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O prelúdio do fim

— Então... nem todo mundo virou pupa? - Pardal tentava entender, observando o rosto humano moldado na madeira.

— Acho que isso é bom. Significa que não tem um exército de pupas lá fora.

— Por outro lado, ainda tem um exército de monstros lá fora. - Pardal ficou de pé e então fez uma expressão de compreensão - Espera, eu sei quem é essa garota na madeira! Ela...

De repente, um grito veio das sombras e, como se tivesse sido cuspida pelo vazio, Meia-Noite caiu no chão em frente. Suas roupas estavam em frangalhos, o cachecol vermelho estava partido ao meio e seu cabelo prateado estava ensopado. Garras negras tentaram sair de dentro do vórtex, mas a heroína pegou sua espada e cortou a mão, que recuou com um rugido. O portal desapareceu e Meia-Noite pôde deitar no chão, ofegante.

— Cara... você demorou, viu - Pardal comentou, estendendo a mão - O que aconteceu? Foi pra guerra e não chamou?

A garota fez uma expressão irritada ao aceitar a ajuda e cobriu seu rosto com o tecido vermelho furado.

— É sério? Você me diz isso depois de eu ter sido sequestrada pelo Babau e seu séquito do mal?

— Sequilhos do mal? - fingiu não entender e Noite deu um olhar raivoso para o parceiro. - Tá, tá, desculpa. Só queria aliviar o clima. - assobiou, tenso - As coisas aqui também foram... intensas.

— Descobrimos o que houve com a maior parte da cidade. - Tempestia deu uma batidinha no tronco ao lado.

A maldição do lenhador - sussurrou, intrigada - Então essa tal vilã sabe maldições desse nível... É, isso torna as coisas um pouco mais fáceis. - observou as expressões confusas dos outros dois - Não precisamos necessariamente derrotar o conjurador. Só precisamos achar o objeto amaldiçoado e quebrá-lo.

— Bem, a pergunta que fica é só: qual objeto? - Pardal se sentou em um dos bancos íntegros do salão destruído - Pode ser qualquer coisa e estar em qualquer lugar dessa cidade!

— Acho que não - Meia-Noite colocou a mão no queixo, pensativa - A bruxa tentou nos atacar quando começamos a nos aproximar do centro... - olhou para cima, tentando imaginar como o Centro Cultural estava antes de ser atacado.

— Tecnicamente os lobisomens começaram a vir atrás da gente ainda na Praça das Federações, duas quadras atrás daqui. - o garoto corrigiu - Achei que era porque não fomos afetados pela maldição, mas você está sugerindo que...

— Por enquanto, não estou sugerindo nada - os olhos dela foram para a perna ferida.

— Ah - ele percebeu - Um daqueles bichos mariposas me mordeu. Não foi nada...

— Hum. - a luz do cabelo prateado de Meia-Noite piscou. - Então agora precisamos de atenção para descobrir onde o objeto está.

— Então você sabe o que ele é - Pardal acusou, mas Meia-Noite não lhe respondeu.

A heroína olhou ao redor, atenta, como se esperasse um ataque, e pegou sua espada, que estava caída no chão.

— O que foi? - Tempestia ficou tensa, tentando ver algo na escuridão - Viu alguma coisa? - apertou as três partes articuladas do sansetsukon roxo, colocando-se em posição de luta.

— O mal... - Noite começou, virando-se lentamente - está por perto...

E com um golpe só perfurou o peito de Pardal.

Miragem levantou subitamente, apertando o peito. Estava ofegante e seu coração batia acelerado no peito, como se tivesse acabado de acordar de um pesadelo. Em sua frente, viu Solária encarando o céu nublado com preocupação. Não sabia o que tinha acontecido, tudo era um borrão, mas os machucados que via na heroína de amarelo não deixava dúvidas: seu pesadelo tinha sido real.

— Sol... - chamou, fraca, e a outra se virou, alarmada.

— Miragem...? - falou, incerta - Você... tá bem?

A garota de laranja segurou o braço dolorido. Parando agora, sentia como se seu corpo todo ardesse, mas não de um jeito insuportável.

— Ah, não... - observou seu uniforme atual, que imitava uma roupa de ginástica artística - Eu me destransformei. - se levantou, nervosa - Você viu minha cara?!

— Não! Talvez... - hesitou - Sim, eu vi... Mas eu não te conheço! Tá tudo bem! - Solária tossiu - E a Mariposa provavelmente sabe sua identidade secreta também, então eu saber nem é o pior dos cenários...

— MANO DO CÉU! Verdade! - colocou as mãos na cabeça, em choque - Eu tô tão lascada...

— Não tanto quanto a gente vai ficar em alguns minutos, olha!

Miragem se virou para o céu, onde um panapaná escuro vinha rapidamente. As pessoas que discutiam e brigavam por toda a avenida pararam também para admirar o estranho fenômeno que parecia vindo direto das pragas do Egito.

— Quais as chances de aquilo serem borboletas inofensivas? - a morena perguntou, já desanimada com a situação.

— Em Solarópolis? Zero. - a loira encarou sua maça-estrela - Mas se a Mariposa quer fazer com essas pessoas aqui o que ela fez com você, vai descobrir que dessa vez eu aprendi um truque novo! - sorriu, sentindo que finalmente estava um passo a frente - Vou precisar de ajuda.

— O quê? - Miragem encarava tudo, aérea - Eu não sei se sou muito útil em uma briga.

— Ah, eu te garanto que você é muito boa - e segurou suas costelas com uma careta para enfatizar - Eu preciso dos seus poderes, do seu "tempo parado" ou sei lá o quê...

— Plano paralelo do sol poente.

— ... é, eu não vou chamar assim. Preciso que você fique me "teleportando" para eu desviar das mariposas e atinja quem já foi possuído por elas. Pode fazer isso?

— Ma-mas eu nem sei se consigo fazer isso!

— Cara - a loira colocou a mão no ombro dela, séria - Você é 100% capaz de fazer isso. Confia.

E, sem que Miragem pudesse impedir ou falar mais alguma coisa contra essa ideia, Solária mergulhou no meio da multidão, obrigando-a a mergulhar em seu plano paralelo e testar os limites de seus poderes - dessa vez intencionalmente.

— O... q...que... - o garoto mascarado conseguiu gaguejar antes de desabar no chão.

Uma enorme poça de um líquido escuro se formou ao seu redor e eletricidade rodeou Tempestia criando uma pequena tempestade ao seu redor.

— O QUE VOCÊ FEZ?! - gritou, furiosa.

Meia-Noite se virou para ela com uma expressão de tédio e moveu a espada, pronta para dar mais um golpe, fazendo a jovem a encarar com confusão.

— Boa tentativa - atingiu seu corpo em um piscar de olhos, atravessando o peito - Mariposa.

Uma risada ecoou pelo salão destruído e uma forte ventania começou a soprar.

— Esse é seu nome, não é? Mariposa? - Meia-Noite pegou o braço cortado do Babau e o observou virar pó em suas mãos - Sabe, tem que arranjar parceiros menos fofoqueiros.

— Ah, você não tem ideia - a voz ecoou de um recém formado funil de asas marrons - da dificuldade que é arranjar gente competente.

— Então aí está você, sua inseta traiçoeira - Meia-Noite embainhou a espada.

— Eu traiçoeira? Você acabou de matar dois aliados!

— Felizmente quem morre em sonhos acorda depois. - argumentou, inclinando a cabeça.

Touché - riu a vilã - Você é tão esperta quanto dizem. Sim, isso aqui é uma ilusão. Mas como sabe que eu não estou secretamente fazendo você matá-los de verdade agora mesmo?

— Porque eu tenho algo que me dá poder para resistir às ilusões das trevas - e tirou a Candeia de dentro do bolso, sua chama pequena ainda acesa.

O cabelo de Meia-Noite brilhou e Mariposa recuou com uma expressão de desgosto, o que fez a heroína sorrir por baixo do tecido vermelho que cobria seu rosto.

— Agora eu só fico pensando: por que você montaria esse cenário com nós três? - Meia-Noite se aproximou, espada em uma mão, a Candeia na outra - Talvez... - balançou a lâmina, em uma ameaça velada - Talvez você não tenha sido tão vitoriosa quanto nós pensávamos.

— O quê? - a vilã gargalhou exageradamente - Do que você está falando? Olhe ao redor! Eu venci! As trevas tomaram a cidade! Criei meu próprio exército sob meu comando! Só restavam vocês, seus moleques enxeridos, para me atazanar.

— E ainda assim - apontou para ela com a espada - Você perdeu a única coisa que garante que você tenha tudo isso.

— É muita audácia tentar me encurralar estando dentro dos meus domínios. - esbravejou, dispersando as mariposas - O que pretende fazer aqui? Posso fazer você reviver os maiores traumas da sua vida, todas as dores que corroem sua alma e seus maiores medos mil vezes se for preciso! - trovejou, rodeando a heroína com seu tufão de mariposas.

Suas pequenas asas passavam em alta velocidade, cortando como lâminas e obrigando Meia-Noite a se defender com sua espada para proteger a Candeia. A chama se aqueceu, mudando de cor, e se expandiu como se o próprio sol estivesse nascendo naquela sala destruída. As trevas foram expulsas de supetão e, diante do impacto com pura Luz, Mariposa não pôde se defender e cedeu ao impacto.

Meia-Noite viu o mundo colapsar em sua frente e desvanecer, deixando diante de si os mesmos destroços da ilusão, mas em um ambiente mais claro, como se fosse noite de lua cheia e ela brilhasse radiante sobre todos. Em sua frente, Tempestia e Pardal, acordados e vivos, estavam agachados observando o corpo caído da vilã. Ao ver que sua chefe estava indo em sua direção, o jovem pássaro se ergueu e deu um sorriso engraçado.

— Não contavam com a sua astúcia! - Deu um soquinho no ombro da garota de preto, sem saber ao certo como mostrar que estava feliz por ela estar viva.

— Cara, o que foi aquilo? A bruxa caiu mortinha do nada! - Tempestia também se aproximou, encaixando as partes do sansetsukon em um bastão.

— Ela tá morta? - a garota se inclinou para o lado, tentando ver o corpo da vilã.

— Só se for por dentro. Vaso ruim não quebra.

Meia-Noite assentiu, pensativa, encarando o corpo humano caído no chão com o rosto oculto pelas sombras. Mariposa não parecia uma simples alterada pela interação com magia. O que fizera com a cidade e todos os seus moradores claramente era algo de um nível muito além de qualquer bruxa-mariposa de Solarópolis, então de onde vinha aquele poder?

Meia-Noite puxou o cachecol vermelho, expondo o rosto ferido, e o tecido vermelho voou e se enrolou no corpo da vilã, a amarrando firmemente. A face dela permaneceu oculta, mas a heroína ainda pôde gravar na memória o cabelo castanho oculto todo esse tempo pelo capacete prateado de inseto e o corpo comprido de uma adolescente. Sua forma adulta sombria e extremamente alta, afinal, não era diferente de tudo o que ela fazia: ilusão.

— Como você sabia que era uma ilusão? - Tempestia perguntou, interrompendo os pensamentos de Noite.

— Eu conheci uma pessoa - respondeu por fim, enigmática, olhando para a árvore mais próxima - E não temos tempo a perder porque eu acho que sei aonde temos que ir agora.

Eitapo...! - Solária exclamou ao cair no plano paralelo de Miragem pela milésima vez na última hora.

Dessa vez, ao invés de respirar e se preparar para atacar as mariposas, decidiu simplesmente ficar ali mesmo, deitada no chão empoeirado.

Seu coração batia, descompassado. A respiração estava ofegante, movendo sua caixa torácica dolorida que se curava lentamente. Seus olhos arregalados miravam o céu alaranjado sem enxergar a paisagem de verdade, ainda em choque com a visão da morte do último segundo.

Seu plano de impedir que Mariposa enfeitiçasse as pessoas foi até bem eficaz... até Tempestia aparecer.

Solária entendia, é claro. Ela também tiraria conclusões erradas se visse alguém colocando fogo nas pessoas da avenida. Mas como a outra não conseguia ver a situação?! Como ela não percebia a aura de maldade que vinha junto com a nuvem de asas? A loira parecia a única pessoa sã na cidade para perceber as óbvias maquinações sombrias da vilã.

Mas também não podia deixá-la impedir seu plano ao jogar as pessoas na água.

Você é doida?! - Miragem perguntou, aparecendo em seu campo de visão - Aliás, suicida é palavra melhor.

E estendeu sua mão para levantar a colega. Seu corpo estava ainda no mesmo collant de mangas longas de antes, mas parecia estar ganhando cada vez mais glitter quanto mais tempo passava ali. O torso era estampado com um pôr do sol e uma aura alaranjada parecia emanar da jovem. Solária se perguntava se, afinal, era a única a conseguir ver esse tipo de coisa, essa alteração de cor que parecia denunciar a verdadeira índole das pessoas.

— É a segunda vez que você faz isso só hoje, mulher! Quer morrer?!

— Mas o que eu ia fazer? Deixar ela jogar as pessoas na água?! E se o fogo mágico da Ecese apagasse?

— Eu imagino que "fogos mágicos purificadores" não se apagam com água. - o lobo-guará espectral retrucou, sentado aos pés da loira.

— Ele tem mesmo que ficar aqui? - Solária resmungou, passando a mão para limpar a sujeira da roupa.

— O meu ponto continua correto - apenas devolveu, com o tom sabichão de sempre.

— E daí você tem a brilhante ideia de ir pra cima da mulher que praticamente derrotou a Gangue da Garra sozinha em uma noite e que cria tempestades elétricas? Amiga, cadê o senso de autopreservação?

O coração de Solária palpitou. A palavra "amiga" ecoou no ar, desconhecida para seus ouvidos. Não conseguia se lembrar da última vez em que alguém tinha se referido a ela assim.

— O que foi? Por que tá me encarando? - Miragem perguntou, passando a mão na cabeça em busca de algum inseto misterioso escondido.

— Nada - desconversou, a voz afinando - É só que o tempo provavelmente já acabou e eu ainda não adivinhei qual é a resposta do enigma...

Os olhos de Miragem se arregalaram, em choque.

— CARAMBA! EU TINHA ESQUECIDO! - exclamou, começando a correr pela dimensão parada.

Solária tentou segui-la em meio às pessoas paralisadas no ar, mas a garota loba era mais rápida.

— Mira... gem! - arfou enquanto se esforçava pra ficar próxima - Me espera!

— Eu descobri onde o plano ia acontecer. Foi onde eu fui pega por ela! - explicou, sem parar de correr - Vai ser ao meio dia, quando o sol ficar a 90 graus do prédio mais alto de Solarópolis...

— Espera... mas... isso é no...

Centro Cultural Aruna. - falaram em uníssono.

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