8. Fofocas, segredos e cupidos
-Por que a juventude é tão complicada? - Jandira perguntou a Eulália, quando foi lhe visitar.
Eulália sempre pode contar com sua boa amiga Jandira, a líder comunitária e rádio corredor da ilha. Tudo num só pacote. Qualquer coisa que precisasse saber sobre os acontecimentos locais, bastava perguntar a ela.
- Nem fala... Não fomos nós, também, jovens e complicados? - riu-se Eulália.
Jandira riu; então lhe contou das esperanças de ver o filho casado. Aparentemente, Demétrio andava enrabichado por alguém, mas não queria lhe dizer quem. Seu filho era calado e discreto, como o pai também foi, um dia.
Dona Jandira suspirou, encarando a amiga.
-Ah, mas acho que eu sei por quem - comentou.
-Eu também... - respondeu Eulália, arqueando a sobrancelha.
As duas estavam falando de Aline, que por sinal, nesse exato momento, também pensava no jovem pescador. As poucas moças solteiras da vila suspiravam por ele, com pena de ver um moço tão formoso sair de madrugada com o barco, todos os dias.
"Ora, bolas, essa é a vida de todo pescador", pensava Aline. "Acaso queriam ficar acordadas de madrugada, para fazer o café da manhã dele?" Ela que não seria esse tipo de namorada ou esposa.
Aline não tinha pena de Demétrio. Oras, bolas, o cara era gente como a gente... Mesmo que torcesse o nariz para as suas revistinhas.
Demétrio desprezava suas revistas de celebridades, desprezava o seu interesse por moda, e principalmente, seu interesse por doces. Tratava-a com certa condescendência. "A gordinha do supermercado". Ele ia ver só...
Aline ficava furiosa com isso. Não era porque ela não curtia textos marxistas, ou porque não conhecia o mundo como ele, que não era tão inteligente quanto.
Aline e Demétrio só se entendiam nas sessões de sábado, quando ele exibia séries e filmes no período da tarde... Ela adorava as comédias que ele escolhia. A sessão se estendia até a noite, se o tempo estivesse bom. Em geral, era o ponto alto da semana. Demétrio e Aline costumavam conversar sobre os enredos, quando a sessão acabava.
Claro que não era só aos sábados que ela via o rapaz. À bem da verdade, ela o via todas as manhãs, bem cedo... Pois descia às docas para pegar o peixe para Dona Eulália e, de vez em quando, para si e a mãe.
Agora mesmo, estava esperando pelo barco. Muitas pessoas paravam ali para comprar o peixe recém-pescado pelos pescadores. Mas todos sabiam que Aline só pegava o peixe de Demétrio. Nossa! Isso soou tão mal... Até em sua cabeça.
De repente, sentiu que devia começar a pegar peixe com os outros pescadores... Havia o jovem Timóteo, que jogava charme para ela. Demétrio detestava Timóteo... Mas logo sua antecipação de revanche teve que ser descartada. Parece que Dona Eulália tinha uma conta com Demétrio, por causa da amiga, Dona Jandira. E só comprava com ele.
No final das contas, Aline ficou contente de se ver obrigada a continuar comprando peixe com o metido do Demétrio. Ainda mais que queria discutir um trecho particularmente polêmico do último filme que ele passou no Paralelepípedo. Ela sorriu, antevendo os argumentos dele para as loucuras daquele casal.
Apesar das rusgas, ele sempre separava o melhor peixe para ela... Era o melhor papo masculino que ela já teve. Só não precisava saber disso.
Demétrio achava a garota engraçadinha. Ela se ouriçava tão fácil... Por qualquer coisa. Adorava provocá-la. Mas não confiava nela... Claro que não! Uma garota que adora fofoca não pode ser confiável...
Já pensou se espalha os seus segredos? E Demétrio tinha alguns segredinhos que nem à mãe contou, devido à bizarrice da situação. Podiam achar que ele estava delirando. Sabe... uns delírios em alto-mar...
A começar pelas suas "aventuranças" pelos mares do arquipélago. E tudo começou por meio do rádio... A cisma estava só na sua cabeça, ou havia alguma coisa errada com aquele povo da ilha da Amizade?
Como é que eles sempre sabiam quando estava embarcado para mandar um alozinho?
Se a ilha das Guirlandas era o cabo do leque, a ilha da Amizade era a ponta esquerda do abanador aberto. Quem morava na Amizade, normalmente não interagia com os vizinhos.
A ilha não ficava muito distante, mas ninguém das Guirlandas chegou a ver algum deles de perto. Somente um ou outro pescador mais antigo. E esses eram muito idosos e muito evasivos.
O restante do arquipélago era conhecido pelos guirlandeses, mas não eram ilhas habitadas. Eram muito pequenininhas para tal. Os turistas adoravam fazer passeios e picnics por lá.
Só não eram levados até a Amizade. Teriam que achá-la, antes de mais nada.
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Às vezes passar o dia no mar pode se tornar solitário e Demétrio estabeleceu uma certa camaradagem, pelo rádio. Especialmente com Doria e seus irmãos. Um dia, pretendia conhecê-los pessoalmente. Só precisava se armar de coragem para navegar um pouco além da barreira de corais que havia, distribuída por quilômetros, e de maneira muito estranha, até a ilha da Amizade.
O motivo de não querer falar a respeito disso com Aline, nem com ninguém, foi a reação do Seu Setúbal. Foi o primeiro para quem contou.
Ele não deu razões, nem argumentos. Só lhe pediu para que não fosse até lá, porque as águas eram traiçoeiras. Perderam muitos barcos e muitas vidas por aquelas bandas.
Demétrio levou o conselho em consideração. Seu Setúbal era o pescador mais experiente da ilha, mesmo que não operasse mais. No entanto, sentiu que o homem não lhe contou tudo. Sua reação foi de extrema preocupação, e ele não era dado a salamaleques. Era um homem prático e pouco impressionável... Isso, por si só, deixou Demétrio com um pé atrás.
Além do mais, Seu Setúbal lhe disse que as pessoas na ilha da Amizade não toleravam intrusos em seu litoral.
Um dia, Demétrio investigaria melhor aquela história. Talvez até perguntasse aos amigos que fez pelo rádio. Afinal, moravam lá e pareciam muito amigáveis. Quanto a Aline, Setúbal disse que ela era encrenca; para ele se afastar do "rádio corredor". Leia-se: fofoqueira de plantão. No fundo, Setúbal estava sinalizando para que se afastasse dos dois rádios.
Mas ele não pretendia se afastar, nem de um e nem do outro. Aline nem estava interessada nele... ou estava?
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Bem, a moça era uma locomotiva de ideias. No momento, estava mais interessada em conversar sobre a compra do peixe. Afinal, se os pescadores vendiam diretamente para a vila, não havia necessidade de vender para o supermercado... Ou havia? Além do mais, Javier não sabia lidar com peixes. Apenas com carnes. Os peixes eram vendidos inteiros. Daí, se chegasse uma cliente como a Doutora Janete, toda fina e elegante, e pedisse filé de linguado, o coitado do uruguaio não saberia o que fazer.
Aline convenceu Demétrio a ensiná-lo como limpar e cortar o peixe. Mas ninguém convenceu Javier a aceitar tal incumbência. Quando Demétrio apareceu por lá, Javier soltou Pingo nele e em Aline.
Não que Pingo tenha se mexido de sua cama quentinha... Javier teve que ser o próprio cachorro furioso a espantar os dois de seus domínios. Como sempre.
Dona Eulália fez Aline reconhecer que era a única grande consumidora de peixe por aquelas bandas. O melhor era deixar que os pescadores continuassem a vender o peixe diretamente, como já faziam.
Eles tinham uma espécie de mercado, com suas barraquinhas montadas perto do centro, de fronte para o cais onde a balsa ancorava.
Mas nem sempre dava muito peixe...
Yago pensou nisso, também, e imaginou se Demétrio não se interessaria pelo turismo ecológico. E até arqueológico. De observação. Aquela era uma rota de baleias, e os pescadores poderiam ter outros afazeres, em meio ao defeso ou à escassez.
Aí, os kits de Javier poderiam se tornar diversificados.
Todos tinham ideias... bastava canaliza-las para um mesmo fim.
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Aline avistou Dona Jandira deixando o segundo piso do supermercado e sorriu. Dona Jandira gostava muito da moça e torcia para que o lerdo do filho conquistasse a turrona. Contudo, já estava vendo que teria que bancar o cupido. Por isso, ela a convidou para o almoço no dia seguinte, pois sabia que era o dia em que Demétrio não ia para o mar e faria a refeição com ela.
A moça não sabia disso. Talvez não aceitasse o convite, se soubesse.
Jandira saiu do supermercado se sentindo mais diabinha do que cupido.
Aline sorriu candidamente para ela, até que a líder comunitária deixou o estabelecimento.
- Agradando a sogrinha, é? - Danika zombou.
Aline pegou um pedaço de rascunho, amassou e jogou na cabeça dela. Danika se desviou, rindo.
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