
Sand: 004
— Certo, seu pamonha, aqui estamos nós. Um grande castelo de estilo refinado com grandes mistérios nos aguardando aí dentro. Se não me remetesse tanto a um enredo preguiçoso dos anos 90, eu com certeza compraria essa história.
— Do que você está falando, Yuna?
— Estou falando sobre como as coisas estão acontecendo nesta realidade. Sabe, um castelo onde dentro nos espera o grande chefe é como se dá o clímax de um jogo do Super Mario. É disso que estou falando. Lá dentro está um dragão cuspidor de fogo e precisamos matá-lo. Só espero que a princesa não esteja em outro castelo.
— Entendo. Mas... será que agora pode me colocar no chão?
— Ah, foi mal.
Ei, quem está movendo a cronologia dos fatos dessa maneira?
Já estávamos no dia 15, então, fomos para o dia 2, e agora, voltamos para o dia 15. Será que o navegador dessas crônicas épicas não pode só seguir o calendário? Ou pelo menos se decidir em qual data ficará?
Bem, que seja.
A situação por ali era tão importante quanto a que estava sendo contada no capítulo anterior.
Basicamente, após Yuna derrotar o gigante dragão-de-komodo, libertando o poder de sua forma escura, o Modo Morgana, nós iniciamos o percurso para o grande castelo de arquitetura persa que se apresentava colossal e distante. Contudo, para prosseguirmos mais rapidamente até nosso objetivo naquela dimensão, a Assassina de Youkais teve a ideia de me carregar em suas costas, usando o argumento de que eu era muito lento e parecia uma lesma.
— Você é muito devagar, seu pamonha, inacreditável. Parece até uma lesma se arrastando por um caminho estreito de sal. Vamos, venha. Agarre meu corpo com suas pernas e me abrace pelo pescoço, como se fosse me enforcar.
Foi o que ela disse.
E, considerando que ela estava utilizando o Modo Morgana, eu não teria como contra-argumentar sua ideia que acabou soando mais como um decreto.
Se uma coleira aparecesse em meu pescoço e Yuna puxasse uma corrente para que eu me aproximasse, minha mente de shinigami aceitaria numa boa. Não que eu seja do tipo masoquista. Mas dizem que faz bem à saúde apanhar de mulher bonita uma vez ou outra.
Claro que, como isso não aconteceu, eu somente fui até ela e me atraquei em suas costas como um coala, deixando que seus antebraços passassem por baixo de meus joelhos.
Era isso.
O Megazord estava montado.
E aquela que detêm o título de Assassina de Youkais começou a dar grandes saltos de um ponto ao outro, como uma rã em fuga de um predador.
Criaturas surgiam da areia para nos impedir, mas a maioria era esmagada pelos seus tênis de basquete, devido aos seus pousos pesados a cada pulo.
Em poucos minutos, estávamos ali, à frente do castelo persa.
Diante da caverna oculta daquele universo.
— É chegada a hora, seu pamonha. Se mantenha firme e pise onde eu piso.
— C-Certo.
Por que eu estava nervoso, afinal?
Era difícil dizer se era por conta da presença de Yuna, com sua magia negra exalando de sua pele alva, ou se por conta da pressão que aquele castelo exercia sobre nós.
A construção de estilo persa era muito maior do que aparentava. Ao longe, ela já se mostrava monumental, mas assim que chegamos perto, ela parecia estar mais distante ainda.
O lugar era colossal a ponto de se dar a impressão de que havíamos adentrado uma nova realidade, dentro daquela outra realidade. Algo como quando tiramos uma foto de um espelho que reflete outro espelho e por aí vai.
Enfim.
Logo após a entrada, um longo corredor nos foi apresentado, e seguimos por ele até chegarmos em um grandioso salão oval. E nesse salão, que em suma não divergia em muita coisa de um castelo persa genérico que se pode encontrar em imagens na internet, continha algo um tanto peculiar, para ser honesto.
— Um pouco chamativo, não acha, Yuna?
— É, o design de interiores deste palácio não estava para brincadeira. Ou, só queria deixar algum tipo de marca registrada bem exposta.
Pois, pendurado por dois cabos no teto do grande salão, estava, nada mais nada menos, do que uma grande ampulheta estocando uma brilhante areia esverdeada.
O contador temporal estava levemente inclinado, travado com um pouco mais da metade da areia ocupando a parte inferior do artefato.
— Inquietante, não? Deve estar se perguntando o porquê disso estar aqui, Slim Shady.
— Hmm? Ora, vejam só quem decidiu dar as caras. Se não é Aleister Oz, o mago sonhador. Já faz alguns dias, não é, seu pamonha?
— Realmente, já faz um tempinho. E quem está aí com você? Ah, é o bom moço da Agência de Combate Anti-Psicopompos. Ou devo dizer, Coração de Escorpião.
— Daigo Kazuo, este é o meu nome.
— Claro, estou só brincando. Sei que você e o Coração são duas pessoas distintas, embora residam o mesmo corpo.
De fato, mais à frente, era ele. O mesmo homem que contratou a mim e a Nuwa para exterminar um deus da morte em Chiba e nos colocou em uma situação bastante complicada. Aleister Oz, suposto líder do NIP.
Olhos azul-claros como uma lagoa e cabelos loiros como se tingidos por raios de sol. Suas vestimentas eram sempre a mesma. Um traje típico de mágico de circo, em sua maioria branco, com as luvas, botas e botões na cor bege, assim como seu chapéu-coco sobre sua cabeça.
Sem dúvidas, era o responsável pelos eventos irritantes daquelas férias de primavera.
— Inquietante, realmente inquietante. Não imaginava que você e a Assassina de Youkais fossem próximos. Este planeta é tão pequeno quanto aparenta. Mas logo, irei reescrever como as coisas funcionam em nosso mundo.
— Não precisa ser enigmático, seu pamonha. Eu sei que quer ter acesso à magia ortodoxa e que quer abastecer um shikigami com ela. Até mesmo já sei sobre o Metal Multiversal. Agora, desfaça esta fenda na realidade.
— Vejo que sabe bastante. Mas será que o que sabe é verídico, Slim Shady? Porque, das coisas que citou, só uma informação é procedente.
— Tsc, pra mim, tanto faz se é verdade ou não. Eu fui contratada para esfregar sua cara no asfalto, e é o que farei.
Com isso, Yuna se moveu. Quase como se deslizasse os pés no solo, a Assassina de Youkais avançou em um vulto na direção do mágico de circo, pronta para realizar qualquer movimento seco que acabaria com sua estádia no plano terreno. No entanto, no meio do caminho, a três ou dois pequenos passos de Aleister Oz, algo alvejou nossa querida meio-youkai vindo do nada, a lançando praticamente de volta para o ponto de onde ela iniciou sua investida.
Ela retomou o equilíbrio com a sola de seus tênis patinando no piso persa.
E, se não ao mesmo momento, no segundo seguinte ao que Yuna foi golpeada, uma forte presença de mana empesteou aquele castelo.
— Hmph, já estava demorando para aparecer, shikigami. Eu quase fiquei entediada.
Diante de Aleister Oz, como se fosse um escudo humano, um boneco de ventríloquo se mantinha de pé, com um braço estendido para frente como se tivesse empurrado alguma coisa em seu caminho.
Se eu não estivesse ficando louco, tinha certeza de que ele não estava ali quando chegamos ou no momento em que Yuna decidiu por atacar.
— Inquietante, não? O mesmo boneco que você se apossou em Aokigahara foi consertado e agora lhe ataca com todas as forças. Se sua intuição fosse mais aguçada, teria o destruído naquele momento. Uma pena, não acha?
— Nada que eu não possa fazer hoje, seu pamonha. Mais um shikigami, menos um shikigami. Não faz diferença. Pode mandar quantos for, eu vou acabar com todos.
— Você é mesmo inquietante, Slim Shady. Sendo assim, espero que se divirta com Panna em sua melhor forma.
E junto de sua fala, a imagem do mágico de circo se desfez em uma fumaça branca.
Ele nem ao menos estava ali de maneira física.
Era somente um truque de mágica, como um holograma.
Os únicos que eram reais ali, erámos nós. Yuna, eu, e o shikigami.
— Tec, tec, tec... hunf.
Foi o barulho que o boneco de ventríloquo fez ao mover sua boca de madeira em uma tentativa falha de se comunicar. Todavia, como se pensasse que nós tínhamos entendido alguma coisa daquele som, seu corpo deu início a um movimento de pernas e braços, o colocando em uma posição de combate.
— Jeet kune do, seu pamonha? Essa língua eu compreendo. A propósito, sem querer deixar escapar esse momento romântico, se eu derrotá-lo, esta realidade será desconectada de nosso mundo, não é?
— Tec, tec.
— "Tec, tec", não tem como ser mais específico. Dois "tec" para não, e um para sim, está bem?
— Tec... hunf.
— Ótimo. Acredito que seremos bons amigos, assim. Pelo menos, até eu te solar inteiro.
E agora, era a vez da Yuna de se colocar em uma base para a batalha. Primeiro, dando passos circulares sem sair do lugar, como se para aquecer suas pernas, enquanto saltitava a cada passo e chacoalhava discretamente seus braços, o que fazia seus seios balançarem de forma hipnótica sob seu uniforme tingido pela escuridão. Após isso, com movimento sutis, como os de um artista passando seu pincel em uma tela branca, a Assassina de Youkais tomou a postura do estilo do tigre do kung-fu.
— Faça o seu pior, bonequinho.
— Tec!
Assim, ambos se moveram, desaparecendo dos pontos de partida devido a imensa aceleração dos dois. No instante seguinte, diversas imagens projetadas de Yuna e do boneco, Panna, surgiram ao redor do salão tão rápidas que até pareciam se multiplicar, mas na verdade, só não conseguiam se dissolver em sua falsidade antes que a próxima se apresentasse em outro lugar.
Cada imagem fantasma trazia a visão de um golpe diferente que se chocava entre eles. Antebraços, joelhos, cotovelos, punhos. E a cada encontro, junto de cada imagem, um estrondo se seguia.
De repente, aquela movimentação assombrosa cessou, e o boneco de ventríloquo se reapresentou ao meu campo de visão, surgindo sozinho mais ao centro do salão com sua aguarda armada. Um segundo depois, Yuna também reapareceu, mas no alto, caindo em uma voadora meteórica na direção de Panna, como se fosse uma vespa enfurecida.
Sem tempo para se esquivar, levando em conta a forma surpresa que a hanyou ressurgiu, o boneco de ventríloquo só pôde erguer suas defesas ante ao ataque da Assassina de Youkais. Cruzando seus antebraços em X na altura de seu rosto de madeira, Panna aparou o chute de Yuna, cuja pressão fez com que o solo trincasse sob os pés do shikigami.
E usando os antebraços que havia acabado de alvejar como apoio, Yuna deu um salto para trás, girando o corpo em pleno ar como uma atleta de ginastica artística e pousando mais para a entrada do salão.
— Hmph, você é rápido, forte e resistente, bonequinho. Só acho que deveria ser um pouco mais fofo. Vocês, bonecos de ventríloquo, são todos donos de uma aparência bizarra. É assustador até para mim.
— Tec. Tec, tec.
— Hmm? Um "sim" e um "não"? Vou interpretar como se fosse "vamos concordar e discordar", está bem? Só peço que não me leve a mal, seu pamonha, você parece ser simpático, mas os habitantes de Kobe estão assustados com uma redoma interdimensional no meio da cidade. Sabe, essas coisas não são avisadas na previsão do tempo.
— Tec... hunf.
— Que isso, eu quem agradeço.
E subitamente, após lançar um gracioso sorriso para seu adversário, nossa querida Assassina de Youkais meramente surgiu à frente do shikigami, lançando seu punho em um soco que disparou como um projétil de canhão contra o tórax amadeirado do boneco. Porém, dando um passo para o lado, como se já tivesse em mente aquela tentativa de ataque da hanyou, Panna se safou do punho de Yuna com facilidade.
Geralmente, isso seria o suficiente para armar e executar um contra-ataque, pegando aquele que lhe atacara com a guarda baixa. No entanto, contra aquela que detêm o título de Assassina de Youkais, nada era tão fácil quanto parecia.
Logo depois de ver seu soco falhar em esmurrar a madeira que compunha o corpo daquele shikigami, Yuna, com um invejável jogo de pernas, realinhou-se na fração de um segundo, ao mesmo tempo que recolhia seu braço que falhara em ataque. E, sem perder um décimo de segundo a mais, ela agora lançou seu outro braço para a ação, só que dessa vez, golpeando com a palma da mão na madeira, que de tão veloz parecia um relâmpago de sombras.
O som oco do golpe aplicado contra o peito do shikigami ecoou por todo salão e além. Contudo, o boneco não fez mais do que perder sua postura de combate e cambalear com um passo para trás.
E nesse mesmo momento em que Panna absorvia o choque do golpe que sofreu, que Yuna Nate viu todas as brechas de sua defesa expostas de uma vez.
Ela não demorou a agir. Virando seu corpo com sua destreza assombrosa, a Assassina de Youkais desferiu um chute em arco na altura da cabeça do boneco, o acertando com precisão em sua face amadeirada com seu calcanhar e, como consequência, decapitando o shikigami sem nenhuma gentileza.
Não somente isso, para falar a verdade.
Aquele chute foi tão voraz e, ao mesmo tempo, dono de uma elegância rara, que a poeira do solo se ergueu logo após a decapitação, desenhando um arco idêntico ao que a perna de Yuna desenhou no ar.
A cabeça de Panna foi jogada contra a parede, como uma bola de futebol, e se cravou na estrutura graças a força que foi arrancada. Já o corpo de madeira, desabou de costas para o piso e sem nenhum resquício de vida. Diferente da perna da hanyou, que retornou seu pé ao chão com serenidade.
— Bem, acho que o caso está encerrado, seu pamonha. No final, esse shikigami não era nada além de pura bravata e sons de madeira batendo uma na outra. Ah, e claro, com uma aparência assustadora.
— Phew, ainda bem. Estou respirando melhor só de saber que vou poder voltar para casa, Yuna. Estava me sentindo meio sufocado. Mais uma vez, acho que estou lhe devendo, não é?
— Não, por essa não. Encontrando com você ou não, eu seguiria plenamente para completar a missão que me foi dada. Você me entende, é o capitalismo.
— Ah... sim. Entendo. Mas, Yuna, escute. Não era para esta fenda na realidade se desfazer quando seu evocador fosse derrotado?
— Sim. E isso irá acontecer. Só precisamos ser... hã?
Subitamente, aquele universo perdeu as cores em um mero piscar de nossos olhos. E a imagem ao nosso redor tremeluziu e se destorceu, antes de se alterar por completo com um baque. E não só a imagem... como também o espaço.
De um momento a outro, nossas posições foram alteradas no salão.
Eu, que somente dei alguns passos para lá e para cá, senti a diferença como se fosse um tropeço ou passo em falso. Mas, para Yuna, as coisas foram diferentes. Ela, que estava mais ao centro do salão, simplesmente retornou para sua posição inicial, em sua postura do estilo do tigre do kung-fu.
Ela mal sabia o que fazer. Olhou a si mesma com a expressão de confusão imperando em seu rosto angelical.
E sem aguardar qualquer começo de compreensão da hanyou, e de mim também, para o que estava acontecendo, o boneco de ventríloquo investiu contra a Assassina de Youkais, a pegando totalmente desprevenida.
Um senhor puta soco foi disparado contra a face de Yuna Nate, a golpeando em cheio em seu maxilar, e a jogando para trás com a força de seu impacto.
Ué?
Aquele shikigami não havia acabado de perder a cabeça?!
Alguém avise o autor dos erros de continuidade.
— Mas que droga é essa?
Eu evoquei minhas Auréolas de Midas em meus pulsos e me voltei contra Panna, enquanto o corpo de Yuna se chocava de bunda no piso do salão, afundando o chão sob seus glúteos.
— Tec, tec... hunf.
E o boneco respondeu meu olhar desafiador, embora medroso, virando sua cabeça em noventa graus em minha direção. Não demorou muito para que seus braços e pernas de madeira se posicionassem para um novo round de um duelo mano a mano.
Hmph, que bizarro.
Bonecos de ventríloquo são muito bizarros.
Era até desconfortável encará-lo antes do combate.
— Não se torture com isso, seu pamonha. Eu não saí de cena só porque levei um belo soco. Não sei que tipo de magia você realizou, bonequinho, mas vou me certificar de que esteja morto dessa vez.
Chamando a responsabilidade de volta para ela, a Assassina de Youkais se colocava de pé batendo a poeira de sua bunda. E novamente, acariciando o ar e deslizando a sola de seus tênis de basquete, a hanyou retomou sua posição de combate, só que agora, diferente da anterior, a arte marcial escolhida como base era o wing chun.
A isso, a cabeça do shikigami retornou os noventa graus que havia virado, retomando seu foco para a Assassina de Youkais.
— Tsc.
Yuna poderia ter se ofendido com o descaso que aquele rosto de madeira projetava contra ela. E com seu estalo de língua, que meio que confirmava ter levado para o pessoal aquele duelo, a hanyou diminuiu a distância em um instante entre eles, percorrendo o espaço até o shikigami sem mesmo dar um passo sequer, como se fosse puxada por uma força invisível.
Ao que ficou, outra vez, diante do boneco de ventríloquo, ele reagiu, desferindo dois socos velozes contra Yuna, só que não velozes o bastante, já que ela aparou os dois golpes, consecutivamente, com seus antebraços. Assim, a guarda do shikigami foi totalmente aberta, e nossa querida Assassina de Youkais não pensou duas vezes para invadi-la.
Aplicando a famigerada técnica Lin Wan Kuen, o Soco Corrente do wing chun, onde uma sequência feroz e precisa de socos giratórios são desferidos contra um ponto especifico do corpo de seu inimigo. No caso do boneco, foi novamente contra o tórax. Yuna iniciou com dez golpes consecutivos no primeiro segundo, dobrando o ritmo dos socos no segundo seguinte, e triplicando no terceiro e último. Um total de sessenta socos impactando o mesmo local do corpo de madeira de Panna. E somado a força que a hanyou detinha em sua natureza, que estava sendo ampliada graças a mana negativa correndo por seus circuitos mágicos, não fiquei surpreso ao escutar o ruído de madeira se estilhaçando.
Depois de todos aqueles socos rápido e firmes, a Assassina de Youkais precisava dar o golpe derradeiro. E foi o que ela fez, ora. Dobrando os braços e levando seus cotovelos para trás, Yuna empurrou o boneco de ventríloquo batendo com ambas as mãos em seu peito, onde os dedos indicadores e do meio estavam erguidos, e os polegares estendidos, como se para formar a letra L.
Com a colisão dos dedos de Yuna no corpo de madeira do shikigami, a poeira ao redor deles saltou, e o boneco foi lançado para trás como se atropelado por um trem-bala. E com seu corpo se chocando contra a parede do salão, Panna se desfez em pedaços. Não só a cabeça como da primeira vez, agora, também foram os dois braços e as duas pernas, como se cada membro tivesse se desencaixado de seu devido lugar.
A cabeça do boneco rolou no solo e parou com sua face encarando Yuna Nate.
Bizarro.
Muito bizarro.
— Bem, aparentemente, com sua carapaça destruída por completo, o shikigami não será capaz de realizar nenhum outro truque.
Yuna disse aquilo, mas não deixava de encarar desconfiada o rosto de madeira do derrotado Panna.
— Eu espero que você esteja realmente certa, Yuna. Mas, não querendo ser um cara chato, esta realidade ainda permanece sem sofrer alterações com a morte desse boneco. O que exatamente deveria ocorrer agora?
— Saiba que você foi bastante chato em sua observação, seu pamonha. No entanto, não irei usar isso como desculpa para não lhe responder, já que você pode acabar assumindo que me esquivei de sua dúvida por não saber respondê-la.
— ...Só responda, Yuna.
— Hmm, certo. Para ser honesta, não é nada complicado. Esta realidade irá se desfazer, sendo engolida pela fenda interdimensional, ou seja, sendo engolida por ela mesma. E o que não é respectivo de seu universo, será ignorado e permanecerá em nosso mundo. Algo como o final de Jumanji, o clássico. Não o isekai com o The Rock.
— Compreendo. E não tenho um bom pressentimento sobre. Acho que um processo desse tipo, considerando a imensidão desta realidade desértica, não deveria demorar tanto para começar. Pelo menos, não mais do que três parágrafos de diálogo.
— Hmph, ora bolas, parece que você tem razão, meu shinigami...? Ei, de novo?
Não exatamente "de novo", a magia agora foi executada de forma diferente, o que nos permitiu descobrir o que havia ocorrido anteriormente.
Dessa vez, não foi todo aquele universo que perdeu a coloração, mas sim, somente os fragmentos do boneco de ventríloquo jogados ao solo. Como se retrocedessem no tempo, como o rebobinar de um filme antigo, as peças que compunham o corpo do shikigami se reencaixaram uma a uma, dando forma e retornando à vida o bizarríssimo Panna.
E então, sua coloração voltou ao normal.
— Tec, tec... hunf.
Sua boca de madeira abriu e fechou como se zombasse da Assassina de Youkais.
Mas ela somente cruzou os braços, antes de levar uma mão para a ponta de seu queixo.
Ela estava rapidamente raciocinando sobre o ocorrido.
— Hmm, entendi, bonequinho. Quer dizer que da primeira vez que esta realidade ficou cinzenta, não foram nossos corpos que foram manipulados, mas sim, o tempo deste lugar. Pela sua velocidade e pelo o que aconteceu, julguei que suas habilidades magicas estavam voltadas à manipulação espacial. Porém, ao que tudo indica, sua manipulação é temporal. E ainda por cima, pode ser localizada em objetos ou globalizada. Você é realmente dono dessa realidade, não?
— Tec, tec.
— Não é? Pois então, quem mais seria capaz de manipular a corrente do tempo deste universo senão seu próprio dono? Ou está me dizendo que...
Se eu estava conseguindo acompanhar a linha de raciocínio de Yuna, o que ela estava teorizando é que, possivelmente, existisse um outro shikigami que regesse aquela dimensão e que tivesse o poder de manipular suas questões de espaço e tempo, como um deus supremo daquele lugar.
Mas, além das criaturas mutantes daquela realidade desértica e gigantesca, e que eram todas naturais dali, não deveria haver ninguém com esse poder sobre o lugar senão o shikigami cuja mana foi usada para abrir a fenda interdimensional. E, seguindo por essa lógica, o único familiar místico ali era o boneco de ventríloquo.
Todavia, o mesmo estava negando associação com o que ocorreu quando tudo se tornou branco e preto. Algo que poderia ser verdade, dado ao fato de Yuna ter destroçado sua carapaça de shikigami e que, sem isso, o espirito evocado naquele corpo de madeira não poderia agir com magia, já que não haveria mais vínculo com a mana do casco em que estava ou com a de seu invocador. E também, a alma seria imediatamente tragada para o plano espiritual, sem ter chances de protestar ou se rebelar sobre.
Sendo assim, faria sentido ter um segundo alguém envolvido com o boneco.
Por outro lado, se realmente houvesse, a presença desse alguém não seria facilmente ocultada de Yuna Nate. Ainda mais com todos os seus sentidos, que já eram naturalmente bastante aguçados, amplificados graças ao Modo Morgana.
Era até engraçado cogitar essa possibilidade, tendo que imaginar alguém muito além do que qualquer outro shikigami que enfrentamos anteriormente, e como isso parecia ser apocalíptico.
A menos que, esse segundo indivíduo não fosse um "alguém" e sim "algo".
Um objeto, para ser mais específico.
E nesse lampejo de genialidade, eu coloquei para funcionar o Olho Que Tudo Vê, erguendo discretamente meu olhar para a grande ampulheta pendurada por cabos no teto.
Voilà.
Ali estava.
Escondido no meio de toda aquela areia verde, havia uma pequena esfera de vidro escarlate, com um cérebro na forma de um coração em seu interior.
Era um dos núcleos do NIP.
Aquela ampulheta era o verdadeiro chefão ali.
— Yuna, eu descobri!
— Hã? Descobriu o quê?
Na minha cabeça, eu não tinha tempo para dar nenhuma explicação para nossa querida Assassina de Youkais. Minhas pernas pareceram agir por conta própria, dobrando os joelhos antes de me lançar contra a ampulheta mais acima. Meu punho também parecia saber o que fazer, como se tivesse combinado com minhas pernas rebeldes. Já que as Auréolas de Midas ainda estavam em atividade, o chi daquele lugar, por menor que fosse, estava sendo absorvido por meu corpo. E somado a minha força natural como vassalo das leis da morte, julguei que seria mais do que suficiente para destruir o vidro da ampulheta, para depois agarrar o núcleo mágico que regia aquela realidade.
Porém, a centímetros de meu objetivo, com meu braço preparado para o soco e com meu punho mais firme do que uma rocha, o boneco de ventríloquo simplesmente se postou em pleno ar entre mim e a ampulheta.
— Tec, tec.
— Tsc.
Era tudo ou nada naquele momento. Se fosse para acabar com aquela fenda dimensional e retornar para a nossa realidade, estava valendo. Meu braço já estava pronto e tinha certeza que a potência de meu golpe seria suficiente. Até mesmo para levar com a ampulheta o corpo de madeira do shikigami.
Era isso. Era o ato final.
Por todas as complicações que o NIP e seus shikigamis me fizeram passar.
— OOOOOH!
Com um brado de valentia, eu disparei meu punho contra Panna, e consequentemente, contra a ampulheta que ele protegia. Meu soco foi seco no meio da face amadeirada do boneco, o levando de cabeça para o vidro da grande ampulheta, fazendo seu crânio colidir com o óxido metálico, e assim... só gerando uma rachadura no material.
Minha força, mesmo com as Auréolas de Midas, não era o bastante.
Nem mesmo a cabeça do shikigami, que se permitiu ser golpeado tão facilmente, sofreu algum tipo de ferimento grave. Talvez, o que tenha criado aquela fissura no vidro não tenha nem sido por conta da pressão de meu soco, mas sim, por conta do resistente crânio do boneco de ventríloquo batendo em velocidade nele.
Meus poderes, se comparados aos daquele shikigami; se comparados aos de uma pessoa no nível de Yuna ou de Nuwa; não passavam de uma manifestação patética de força.
E, ao que a gravidade deu início ao seu trabalho sujo, um braço do boneco se mexeu, alvejando-me na barriga e me lançando para trás como se eu fosse um inseto.
Eu estava para cair com tudo de costas no chão, mas de repente, meu corpo foi amortecido por algo e segurado pela mesma coisa.
— Y-Yuna...
— Você está bem, seu pamonha?
Por algum motivo, eu senti meu rosto esquentar.
Eu caí exatamente nos braços da Assassina de Youkais, que provavelmente se moveu para me resgatar em queda, algo que já seria um motivo plausível para ficar corado. Mas, não somente isso, a hanyou me olhou de cima com uma sincera expressão de preocupação em seu rosto de anjo, que se mostrava para mim entre o volume de seus seios sob o uniforme escurecido. Aquele ponto de vista, com mais seu cabelo branco e seus olhos cor-de-rosa de seu Modo Morgana, tornavam sua beleza terapêutica em algo bem mais intimidador. Claro, quando ela não lhe encarava com a intenção de matar. Ou, talvez mesmo com as intenções assassinas.
— É... estou.
— Ótimo. Só espero que não se apaixone de novo. Já tenho problemas demais ultimamente.
— Eu nunca fui...
E ela retirou seus braços de sob meu corpo, me deixando cair de costas no piso do salão, mesmo que agora de uma altura segura.
Com um passo largo, ela passou por cima de mim, como se fosse Allen Iverson, e deu mais um passo, antes de cravar os olhos no shikigami que já havia aterrissado de sua obstrução à minha investida da vitória.
— Então, bonequinho, há algo na ampulheta que você quer proteger, não é?
— Tec... hunf.
— Entendi, entendi. Sendo assim, acho que é a minha vez de tentar tocá-la, não acha?
Não como se esperasse uma resposta do boneco de ventríloquo, Yuna somente avançou ao terminar sua fala. Dando três passos em aceleração, a Assassina de Youkais logo saltou na direção da ampulheta, da mesma forma do que eu. E assim como também ocorreu comigo, o shikigami dobrou seus joelhos de madeira e pulou, se colocando entre o medidor temporal e a hanyou como se fosse um pivô na tentativa de impedir uma enterrada. Contudo, considerando quem estava para enterrar, era difícil apostar no boneco.
Ao que Yuna estava para atacar o shikigami e a ampulheta de uma vez, seguindo a mesma ideia que a minha, não foi com um soco que ela resolveu aquele caso.
Emergindo em vapor negro, como se a hanyou tivesse a puxado de uma outra dimensão por cima de seu ombro, uma katana de lâmina negra apareceu em sua mão, e seu braço logo traçou o movimento diagonal contra Panna, que mal teve tempo de esboçar uma reação. E, em consequência, a lâmina obscura, também fatiou a ampulheta em pedaços.
Era o fim para os dois familiares. Agora, sem ressureições.
Mais à frente, Yuna Nate pousou tranquila no piso daquele castelo persa. Segurando em sua mão, Katônomaru, a lâmina caça-fantasmas.
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