Shadow: 004
Do alto. Do profundo azul-celeste que tingia a imensidão acima de nós, um brilho dourado emergiu como se fosse uma estrela distante, e aos poucos, foi se intensificando, dando até a impressão de ser um meteorito.
Então, um zunido cortante, que poderia lembrar a turbina de um jato militar, acompanhou a queda daquela luz de ouro, que traçou um raio luminoso direto contra o corpo caído de nossa querida Assassina de Youkais.
E assim, a explosão cintilante como se um raio de sol tivesse tomado a forma de uma redoma no solo, parecia ter o único intuito de cegar a todos nós.
— O que diabos está acontecendo, pequena ovelha?
— E-Eu não faço ideia.
As coisas estavam bem confusas por ali. Yuna estava só o pó há segundos e, de repente, surge do céu um raio dourado que a acerta e a envolve em luz. Seria por esse raio misterioso que a hanyou estava querendo ganhar tanto tempo? E se fosse, por qual motivo exatamente?
Poderia ser aquele brilho de ouro...?
— Hmph, finalmente. O bom filho à casa torna, não é mesmo?
Era a voz dela. Yuna foi quem proferiu aquelas palavras, do meio da luminosidade dourada, que gradativamente perdia sua cor para o padrão branco, diminuindo também sua intensidade, até que a luz deu forma a uma silhueta de pé.
— Y-Yuna? É... você?
— E quem mais seria, seu pamonha?
Com isso, a luz que blindava as linhas daquele corpo terapêutico de tão belo começou a se dissipar, descascando-se da pele de Yuna, dos pés até sua cabeça, como se fosse porcelana cintilante.
Não tão lentamente, uma forma inédita da Assassina de Youkais me foi revelada.
Nos pés, seus tênis de basquete prevaleceram, embora a coloração tenha mudado para branco e amarelo. As pernas lisas e coxas fortes ainda despidas, mas uma espécie de lingerie de ouro acobertava seu quadril e virilha. Sobre o torso, seu uniforme carmesim não se encontrava mais lá. Sua barriga, lisa como uma pista de pouso, estava à mostra para todos, e um peitoral dourado cobria seus seios somente por baixo, não dependendo de alças para segurá-lo. Ainda por ali, suas mechas que caiam sobre seu peito haviam se tornado duas tranças no maior estilo viking. Nos braços, um par de braceletes de ouro que cobria metade de seus antebraços. E acima de seus olhos azul-escuros, como uma coroa sobre seu cabelo negro, se encontrava, claro, seu famigerado gorro cinza.
— Inquietante. Que forma de poder é essa?
Yuna ignorou a shikigami, começando a observar o próprio corpo.
— Hmm, fazia tempo que não me sentia tão livre, tinha até me esquecido de como é esta sensação.
— Ei, ovelha negra, acho que todos merecemos uma explicação, não acha?
— Hã? Está falando disso? Bem, vocês não devem saber, mas antes de me aprofundar nas artes das trevas, eu fui escolhida pela lança lendária Gungnir, que depois acabou sendo tomada por Maçã do Éden e ficou perdida no Mundo dos Shinigamis. Se bem que disse para aquele detetive tarado buscá-la quando voltamos de lá.
— Mas eu achei que a lança não responderia mais ao seu chamado — comentei. — Por conta da magia negra, como aconteceu com Maçã, você não deveria conseguir tocá-la.
— E você está certo. Diferente de Kusanagi que precisa de uma alma corrompida para ser empunhada, Gungnir, além da seleção, só pode ser manejada por uma alma límpida. E depois de um certo tempo utilizando o Modo Morgana, a mana negativa acabou me maculando um pouco. Mas, com o livro que Mena me entregou, eu descobri uma forma de me equilibrar entre a luz e a escuridão.
— E... onde está Gungnir, então?
— Ah, eu a engoli.
— C-Como assim?!
— Faz parte do processo mágico que a lança esteja selada dentro de meu corpo, seu pamonha. Assim, posso usá-la como fonte de mana no lugar do sangue de Morgana, e ficar livre dos efeitos colaterais da magia negra. Mas enfim. Isso é conversa para depois.
Se virando para a boneca de sombras e cravando seu olhar nela, Yuna bateu com o punho na palma de sua mão, introduzindo com um gesto o início do que eu esperava ser o round final.
— Inquietante. Você se fundiu com uma arma, da mesma forma que meu mestre se fundiu comigo.
— Não é como se eu esperasse que tivesse entendido, mas pode-se dizer que sim. Sei que não é necessário usar essa quantidade de poder contra você, o que até beira ao exagero, mas você me deixou em um estado bem deplorável, e gostaria de retribuir o favor.
— Mesmo nessa forma, você ainda é um obstáculo inquietante. Irei cumprir com meus deveres neste mundo.
— Ótimo. Seria desagradável se você fugisse.
E assim, Yuna se moveu, disparando em uma ofensiva tão veloz que a poeira do local onde ela se encontrava saltou no instante em que ela já estava diante de Ouija Oz. Demonstrando sua agilidade fora do comum até para Nuwa Lei Feng, nossa querida Assassina de Youkais foi de um ponto a outro antes que meu coração pudesse completar uma batida, e como o confronto estava, desde o início, sendo travado com a boa e velha violência dos socos e pontapés, era óbvio que a hanyou estaria com o punho preparado para pôr abaixo um edifício. E a shikigami nada poderia fazer contra aquela destreza tão súbita.
A boneca moldada por penumbra até cruzou os antebraços à frente de seu rosto, mas demorou um pouco para compreender que só teve essa oportunidade para erguer sua defesa, porque Yuna nem ao menos se localizava mais à sua frente. A hanyou já havia se reposicionado para às costas de Ouija, que se surpreendeu ao ser tocava de leve em seu ombro por aquela que detêm o título de Assassina de Youkais.
— Oizinho.
A shikigami se virou apressada e deu dois passos para trás, mostrando que em seus circuitos mágicos não havia nenhum registro sobre como agir ante aquela meio-youkai vestida com ouro místico.
— O que foi, cabeça de tentáculo? Achou mesmo que eu iria te socar e te mandar direto para o armazém que você parece gostar tanto? Não vou negar que seus protocolos de emergência são criativos, considerando que seu corpo é imortal por ser feito de mana negativa. Contudo, vai precisar ser muito mais sagaz para me enganar dessa forma tão simples.
— Tsc, inquietante. Você é só um obstáculo, mas insiste em ser uma antagonista de minha causa.
A voz da shikigami sofreu uma alteração nessa fala. Como se em um passe de mágica, ela foi trocada pela voz já bem conhecida de Aleister Oz, o onmyoji daquela boneca, e com isso até seu rosto de sombras, antes inexpressivo, passou a flexionar-se para refletir o sentimento de fúria que provavelmente emanava do mago. Afinal, mesmo que fundido completamente ao seu familiar, Ouija era somente uma ferramenta sem coração.
— Não me amole, seu pamonha. Achei que sua alma tivesse sido consumida pela magia negra.
— Hmph, seu conhecimento sobre as artes das trevas ainda é bastante limitado, Assassina de Youkais. Pode até achar que realizou um feitiço interessante para retomar a posse de sua lança, mas engolir Gungnir, mesmo que tenha sido escolhida por ela, vai acabar sendo mais prejudicial do que se continuasse abusando da mana negativa. Você é só uma mestiça de youkai e humano, não se sinta tão especial a ponto de tentar viver como um deus.
— Que saco.
Sem mesmo mover os pés, Yuna deslizou no pequeno espaço que a distanciava de Ouija, ou Aleister, e o golpeou de maneira relaxada com o punho em seu peito, parecendo mais que ela só esticou o braço do que atacou de fato. Mas, mesmo assim, o soco desleixado da hanyou lançou a boneca de sombras para longe com um estrondo sônico, como se ela fosse atropelada por um trem-bala.
E o lançamento foi tamanho, que a shikigami chegou a sumir de nossa vista.
— ...Ah. Y-Yuna, isso é incrível...
— Sem bajulações, seu pamonha, não temos muito tempo. O mágico de circo é mais esperto do que imaginei, e já entendeu que esta minha forma é temporária.
— Claro, ovelha negra, você achou que amedrontaria um mago como ele com só outra forma de magia? Você é sempre uma montanha-russa de emoções.
Nuwa estava se recolocando de pé, ainda cansada, mas agora conseguindo caminhar.
Ao ver isso, Yuna gesticulou na direção da semideusa, jogando um pó dourado contra ela. E aquela purpurina, ao invadir seu corpo magicamente, fez com que sua pele pálida voltasse ao habitual, cessando também com a sua fadiga.
— Hã? Que tipo de droga é essa, ovelha negra? Estou me sentindo bem melhor.
— N-Não é nenhuma droga, chiquitita! Eu só compartilhei um pouco da mana de Gungnir com você. É o suficiente para recarregar sua bateria, não é?
— Bem, me deixou um pouco animada, se é o que quer ouvir.
— Tsc, tanto faz. Só preciso que me faça um favor. Como você é a mais forte por natureza, acho que será a única capaz.
— Hmm. E o que quer que eu faça, hein?
— O armazém. Preciso que destrua tudo o que estiver dentro dele, principalmente o shikigami adormecido. Eu darei conta de Aleister até esta forma acabar, mas é provável que, além do shikigami adormecido, exista outro que está servindo de fonte para esta margem na realidade. Se destruir os dois shikigamis, é fim de jogo para o mago, não importa as circunstancias.
— Hmph, tá. Mas saiba que só irei fazer isso porque esses shikigamis destruíram minhas roupas prediletas. Não é como se fossemos amigas ou algo do tipo, ovelha negra.
— Perfeito, chiquitita. Eu não teria esclarecido melhor.
Com ambas desviando o olhar uma da outra, a filha do deus do trovão dobrou os joelhos e com um pulo foi do ponto em que estava direto para o armazém, atravessando meteórica o seu telhado para adentra-lo.
Já nossa querida Assassina de Youkais afastou uma mão de seu tronco, fazendo com que a lendária lança Gungnir surgisse com fagulhas místicas douradas entre seus dedos, que se uniram para agarrar o meio de sua haste.
Ver aquela arma legendária automaticamente me fazia lembrar de Maçã do Éden. Claro que, eu nunca diria isso em voz alta. Nem se estivesse a quilômetros de Yuna, eu não cometeria tal ousadia.
— Você disse que precisávamos exorcizar o shikigami para vencermos, Yuna. Qual o seu plano para isso?
— Sim, eu disse isso, mas não falei que era o único modo. Se erradicarmos a alma dentro da carapaça, a magia se encerrará e daí vamos conseguir a vitória também.
— Mas...?
— Não se apressa a arte, seu pamonha. Espere e verá. E não fique falando muito, não vai querer me ver irritada com esta lança em mãos.
— ...
Trovões ribombaram no céu límpido como uma lagoa virgem, e olhei por cima do ombro para visualizar relâmpagos azulados rasgarem o vácuo em quedas luminosas contra o armazém do mágico de circo.
O telhado do local foi destruído facilmente, como se cada telha fosse feita de papel almaço. E, as paredes de madeira receberam danos também, com raios que surgiam do interior do galpão uma vez ou outra. Lentamente, a estrutura vinha se deteriorando e era uma questão de tempo até ruir por completo.
— Então, desde quando vocês se conhecem, seu pamonha?
— Ah! N-Não faz muito tempo. Seis meses, talvez. Vocês parecem se conhecer há mais tempo, na verdade.
— De fato. Já tivemos alguns encontros no passado, mas nunca fizemos sexo, o que deve ser diferente de vocês.
— Eu nunca fiz sexo com ela! Nós moramos juntos por motivos profissionais!
— Moram juntos, é?
Não!
Droga! Deixei escapar!
Não, pior. Ela me induziu a isso com seu jogo de palavras sujas.
— B-Bem, acho que não é o momento para isso, não acha, Yuna?
— É, não consigo discordar. Aliás, veja, ele está vindo.
— Hmm?
Era incrível a tranquilidade que nossa querida Assassina de Youkais demonstrava diante de situações de extremo perigo, e eu admiro isso. Mas, algumas coisas eram um pouco demais para se manter tão calma. Como uma shikigami flutuando alto no ar de braço erguido com uma esfera negra de brilho púrpuro absorvendo não só o que restou da energia natural daquele planeta como a matéria que o compunha. Enquanto aquela esfera obscura se expandia sem gentileza, às árvores, terra e a grama, se despregavam do solo e eram absorvidas pela energia escura.
Acho que agora, aquilo era um buraco negro.
— Inquietante. Vocês querem destruir meu ideal? Tudo bem. Mas todo ato tem seu preço. Eu vou destruir este lugar por completo, antes que consigam sair desta realidade!
A esfera, em poucos segundos, já havia se tornado gigantesca, fazendo com que Aleister tivesse que mantê-la crescendo com os dois braços agora. A massa de energia havia se tornado tão grande que a luz solar foi ofuscada, escurecendo toda a área ao nosso redor.
— Y-Yuna.
— O que é?
— Tem como... isso ser detido?
— Mas é claro.
Disse ela, convicta.
E com essa convicção, alterou usa postura no campo de batalha, mantendo seu par de safiras fixo na boneca de sombras. Seu braço que segurava Gungnir a posicionou um pouco acima de seu respectivo ombro, ao que o braço oposto se estendeu na direção de Aleister. Suas pernas se separaram um pouco mais, e fizeram com que a hanyou ficasse mais de lado para nosso adversário.
Era como a pose de uma arremessadora olímpica de dardo. Tal como Maçã do Éden se postou contra Capuz Dourado no Monte Rebun. Claro que, nunca diria tais palavras em voz alta.
— Segure essa, Assassina de Youkais!
Aleister Oz enfim lançou seu asteroide esférico de mana negativa contra nós, e contra aquele planeta que já devia estar morto àquela altura. Mas, não sei se devido a densidade daquela bola gigante, ela não desceu em devastação tão rápida quanto imaginei. Não que fizesse diferença, já que o espaço cúbico que a esfera cobria era enorme.
Todavia, diferente da primeira esfera que o mago fez, essa, que era cem vezes maior, mal parecia ser um desafio para Yuna Nate.
— Hmph.
Aguardando um certo momento, aquela que detêm o título de Assassina de Youkais lançou a lendária lança Gungnir na direção da toda aquela magia negra que caía para nos desintegrar, e a arma dourada invadiu a massa de mana negativa na forma de um raio de luz.
— ......
— Yuna, não está parando!
— Quieto, seu pamonha. Você não sabe que a regra é clara?
— Regra?
— Sim. Gungnir, quando lançada, nunca erra seu alvo.
Ah, é verdade.
O desespero deve me ter feito esquecer.
Não importa o local ou a distância. Se está vivo ou se está morto. Se em nossa dimensão ou em outra. Se é mortal ou imortal. Ou mesmo se é material ou espiritual. Não faz diferença para a arma que, no passado, foi empunhada por Odin, o Pai de Todos.
E foi aí que entendi a tranquilidade de Yuna. Desde que sua lança chegou, ela já tinha a vitória declarada ao seu favor. E o mágico de circo, com sua alma no fundo de seu próprio shikigami, talvez também já soubesse disso.
Yuna não arremessou Gungnir contra a esfera de magia negra. Ela arremessou Gungnir contra a alma de Aleister Oz.
Erradicando sua essência, tudo o que estava ligado a ele seria desfeito.
Assim, se dissipando em um vendaval de vapor negro, a esfera obscura teve seu fim, deixando que a luz do dia voltasse a realizar seu trabalho de maneira apropriada. E, atrás dela, o corpo da shikigami onde se encontrava a alma do mago, era tragado pela gravidade com Gungnir atravessada em seu peito. Porém, seu corpo também se desfez em vapor antes de chegar ao chão, e a lança lendária fincou-se solitária no solo.
Enfim, nós tínhamos um vencedor.
E com esse resultado, acho que a humanidade estava salva.
Salva de um mago descontrolado, não deles mesmos, claro.
E para tornar nossa vitória absoluta, mais trovões retumbaram no céu, e uma chuva de relâmpagos se concentrou no armazém que já estava para ruir. Nuwa, então, só acelerou esse processo de demolição, explodindo com todo o galpão em uma única descarga elétrica.
— Vamos, seu pamonha. Ainda precisamos pôr abaixo esta margem na realidade.
Estendendo sua mão na direção de Gungnir, a lança lendária voou de volta para sua posse e desapareceu com as mesmas fagulhas douradas que surgiu. E não somente a arma mitológica que sumiu como também a armadura de ouro de Yuna se desfez a cobrindo em um flash esbranquiçado e a devolvendo seu tradicional uniforme escarlate.
As tranças vikings em suas mechas também se desfizeram, o que julguei ser uma pena, já que as achava bastante bonitinhas.
— Até porque, ainda temos uma pendencia importante em aberto.
— É... temos?
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