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10. Lay day

Com o passar dos dias, Yago foi se sentindo cada vez mais parte da comunidade. As pessoas o acolheram, como se tivesse nascido na ilha.

Ele também voltou a surfar com certa frequência. Acordava muito cedo e saía da quitinete sem fazer barulho, para não acordar os outros moradores.

Acontece que Cora sabia exatamente quando ele estava indo; e o delatava! Simplesmente se plantava atrás da porta e esperava Yago passar. Então, fazia o maior escândalo.

Danika começou a se zangar. Afinal, queria pelo menos dormir mais algumas horas.

Nessas horas, é que ele se arrependia de ter feito amizade com a shitzu. Yago tinha consolado a cachorrinha nas noites em que ela ficava sozinha, enquanto sua tutora estava na escola.

Eis o resultado.

Para não causar problemas, Yago inventou, ou improvisou um aparador de porta que a fazia fechar suavemente sem o menor ruído... Pensou até em patentear a ideia. Só que com Cora, não funcionava; a cadelinha sempre sabia. Então, ele se ofereceu para levá-la com ele. Sabia que Danika costumava passear todas as manhãs com a pequena e que, às vezes, o tempo curto a impedia de fazê-lo.

Daí, ninguém precisava acordar.

A resposta de Danika foi divertida e ao mesmo tempo desafiadora. Ela queria só ver onde ia dar a sua solicitude... Não que ela estivesse confiando a sua shitzu a uma ratazana de praia qualquer. Mas, ela sabia muito bem que Cora acabaria dando uma canseira no metido a surfista, e voltaria correndo para casa para latir na porta do supermercado.

Danika topou por diversão. Só para ver Yago se dar mal.

Na primeira vez, acabou acordando cedo para assistir a cena e ficou de queixo caído (não menos que Yago), quando Cora se plantou na frente da portinhola de acesso para cães – a qual Danika deixou destrancada. Cora esperava com a guia na boca.

Assim que Yago apareceu no corredor, ela saiu sozinha pela portinha, toda serelepe.

– Até tu, Brutus! – Danika proferiu em alto e bom som.

Ele riu, pegando a cadelinha no colo. Cora resfolegou de emoção, enquanto o rapaz ria baixinho.

– Traidora! – resmungou Danika, voltando para a cama e cobrindo a cabeça com o travesseiro. Mesmo com os ouvidos tapados, escutou a risada de Yago se afastando. Ele ainda disse:

– Um bom dia para você, Danika!

Ela levantou o dedo do meio, mesmo sabendo que ele não podia ver.

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Yago desceu as escadas com cuidado, para não fazer barulho.

– Então, você vai ser minha parceira de nado, hoje... Literalmente? – Yago perguntou aos sussurros, fazendo um carinho no lombo da cadelinha. Cora se aconchegou ao seu peito, toda suspirosa.

Ele a colocou no chão. Yago olhou para a guia que tinha nas mãos e fez uma careta. – Você não precisa disso, né, parceira? – Comentou, em tom de conversa. – A escravidão acabou há tempos e estamos numa ilha minúscula. Nem carro entra aqui. Ah, quer dizer, só o caminhãozinho do seu Carlos. Mas tirando isso, o que poderia acontecer? Você perseguir um gato e se atirar do penhasco?

Pensando na questão, ele ficou em dúvida, mas encolheu os ombros. Pegou sua prancha e carregou para fora, com a cadelinha seguindo os seus passos. Ela farejava tudo e queria ver tudo. Ele permitiu que fizesse um rápido reconhecimento do ambiente. Levou consigo o plástico de necessidades caninas que Danika sabiamente recomendou. Esperou que Cora fizesse tudo o que tinha para fazer. Depois disso, limpou, colocou na caixa de lixo no começo da praia. Virou–se para a cadelinha.

– Vamos, garota? – Deu uma batidinha na perna.

Em resposta, a cadelinha saiu trotando ao lado dele.

Os dois desceram rumo ao mar, enquanto a noite se transformava em dia.

Com o sol ainda uma linha incandescente no horizonte, Yago parou e respirou fundo o ar marinho. Tão puro e familiar... Ele estava se habituando a aceitar outra vez o amor incondicional que a natureza transmite – arauto de Deus – sem pensar no que aconteceu da última vez que compartilhou um momento assim com seus amigos...

Cora resfolegou ao seu lado e ele a observou, por um momento.

– Está ansiosa para curtir, não está?

Ela sapateou nas patinhas. Yago soltou uma risada baixa.

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Danika terminou de organizar as coisas em casa e estranhou que sua cadela ainda não tivesse voltado sozinha e desesperada, implorando pela mãe. Nem ela, nem o novo gerente, aliás, deram sinal de vida. Preocupada, preparou dois sanduíches e uma térmica de café com leite, pegou duas canecas velhas, uma garrafa de água para pets, e colocou numa pequena cesta. Seguiu pela trilha até a praia onde as pessoas diziam ver a ratazana surfando, todas as manhãs, antes do expediente.

Lá chegando, avistou um pequeno ponto no meio do mar e entendeu que era ele, de certo esperando por uma onda. O mar estava meio parado, mas Danika sabia que variava conforme o humor do vento e das marés.

Olhou ao redor e nada de Cora. Chamou, berrou e nada. A cadela havia desaparecido. Danika começou a bater o pé, pensando que o rato de praia tinha se descuidado de sua cachorra. Estava pronta para lhe meter o pé na bunda, de tanta indignação, quando viu Yago vindo na próxima onda. Uma pequena que mais parecia marolinha; detalhe: estava com Cora sentada na prancha.

Danika quase desmaiou.

Só não desmaiou, porque estava com ódio e pretendia esfolar o rapaz vivo. No entanto, quando olhou mais de perto, viu que Cora estava adorando... Ela latia empolgada e olhava ao redor. Maldição! Sua cadela era uma porra–loca e ela nem imaginava!

Quando a prancha foi perdendo velocidade, Yago saltou da prancha. Conduziu–a com cuidado, com Cora de pé sobre ela. Assim que viu a dona, a própria cadelinha saltou na água e foi nadando ao encontro dela. Lá se foi o banho de ontem... Hello, banho de hoje! E teria que dar, ou o pelo encaracolado de Cora iria ficar duro e embaraçado. Só Deus sabia como já custava controlar as alergias de pele da danadinha.

Assim que Cora alcançou a areia, saiu correndo e se sacudindo. Danika a pegou antes que pulasse sobre ela toda cheia de areia e água do mar. No entanto, fez todos os carinhos exigidos pela sua querida. Jamais a rejeitaria por estar emporcalhada.

Yago se aproximou, preocupado. – Desculpe, eu ia dar banho nela antes de entregá-la a você. Assim, jamais perceberia... – Sua voz foi morrendo, meio cômica, ao confessar que pretendia esconder o ocorrido.

– Ah, você vai dar banho nela. Pode ter certeza! – Ela se levantou, furiosa. – Eu não lhe dei permissão para isto! – E apontou para o mar. – Quer afogar a minha cadela?

– Ah, mas a sua Cora é meio difícil de convencer a não fazer o que ela quer fazer – franziu o cenho, imperturbável. – Na realidade, ela é muito parecida com a dona.

A sobrancelha de Danika alteou.

– Não fique preocupada, eu só a levei porque o mar alisou.

– Sei... Terminou?

– Se está perguntando... Hoje só peguei merreca... Bem, eu gostaria de tentar uma boa.

Isso, ela queria assistir. Na verdade, era o motivo que a fez ir até lá.

– Fique à vontade.

Ele estava olhando para a cesta e a térmica. Seu rosto se abriu num sorriso iluminado, de tirar o fôlego.

– Isso tudo é para mim?

Ela não gostou que soasse como um presente assim, tão especial. Apressou–se em dizer: – Bem, pensei que devia compensá-lo por virar babá de cachorro.

Ele abriu a térmica e despejou um pouco do café na caneca, bebeu e fechou os olhos em êxtase. – Nossa, está do jeitinho que eu gosto.

– Ah é? Eu nem poderia imaginar! – Ela cruzou os braços, observando Cora sair correndo atrás de uma gaivota.

– Já volto – disse ele, pegando a prancha no chão.

Danika estendeu a toalha, grande o suficiente para os dois sentarem. Colocou a cesta no meio e decidiu também tomar um gole de café. Quando olhou novamente para o mar, viu Yago remando sua prancha para além da arrebentação. Ele parecia tão... habituado a fazer aquilo. Parecia com algo que ela tivesse visto na TV.

Não demorou muito, e, de repente, ele veio... Descendo uma onda um pouco maior que a anterior, costurando por baixo do pequeno túnel. E Danika assistiu de boca aberta. Ele não era um mero rato de praia. Ele era mesmo um surfista experiente. Do tipo que sabia o que estava fazendo.

Suspirou. Bom, devia ter mesmo experiência. "Afinal, ratos de praia vivem na praia", desdenhou em pensamento. O incrível foi vê–lo em júbilo, com a mão estendida para cortar a água enquanto a prancha passava pelo tubo. Ele foi descendo numa rasgada até a prancha perder velocidade no beach break.

Yago saltou, mergulhou e se levantou animado. Virou–se por um momento para o mar, de olhos fechados. Parecia estar orando ou agradecendo. Então, puxou a prancha e levou para onde Danika estava sentada.

Ao invés de sentar ao seu lado, ele ficou de pé, se secando ao vento; estava de roupa térmica, os pés descalços. Danika lhe estendeu uma caneca cheia de café e os dois ficaram assim, calados, apenas escutando o barulho das ondas.

Eventualmente, o latido de Cora cortava o ar. Ela estava cavando onde os moluscos se enfiavam na areia molhada. Mas daí as ondas vinham e Cora fugia delas, latindo, para depois voltar a persegui-las, como se as ondas estivessem brincando com elas.

– Este foi o melhor momento da minha vida – disse Yago, solene.

– Qual? – Danika levantou os olhos para ele.

Yago bebeu outro gole, e voltou o olhar para ela. – Esse, aqui, agora, com você.

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