Winker - Parte I
Ato I
A respiração de Coimbra está acelerada, mas sua decisão já foi tomada. Ele se ergue do arbusto em um impulso determinado, os músculos rígidos como se cada célula de seu corpo estivesse gritando para agir. Mas antes que ele dê mais um passo, minha mão se fecha ao redor de seu antebraço com força.
- O que diabos você tá fazendo? - minha voz sai baixa, mas cortante.
Ele não recua. Pelo contrário, sua expressão se fecha, os olhos faiscando com uma urgência que beira o desespero.
- Ela tá ferrada, Naomi. Muito ferrada. Se a gente não cuidar dela agora, vai sangrar até a morte.
Com um movimento brusco, ele se desvencilha do meu aperto e corre até o corpo caído da mulher.
Eu aperto os lábios com força, um gosto amargo se formando na minha boca. Meu olhar percorre o cenário do massacre: cadáveres espalhados como bonecos quebrados, o chão encharcado de sangue e terra úmida, um cheiro espesso e metálico pairando no ar. Cada detalhe parece grudar na minha mente como um aviso, uma lembrança persistente de que essa mulher, esse pedaço de carne largado no chão, não é apenas uma vítima.
Engulo em seco e sigo até ele. - Não parece estar fingindo - reflito observando seu corpo absorto no chão, mas por precaução, mantenho a pistola firme em minhas mãos enquanto Coimbra joga a mochila no chão, ajoelhando-se ao lado dela. A expressão dele está carregada de foco absoluto, as sobrancelhas franzidas enquanto vasculha o kit de primeiros socorros com dedos ágeis, as mãos firmes apesar da tensão evidente em seu corpo.
- Ela está muito ferida! - declara, erguendo com cuidado as costas da mulher, expondo o estrago em sua pele.
A visão dos cortes profundos me faz franzir a testa. O sangue seco cobre algumas áreas como tinta escura, mas outras feridas ainda vertem líquido quente e denso. Coimbra pressiona uma gaze contra o pior dos cortes, tentando estancar a hemorragia, o tecido branco tingindo-se de vermelho em segundos.
- Precisamos levá-la ao acampamento - ele informa, sua voz carregada de determinação. - Ela perdeu muito sangue - repousando as costas dela delicadamente no chão.
Eu aperto o cabo da pistola, meus músculos enrijecendo. - É perigoso.
Coimbra levanta a cabeça num estalo, me encarando com aquela expressão irritante de quem já sabe que vai me contrariar. - Você tá falando sério?
- Mais sério que um tiro na testa - respondo de imediato.
Seus lábios se apertam em uma linha fina, os olhos faiscando com irritação contida. Ele inspira fundo, tentando manter a calma, mas a frustração já está evidente na tensão dos seus ombros.
- Naomi, você viu o que essa mulher fez.
Dou um passo à frente, estreitando os olhos. - Exatamente por isso que acho uma ideia de merda levar ela com a gente. - Minha voz sai afiada, fria como o cano da arma que ainda seguro. - A gente não tem ideia de quem ela é. Do que ela quer. Se a gente der mole, a próxima pilha de corpos vai ter nossos nomes nela.
Coimbra aperta a mandíbula, os músculos se contraindo sob a pele suada. Ele desvia o olhar por um instante, como se estivesse processando minhas palavras, mas no fundo, eu sei que ele já fez sua escolha.
Ele solta um suspiro pesado, irritado.
- Ela nos salvou. Você não entendeu isso?
- Ela matou um bando de desgraçados que tavam no caminho dela. - Inclino a cabeça, meu tom gotejando sarcasmo e ceticismo. - Tem uma diferença aí.
O silêncio se estende entre nós. Coimbra não rebate de imediato. Talvez porque, no fundo, ele saiba que estou certa. Mas isso não parece o suficiente para mudar sua decisão.
De repente, contra todas as expectativas, o braço da mulher se ergue num espasmo súbito, os dedos se fechando como uma armadilha ao redor do antebraço de Coimbra. A força do aperto é brutal, seus músculos retesados num reflexo inconsciente de sobrevivência. Coimbra solta um xingamento surpreso, o corpo tenso, mas não recua.
Meu instinto age antes da minha mente. O clique metálico da pistola sendo engatilhada corta o ar.
- Solta ele! - Ordeno, com minha mira indo direto para o rosto dela.
Não obstante Coimbra levanta a outra mão imediatamente, um gesto apressado para me impedir de atirar.
- Não! - A urgência na voz dele me faz hesitar por um milésimo de segundo. - Ela tá inconsciente.
Minha mandíbula trava. O aperto dela diz outra coisa. Os dedos afundam na pele dele, brancos pela força absurda, como se estivesse agarrando a própria vida. Não é um movimento de alguém sem consciência.
- Ah, é? Então por que ela tá tentando te arrancar o braço? - Dou um passo à frente, os olhos cravados nela, a mira firme. O cano da arma está a meros centímetros de seu rosto sujo de sangue. - Isso não é normal.
Coimbra olha para o antebraço preso, o cenho franzido, o olhar dividindo incerteza e teimosia. Então, ele solta um riso curto. - Se ela fosse normal, já teria morrido.
Minha mão ainda está na pistola, o dedo ainda no gatilho. Tudo dentro de mim grita que isso é uma péssima ideia, que estamos prestes a trazer uma fera para dentro do nosso acampamento.
Mas então ele diz algo que me atinge como um soco.
- Que droga, Naomi. - Seu tom muda. O peso em sua voz é diferente agora. - Você viu inocentes morrerem em Vinera porque confiou na decisão errada. Vai repetir isso outra vez? - questiona, cada sílaba soando como um lembrete impiedoso do passado.
Meu dedo permanece fixo no gatilho, mas minha mente é invadida por imagens de Vinera: o calor sufocante das chamas, o odor acre e perturbador de carne queimando, os gritos angustiantes e o lamento das crianças perdidas em meio ao caos. A memória de Vinera pulsa em mim como um corte aberto, revivendo a dor e o desespero que parecia não ter fim.
Sua voz, carregada de uma autoridade inegável, continua: - Sabe qual a diferença entre o que aconteceu em Vinera e o que está acontecendo aqui? - Ele se inclina um pouco mais para perto, marcando a proximidade inevitável. - Em Vinera, você não tinha escolha. Agora tem. Você pode ter fechado seus olhos lá, mas essa é a hora de abri-los. Essa é sua oportunidade de fazer diferente. Não enterre essa junto com o resto.
Minha garganta se fecha. Quero contestar. Quero dizer que ele não tem o direito de me jogar isso na cara. Mas a verdade é...
Ele tem.
Sem hesitar, Coimbra abaixa suavemente o braço da mulher, como se o gesto carregasse tanto compaixão quanto responsabilidade. - Ela nos salvou - ele declara. - Agora é a hora de retribuirmos - sua voz firme não deixando espaço para qualquer divergência.
Solto o ar devagar, meus ombros caindo um pouco, cedendo o fardo da decisão. Minha mão relaxa, e abaixo a pistola.
- Se isso der errado, Coimbra, eu juro por Deus que vou esfregar sua cara naquilo! - Aponto com os olhos para a poça de fezes de Uto.
Ele sorri de canto.
- Se der errado, acho que você nem vai ter tempo pra isso.
Reviro os olhos.
- Coloca ela no colo! Eu levo a mochila - comunico.
Coimbra ajeita a mulher com cuidado, passando os braços sob suas pernas e costas. Um gemido baixo escapa dos lábios dela quando ele a ergue, mas seus olhos continuam fechados. Seu corpo parece muito leve para alguém tão mortal.
Dou um passo à frente, pegando a mochila de Coimbra e jogando-a sobre as costas. Antes de sairmos, meu olhar recai sobre o bastão caído ao lado dos corpos.
Abaixo-me, pego o bastão e corro para alcançar Coimbra.
- O que foi? - Ele pergunta, me lançando um olhar rápido.
- Nada - respondo, balançando a cabeça.
E então, começamos a caminhada de volta ao acampamento.
Ato II
A respiração de Coimbra está pesada. O esforço de carregar a mulher ferida já está cobrando seu preço, seus músculos retesam sob o peso do corpo inerte, os passos são firmes, mas carregam um cansaço crescente. Ainda assim, ele segue em frente, os olhos fixos no caminho à frente como se cada passo fosse uma reafirmação silenciosa da escolha que fez.
Eu caminho ao lado, o bastão seguro em minhas mãos, sentindo o peso da mochila de Coimbra presa às minhas costas. O cheiro do sangue ainda está forte no ar, misturando-se ao aroma úmido da floresta
- Sabe o que me irrita nisso tudo? - Expresso.
Coimbra não responde de imediato. Em vez disso, me lança um olhar de relance, sua sobrancelha arqueada em uma expressão cansada, mas curiosa. Ele não para de andar, mas posso sentir sua atenção voltada para mim.
- O fato de que, no fundo, eu acho que você pode estar certo.
Ele interrompe o passo por um segundo, como se precisasse processar o que acabou de ouvir. Seus olhos se estreitam ligeiramente, a boca se entreabre, mas ele não diz nada. Um vento frio passa por nós, balançando as folhas e trazendo consigo um cheiro distante de terra molhada.
Solto um riso curto, irônico, balançando a cabeça. Meu olhar permanece fixo na trilha à frente, sem encará-lo diretamente.
- Relaxa. Só... tô pensando.
Coimbra retoma o passo, me observando de canto de olho, esperando que eu continue.
- Primeiro de tudo, ainda acho que levar essa mulher pro acampamento pode acabar com a gente mortos.
- Lá vem... - ele murmura, revirando os olhos, ajustando o peso da mulher em seus braços.
Levanto uma mão, interrompendo o resmungo antes que ele possa crescer.
- Mas - enfatizo, deixando a palavra pairar no ar.
Ele ergue as sobrancelhas, esperando o veredito. - Mas? - Insiste
- Mas ela nos salvou.
Minha voz sai mais firme do que esperava, e percebo isso no instante em que as palavras deixam minha boca. Suspiro, chutando uma pedra pequena no caminho, observando-a rolar para dentro do mato.
- Se tivesse sido o contrário, se nós estivéssemos no chão e ela tivesse ignorado? Acho que eu teria sentido na pele o tipo de escolha que considerei fazer.
Coimbra me encara pelo canto do olho, seus lábios se apertando em uma linha fina. Ele analisa minhas palavras com paciência.
- Você tá me dizendo que...
Cruzo os braços, estreitando os olhos.
- Não se ache - Advirto, percebendo o início de um sorriso se formando nos lábios dele. - Só tô admitindo que talvez - enfio um dedo no ar para enfatizar - eu seja um pouco pragmática demais.
O sorriso dele cresce um pouco mais.
- Pragmatismo é um eufemismo bonito pra "quase me deixou morrer de hemorragia por paranoia", né?
Reviro os olhos e cruzo os braços com mais força.
- Para de ser dramático.
Ele solta um riso leve, balançando a cabeça, e continua andando. Apesar do cansaço evidente, há um brilho divertido nos olhos dele, como se estivesse aproveitando a rara oportunidade de me ver reconsiderar uma decisão.
- Na real, eu entendo - Coimbra revela, sua voz carregada de uma calma resoluta. - Você passou a vida inteira sendo programada pra ser uma máquina da SARIME. Tudo preto no branco. Matou? Sobreviveu. Morreu? Perdeu.
Ele me lança um olhar de canto, a testa franzida em uma expressão de compreensão.
- Qualquer um em seu lugar teria o mesmo nível de pragmatismo - ele continua, sua voz baixa, mas firme. - Mas, agora, Naomi... como eu disse, agora você tem uma escolha.
Minhas mãos apertam o bastão por reflexo. Não gosto da forma como ele diz isso, como se fosse tão simples. Como se escolhas viessem sem um preço. Por isso, hesito antes de responder.
- Talvez parte de mim só queira ter certeza de que nunca vou estar do outro lado daquela decisão de novo. - Minha voz sai mais suave do que esperava, quase um sussurro perdido entre as árvores. Não olho para ele, mas sinto seu olhar pesar sobre mim.
Coimbra não responde de imediato. Apenas continua me observando, como se tentasse decifrar algo que eu mesma ainda não compreendi. Seus olhos se desviam por um instante, pousando sobre a mulher inconsciente em seus braços, antes de finalmente falar: - E é exatamente por isso que a gente tá levando ela. - Seu tom é simples, direto, como se estivesse afirmando uma verdade incontestável.
Solto um suspiro baixo.
- Talvez.
Ele ergue uma sobrancelha, um brilho divertido dançando em seus olhos.
- Talvez?
Dou de ombros, mantendo minha expressão impassível.
- Tá bom, ok. Você venceu. Mas se essa mulher acordar e tentar cortar sua garganta, eu retiro qualquer simpatia por esse seu momento de compaixão.
Coimbra solta um riso curto, carregado de cansaço, mas também de satisfação.
- Naomi... isso foi quase um elogio.
Balanço a cabeça em negação. - Foi um alerta.
- Mas também um elogio.
Cruzo os braços, estreitando os olhos para ele.
- Se você precisa acreditar nisso pra dormir melhor, fique à vontade.
Ele sorri de canto, parando de andar e ajeitando melhor a mulher em seus braços novamente.
- Nem preciso. Hoje vou dormir tranquilo, sabendo que você tá aprendendo a ter fé na humanidade.
Faço uma careta exagerada. - Ai, Deus me livre.
Coimbra ri, e eu solto um suspiro exasperado. Mas, por mais que tente esconder, sinto o canto da minha boca se curvar em um quase sorriso.
Quando nos aproximamos do rio onde enfrentamos a onça, a paisagem parece diferente. Não porque algo mudou de fato, mas porque nós mudamos. A luz pálida da lua se reflete na correnteza, criando um jogo de sombras e brilhos na água que corre sem se importar com a carnificina que deixamos para trás. O som contínuo do rio preenche o silêncio entre nós, uma lembrança indiferente de que o mundo continua girando, independentemente das nossas lutas.
Coimbra para por um instante, ajustando o peso da mulher em seus braços, os olhos fixos no local onde tudo aconteceu. Há algo na expressão dele, um traço de reconhecimento, talvez até respeito pelo perigo que enfrentamos aqui antes.
Eu quebro o silêncio, observando o fluxo d'água deslizar suavemente entre as pedras e acabo soltando um riso seco.
- O que foi? - Ele questiona.
- Engraçado, né? Poucas horas atrás a gente estava se matando pra sobreviver aqui. Agora estamos voltando como se fosse só mais um dia normal.
Coimbra solta um suspiro, um meio sorriso se formando em seu rosto.
- Bem-vinda à Ilha. É um ciclo.
Minhas sobrancelhas se arqueiam.- Ciclos são perigosos.
Ele me olha de relance antes de responder, sua voz sem pressa, mas carregada de convicção. - Só se você não aprende com eles.
- E quem garante que eu aprendi?
Coimbra para de olhar para a água e me encara, inclinando a cabeça levemente como se estudasse a pergunta. Então, dá de ombros com naturalidade. - O fato dela está aqui.
Por algum motivo, essa resposta me acerta mais do que deveria. Há um peso inesperado naquelas palavras, algo que não esperava ouvir, e que me faz desviar o olhar para o reflexo da lua na superfície ondulante do rio.
Engulo em seco, expulsando qualquer coisa parecida com fraqueza antes que ela se instale. - Se essa mulher sobreviver e acordar, acho que quero ser a primeira a falar com ela.
Coimbra ri baixo, a exaustão evidente em sua voz, mas o humor ainda presente. - Eu sabia. No fundo, você é uma sentimental disfarçada.
Reviro os olhos, mas a resposta vem rápida. - Não se empolga.
Ele dá um sorriso de canto, aquele que já sei que significa "tarde demais".
Balanço a cabeça, fingindo irritação, mas já estou sorrindo sem perceber.
O rio corre à nossa frente, o fluxo mais fraco do que da última vez que passamos por aqui, como se até ele estivesse se acalmando depois do caos. Ao som da água corrente e do farfalhar leve das árvores ao redor, pela primeira vez em muito tempo, sinto que fiz a escolha certa.
Mergulho minha perna no rio e a primeira coisa que sinto é o frio da água subindo pelas minhas pernas.
- Dessa vez me espera - Coimbra brinca, logo atrás.
- Relaxa, agora...
A correnteza desliza ao redor do meu joelho, e estou prestes a atravessar quando escuto o som, um respingo repentino, algo pesado caindo na água atrás de mim. Meu instinto grita antes mesmo da minha mente entender.
Viro-me rápido, o coração martelando no peito, e tudo acontece em uma fração de segundo. Vejo um vulto se movendo pelo canto do olho, veloz, preciso, e então o impacto vem.
Meus reflexos salvam minha cara e me abaixo instintivamente, minha mão subindo em um impulso automático para bloquear o chute. A força do golpe percorre meus braços como um choque elétrico. A mulher está acordada. E não apenas acordada, ela já está atacando.
A água explode ao meu redor quando Coimbra e ela caem no rio. Meu corpo reage antes mesmo da minha mente registrar o que está acontecendo. Solto um xingamento e dou um passo para trás, puxando o bastão das costas, mas já é tarde.
A mulher se ergue da água como um demônio emergindo do inferno, seu corpo encharcado, os músculos tensionados como aço sob a pele ferida. Seus olhos brilham com uma fúria animalesca, os fios de cabelo molhados grudando no rosto coberto de sangue seco e novos cortes.
Coimbra ainda está tentando se reerguer quando ela se vira para mim. Ergo o bastão, firmando os pés no fundo do rio, sentindo a correnteza puxar contra minhas panturrilhas, mas ela avança, jogando todo o peso do corpo num chute giratório. O golpe vem rápido demais. Desvio por um triz, sentindo o vento do impacto passar rente ao meu rosto.
Não há tempo para respirar. Ela não para e o bastão não é rápido o suficiente, então eu recuo e ergo o antebraço para bloquear o próximo golpe. A canela dela se choca contra meu braço, um choque bruto que reverbera até o meu ombro e fazendo meu corpo afundar mais na água. A correnteza tenta me puxar, mas eu me seguro, fincando os pés no fundo lodoso do rio.
Ela avança de novo, sem hesitação.
E eu sei, no instante em que ela se move outra vez, que se eu não contra-atacar agora, ela vai me esmagar.
A correnteza puxa ao redor das minhas pernas, cada movimento se tornando mais pesado, mais arrastado. Meu chute dispara contra o joelho dela, mas a resistência da água enfraquece o impacto, tornando o golpe fácil de desviar, e ela se move com precisão, seu corpo se ajustando à fluidez do ambiente como se já tivesse lutado em situações assim antes. Porém, eu não recuo e giro o bastão, mirando sua têmpora.
O golpe rasga o ar, certeiro, ou quase. Ela abaixa e o golpe erra por centímetros, e antes que eu possa reagir, sinto os dedos dela se fecharem ao redor do bastão, puxando-o com uma força absurda que o arranca das minhas mãos, porém não o segundo e o deixando cair na água.
- Merda! - A praga explode na minha mente enquanto vejo minha única vantagem ser engolida pela correnteza.
Sem hesitar, ela aproveita o momento e dispara um soco direto. O punho dela se aproxima rápido demais. Meu corpo age antes do pensamento, e eu me jogo para o lado, desviando. Mas a água trai meus movimentos e meu pé escorrega no fundo do rio, e antes que eu possa me estabilizar, sinto seu corpo pressionando o meu para baixo, sua força me mantendo submersa. O desespero aperta minha garganta, mas eu luto contra o pânico. Minha mente grita para que eu me controle.
- Respiração presa. Não entre em pânico. Se entrar, você morre - raciocino, controlando o fôlego.
Meus dedos se movem instintivamente, tateando o leito do rio. A água é densa, a lama se dissolvendo entre meus dedos. Então, encontro algo sólido, um punhado de pedras ásperas e frias. Entretanto, antes que eu possa agir, um borrão se move acima da superfície. Coimbra entra no combate, avançando pela lateral, a expressão feroz enquanto tenta agarrá-la por trás.
A resposta dela é instantânea, em um movimento fluido, ela se abaixa, girando o quadril. O equilíbrio dela é impecável, e Coimbra mal tem tempo de perceber o erro antes de seu próprio impulso ser usado contra ele.
Ela o lança por cima do ombro, e Coimbra voa pelo ar por um segundo que parece uma eternidade, e então atinge a água com um impacto bruto. O barulho do impacto reverbera ao meu redor, bolhas explodindo em todas as direções.
Ele afunda completamente.
A água fria agarra minha pele como correntes invisíveis enquanto emergindo do fundo. Não há tempo para pensar, para recuperar o fôlego. Instinto puro assume o controle, e com um movimento brusco, lanço o punhado de pedras que agarrei no fundo do rio, mirando diretamente no rosto da mulher.
O estalo das pedras contra seu rosto ressoa abafado pela água e pelo vento. Ela se protege com o antebraço no último segundo, os olhos piscando rápido, surpresa com o ataque improvisado. Não a ferindo, mas é o suficiente.
Aproveito a abertura e avanço, explodindo para frente como uma onda revolta. Meu punho se choca contra o estômago dela, empurrando-a com força para trás. Mas ela não fraqueja e seus dedos disparam, ágeis, como ganchos agarrando meu braço. Ela gira o corpo, utilizando minha própria força contra mim e a força da rotação me lança para trás e, mais uma vez, sou engolida pela correnteza impiedosa. A água me envolve, fria e traiçoeira, girando meu corpo como se fosse um pedaço de madeira à deriva. Meu crânio lateja ao bater contra algo submerso, pedra, tronco, não importa. O impacto me deixa momentaneamente atordoada.
Respira. Pensa. Não entra em pânico. Essas coisas tinham que passar em minha mente, todavia a celeridade com que tudo acontece, não me permite esse vislumbre.
Meus pés buscam desesperadamente algo sólido. Então, encontro. Meus músculos se contraem, e com um impulso feroz, me projeto para cima.
A superfície explode ao meu redor quando minha cabeça emerge do rio. Ofego, puxando o ar como se fosse um náufrago à beira da morte. Meus olhos captam imediatamente Coimbra, de pé um pouco adiante.
Seu peito sobe e desce em arfadas pesadas, o cabelo pingando, os punhos cerrados. A raiva queimando em seu olhar é quase palpável.
- Porra! Nós estamos tentando te ajudar! - Ele rosna, sua voz carregada de frustração.
A mulher não responde com palavras. Seu corpo se movimenta e seu pé dispara para frente, um chute frontal visando o peito de Coimbra. O impacto é violento e Coimbra tropeça para trás, seus pés arrastando-se contra o leito do rio. Ele quase cai, mas se recupera no último segundo, os joelhos dobrando-se ligeiramente para absorver a força.
Os olhos dele se estreitam, e ele avança. Seus pés cortam a água, seus ombros se lançam para frente, desviando do próximo golpe. Ele agarra o braço dela, buscando imobilizá-la, conter a selvageria daquela mulher que, mesmo ferida, continua lutando como se a vida dependesse disso.
Ela reage como um animal encurralado. Seus dedos se fecham ao redor do pulso dele e, com um movimento ágil, ela torce o braço e aplica uma chave de articulação. Coimbra solta um grito abafado enquanto seu joelho cede, dobrando contra a correnteza, e sua cabeça afunda na água por um instante agonizante.
Eu me lanço para cima dela antes que ela possa quebrar o braço dele, ou afogá-lo. Minhas mãos encontrando os cabelos encharcados da mulher. Enrolo os dedos nos fios molhados e puxo com força.
- Solta ele, sua maluca! - Ordeno.
Ela solta um ruído curto, seu corpo sendo arrastado pela tração repentina. Seu aperto em Coimbra afrouxa, e ele se liberta, recuando enquanto engole ar, sua mandíbula tensa.
Ela se vira para mim. Seus olhos brilham com algo entre fúria e... excitação?
Eu não hesito. Não obstante é ela que avança primeiro.
Seu punho rasga o espaço entre nós, buscando meu rosto. Meu corpo reage por puro reflexo, o antebraço subindo em um bloqueio firme. O impacto reverbera em meu braço, dolorido, mas não o suficiente para me parar.
Aproveito a abertura e meu punho explode em um gancho preciso, mirando sua mandíbula. Mas ela se move no último instante. O soco passa rente ao seu rosto, errando por um fio.
E então, ela contra-ataca, a cotovelada vem de baixo, brutal, direto na lateral da minha testa e o mundo estala ao meu redor. Um clarão de dor explode em meu crânio, quente e sufocante. Sinto a pele se romper, algo quente escorrendo pela lateral do meu rosto: sangue.
Porém eu não recuo. - Eu não vou perder! - ignoro a dor e agarro sua cintura, soltando um grito feroz e colocando toda minha força em um impulso que a empurra para trás, usando a correnteza a meu favor.
Seu corpo colide contra a margem do rio. O impacto é alto, e lama e folhas se espalham quando seu corpo se choca contra a terra.
Minha respiração é um turbilhão de ofegos pesados. Meus músculos doem e meu rosto pulsa onde o golpe dela me atingiu. Contudo, por um segundo, eu acho que consegui, no entanto vejo o brilho selvagem nos olhos dela. Seus lábios se curvam em um sorriso torto, sujo de sangue e água.
- Caralho, você nunca desiste? - cuspo, sentindo a exaustão me dominando.
Ela inclina a cabeça, a respiração irregular, mas seu sorriso só cresce. - Não. - E então, ela salta para frente, me pegando desprevenida. Seu ombro atinge minha barriga, e eu sou lançada para trás, despencando na água do rio que se abre para me engolir mais uma vez.
A correnteza me envolve como um abraço de ferro. Eu tento me erguer, mas o peso da mulher está sobre mim. Seus dedos encontram meu pescoço e ela aperta.
A água ao redor de mim se torna uma moldura borrada, a escuridão rastejando em minha visão. Meu peito arde, o oxigênio escapando.
Luto para me soltar, mas seus dedos são como garras cravadas em minha garganta.
- Não deveria tê-la ajudado! - Uma voz exclama em minha mente.
A exaustão arrasta meu corpo para o fundo, o brilho da lua se ocultando mais a cada segundo pelas nuvens de minhas pálpebras.
Coimbra surge de repente, e se lança contra a mulher, seus braços envolvendo-a por trás em um movimento bruto e decidido. Ele a arranca da minha garganta e, com um grito gutural, a ergue como se fosse jogá-la para fora de um ringue.
A água explode ao redor dos dois. A mulher não grita. Não se debate como alguém que teme a queda. Em vez disso, ela gira no ar com um reflexo animal e aterrissa de pé na margem, seu corpo deslizando pela lama antes de encontrar estabilidade. E, antes que Coimbra possa recuperar o equilíbrio, ela se projeta para frente e seu chute vem certeiro. O impacto estala no rosto de Coimbra. Sua cabeça gira violentamente para o lado, e um filete de sangue espesso voa de sua boca antes de ele tropeçar, os pés arrastando pela água até finalmente se firmar. Ele balança a cabeça, como se tentasse afastar o zumbido que com certeza ecoa em seu crânio. Mas seus olhos continuam firmes. Determinados.
No entanto, antes que a mulher avance de novo, ele levanta os punhos e grita: - CHEGA!
A mulher congela. Seu peito sobe e desce, os músculos tremem sob a pele marcada por hematomas e cortes. Ela olha para Coimbra, depois para mim. Então, repentinamente... Ela ri. É um som estranho no começo, baixo, contido, como se ela mesma não acreditasse que está rindo. Mas a risada cresce, ganhando força, até se transformar em algo genuíno, como se tivéssemos acabado de contar a piada mais absurda do mundo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro