Silver: 003
Nova Saitama. A cidade onde, em sua antiga versão, abrigou a gloriosa sede da Associação de Assassinos Anônimos. Há dois anos e meio Saitama foi vítima de uma majestosa explosão de energia mística que varreu com tudo o que havia na cidade. Essa explosão foi causada pela antiga líder da AAA, Yoko Subarashi, uma híbrida de shinigami e humano que, justamente por sua raça, estava apta a se tornar um super shinigami, como na lenda do Predador de Shinigamis.
Um super shinigami é uma mutação de um híbrido de deus da morte e humano, que ao se alimentar da alma de outros shinigamis, absorve seus poderes em totalidade, incluindo não só a quantidade de mana do shinigami, como também suas habilidades individuais.
Ao chegar no estado de super shinigami, o receptáculo de toda a energia recebe uma capacidade regenerativa à nível celular, e com isso, uma aparência rejuvenescida.
Quando a explosão da Associação aconteceu, eu não estava na AAA ou mesmo em Saitama. Isso por conta de minha expulsão da Associação ao defender Yuna em um erro que ela cometeu em uma de suas ordens de assassinato.
Basicamente, a guria não cumpriu com sua missão.
Pela primeira vez, ela não matou quem precisava matar, e seria exilada da AAA por conta disso.
Mas eu a defendi, e fui expulso em seu lugar.
Meu mestre não poderia me deixar em qualquer canto. Sendo assim, fui mandado para a casa de uma conhecida dele, para passar o tempo que fosse necessário.
Ironicamente, a mulher com quem eu estava me abrigando era a antiga parceira de meu mestre na AAA, antes mesmo de eu ser evocado, claro.
Eu sempre achei que o motivo de meu mestre ter um shikigami como companheiro era por não confiar em outras criaturas com livre-arbítrio, mas ele confiou minha segurança a uma antiga companheirada do mesmo local onde ele insistia em trabalhar o mais sozinho possível, ou somente acompanhando por mim.
Foi uma época curiosa.
Mas não é esse o ponto aqui.
Nova Saitama, esse é o ponto.
Com a explosão da AAA e a destruição de Saitama, eu fiquei sabendo que Yamato Zane, o Vingador de Vidro, meu mestre, Mena Kitsune, e o outro guri, Daigo, enfrentaram Yoko em um combate mortal, mas foi a Assassina de Youkais quem surgiu para dar o golpe de misericórdia.
Após o duelo, a Associação passou a ser sediada em Osaka, em um casarão de esquina alugado, e eu acabei voltando à Elite da AAA.
A cidade de Saitama logo teve seu projeto de reconstrução aprovado, que teve início no mesmo ano do incidente que até hoje é acobertado pela Mythpool como um acidente em uma usina de energia.
Dois anos depois, nos dias atuais, Nova Saitama cresce cada vez mais a cada dia.
A cidade teria uma nova aparência.
Contudo, a planície redonda que se formou onde um dia foi o edifício da AAA, é tida como um local assombrado ou amaldiçoado, então, nada está sendo construído nas proximidades.
E, justamente naquele lugar nostálgico, que nosso alvo estava se aproximando.
— Realmente, seu pamonha, nem parece que foi aqui o lugar onde passei minha adolescência. Os prédios inacabados são bem maiores em número do que os concluídos, mas, pelo menos eles se apressaram em colocar as hanbaiki e as konbini, não acha?
O som que levava as palavras da guria aos meus ouvidos caninos tinha origem de minhas próprias costas. Yuna estava montada sobre mim, afinal. Com suas pernas lisas e coxas fortes, ela abraçava meu corpo como uma garra daquelas máquinas de brinquedo. Em sua mão, uma latinha de café expresso que ela apreciou em apenas três goles.
Dia 25 de março. Talvez, nove e quinze da manhã, ou um pouco mais.
Nós seguimos o rastro de Ieda pelo rastreador de Yuna, mas, adentrando em Nova Saitama, o sinal do aplicativo em seu celular começou a ter pequenos atrasos, o que nos forçou a optar por uma nova estratégia: meu olfato canino.
Não só por ser um lobo, líder de alcateia, mas também por ser um inugami, e consequentemente um shikigami, meu olfato misticamente aprimorado era muito mais preciso do que qualquer tecnologia que a guria apresentasse.
Assim, naquele momento, eu estava caminhando com Yuna às minhas costas, acompanhando o cheiro da guria-aranha e traçando a melhor rota para interceptá-la.
Não era nenhum trabalho difícil.
Ieda poderia ser ágil com seus saltos e piruetas, mas a distância entre sua agilidade e minha velocidade era absurdamente grande.
— Não há nenhuma lata de lixo por aqui? Você viu alguma, Ulim? Não quero jogar esta latinha no chão. Sou uma japonesa limpinha, mas também não aguento mais continuar segurando um recipiente vazio.
— Hmm...
— "Hmm"? Por que está parando, seu pamonha?
— Eu sei para onde ela está indo. Ela já parou de se mover. Guria, se segure!
— Hã...? Ah, está bem, certo. Sebo nas canelas, Império das Pulgas!
Ao que Yuna inclinou seu corpo sobre minhas costas e afundou as mãos na pelagem de meu pescoço para se agarrar melhor a mim, como se estivesse pilotando uma motocicleta, eu esfreguei minhas patas caninas no asfalto para acelerar de zero a trezentos na direção de nosso alvo.
Com minha alta velocidade, poucos segundos foram necessários para que nos aproximássemos da guria-aranha.
E o local, como já tinha mencionado, era o mesmo ponto onde no passado podia-se encontrar a sede da AAA.
Agora, uma planície redonda de terra.
E minhas patas adentraram aquela arena natural, erguendo poeira enquanto freava mais atrás da aprendiz da Assassina de Youkais.
Alvo detectado.
Missão cumprida.
O ato seguinte era com a guria.
— Ei, mãos ao alto, Ieda. Eu vim lhe buscar.
A guria de cabelo cor-de-rosa se mantinha parada, com o olhar voltado para o solo. Mas, ao escutar a voz de sua querida senpai, seu corpo de hanyou, instintivamente, pareceu se preparar para a ação. Ofuscando toda a atenção que a coloração de seu cabelo atraía, quatro longas patas de aranha emergiram da base de sua coluna, e se estenderam em X, como se fossem dois pares de asas de uma fada. Não fosse pelas lâminas de ouro que compunham as extremidades de seus membros aracnídeos, essa minha última comparação não teria sido tão incoerente. A menos que fosse só da parte óssea, as patas não lembrariam a ninguém de asas de fada.
Ieda, em si, estava longe de ser uma fada também.
Embora seus trejeitos gerassem uma certa confusão sobre sua personalidade.
E, ao que as patas de aranha brotaram do cóccix de sua kouhai, Yuna se soltou de minha pelagem, passando em seguida uma perna por cima de meu corpo para desmontar de minhas costas.
Ao meu lado, a guria continuou encarando Ieda, esperando por alguma resposta mais clara.
Enfim, deixando o chão que observava de lado, a guria-aranha se virou para nós.
Seus olhos castanhos se cruzaram com os azuis da Assassina de Youkais.
O clima não era os dos mais amigáveis.
— E então, kouhai, o que é que vai ser? Vai ficar sem falar nada? Não está tentando lutar contra a magia que está controlando sua mente? Você é mais forte do que um truque de hipnose, Ieda.
— ......
A guria-aranha permaneceu em seu direito de ficar em silêncio. Porém, seus membros aracnídeos se mexeram às suas costas como se acariciassem o ar com a ponta de suas lâminas.
— Hmph, agora entendo o porquê de criar um antídoto para lavagem cerebral. Você pensa em tudo mesmo, não é?
A pergunta da guria foi retórica, mas não os seus passos para frente. Foram sete. Sete passos firmes, mesmo que parecessem descontraídos, que colocaram a Assassina de Youkais mais próxima de sua querida aprendiz. E não só para se aproximar de Ieda serviam seus passos. Yuna também estava me colocando para trás dela. Ela estava me avisando, indiretamente, de que aquele embate era somente entre as duas.
A princípio, eu não tinha a mínima intenção de interferir.
A planície, onde no passado se encontrava a sede da AAA, era espaçosa o suficiente para as duas se enfrentarem na potência máxima.
Pelo menos, até onde meu conhecimento canino achava ser o limite daquelas duas.
Naquele momento, eu não pude me dar ao luxo de nada além de me sentar e assistir.
Era o local e hora para observar o quanto a guria evoluiu nos dois últimos anos.
— Certo, Ieda, se sua consciência tiver um pingo de força para agir contra esse controle mental, seria legal da sua parte se cooperasse, está bem?
— ......
— Então... vamos ver o que é mais rápido. Minha latinha de café expresso, contra qualquer uma de suas patas. O que acha?
Como se em uma resposta afirmativa, os membros de aranha da guria-aranha se moveram de modo que suas extremidades afiadas apontassem na direção da Assassina de Youkais.
Ela parecia não ter escolha além de agir como uma marionete.
— É por isso que gosto de você, Ieda. Você nunca fugiu de um desafio justo.
Minha mente canina não sabia onde encontrar justiça naquele desafio proposto por Yuna, mas quase encontrei alguma lógica quando a guria tomou a iniciativa. Com sua mão esquerda, onde se encontrava a latinha vazia de café, a guria lançou o objeto contra sua kouhai em um movimento súbito de seu braço, que veio de baixo para cima com uma agilidade ignorante.
Ao mesmo tempo em que a latinha de café expresso voava em direção da guria-aranha, com a trajetória aparente de ser o seu olho direito, as pernas alvas de Yuna a fizeram se mover igualmente veloz. Não. Ela foi ainda mais rápida do que seu próprio disparo da latinha. Com aquela velocidade, talvez fosse possível para a Assassina de Youkais jogar tênis contra si mesma. A guria passou pelo flanco direito de sua querida kouhai, quase antes de que a poeira erguida pelo impulso de seus pés se levantasse, surgindo às suas costas quase no mesmo instante de que a latinha chegou bem perto de seu objetivo, mesmo que sendo capturada por uma das patas de Ieda.
No ponto cego daqueles membros aracnídeos, a mesma mão que lançou a latinha de café uniu seus dedos para se transformar em uma rocha. Eu não sabia o quão a sério a guria estava levando esse combate, mas pela firmeza que aquele punho tomou, eu diria que a Assassina de Youkais ainda guardava seus sentimentos sobre seu primeiro confronto contra a guria-aranha.
Aquele soco não iria matá-la, mas também não iria fazer cócegas.
Ou, se dependesse da destreza da guria de cabelo cor-de-rosa, aquele golpe mal chegaria a ser disparado.
Com uma perna, Ieda deu um pequeno passo à frente, enquanto virava o corpo para sua senpai, e se impulsionava com a outra perna em um pequeno salto.
Porém, pequeno nos termos de uma aranha.
O pulo de Ieda colocou a sola de seus pés na altura do gorro de Yuna antes dela sequer dobrar seus joelhos em pleno ar.
Isso fez com que a Assassina de Youkais cancelasse seu ataque, e que a guria-aranha iniciasse o seu. Ainda no ar, após seus joelhos flexionarem no vácuo, as patas aracnídeas da kouhai de Yuna apontaram contra sua senpai. E, das pontas de cada membro de aranha, quatro fios cristalinos foram disparados como agulhas gigantes na direção da guria. Os fios endurecidos estavam endereçados um para cada um dos quatro membros da Assassina de Youkais, mas precisariam ser mais rápidos para alvejá-la.
Ao ataque de sua kouhai, Yuna somente ajeitou sua postura, colocando-se de lado para Ieda, para que as agulhas lançadas de suas patas passassem por seu corpo sem lhe tocar.
Os fios cristalizados se cravaram no solo da planície redonda.
E Ieda pousou suavemente de volta ao chão.
Suas patas aracnídeas seguiam com suas extremidades douradas o corpo da Assassina de Youkais.
A imagem parecia com a cena de um filme de faroeste que meu mestre estava assistindo na semana anterior.
Qual seria o próximo movimento delas? E qual das duas o executaria com mais rapidez?
Sem tempo para perder, as respostas vieram em um segundo. Tanto Yuna quanto Ieda avançaram uma contra a outra, dentro da pequena distância que as separava, e em uma velocidade absurda. O impacto quando as duas se encontraram ergueu uma cortina de poeira espiral, que impediu meus olhos caninos de acompanharem os acontecimentos. No momento seguinte, a guria surgiu, lançada do amontoado de poeira em minha direção, deslizando com seus tênis de basquete na terra para frear seu corpo.
Ela parou praticamente ao meu lado.
Feridas de cortes em seus braços foram rapidamente regeneradas.
— Você a ensinou bem, guria. Ela parece ser tão forte quanto você.
— Eu não a ensinei tanto, para ser sincera. E ela é, fisicamente, embora não pareça, ainda mais forte do que eu. Mesmo com todo o treino que tive, Ieda é filha de Jorogumo, uma youkai que tem como ponto principal a força bruta. Se for só pela força, eu ainda irei perder para ela. Por outro lado, levando em consideração a técnica, eu acredito que saiba que não precisa se preocupar com o resultado desse duelo, seu pamonha.
— E eu não me preocupo. Pelo menos, não com o resultado do seu lado do ringue. Meu temor é você acabar passando dos limites.
E eu não estava brincando sobre aquilo. Só pela velocidade que Yuna demonstrou usufruir com facilidade no início do embate, minha preocupação estava mais no estrago que suas habilidades poderiam proporcionar para sua kouhai do que o contrário.
A cortina de poeira estava se dissipando.
Mais adiante na planície, a guria-aranha estava de pé, sem ferimentos aparentes.
Parecia que o confronto ficaria ainda mais sério a partir de agora.
— Phew, e lá vamos nós de novo.
Após seu singelo lamento, os pés da Assassina de Youkais deslizaram as solas de seus tênis no solo para modificar a posição de suas pernas. E seus braços não ficaram de fora, fazendo suas mãos pincelarem o ar para chegarem a uma nova postura.
Xing yi quan, era o nome daquela arte marcial.
Um dos estilos internos do kung-fu chinês.
Esse era um estilo marcial bastante usado por Tetsu Tetsuya, o Assassino Intocável, que foi responsável pelo treinamento físico da guria. Além de outras artes marciais que Tetsu dominava, o xing yi quan era a base de seu repertório de movimentos. Já Yuna, embora tenha sido treinada também nesse estilo interno do kung-fu, sempre manteve sua base no karatê, estilo shotokan. Para a guria, o xing yi quan era fluido demais, e ela preferia a precisão e praticidade que se encontra no karatê.
Palavras dela, não minhas.
Como lobo, líder de alcateia, eu não tenho muito a opinar sobre as artes marciais, visto que meu conhecimento é somente teórico.
— Da primeira vez que enfrentei Ieda, nós estávamos em um espaço muito pequeno, o que a deu total vantagem sobre mim, ainda mais com seu elemento surpresa. Na ocasião, o primeiro movimento dela foi para neutralizar meu fluxo de mana, me picando com uma de suas patas e injetando um veneno produzido especialmente para mim. Como eu já tinha dito, seu pamonha, Ieda tem muito mais preparo do que eu para o combate. Contudo, agora, ela não só parece despreparada, como o local de combate é amplamente espaçoso. É estranho.
— O que é estranho, guria? Desta vez fomos nós que utilizamos do elemento surpresa.
— Não o local, Ulim. A forma como Ieda está lutando, não condiz com seus instintos como filha de Jorogumo. A especialidade de Ieda é o combate a média e curta distância, com foco na rápida finalização. Ela teve duas oportunidades até o momento, mas não as usou da forma que eu sei que usaria.
— Talvez, ela não o fez justamente por você conhecer seus movimentos.
— Não. Se fosse esse o caso, ela também saberia a forma de me neutralizar mais eficaz. "Ela sofreu lavagem cerebral, esqueceu de suas táticas" pode até ser que sim. No entanto, em um cenário como esse, a única coisa que ela poderia utilizar para o combate seria seu instinto como hanyou, e assim, algo como o que aconteceu em nosso primeiro combate já poderia ter acontecido. Eu dei brechas a ela. Hesitei em disparar um soco. Mas ela não agiu como eu esperava.
— E onde quer chegar com todo esse pensamento, guria? Se ela não está no nível que você esperava, não é mais fácil acabar com isso logo?
— Sim, é. Mas, eu estranhei o comportamento corporal de Ieda desde que chegamos aqui. Portanto, queria tirar algumas conclusões.
— E que conclusão você tirou?
— Minha querida kouhai não somente sofreu lavagem cerebral, Império das Pulgas. Ela está sendo controlada por outro alguém, como uma marionete. Seu corpo só está sendo usado como uma ferramenta para alguma coisa. E seja lá quem está do outro lado, não sabe muito bem como usar.
Ela está sendo controlada? Por meio de magia?
Isso é possível e até que faz sentido. Eu mesmo notei que a guria-aranha estava se movendo de maneira um tanto quanto robótica. Ieda estava sendo controlada como se fosse uma personagem de um videogame, e isso a limitava a agir com base nos conhecimentos de quem estava a controlando.
Eu suponho que, com base nessa teoria, a guria queria deixar claro para aquele quem controlava Ieda, que não seria capaz de vencê-la, mesmo usando sua kouhai e única aprendiz.
— Esse foi um grande desperdício.
E então, a guria-aranha se moveu.
Jogando os braços para trás e inclinando um pouco seu tronco para frente, Ieda avançou ziguezagueando em altíssima velocidade contra sua senpai. Suas patas de aranha estendidas em X para trás pareciam lhe dar melhor impulsão e aerodinâmica em sua aproximação.
No entanto, como a guria disse sobre a vantagem de sua kouhai ser em média e curta distância, para conseguir a vitória, ela não deixaria que Ieda chegasse tão perto. Assim, ao que a guria-aranha alcançou os dez metros de distância da Assassina de Youkais, Yuna moveu seu punho direito, alterando a forma de sua postura, e socando o ar na direção de Ieda.
O golpe no vácuo que a guria realizou foi do fluido ao firme, como se tivesse petrificado seu próprio corpo no final, e foi responsável por uma rajada de vento tão potente que impediu a aproximação da guria-aranha como se ela tivesse colidido contra uma parede de aço.
O ponto de maior pressão daquele túnel de ar violento que foi gerado pelo punho da Assassina de Youkais, estava alvejando o plexo solar de Ieda e tentando a empurrar para trás, a favor da correnteza do vento. E foi o que aconteceu, sem muita demora. O corpo da guria-aranha foi levado pelo ar e começou a capotar no solo.
Com outra fluidez de movimentos, Yuna deslizou os pés na terra e pincelou ar com as mãos, voltando para sua postura inicial do xing yi quan. Mas não por muito tempo. Assim que voltou, no instante seguinte, a guria disparou até o corpo capotando de sua kouhai. E, diferente de Ieda, a força de aceleração de Yuna foi tamanha, que por um momento, ela ultrapassou a velocidade do som, simplesmente sumindo de minha vista em seu percurso.
Somente algo acima do som seria invisível para meus olhos caninos.
Quando a guria reapareceu, ela estava novamente atrás de sua kouhai.
Com uma pequena lança de gelo crescendo em sua mão.
Com seu corpo capotando, Ieda tinha poucas saídas para aquela situação.
É claro, Yuna não iria matá-la.
Mas também não iria fazer cocegas.
Ao que a guria-aranha se aproximou com seu corpo desgovernado contra a Assassina de Youkais, a guria, com uma precisão cirúrgica, tocou com a ponta de sua lança gélida a base da coluna de Ieda Arakune, e saltou com uma pirueta por cima do corpo capotando em sua direção, passando rente as lâminas daquelas patas aracnídeas.
Aquela foi uma obra de arte no quesito de movimentos ensaiados.
Eu já havia visto Yuna realizar diversas façanhas com seus braços e pernas, mas aquilo ali, foi engenhoso e eficaz.
Não por conta dos golpes ou estilo, mas sim, pelo resultado alcançado.
O corpo de Ieda capotou mais duas vezes após Yuna saltar por cima dele, deslizando no solo depois disso. E, aparentemente, em termos de dano físico, o golpe de ar que Yuna gerou com seu punho não foi nem um pouco efetivo para o corpo de hanyou da guria-aranha. Ieda se levantou do chão como se nada tivesse acontecido.
Mas, não era ferir o corpo de sua kouhai o que Yuna queria.
Decretar sua vitória da maneira mais pacifica era o verdadeiro objetivo ali.
E por isso aquele toque com sua lança de gelo aconteceu.
Quando a aprendiz da Assassina de Youkais se colocou de pé, suas majestosas patas de aranha às suas costas começaram a se congelar, tornando-se estátuas no estado sólido da água.
A guria-aranha olhou por cima do ombro, sem entender o que estava acontecendo.
Ou melhor, Ieda entenderia muito bem. Já quem estava controlando seu corpo, parecia não entender muito bem os detalhes dos poderes de Yuna Nate.
Com a ponta de sua lança, a guria penetrou rapidamente a primeira camada da pele de sua kouhai e injetou um frio por entre suas células que está próximo do zero absoluto na escala kelvin. Com um toque frio nesse nível, o calor interno do corpo de Ieda não seria capaz de lidar tão rapidamente, o que permitiu que Yuna manipulasse aquela humilde presença gélida por seu interior. E o que estava logo ali, sob o cóccix da guria-aranha?
A raiz de seus membros aracnídeos, é claro.
Justamente o que a Assassina de Youkais queria imobilizar.
E ela realizou com êxito.
Agora, com suas armas naturais imobilizadas pelo elemento de domínio da guria, pouquíssimas coisas seriam capazes de Ieda fazer para vencer sua querida senpai.
— No passado, na primeira vez em que nos enfrentamos, você usou uma tática que tinha como objetivo limitar minhas habilidades naturais como filha da Mulher da Neve. Isso lhe deu uma vantagem absurda em um combate direto contra mim. E não é como se deter meus poderes de gelo fosse o suficiente para me vencer. Se fosse assim, o Obake teria me derrotado a quatro anos atrás. Suas habilidades, Ieda, vão além de suas habilidades como filha de Jorogumo, e você sabe disso. No entanto, quem está controlando seu corpo, kouhai, não faz a menor ideia do que você é capaz. É por isso que, hoje, você perdeu.
Às palavras de Yuna, sua kouhai não esboçou reação.
Como uma boneca sem vida, ou uma concha sem fantasma, Ieda se mantinha observando sua senpai a poucos metros de distância. Sem suas patas, penso que a guria-aranha procurava qualquer atitude em seu cérebro que pudesse bater de frente com a presença assombrosa que era a Assassina de Youkais.
Ou melhor, a dúvida permeava a cabeça daquele que a controlava.
Afinal, o corpo de Ieda era somente um peão ali.
— Se me permite perguntar, kouhai, o que lhe mandaram fazer aqui? Justamente aqui, neste local? Antes, este terreno sustentava a sede da AAA. Um edifício cúbico de cinco andares e um belo jardim. Mas agora, é só uma planície redonda e vazia. Não há mais nada de interessante por aqui.
— ......
Como já era de se esperar, a aprendiz da guria manteve seu direito de permanecer em silêncio.
— Nada a declarar... claro. Provavelmente você não faz ideia, na verdade.
— Eu tenho uma hipótese, guria. Pode parecer um pouco sem nexo, mas é uma possibilidade.
— O que seria, seu pamonha?
— Antigamente, quando a sede da Associação se encontrava aqui neste local, meu mestre me levou a um lugar abaixo do andar subsolo. Latindo de maneira sincera, era bem mais abaixo do que um ou dois andares comuns daquele edifício. Foi uma única vez, em meus primeiros meses como shikigami, mas eu me lembro bem.
Yuna não tirava seus olhos azul-escuros de sua querida kouhai, que parecia estar sem vida um pouco mais à sua frente. Contudo, ela deixou seus ouvidos alertas para captar cada uma de minhas palavras.
— E o que tinha lá, Ulim? Algum artefato valioso que a chefe e a Associação escondiam de todos nós?
— Antes fosse algo tão banal, guria. Se não me falha minha memória canina, o que havia naquele lugar... era um exército. Um exército de homúnculos adormecidos. Você sabe, os Executores. Meu mestre chamava aquele lugar de a Oficina do Pânico, e não me lembro dele ter voltado lá muitas vezes.
— Hmm... entendi, seu pamonha. Talvez fosse lá onde a chefe produzia os Executores. Além do mais, eles eram muitos. Sempre nos vigiando por toda parte. É isso o que lhe mandaram encontrar, Ieda? Um exército de homúnculos em construção? Até onde eu me recordo, eles foram criados com o código genético da própria chefe, Yoko Subarashi e, por conta disso, só respondiam as suas ordens diretas. Avise para quem a controla que está perdendo tempo.
— ......
Mais uma vez, nenhuma resposta.
Ieda havia mesmo se transformado em uma marionete mística.
— Guria, e se não for exatamente o exército que seja lá quem está por trás de Ieda procura? Não se lembra que, diversas vezes, nos primeiros meses após a queda da AAA, meu mestre vivia dizendo que precisava ajudar a reorganizar algumas coisas neste terreno?
— Sim. Ele não me deixava sair nesse meio tempo e me passava tarefas extras para fazer. Como eu poderia esquecer?
— Pois bem. E se suas "reorganizações" tivessem a ver com a Oficina. Considerando o cuidado que meu mestre tem, e também sua desconfiança nos Executores, ele já deve ter aniquilado o que havia naquele lugar.
— É... pode ser. Mas, agora que me contou sobre isso, seu pamonha, o que me intriga é o porquê de usarem Ieda para encontrar algo desse tipo.
— Esse é o grande... cuidado!
— Estou vendo!
Como quem não aguentava mais papo furado, Ieda avançou com uma forte pisada até Yuna. Ela praticamente surgiu à frente de sua senpai, de um segundo a outro, com seu punho pronto para um golpe com força total. A guria-aranha estava com seus joelhos ligeiramente flexionados e com o torso um pouco inclinado, o que a deixava em um ponto um pouco mais baixo do que a Assassina de Youkais.
O ataque aconteceu subitamente, rápido e voraz. No entanto, Yuna não havia desgrudado seu par de safiras da posição de sua kouhai. Durante todo nosso diálogo, ela se manteve focada em Ieda, preparada para qualquer tipo de movimento que a hanyou fizesse.
Quando a guria de cabelo cor-de-rosa apareceu diante da Assassina de Youkais para golpeá-la, Yuna estava mentalmente a um passo à frente de sua aprendiz. Ou até mesmo, dois adiante.
Afinal, não contavam com sua astúcia.
A guria-aranha fez exatamente o que a guria queria. Um ataque a curta distância de sua kouhai, sem a disponibilidade de seus membros aracnídeos que lhe davam tanta vantagem. E, mesmo que Ieda ainda fosse mais forte fisicamente do que sua senpai, em matéria de técnica, Yuna Nate tinha uma tremenda vantagem.
O soco da guria-aranha teve origem de seu punho esquerdo, cruzando o pequeno espaço de ar que existia até a mandíbula de Yuna. Porém, ela não era ágil o suficiente para alvejar a Assassina de Youkais sem estar desprevenida.
O que era de se esperar, aconteceu.
Inclinando o tronco para o lado, e com um pequeno passo para se equilibrar melhor, Yuna se esquivou do golpe de sua kouhai.
E, no instante seguinte, um contra-ataque.
Sem suas patas de aranha para poder se defender, e com sua guarda aberta por conta do soco, Ieda pouco podia fazer para conter o golpe que levou.
Com as costas de sua mão direita, a Assassina de Youkais golpeou com elegância o meio do tórax da guria-aranha, e rapidamente acorrentou outro movimento, com a mesma mão, onde ela subiu do peito para o maxilar de sua aprendiz, a golpeando na parte inferior de seu queixo.
No primeiro golpe, no tórax, a guria causou um impacto que alterou o ritmo da respiração de sua kouhai, a fazendo perder a firmeza sobre seus músculos. E, no segundo golpe, no maxilar, a guria fez sua kouhai morder os próprios dentes, atordoando-a por alguns instantes, e a fazendo perder o foco por um momento.
Momento esse... em que Yuna aplicou seu golpe derradeiro.
Com a palma de sua mão esquerda, a guria alvejou com precisão o peito de Ieda Arakune.
A pressão daquele golpe foi tremenda, gerando um sopro de vento às costas da guria-aranha. Contudo, aquele movimento com a palma da mão era mais focado em um dano espiritual do que físico.
Um golpe quase proibido para aqueles que o conhecem.
A Palma de Buda.
Esse era o nome do movimento que levou a aprendiz da Assassina de Youkais a nocaute.
Perdendo o brilho dos olhos, Ieda começou a ruir, mas Yuna a abraçou para evitar que ela se estatelasse no chão. O gelo em suas patas se desfez, e elas foram sorvidas de volta para dentro de seu corpo.
Se eu não estiver errado, a missão estava cumprida.
Ieda foi resgatada.
No final, não foi tão difícil quanto eu imaginei. Mal deu para notar alguma verdadeira evolução da guria, senão de atributos físicos, como velocidade e força. Algo que já era de se esperar por conta de sua natureza sobrenatural. Ela tem vinte anos de idade, e sendo filha de Yuki-onna, já alcançou a totalidade de seus poderes como criança da Mulher da Neve.
De todo modo, vivendo com ela a partir de agora, eu terei mais oportunidades para ver o quão poderosa Yuna Nate se tornou.
— Sinto lhe dizer, seu pamonha, mas você quem irá carregá-la até em casa.
— Hã? Não iremos revezar como em uma boa dupla dinâmica, guria?
— Nem adianta tentar, você já imaginava que daria nisso.
Cortando minha tentativa de negociação pela raiz, a guria ergueu sua mão esquerda na altura de seu pescoço e o holograma de uma seringa apareceu de sua luva, tomando forma física na palma da mão de Yuna. Seus dedos logo envolveram o objeto, e ela perfurou com aquela agulha o braço de sua kouhai, injetando o vapor que havia dentro do cilindro.
— Certo. Ela vai ficar bem. Me dê uma ajuda aqui, Ulim. Chegue mais perto para que eu possa colocá-la sobre suas costas.
Phew.
O que eu poderia fazer? O decreto de meu mestre não me deixaria simplesmente fugir da companhia da Assassina de Youkais.
Com minhas patas caninas quase se movendo contra minha vontade, eu me aproximei da guria e de sua fiel escudeira agora de bruços em seus braços.
— Para sua sorte, seu pamonha, ela é um pouco mais leve do que eu, então não terá problemas de coluna.
— Eu não teria um problema desse mesmo se eu quisesse, guria. Lembre-se que sou um inugami, e consequentemente um shikigami. Dores nas costas não são algo recorrente em minha vida canina.
— Ótimo. A viagem será longa até Quioto, aliás. Os ônibus estão reduzidos e as linhas de trens mais lentas por causa de um novo vírus que está se espalhando nos humanos.
Yuna deitou sua aprendiz às minhas costas e envolveu os braços dela por meu pescoço.
No passado, algumas vezes levei Yuna de um canto a outro dormindo da mesma maneira em minhas costas. Não seria nada complicado fazer o mesmo com Ieda, que aparentava não se mexer tanto enquanto adormecia.
— É, eu ouvi falar. Meu mestre também comentou sobre. Disse que não precisamos nos preocupar porque nos regeneramos.
— Hmph, e Ieda queria desenvolver alguma coisa que salvasse a humanidade.
— Por que está falando dessa maneira? Achei que tivesse amigos humanos.
— E tenho. Uns cinco, talvez. Mas eu acredito que eles ficarão bem até tudo isso acabar. Agora, chega de conversa fiada. Temos um longo caminho, lembra?
Tomando a iniciativa, Yuna começou a caminhar na frente, dando os passos para que eu pudesse segui-la.
No entanto...
Ao que minhas patas iniciaram sua função natural...
Aquilo... aconteceu.
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