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5. Carne e osso

Todo mundo comparecia ao paralelepípedo para assistir aos filmes e episódios selecionados por Demétrio. Era um grande acontecimento. O único, aliás. Na última sessão, a comunidade assistiu I Love Lucy. E foi daí que Aline tirou inspiração para fazer suas caretas pelas costas de Javier. Caretas ao melhor estilo Lucille Ball.

O uruguaio não iria encarar com bom humor, se descobrisse. Era um cara totalmente destituído de espírito esportivo, na opinião de Aline. Como se algo de muito ruim tivesse lhe acontecido e Javier não conhecesse o lado bom da vida. Só que ninguém sabia nada da vida dele, antes de chegar à ilha. Javier era tão forasteiro quanto o andarilho que chegou na semana passada,

Alguns turistas vinham até a ilha das Guirlandas em busca de novidade e aventura e iam embora logo que o verão acabava porque a única coisa que a ilha podia oferecer eram suas belezas naturais. Além do mais, tratava-se de uma região de difícil acesso. Não só difícil, como limitado. À semelhança de Fernando de Noronha, não era permitido muitos acessos por período.

Mais difícil do que permanecer de férias, era fixar residência. Se a pessoa não tivesse algum parente lá, oi um emprego, não tinha chance.

Ao contrário dos turistas, Javier veio para o litoral em busca de uma vida melhor e mais saudável. Ele queria se distanciar da rotina em seu país. Caiu na propaganda falsa de que Florianópolis era um lugar hospitaleiro, com emprego em abundância e cuja natureza era intocada.

Qual não foi a sua surpresa ao se deparar com uma ilha populosa, poluída, e com vários dos seus conterrâneos criando "mini Uruguais" a cada esquina. Isso, sem contar das "mini Argentinas", "mini Haitis", entre outras... A ilha-capital não era grande, mas a prefeitura se comportava como a casa da mãe Joana, ano após ano. Assim, de ilha paradisíaca, Florianópolis se tornou o caos de trânsito, poluição (inclusive a sonora), e sem grandes atrativos culturais.

Para encontrar alguma forma de realmente viver bem, em Florianópolis, a pessoa tinha que ser rica para poder sair de lá de vez em quando e encontrar diversão diversificada. A diversão na ilha não era nada diversificada - shopping, beach clubs, praia, Aqua-parque, e muita boate.

Teatro? Apresentações? Exposições? Nada disso acontecia com frequência. O sistema de transporte era precário, com ônibus e terminais sujos. Além de ser caríssimo. Quem se aventurava a sair de casa no final de semana para curtir? Só quem tivesse carro.

Para viver em Florianópolis, Javier logo percebeu que era necessário morar numa espécie de bolha, como a Avenida Beira-Mar, ou um desses bairros onde os bem de vida se juntam. No mais, mesmo que o trabalhador pagasse tão caro quanto o "bem de vida", era este último quem contava com os melhores serviços. Tais como limpeza de ruas, serviço de lixeiro constante, polícia patrulhando, e água nas torneiras.

Havia bairros e ruas em Florianópolis que passavam meses sem água na torneira, enquanto que as áreas vips não ficam um dia sequer sem... Mesmo durante o período de estiagem.

Javier não ficou muito tempo na capital. Não que quisesse se ver livre dos "mini Uruguais"... Pelo contrário, era sempre bom encontrar conterrâneos para o caso de emergências e tal... Para relembrar coisas boas... Mas ao mesmo tempo... Ele esperava ter um novo começo.

Algo diferente.

E teve um novo começo, sim, quando descobriu a ilha das Guirlandas - um território pertencente à Florianópolis.

A ilha era minúscula. E foi difícil para ele conquistar a confiança das pessoas, mas agora, ele era o único estrangeiro a morar no lugar. Não mais um forasteiro, e sim, alguém tratado como se tivesse nascido no lugar. Ele encontrou um verdadeiro lar, onde o aceitaram do jeito que era: esquisito, calado e até mesmo grosseiro... Na ilha das Guirlandas, ele podia ficar em paz para remoer de forma solitária e tranquila, a morte de sua esposa e filha... Sem ninguém saber.

Tudo o que precisavam saber é que ele preferia conversar com as peças de carne do açougue, do que com pessoas de carne e osso. Precisava agir assim. Doía demais olhar para as pessoas.

Seu único companheiro era Pingo, um vira-lata que ele encontrou quase morto no acostamento da rodovia continental, numa madrugada particularmente gelada. Ele cuidou e tratou de Pingo, rezando para que o filhote sobrevivesse àquela noite; depois, rezou para que sobrevivesse ao dia seguinte; e assim foi durante toda a semana.

Ele não pode salvar a esposa e a filha, mas salvou Pingo!

A partir daquele momento, fosse qual fosse a dificuldade que tivesse, ele não deixaria Pingo por nada no mundo. O cão lhe deu todo o carinho e afeto que um ser humano não poderia lhe dar.

Para Javier, os seres humanos queriam apenas interação com seus celulares e mídias sociais. Queriam ver videozinhos cômicos, esquisitos e fofos. Mas, ninguém queria se comprometer com outro ser humano que não fosse do seu círculo íntimo. Nem queria saber das dificuldades e tristezas dos outros. O negócio era curtir e ponto.

Sortudo daquele que tivesse uma família para apoiá-lo. Ele teve... por um breve espaço de tempo, mas teve. Só Deus sabia o quanto lhe fazia falta. Celulares não podiam suprir a presença eno amor. Essa era a sua opinião.

As pessoas eram viciadas nisso: mídias e redes sociais, sites de fofocas, Tik Tok, Telegram, Whatsapp, igualzinho naquele filme do Pierce Jackson, que ele levou sua filha para assistir. Pierce e os amigos entram num cassino, onde o tempo para... Eles ficam lá, comendo a ambrosia do vício, enquanto que, fora do cassino, o tempo passa numa velocidade espantosa...

Ou como no filme do Adam Sandler, Click, que ele assistiu com a esposa. A vida corre e tudo o que as pessoas viram se perde por causa do controle remoto mágico. A esposa lhe dissera que a vida deveria ser mais do que passar desse jeito, com o nariz enfiado na tela do celular. Tinha que ser, pois passava muito rápido! Num click!

Esses dois filmes foram apresentados por Demétrio, no Paralelepípedo. As únicas exibições que Javier deixou de comparecer.

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Se a vida passava devagar ou rápido, deixou de ter importância para ele, quando perdeu a esposa e a filha num acidente de carro absurdo. Javier não via mais significado, nem beleza nas coisas, muito menos nas pessoas. Pior, ele não sentia motivação para seguir em frente. Primeiro, tentou se matar, mas não conseguiu. E sentiu-se humilhado devido ao que considerou uma fraqueza. Não deveria querer continuar vivendo, sem sua família. O ato de puxar o gatilho teria que ser fácil e simples. Mas não foi.

Agarrou-se à vida - mesmo que desesperadora. A depressão que o derrubou no começo (como o coice de uma mula quebrando todos os seus ossos e minando a sua vontade), não lhe deu coragem suficiente para acabar com tudo.

Ele se arrastou até chegar a uma decisão radical: deixar o Uruguai. Vendeu a casa e tudo o que possuía. Pediu demissão da agência de seguros; onde ele nem era notado mesmo pelos colegas. Ao chegar em Florianópolis, concluiu ter cometido um terrível engano...

Mas daí, encontrou Pingo.

Depois, descobriu a ilha das Guirlandas (com Pingo colado no vidro da janela de seu fusca). Achou graça em como o cachorro parecia mais otimista em relação ao desconhecido do que ele próprio.

Tudo se encaminhou como quando Deus tem planos misteriosos. As portas se abrem ou se fecham, levando a pessoa numa determinada direção.

Javier viu a placa de "precisa-se" na janela do supermercado Alvorada Voraz e não pensou duas vezes. Candidatou-se ao emprego de açougueiro. Era um bom conhecedor de carnes, pois fazia muitos churrascos em família. Quem diria que, um dia, ele usaria seus conhecimentos profissionalmente. Estava lá desde então.

Há mais de cinco anos.

Pois é, o tempo passa, o tempo voa...

Pingo, tadinho, já estava sofrendo de artrite, mas Javier cuidava de seu amigo com todo o carinho.

Na ilha, apesar de se manter distante das pessoas, ele gostava de ver como elas se relacionavam e conviviam... Mas não se envolvia... Ah, isso ele não queria nem saber. Doía ter que se envolver... Doía saber que, um dia, Pingo não estaria mais com ele.

Mas viver era isso; amar era isso. Viver doía. Amar também doía.

Logo, viver é amar.
A lógica era incontestável.

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- Com licença, Senhor Javier - soou a voz delicada e melodiosa... Ligeiramente divertida. Ele lançou um olhar exasperado para a dona da voz inconfundível. Aquela voz macia e aveludada só podia ser dela.

Janete, a doutora... dizem que deu aulas em uma universidade. Possuía trabalhos científico publicados sobre infância e família.

Não teria esses elementos de sobra ali. Javier não fazia ideia de por que a dona da voz de alcova, como seu pai costumava chamar, não ia embora logo.

Ele avaliou a cliente através do vidro. Ela o encarava como se quisesse atravessá-lo. Não o vidro, mas ele próprio. Toda elegante, e só no salto, a voluptuosa doutora era sensacional. Javier, porém, concluiu que era o oposto da espontaneidade de Danika.

Janete exalava sofisticação, status, como doutora e professora universitária que era. Ninguém diria que se tratasse de uma nativa da ilha. Ela nunca aparecia em público sem maquiagem, o cabelo estava sempre escovado, o vestido impecável e salto alto - independente das pedras e da areia.

As vezes, ela vinha ao supermercado. E alguns alcoviteiros comentavam que ela o estava paquerando... Só que Javier não acreditava. Ele não era nenhum ignorante em termos de diferenças e desigualdades sociais. Uma mulher como aquela não levaria a sério um açougueiro... Ou levaria?

Ele não acreditava em contos de fadas como "A Dama e o Vagabundo". Muito menos na musiquinha da Disney.

- O senhor pode me atender, ou não? - perguntou Janete, naquele seu tom suave, porém, decidido. Ele ajeitou o avental, numa vã tentativa de parecer mais apresentável. De uns tempos para cá sua vaidade masculina vinha se manifestando, quando a bela ruiva estava por perto.

Janete era uma mulher vistosa, dir-lhe-ia o falecido pai, que deixou a casa para ela, como herança. Mas, para Javier, ela parecia um raio de sol a iluminar sua vida cinzenta; sempre com um sorriso radiante nos lábios. Logo de cara fez amizade com Pingo, que simplesmente a adorava.

A doutora não parecia intimidada perante a cara rabugenta de Javier... Cada vez mais rabugenta, diga-se de passagem. Mas, experiente como ela só, sabia muito bem que um homem ficava na defensiva. Rolava química poderosa entre os dois.

Janete estava decidida a vencê-lo no cansaço. Quanto mais se debatesse como um peixe no anzol, mais ela iria mantê-lo pendurado dentro da água, recolhendo a linha devagar até o peixão ficar sem saída.

Sua meta era fazê-lo convidá-la para jantar, antes do final do ano.

Que acabaria em três meses.

"Calma, Janete, não seja pessimista", ela pensou consigo mesma. Prometeu a si mesma que o faria convidá-la, nem que fosse para comer um cachorro quente numa barraquinha de Canasvieiras.

Javier arrumava mil defeitos para se proteger da atração perigosa... Chamava-a em pensamento, de "A coquete", para rimar com o nome: "Janete, a coquete". Será que ela ficaria furiosa, se soubesse? Ele as vezes tinha vontade de mexer com ela, só para ver se conseguia desestabilizar o seu sorriso sempre educado e superior. Mas Javier se controlava ao máximo.

Ninguém conseguia esconder nada, naquela comunidade minúscula, certo? Ele tinha medo de virar alvo de fofocas.

Os fofoqueiros da ilha eram mais eficientes que os Correios. Tudo o que Javier precisava saber sobre Janete, ele soube. E sem ter perguntado a ninguém. Bastou ela por o pé na ilha e já sabiam até o seu CPF.

Sabiam, por exemplo, que ela era nativa da ilha. Que decidiu deixar a badalação de Florianópolis para trás. (As pessoas só não sabiam o motivo. Ele também estava se mordendo de curiosidade). Se fosse só pela morte do pai, ela poderia ter vendido a casa e voltado para a capital. Ou apenas mantido o imóvel como casa de veraneio. Poderia até ter alugado para receber imã renda extra... No entanto, ela não quis fazer isso.

Javier não devaneava apenas com os motivos dela, mas com a sua aparência... Especialmente, a cabeleira arruivada, os olhos verdes, e a pele muito clara. Javier imaginava que se vestisse a roupa da She-Ra e montasse naquele cavalo alado... Como era mesmo o nome? Pegasus? Spirit? Ventania! Isso mesmo! Este era o nome! Ele gostaria tanto de ser o Ventania dela...

Naquele. Exato. Momento.

Bem, Janete toda paramentada de super-heroína passaria tranquilamente por uma Valquíria. Quer dizer, se não fosse baixinha...

- Seu Javier - Ela chamou-lhe a atenção novamente.

Javier piscou algumas vezes e rapidamente se recompôs.

- Boa tarde, senhora. Vai querer o de sempre? - Ele lhe perguntou, adotando o seu tom mais profissional.

Ela o encarou, intrigada.

-Seu Javier, como vai? - Perguntou, delicadamente.

A resposta foi um grunhido. O sorriso dela se ampliou.

- Eu estou bem, - ela própria respondeu à pergunta proferida - obrigada por perguntar! O senhor sempre tão gentil...

Quando ele a encarou com espanto devido a sua cara de pau, Janete apontou o dedo com a unha impecavelmente pintada de vermelho vivo, para uma peça pendurada na vitrina.

- Por gentileza, me veja um quilo de patinho. Pretendo fazer a receita especial da minha mãe. - E sem que lhe fosse perguntado, acrescentou: - Macarrão com carne moída.

Ele não disse nada, por um momento. Pegou as facas e foi até a vitrina.

- Então, vai querer a peça moída.

- Sim, por favor - disse ela, sempre muito educada.

Ele lançou um último olhar para o seu modelito justo, de saia curta e blusa decotada. O busto estava destacado por um leve bronzeado, indicando que Janete andou tomando sol... Mas ela não ia à praia todos os dias, ele sabia muito bem... Então, como se bronzeou? Será que ela continuava usando a espreguiçadeira no quintal? Ele sabia disso, porque certa vez subiu num caixote para espiar o que havia atrás da casa...

Ela estalou os dedos diante de seus olhos, arrancando-o de suas divagações. Com um sorriso maroto, deu a entender que sabia exatamente o que se passava em sua mente.

-Acorda, Seu Javier! - Disse, num tom de suave zombaria.

Ele pigarreou, tratando de levantar a armadura. Enquanto moía a carne, achou ter ouvido o seu risinho. Comprimiu os lábios. Será que Janete estava tão entediada, que resolveu torná-lo o seu novo passatempo? Por que o súbito interesse nele?

Bem, não era tão súbito assim.

Há algum tempo ela vinha brincando com ele, provocando... Só que ele não era bobo da corte, ou palhaço de circo. Deixou o ar sair pelos pulmões e respirou fundo, contando até dez. Não iria se deixar manipular, nem envolver, no cansativo jogo dos relacionamentos afetivos. Ele passou por isso uma vez, com a única mulher que amou na vida... Porque com ela, valeu a pena o sacrifício. E foi para a vida toda. Não voltaria a acontecer.

Colocou meticulosamente a carne moída em porções exatas nas sacolinhas plásticas, tomando todos os cuidados para não ter contato direto. Ele havia colocado luvas descartáveis que, por sinal, estavam acabando. E como Dona Eulália disse que não teria condições de repor até o final do mês, ele iria improvisar com as próprias sacolas plásticas, utilizando-as como se fossem luvas.

Com a experiência, ele aprendeu a medir "no olho", a quantidade de carne necessária para meio quilo, um quilo, ou apenas cem gramas. Parou de encher o saco e o levou à balança. Acertou quase em cheio. Mediante a concordância da cliente, colocou as etiquetas nas parts frontais dos saquinhos. Voltou-se para Janete de modo impessoal.

Ela vacilou, diante do seu olhar. Bom... "Ponto para ele", pensou Javier.

Ele levantou os dois saquinhos, numa pergunta muda. Ela murmurou:

-É o suficiente.

Ele então deu um nó em cada um - do tipo que se desfaz quando o cliente puxa - e entregou à cliente.

-Deseja mais alguma coisa, senhora?

Ela olhou para ele, meio perdida com sua atitude.

-Não, era só isso.

Javier abriu um sorriso impessoal e disse:

-O Alvorada Voraz agradece sua compra, tenha uma boa tarde!

Se ele a tivesse mandado catar coquinho numa descida, não a teria ofendido mais. Javier poderia jurar ter visto um brilho de raiva passar pelos olhos normalmente velados. Ponto para ele. De novo. Sentiu-se mais alegrinho, sem perceber.

Janete meneou a cabeça, enquanto colocava os saquinhos na sua cesta de compras.

-Tenha uma boa tarde, Senhor Javier - respondeu com toda sua dignidade, e lhe deu as costas.

Ele não saberia dizer porque motivo não se sentiu tão satisfeito quanto achou que ficaria com a saída dela.

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