negro se tornou branco como uma tempestade de neve. E seus olhos azul-escuros, como um par de safiras, mudaram para um rosê cintilante, graças à energia negativa.
Não fosse o gorro e as roupas, a guria estaria irreconhecível.
Nem mesmo pelo cheiro eu a reconheceria.
Revestindo seu corpo havia uma camada espessa de magia negra que bloqueava seu odor natural. E também, pareceu protegê-la daquela rajada de chamas ardentes, segundos atrás.
— Não disse, senhor shikigami? Ela está bem.
— Guria-aranha, o que é aquilo?
— Modo Morgana. Uma injeção direta de mana negativa nos circuitos mágicos do usuário. Mas, pelo o que andei pesquisando, o nome mais utilizado é Modo Escuro, e não Modo Morgana. Acredito que esse nome foi dado por Yuna-senpai pela fonte que usou para alcançar essa forma. O sangue da própria bruxa Morgana. Se minhas fontes não estavam simulando demência, é possível chegar ao Modo Escuro com fontes diferentes de magia negra, embora a compatibilidade e o tempo para domínio possam variar.
Modo Morgana? Modo Escuro?
Isso significa que Yuna não deixou de praticar e estudar sobre as artes das trevas, mesmo depois de meu mestre expulsá-la da AAA.
Já fazem dois anos desde que ela deixou a Associação. Do que ela me contou enquanto voltávamos de Aokigahara, nada deixava pistas de que ela continuou usufruindo da magia negra, e que se aperfeiçoou a ponto de sobreviver a um golpe direto do elemento do qual sofre desvantagem natural.
Diante de Bernstein, a guria misticamente aprimorada se mantinha resoluta após o ataque de chamas que a engoliu.
— Confesso que fazia alguns meses que não utilizava esta técnica, shikigami. Dito isso, devo parabenizá-la. Não fosse o Modo Morgana, eu provavelmente estaria para morrer neste exato momento. É uma pena não ter funcionado, não é?
— ......
Yuna não chegou a permitir que a garota desse algum tipo de resposta às suas palavras. Meus olhos caninos gostariam de ter registrado o que aconteceu em detalhes, mas a guria foi bem mais rápida do que a velocidade do som, quase como se quisesse alcançar a velocidade da luz. Dentro de um piscar de olhos, a Assassina de Youkais se moveu do ponto em que estava para mais às costas da shikigami. Sua velocidade absurda foi tamanha, que a impressão que tive foi de que ela simplesmente se teletransportou. Contudo, o rastro de poeira que se fez com seu movimento não me deixava enganar. Yuna realmente percorreu aquele espaço. E, seguindo o mesmo rastro como base, ao que parecia, a guria havia atravessado o corpo de Bernstein como se não estivesse ali.
— Bernstein... recuperar... tsc.
Um pouco depois do mais que veloz movimento de Yuna, ao que a shikigami pensou em agir, sem entender também o que havia acabado de acontecer, seu corpo começou a se desintegrar com um brilho púrpura. Primeiro, os braços e pernas. Depois, seu tronco que ficou flutuando, da base da cintura aos seus cabelos prateados.
Sem conseguir dizer uma palavra, Bernstein acrescentou um novo nome à vazia lista de shikigamis derrotados por Yuna Nate.
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