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Feralia - Parte I

Ato I

O caminho até o centro de pesquisa é tortuoso, uma trilha estreita cercada por árvores altas cujas copas formam densa cobertura que filtra a luz do sol. O som da água à frente anuncia o rio antes mesmo de chegarmos à sua margem. Coimbra, caminhando à minha frente com passos pesados, para abruptamente assim que o fluxo caudaloso aparece em nossa frente. Sua postura rígida deixa clara sua hesitação.

Ele joga a mochila no chão por um instante e observa a correnteza. O movimento das águas é agressivo, com redemoinhos que giram como predadores à espreita. - Tem certeza que esse é o único caminho? - pergunta, sem tirar os olhos do rio.

Aproximo-me dele, sentindo o peso do olhar que lança sobre mim em busca de uma alternativa. - Temos outra opção, mas isso nos atrasaria pelo menos um dia - respondo, com tom firme. Dou um passo à frente, inclinando-me para olhar a correnteza. Respiro fundo antes de afundar o primeiro pé na água.

O frio intenso da água sobe pela minha perna, arrepiando minha pele e cortando o calor que o esforço da caminhada trouxe. Sinto meu corpo reagir instintivamente ao choque térmico, mas não deixo que isso me paralise. Com cuidado, arrasto os pés pelo leito pedregoso, testando a resistência da correnteza antes de dar cada passo.

- A água está fria, mas não é tão intensa - informo, sem olhar para trás, enquanto me movo com cautela. Cada movimento exige esforço e atenção, o peso da água empurrando contra as minhas pernas e ameaçando meu equilíbrio. Quando chego ao meio do rio, lanço um olhar por cima do ombro.

Coimbra ainda está parado na margem, os braços cruzados e os olhos fixos em mim, avaliando o risco. Sua expressão é indecifrável, mas seus lábios se apertam em uma linha fina que sugere hesitação. Estendo a mão para ele, gesticulando para que me siga. - Vamos, Coimbra. Se continuarmos por este caminho, chegaremos lá antes do pôr do sol de amanhã - declaro, a determinação transparecendo em minha voz.

Ele inspira profundamente, quase como se estivesse se preparando para um salto, e, com um suspiro resignado, finalmente afunda o pé no rio. Sua expressão se contorce levemente ao sentir o frio da água, mas ele segue em frente, seus passos firmes e lentos, enquanto mantém os olhos na correnteza.

Quando alcanço a outra margem, seguro-me em uma pedra lisa para me impulsionar para fora do rio. A relva macia da margem cede sob meu peso, e deixo meu corpo cair de costas no chão, exausta. O céu límpido se estende acima de mim, um azul profundo interrompido apenas por alguns galhos das árvores próximas. Respiro fundo, deixando o alívio de estar fora da água tomar conta por um instante.

- Naomi! Cuidado! - O grito de Coimbra corta o ar, carregado de pânico. Viro a cabeça na direção dele e, por um instante, tudo parece desacelerar. Vejo os olhos arregalados de Coimbra, a água respingando ao seu redor enquanto ele tenta avançar contra a correnteza. Mas é o som baixo e gutural que realmente congela meu corpo: o rosnado de uma onça-pintada escondida entre a folhagem à margem do rio.

Antes que eu possa reagir, ela salta, uma mancha dourada e negra em movimento. O reflexo toma conta de mim, e rolo para o lado no último segundo. O impacto de suas patas contra o chão envia fragmentos de terra e folhas para o ar, e um rugido feroz escapa de sua garganta.

Coimbra, ainda no rio, luta contra a corrente para se aproximar, mas o fluxo dela aumenta drasticamente, tornando seus movimentos lentos. Ele se abaixa, pega uma pedra lisa no fundo do rio e a arremessa contra o animal. O projétil atinge o flanco da onça, que se vira momentaneamente em sua direção, distraída pelo golpe. Aproveito a oportunidade para tentar alcançar minha pistola, mas percebo, com um aperto no peito, que ela está caída a poucos metros, próxima demais do animal.

Corro em direção a pistola, mas a fera é veloz e salta em minha frente. Ela rosna, grave e ameaçadora, enquanto circula em volta da arma com o olhar fixo nos meus movimentos.

Minha respiração é irregular, o peito subindo e descendo freneticamente enquanto tento avaliar a distância entre nós. O suor escorre pela lateral do meu rosto, misturando-se à umidade da travessia. Os músculos do meu corpo estão tensos, prontos para reagir ao menor movimento da fera. O cheiro de terra molhada e da pele quente da onça enche o ar, tornando o momento ainda mais sufocante.

Quando ela avança, tudo parece acontecer em câmera lenta. Rolo para o lado, sentindo o impacto das patas da onça no chão onde eu estava. Terra e pedras voam ao redor, o som do golpe abafando até o meu próprio grito de esforço. A onça se vira quase instantaneamente, suas patas escavando o solo para ganhar tração enquanto tenta me encurralar. Meus olhos disparam para o chão, desesperados por qualquer coisa que possa me dar vantagem. Minha mão encontra uma pedra fria, lisa e pesada. Sem pensar, lanço o projétil com toda a força que tenho. Ele atinge o focinho da onça com um som seco e abafado, arrancando um rugido furioso que faz os pássaros da floresta levantarem voo.

O golpe não a para, mas a faz hesitar. Ela recua alguns passos, balançando a cabeça enquanto um filete de sangue escorre pelo focinho atingido. Aproveito os segundos preciosos para me levantar.

Os olhos da onça seus olhos brilham com uma fúria contida. Ela calcula, mede, enquanto eu recuo em direção à pistola. O terreno é irregular, e cada movimento meu é acompanhado pelo som das pedras sendo esmagadas sob meus pés. Quando ela ataca novamente, eu me jogo para o lado, sentindo o calor de suas garras raspando a lateral da minha perna. Minha queda é dura, mas meu grito é engolido pela adrenalina que me mantém atenta. O sangue escorre pela ferida, pingando no chão em um padrão irregular.

Tento me levantar, mas a onça já está sobre mim. Suas garras descem em um arco mortal, e instintivamente agarro um galho grosso caído ao lado. O golpe atinge sua pata no momento certo, desviando seu ataque. O impacto faz o galho rachar, mas compro tempo suficiente para rastejar para longe, meus dedos arrastando-se desesperadamente pelo chão. A visão periférica capta Coimbra lutando contra a correnteza, sua figura contorcida pela dificuldade de avançar. Ele grita algo, mas o som é abafado pelos rosnados da onça e pelo bater frenético do meu coração.

A fera avança novamente, e desta vez não tenho escolha a não ser enfrentar o ataque de frente. Seguro o galho quebrado como uma lança, posicionando-o contra a trajetória dela. Quando ela salta, o impacto é como uma explosão. Ela se choca contra o galho com tanta força que sou arremessada para trás, minha cabeça batendo contra uma pedra no chão. Ouço o estalo do galho partindo, mas também um grunhido de dor da onça. O som é baixo, gutural, mas significa que consegui feri-la.

Levanto-me, os pulmões queimando enquanto tento recuperar o fôlego. A pistola está a apenas alguns passos, mas a onça, mesmo ferida, continua sendo uma ameaça letal. Suas garras deixam marcas profundas no solo enquanto ela manca, o sangue escorrendo de seu flanco. Seus olhos são pura selvageria e ela se move de forma assassina ignorando completamente Coimbra, que ainda luta para chegar.

Quando ela salta novamente, não há tempo para pensar. Minha perna desliza no solo enquanto giro o corpo, esquivando-me por um triz. Minhas costas atingem uma árvore próxima, e o impacto envia uma dor surda pela coluna. A onça tenta novamente, mas desta vez uso o tronco como apoio para escalar rapidamente um galho baixo. Sinto as garras dela rasparem a sola da minha bota, mas consigo subir no último momento.

De cima do galho, vejo Coimbra finalmente se aproximar, sua mão segurando algo que reluz brevemente na luz do sol. Ele grita, sua voz rasgando o caos ao meu redor. - Naomi! Segura isso! - Algo voa pelo ar, girando até atingir minha mão. É uma faca improvisada, pesada e rude, mas afiada o suficiente.

A onça salta novamente, e seus movimentos são rápidos demais para qualquer reação precisa. Com o impulso do galho, lanço-me sobre ela, segurando a faca com ambas as mãos. Meu peso jogando a lâmina contra o flanco da onça, que solta um rugido ensurdecedor. O sangue espirra em jatos quentes, manchando minha pele e minhas roupas. O impacto no chão me faz perder a faca, e agora estou sob a fera, lutando para mantê-la longe do meu rosto enquanto suas garras tentam rasgar meu abdômen.

Coimbra finalmente chega, seus passos pesados misturados com o som dos respingos de água e o rosnado baixo da onça. Ele avança sem hesitação, os olhos fixos no animal. Com um movimento decidido, ele salta, cravando um pedaço de madeira afiada no flanco da fera. O golpe é feroz, e o som do impacto é abafado por um rugido gutural de dor. O corpo da onça contorce-se, e o sangue escorre rapidamente pela madeira cravada em sua lateral, escuro e quente, manchando o chão. Ela recua instintivamente, as patas arranhando o solo, tentando recuperar o equilíbrio.

Aproveito o momento de distração. Meu corpo se move quase por reflexo, ignorando a dor que pulsa na lateral da minha perna. Rolo para longe, cada movimento enviando ondas de adrenalina pelo meu corpo, e meus dedos finalmente alcançam a pistola caída.

Quando me levanto, não há tempo para pensar. A onça, mesmo ferida, solta um rugido ensurdecedor, uma última demonstração de força. Ela se lança novamente, e o mundo ao meu redor parece desaparecer, tudo se reduzindo ao som do sangue pulsando nos meus ouvidos e ao movimento predatório dela se aproximando. Minha mente está vazia; é o instinto que assume o controle.

Com as mãos firmes ergo a pistola. Cada segundo parece arrastado, como se o tempo desacelerasse. Vejo os músculos da onça se contraírem no salto, as garras prontas para rasgar carne, o hálito quente e fétido chegando a mim em ondas. Meu dedo aperta o gatilho.

O recuo da arma sacode meus braços, mas mantenho o olhar fixo no animal. O impacto é direto, atingindo-a no peito, bem no centro. Por um instante, ela continua em movimento, o peso do salto parecendo inevitável. Mas então, o corpo dela cede. Um grunhido rouco e profundo escapa de sua garganta, e suas patas perdem a força no meio do ar. A fera tomba pesadamente no chão, a poucos passos de distância.

Fico imóvel, a pistola ainda erguida, os braços rígidos e o olhar fixo no animal. O som abafado de meu coração nos ouvidos mistura-se ao silêncio que se instala após o tiro. O cheiro metálico de sangue e pólvora domina o ar. O corpo da onça permanece imóvel, os olhos agora opacos, o peito já não sobe e desce.

Baixo a pistola devagar, meus dedos ainda apertando o cabo com força. Sinto a adrenalina começar a ceder, deixando um cansaço esmagador no lugar. Minhas pernas ameaçam ceder, mas me forço a ficar de pé.

Coimbra se aproxima, os passos mais lentos agora, o corpo curvado pela exaustão. Sua mão firme pousa em meu ombro, um gesto que carrega tanto alívio quanto aprovação. Sua respiração está ofegante, e ele passa a mão pelo rosto suado, tentando se recompor.

Ele solta uma risada rouca, que carrega tanto cansaço quanto alívio genuíno. - Bom tiro, - ele diz, sua voz ainda trêmula. Seus olhos desviam para o corpo da onça caída, e por um momento ele simplesmente a observa, como se não acreditasse que o perigo acabou.

Então, ele olha para mim, um sorriso cansado surgindo no rosto. - Mas na próxima vez, me espera, tá? - A piada é fraca, mas há um calor nela que ajuda a aliviar o peso do momento.

Não consigo evitar um pequeno sorriso, ainda que meu corpo inteiro esteja gritando por descanso. - Na próxima, eu deixo você ir na frente - respondo, minha voz baixa, quase um sussurro.

Coimbra ri novamente, um som breve que parece mais de alívio do que de humor real. Ele se joga na grama ao meu lado, ofegante, e olha para o céu, onde a luz do dia começa a suavizar. - Pelo menos agora temos carne fresca - diz ele, com um sorriso torto.

Caio ao lado dele, deixando meu corpo relaxar pela primeira vez. O chão é áspero e frio, mas, depois do que acabamos de enfrentar, parece quase confortável. Enquanto olho para o céu, minha mente finalmente começa a aceitar: sobrevivemos. Mais uma vez.

- Você acha que o resto do caminho vai ser assim? - pergunto, fechando os olhos e deixando o som da floresta tomar conta.

A respiração de Coimbra ainda está irregular, mas já não parece tão desesperada quanto minutos atrás. - Se for, espero que você tenha mais balas - responde, com riso quase imperceptível, carregado de exaustão.

Ato II

Levanto-me da grama lentamente, os músculos ainda latejando da luta com a onça. Meu corpo protesta, mas não tenho tempo para fraquezas. O céu acima começa a tingir-se com as primeiras tonalidades do crepúsculo, um lembrete sombrio de que a noite se aproxima rapidamente, trazendo consigo a promessa de mais perigos.

Com um gesto automático, alcanço a mochila de Coimbra, que repousa no chão próximo, e retiro o pequeno cantil vazio de seu compartimento lateral. Seguro o cantil firmemente e caminho até a margem do rio, os passos fazendo a terra úmida ceder levemente sob minhas botas.

A correnteza é forte, mais forte do que à primeira vista. O fluxo caudaloso refletindo os últimos raios de luz do sol. Ajoelho-me cuidadosamente na margem, sentindo o frescor da relva úmida contra minha pele. Inclino-me para frente, mergulhando o cantil na água. As bolhas que sobem até a superfície são pequenas, quase insignificantes, mas por algum motivo, meu olhar permanece fixo nelas, acompanhando seus movimentos até desaparecerem.

Enquanto observo o cantil encher, uma tensão que eu nem percebi estar segurando começa a se dissolver. Puxo o cantil de volta para fora, gotas escorrendo por sua lateral e pingando silenciosamente de volta ao rio. Trago-o aos lábios e tomo alguns goles longos. O frescor da água é um alívio instantâneo, uma dádiva breve contra a secura que arranha minha garganta. Fecho os olhos por um momento, deixando que a sensação apague, mesmo que temporariamente, o cansaço acumulado.

Limpo a boca com as costas da mão e abaixo o cantil. O som do rio continua preenchendo o ar, mas minha mente viaja para longe, puxada pela memória persistente da noite anterior. As palavras de Coimbra ecoam em meus pensamentos como um sussurro incômodo: "Por que você traiu a SARIME?"

A pergunta que parecia tão simples carrega um peso que é quase impossível de verbalizar. Revivo o momento em que ele a fez, seu tom cauteloso, os olhos fixos em mim, buscando uma resposta que eu não estava pronta para dar. Agora, à beira do rio, cercada pelo som incessante da água fluindo, as memórias vêm como uma avalanche, impossível de conter.

Respiro fundo, tentando conter a tempestade dentro de mim. Meus olhos se fixam no reflexo trêmulo da água à minha frente, como se as ondulações pudessem trazer alguma clareza. Mas tudo o que vejo é o passado. Vinera. O vilarejo em chamas. O cheiro de fumaça e carne queimada. Os gritos que ecoavam pelas ruas. Meu peito aperta, a respiração se torna mais rasa, e, por um momento, sou apenas uma espectadora de minha própria culpa.

Olho para trás, na direção de Coimbra. Ele está sentado próximo, mexendo em sua mochila, aparentemente distraído. Mas eu sei que ele está atento. Seus movimentos são metódicos, como se tentasse manter as mãos ocupadas para evitar pensar demais. Por um momento, hesito. Parte de mim quer manter a distância, guardar o peso da minha história para mim mesma. Mas outra parte, uma que raramente deixo dominar, quer dividir o fardo.

Respiro fundo, mais uma vez, antes de romper o silêncio. Minha voz sai mais baixa do que pretendia, mas firme o suficiente para alcançar Coimbra. - Sobre a pergunta de ontem... - começo, observando enquanto ele levanta o olhar, a expressão mudando rapidamente de surpresa para uma atenção cautelosa.

Ele não diz nada, mas sua postura muda. Ele deixa o que estava fazendo de lado e se inclina levemente para frente, os olhos fixos em mim. - Por que eu traí a SARIME? - repito.

Coimbra inclinando a cabeça como se tentasse entender o que me levou a isso agora, participa: - Eu perguntei, mas... não achei que fosse importante pra você responder.

Eu o interrompo, erguendo o olhar para ele por um momento antes de desviá-lo de volta para a correnteza. - Eu me trai antes de trair a SARIME - murmuro, a voz carregada de uma amargura que me surpreende.

Minhas mãos com o sangue da onça tremem levemente enquanto relembro de Vinera. O vilarejo queimando ao meu redor, gritos misturados ao som abafado de tiros e ao odor de carne queimada.

- Me disseram que eram criminosos, contrabandistas que financiavam grupos terroristas antes de serem enviados para a Ilha. Me disseram que estavam atrás do líder deles. Eu queria acreditar, precisava acreditar, mas os rostos deles...

Coimbra não deixando o silêncio permanecer, fala com cuidado: - E você acreditou? Quero dizer... naquela hora, você acreditou mesmo?

Respiro fundo, o som da correnteza abafando por um momento os gritos enterrados em minha memória. Estendo a mão para a água e mergulho os dedos ali, sentindo o frio intenso envolver minha pele. Quando retiro a mão, a correnteza leva o sangue seco da onça, formando linhas tênues e rubras que desaparecem com o fluxo.

- Eu me convenci de que todos eles mereciam aquilo, - digo, minha voz áspera, quase rouca. Seguro o olhar de Coimbra por um breve instante antes de desviá-lo para o rio, incapaz de sustentar a intensidade dele por muito tempo. - Que eram culpados, mesmo quando via os olhares de medo e espanto. Mesmo quando eles levantavam as mãos, tentando se render.

Minha voz vacila, e um tremor percorre meu corpo, não por causa do frio da água, mas pelo que estou permitindo vir à tona. - Mas eu fechei os olhos.

Com um gesto automático, puxo minha pistola da cintura e a levanto para inspecioná-la, virando-a sob a luz que escapa pelas copas das árvores. A superfície metálica está arranhada, mas a estrutura parece intacta. Destravo o carregador com um clique seco e inclino a arma, deixando as balas escorregarem para minha palma. Cinco. Só cinco. Insuficientes para o que a Ilha provavelmente ainda reserva. Recoloco o carregador, certificando-me de que está bem encaixado, e verifico a ação do ferrolho. Tudo parece em ordem.

- Mas quando eu vi meu colega apontar a arma para aquelas crianças... eu não consegui mais me enganar. - Minha voz engrossa com a emoção reprimida, e por um momento, fecho os olhos, revivendo o instante em que tudo mudou: as crianças encurraladas contra a parede, seus rostos manchados de lágrimas e cinzas. O brilho frio do cano da arma do meu colega apontado para elas. - Eram só crianças com medo. E ele disse que isso não importava. Disse que "era mais fácil acabar com a próxima geração agora do que lidar com eles no futuro".

Seguro a pistola com as duas mãos, observando meu reflexo distorcido no cano. Minha voz soa baixa, quase um sussurro, como se confessar para o vazio fosse mais fácil do que encarar alguém. - Foi ali que eu percebi. Não era sobre justiça. Nunca foi. Era sobre controle, sobre poder. - Ergo os olhos lentamente e encaro Coimbra, e o aperto no peito aumenta. - E eu não podia... não podia mais ser parte disso.

O silêncio que se segue é esmagador. Apenas o som da água corrente preenche o espaço entre nós, mas mesmo assim parece frágil, como se pudesse ser quebrado a qualquer momento. Coimbra permanece imóvel, os olhos ainda fixos em mim. Ele balança a cabeça lentamente, os lábios se apertando em uma linha fina, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas, mas nenhuma fosse suficiente.

Finalmente, ele pergunta, sua voz mais firme, carregada de uma curiosidade cautelosa: - Você matou ele?

Minha mandíbula aperta instintivamente, como se a pergunta pressionasse diretamente as memórias que mais tento evitar. Minha mão desliza pela pistola, verificando a trava de segurança antes de guardá-la de volta na cintura e responder a pergunta. - Sim. - confesso, oferecendo um último olhar ao rio, quase desejando que ele pudesse levar aquela memória embora assim como levou o sangue da onça.

Levanto-me e caminho em direção a Coimbra e ofereço o cantil. - Matei meu colega e salvei as duas crianças - Minhas palavras são diretas, sem rodeios, mas carregadas de uma frieza que mal disfarça a dor que ainda arde por dentro.

Coimbra pega o cantil com um movimento lento, quase cuidadoso, e inclina a cabeça levemente, seus olhos nunca deixando os meus. Ele bebe alguns goles longos da água e quando ele abaixa o cantil, limpa a boca com o dorso da mão e fixa seu olhar em mim novamente. Há algo em sua expressão que me desarma, um misto de seriedade e genuína curiosidade. - Você se arrepende de tê-las salvado? - Ele pergunta, sua voz firme, mas sem julgamento. - Se tivesse continuado com os olhos fechados, estaria com sua mãe agora.

Mantenho-me em silêncio por alguns segundos antes de responder. - Não vou mentir que não pensei sobre isso - confesso, sentando-me ao seu lado. - Mas nunca me perdoaria se eu tivesse feito isso. E jamais conseguiria olhar nos olhos da minha mãe outra vez.

Coimbra escuta em silêncio, seus olhos analisando cada nuance em minhas palavras e gestos. Ele termina de beber a água e me devolve o cantil. Seus olhos se encontram com os meus novamente, desta vez com uma intensidade que parece atravessar minhas defesas.

- Você carrega muito peso nos ombros, Naomi - diz ele, a voz baixa e firme, mas com uma gentileza que não espero. - Talvez até mais do que deveria.

Mantenho meus olhos no chão, onde minhas botas deixam marcas leves na terra úmida. Não respondo de imediato, mas sinto a intensidade do olhar dele.

- Não estou aqui pra te julgar - ele continua, depois de um momento. Sua voz carrega um tom sério, mas há algo mais ali, algo mais suave que ele tenta esconder. - O que você fez... não foi uma escolha fácil. Mas o fato de você estar aqui agora, viva, respirando, lutando... já diz muito sobre quem você é.

Uma risada amarga e baixa escapa dos meus lábios antes que eu possa controlá-la. - E quem você acha que eu sou, Coimbra? Uma heroína que decidiu se rebelar? Uma traidora que abandonou tudo? - Minha voz está carregada de sarcasmo, mas por baixo disso há uma dor real que não consigo disfarçar.

Ele se endireita, cruzando os braços enquanto me encara com uma expressão séria. - Acho que você é alguém que viu algo errado e teve a coragem de fazer o que era certo. Mesmo sabendo o que ia perder no processo.

Minhas mãos se apertam involuntariamente nos joelhos. - Não foi coragem - murmuro, quase para mim mesma. - Foi desespero. Eu só... não podia mais suportar.

Coimbra inclina a cabeça, como se considerasse minhas palavras, mas não recua. - Talvez. Mas sabe de uma coisa? Às vezes, o desespero é o que nos empurra a fazer o que precisa ser feito. Não é bonito. Não é heroico. Mas é real.

Minha garganta aperta, e desvio o olhar, focando em um ponto indistinto na terra, tentando processar o que ele disse.

Coimbra se inclina ligeiramente para frente, sua presença mais próxima me faz levantar a cabeça para encará-lo. - Você não pode mudar o que aconteceu, Naomi. Nem na SARIME, nem aqui. Mas pode escolher o que fazer com isso. Pode deixar isso te consumir... ou pode usar como força para seguir em frente.

Seus olhos encontram os meus, e por um momento há um silêncio pesado entre nós, cheio de coisas não ditas. Ele desvia o olhar por um segundo, como se precisasse de um momento para controlar algo dentro dele, antes de continuar.

- Eu não conheci essas crianças que você salvou, mas elas ainda estão vivas porque você tomou aquela decisão. E eu conheço você agora. E posso dizer que, mesmo com tudo isso que você carrega... você ainda é alguém que vale a pena ter por perto.

Minhas mãos relaxam levemente, mas ainda sinto o peso de tudo que ele está dizendo. - Às vezes, parece que não valeu a pena, sabe? Como se eu tivesse quebrado algo dentro de mim no processo.

Coimbra solta uma risada baixa, mas não há deboche nela. - Todo mundo aqui está quebrado de alguma forma, Naomi. A diferença é o que fazemos com os pedaços.

Eu olho para ele, tentando entender se ele realmente acredita no que está dizendo ou se apenas tenta me consolar. Mas não há dúvida nos olhos dele. Só algo que parece... verdadeiro.

- E você, Coimbra? O que você faz com os seus pedaços? - Minha voz é mais suave agora, quase um sussurro.

Ele ri novamente, mas desta vez há um toque de melancolia. Ele passa a mão pelo cabelo, desviando os olhos por um instante. - Eu? Eu tento não deixar ninguém perceber o quanto estou quebrado. Finjo que sei o que estou fazendo. E, às vezes, quando tenho sorte... isso é suficiente.

Sua confissão me pega de surpresa, e por um momento tudo parece mais humano, mais real. Há algo reconfortante em saber que ele também luta contra seus próprios demônios, mesmo que tente escondê-los.

- Você é bom nisso, sabia? - digo, quase sem pensar.

Coimbra vira a cabeça em minha direção, uma sobrancelha erguida, o canto da boca tremendo como se lutasse contra um sorriso. - Bom no quê?

Eu dou de ombros, um pequeno sorriso surgindo apesar do peso que ainda sinto. - Em fingir que sabe o que está fazendo.

Ele ri de verdade agora, um som breve e genuíno que parece aliviar parte da tensão entre nós. - É, acho que sou. Mas você também é, Naomi.

Minha testa franze levemente com a surpresa de sua resposta. - Em fingir? - pergunto, arqueando uma sobrancelha, o tom carregado de curiosidade.

Coimbra balança a cabeça lentamente, e o sorriso brincalhão que antes iluminava seu rosto desaparece. Em seu lugar, surge algo mais sério, mais profundo, como se ele estivesse escolhendo as palavras com cuidado. - Não. Sobreviver.

As palavras dele me atingem de uma maneira inesperada, e percebo que há algo nos olhos de Coimbra que ele não diz.

- Obrigada, Coimbra - digo, finalmente, minha voz baixa, mas sincera. Não consigo dizer mais do que isso.

Ele assente, mas não diz nada. Apenas se inclina para trás, olhando para o céu escuro acima de nós, onde as primeiras estrelas começam a brilhar timidamente contra o véu escuro da noite. E por um momento, um breve momento, o peso do que carrego parece um pouco mais leve.

Eu também inclino a cabeça para trás, seguindo seu olhar. O céu parece maior aqui da Ilha; mais profundo, como se pudesse engolir tudo à sua volta. Por um momento, deixo meu corpo relaxar, o peso nas minhas costas se dissipando, ainda que temporariamente.

É como se o peso que carrego há tanto tempo, ainda presente, tivesse se tornado um pouco mais suportável. Não por causa das palavras de Coimbra, mas pelo simples fato de saber que ele entende.

O som distante do rio preenchendo o ar é tudo o que ouvimos enquanto a noite avança, e pela primeira vez nesse período da Ilha, graças a Coimbra, encontro um pequeno consolo no caos ao meu redor.

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