Shadow: 005
— Sinceramente, seu pamonha, eu não imaginava que era possível evocar um shikigami dessa forma e fazer as coisas que ele fez. Mesmo que aquele mágico de circo tivesse uns ideais bem malucos, ele tinha um conhecimento místico avançado demais até mesmo para mim. Claro, não que eu seja alguma especialista, mas creio que o livro que Mena me entregou me introduziu a muitas informações novas, e mesmo assim eu não cogitaria algo como o que enfrentamos.
Algumas horas depois do confronto, final de tarde do dia 23 de abril.
Yuna e eu estávamos sentados a sós em uma mesa de uma sorveteria lá mesmo em Niigata. Ela não demonstrou estar cansada desde que a realidade criada por Aleister foi desmoronada por ela e por Nuwa, e ainda reservou alguns minutos para dar instruções precisas ao agente 3k1 sobre o que fazer com o boneco de Metal Multiversal que nem mesmo a Abelha Trovejante foi capaz de destruir. Mas, assim que sentamos na mesma mesa daquele estabelecimento comercial de alimentos doces à base de leite, a hanyou retirou seus tênis de basquete e esticou suas pernas alvas por debaixo da mesa, apoiando seus calcanhares em minhas coxas, usando a mentirosa desculpa que estava com as panturrilhas doendo.
— Mas, Yuna, a lança não a havia lhe revigorado por completo?
— Hmm? Sim, mas, andamos bastante para chegarmos aqui, e isso fadigou minhas panturrilhas.
— Não andamos nem cem metros!
— Seu pamonha, nós andamos mais de cem metros, tenho certeza. E mesmo se não tivéssemos andado, eu não tenho tanto controle sobre meu corpo a ponto de impedir um desconforto muscular, apesar de eu ser bastante flexível. E outra, deveria estar me agradecendo por ter os pés mais bonitos do Japão repousando sobre seu colo. Olhe para eles e diga se não se parecem com dois pães franceses antes de entrarem no forno.
— ...
Pois eu fiz como ela disse, olhei para seus pés sobre minhas coxas.
Hmm...
Hmm.
Caramba! Eles são muito fofos!
— Ei, ei, ei, não pense em tocá-los, seu pamonha, e também não salive em cima deles. Só os deixem aí, descansando.
— C-Certo.
Droga, fui tomado por grandes emoções.
Mas enfim. Voltando ao tópico principal.
— Como acha que Aleister conseguiu fazer tanto sendo apenas um humano comum. Digo, ele tinha um conhecimento místico absurdo, mas ele foi responsável por tantas coisas só com feitiços e magias, e sempre agindo à distância. E agora, olha o que ele foi capaz de criar. Ele quase te matou, sabia?
— Não gosto que lembrem disso em voz alta. Mas, de fato, ele foi um oponente interessante. Eu só não sei explicar como arquitetou tudo isso só com os benefícios das artes místicas, mas consigo imaginar a linha de pensamento que utilizou. Acho que o que ele tem de melhor, no final, sendo somente um ser humano e nada mais, é a sua inteligência.
— É, pode ser. Aliás, por que nós estamos aqui, Yuna? Você nem deve saber como é a sensação de tomar um sorvete.
— Ora, meu shinigami, estamos em um encontro. Não posso deixar aquela chiquitita me vencer até nisso. Ela já tem vantagem de cenário por dormir com você todas as noites. E agora que sei de vocês dois, não posso permitir que seja tudo tão fácil. Por isso, daqui três minutos, se meu convidado não chegar, nós vamos para o banheiro de cadeirante e vou lhe mostrar sobre a flexibilidade que comentei.
— O-O quê?! Não faça piadas desse tipo em voz alta! E Nuwa e eu dormimos em quartos separados! E... espera, que convidado?
— Hmm, aquele ali. — Ela apontou com o queixo para a entrada da sorveteria. — Chegou dois minutos mais cedo, aliás.
Eu mirei meus olhos para onde ela indicou e vi a figura de um homem adentrando o estabelecimento e cruzando olhares conosco. Sua aparência me era bastante familiar, e não demorou para que eu me recordasse de quem se tratava.
O cabelo escuro, penteado todo para o lado. O nariz grande, como se necessitasse de mais oxigênio do que os outros habitantes da Terra. O colete negro, com o último botão superior desabotoado, que cobria seu torso por completo, e a calça apertada de mesma cor, acompanhada por um par de sapatos lustrosos.
Ele caminhou até nossa mesa, e parou a dois passos de nós.
Merlin Oz, o irmão do mágico de circo.
Era ele o dito convidado de Yuna.
— Vejo que cumpriu com sua missão, senhorita Yuna, e embora fosse meu único irmão ali, Aleister precisava morrer. Foi melhor para todos.
— Eu perguntaria se as roupas pretas são pelo luto, seu pamonha, mas você sempre se veste como se estivesse em um funeral. De qualquer forma, sinto muito pelo seu irmão. Não é todo dia que se perde uma ferramenta tão valiosa.
— É, perdão? Não entendi o que quis dizer com isso?
E eu muito menos. Yuna poderia ter uma das línguas mais afiadas de nossa Terra do Sol Nascente, mas a forma que ela falou com Merlin e as palavras que escolheu foram um pouco exageradas até para ela.
Conhecendo-a há um tempo considerável, eu sabia que ela não era tão insensível a esse ponto.
Então, não me manifestei para ver até onde ia.
— Estou até impressionada por não ter entendido, Merlin, você é muito mais esperto do que o necessário para processar uma frase como a que proferi. Ou devo chamá-lo pelo seu nome original, Aleister Oz?
Como é que é?
Eu tinha escutado direito ou meu cérebro de deus da morte havia sido danificado no meio da batalha?
Tanto eu quanto o próprio Merlin estávamos ababelados com o que ela disse.
— Tsc, isso é desrespeitoso até para você, Yuna. Se me convocou aqui para zombar de mim, só tenho a dizer que nossos negócios estão encerrados. Você já foi paga e já cumpriu o que lhe pedi. Sendo assim, se me derem licença...
— Não vai rolar, mágico de circo. Primeiro, vai ter de escutar como consegui desmascará-lo.
— Não sei do que você...
— Sabe sim, seu pamonha, mas pode continuar fingindo o quanto quiser. Desde que você apareceu em casa, na ACSI, e me chamou de Leoa Laranja, eu sabia que pelo menos precisava pesquisar sobre você, já que pouquíssimas pessoas conheciam esse meu apelido. No entanto, nada encontrei de relevante em minhas pesquisas que desmentissem o básico que sabia sobre você. Além disso, você me pediu para dar um jeito no corpo de minha mãe que estava no andar secreto da AAA, mas não se aprofundou em como conseguiu esse tipo de informação, o que não seria um problema, caso eu não tivesse encontrado um velho amigo no local e tivesse descoberto como o corpo da Mulher da Neve havia parado lá. Bem, isso não significa muita coisa, claro. Mas depois, você me contou sobre os ideais de seu irmão, sobre a mana ortodoxa e mais alguns detalhes específicos demais para alguém que mal sabia onde encontrar a mente por trás de tudo aquilo. Isso não fazia muito sentido. E dias após nossa conversa, uma redoma aparece em Kobe, e você entra em contato me dizendo que era obra de seu irmão, como se ele fosse o único capaz de fazê-lo em todo Japão. Bem, no final, era mesmo obra dele, mas como de praxe, só seus shikigamis estavam lá. Horas depois de resolver essa questão, já na Mythpool, uma bomba explode o complexo, implantada por mais um familiar, este que estranhamente foi responsável pela morte de Mena, dias antes. Enfim, tudo me levava a colocá-lo em minha lista de suspeitos, porque você sempre veio até mim como se estivesse espionando seu irmão a todo momento, o que não poderia ser verdade já que, como comentei, você não sabia onde ele estava. No fim, julguei que você estava junto a ele, mas queria boicotá-lo por algum motivo e se manter limpo no processo.
— Tsc, isso é ridículo.
— Foi exatamente o que pensei, também. Se você era um mago tão poderoso quanto ele, e se trabalhasse sozinho com ele, não precisaria de ajuda externa para resolver qualquer coisa. Nisso, fui levada a aceitar que você era só mais um estrangeiro esquisito e que falava a verdade. Até que recebi um esclarecimento, a algumas horas atrás, somado ao que o meu shinigami aqui teorizou sobre os shikigamis surgindo em massa. Quando o seu irmão teve o uniforme quebrado e revelou seu corpo de madeira, eu compreendi o que Daigo me falou sobre tudo ser uma grande distração. Você criou um show de horrores com shikigamis e fendas dimensionais. Até deu um jeito de fazer com que Nuwa e eu nos reencontrássemos e quase nos matássemos. Toda essa distração, que não só prendeu a mim, mas como a polícia mitológica, a AAA, a ACAP, e até mesmo Tetsu, para que uma ideia menos megalomaníaca fosse concretizada. Aquele que você dizia ser Aleister era só mais um shikigami, o melhor que vi em toda minha vida, tendo o próprio fluxo de magia, podendo agir livremente e até sendo compatível a usar magia negra e evocar os próprios familiares. Seu erro foi não tê-lo deixado invocar o armazém, pois quando o derrotei, a margem da realidade não se desfez, o que me deu a certeza de que havia outra pessoa por trás de tudo e você foi o único que restou na lista de suspeitos.
— ......
— A verdade é que você já tinha conseguido coletar a mana ortodoxa, mas precisava escondê-la a todo custo até conseguir completar seu verdadeiro plano. Mas, infelizmente para você, Eisuke e eu tínhamos um relacionamento muito saudável na AAA, e qual informação secreta você acha que ele me passou quando o interroguei na Mythpool?
— ......
— O que foi, seu pamonha? Falei bastante?
— Sua... inquietante!
Merlin, ou Aleister, ou seja lá qual for o nome dele, puxou do bolso de seu colete uma varinha branca de madeira, como a que seu irmão, que era na verdade um shikigami, usou contra mim e Yuna.
Rangendo os dentes em ira, o mago apontou a ferramenta mágica na direção da hanyou, mas nada de fantástico aconteceu.
Estranhando sua falha e se desesperando, chacoalhou sua varinha como se esse gesto fosse fazê-la funcionar melhor. Mas, como da vez anterior, nada de fantástico aconteceu.
— Que inquietante. Por quê?
— Perímetro controlado, se é o que quer saber. No espaço determinado, somente aquele que conjurou o feitiço é capaz de usar magia. Posso não ser brilhante nas artes místicas como você, mas pelo menos o básico eu já domino. Sabe, talvez Mena já soubesse a verdade antes de morrer, por isso me entregou aquele livro. Mas, de qualquer forma, esse é um mistério que vou deixar para depois. A propósito, qual era o seu verdadeiro objetivo, seu pamonha? Por que fez tudo isso?
— Hmph... inquietante. Vou levar para o túmulo comigo.
— Está bem. Acho sensato.
Como era comum para minha pessoa, Yuna foi rápida, realizando uma movimentação quase invisível aos meus olhos. Para ser sincero, eu mal havia notado que seus pés deixaram minhas coxas quando ela desferiu o golpe derradeiro em nosso verdadeiro adversário.
Quando observei com clareza, Yuna Nate já estava de pé ao lado do mago, atravessando seu plexo solar com o antebraço revestido em gelo.
E assim, com o Aleister Oz, um humano comum, mas também brilhante, caindo de joelhos, sem o brilho da vida em seus olhos, é que se dá como encerrada o que gosto de chamar de Saga dos Shikigamis.
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