O caos das mariposas
Vanessa andava em círculos, entrando em pânico.
O que estava acontecendo? O que tinha sido aquilo? Céus, como queria simplesmente apagar de sua memória a última meia hora...
Mariposa... Mariposa tinha ultrapassado todos os limites. E isso era assustador.
Quando foi para a Via Rio seguir para a próxima fase, o nervosismo que a consumia tinha deixado de ser por causa do jogo há muito tempo. A resposta que encontraria ali levaria até o local em que o plano da vilã se completaria e Solária tinha que estar lá para impedir o que quer que ela tivesse armado. Felizmente, conseguiu achar o segundo enigma de cara.
"Nunca volto, embora nunca tenha ido
Sou o agora que já não é mais
E mesmo nem sempre querido
Sou o conhecimento que jaz
Quem sou eu?"
Imaginava que tinha a ver com o tempo, então só precisava partir daí. Caminhou entre as pessoas que comiam pastel e seu estômago reclamou de fome, o que fazia sentido, já que já tinha passado das onze. Quando sentou em um dos bancos próximos a um canteiro florido, pensou se deveria fazer uma pausa para o almoço no meio da emergência que tinha em mãos. Precisava deter Mariposa o quanto antes, mas não sabia qual era a resposta da charada e não conseguiria se concentrar estando com fome.
"Saco vazio não para em pé"
Olhou para o lado, finalmente notando o calango amarelo limão debaixo de uma folha. Vanessa acariciou as costas amarelas do pequeno lagarto com carinho e suspirou.
— Mas e se eu for comer e ela atacar do nada? E se eu perder tempo...?
O lagarto deu uma leve mordidinha no polegar dela e isso a fez rir um pouco. Deixou que ele retornasse para o canteiro - o que não significava muito, já que ele a seguiria em qualquer lugar - e foi até onde faziam pastel. O cheiro era bom e ela já estava pensando se teriam pastel de palmito. Sua visão, porém, logo captou as asas marrons sinistras passando por trás dos food trucks. Sem ouvir seus instintos sobre uma armadilha, mesmo sem se transformar, a loira seguiu o rastro e correu até lá. A risada debochada de Mariposa ecoou e Vanessa viu uma silhueta.
— ... Miragem? - questionou, se aproximando da heroína paralisada - Você consegue se mexer? - perguntou, enfim percebendo a enorme mariposa marrom cobrindo o rosto dela - Ah, não...
Foi só o que pôde dizer antes de ver a heroína de laranja se contorcer e desaparecer no ar.
— Droga... - murmurou, se jogando no banheiro químico mais próximo.
O caos pelo engarrafamento começou lá fora e, em meio a buzinas furiosas e xingamentos sendo proferidos entre algumas pessoas, ninguém pareceu notar a explosão de luz verde saindo pelas frestas da cabine azul. Quando saiu de lá, Solária observou os arredores, em uma busca frenética por qualquer sinal de Miragem ou de Mariposa.
Isso era péssimo. Terrível. Catastrófico.
Uma pessoa comum já era um perigo quando estava sob efeito dos feitiços de Mariposa. Uma pessoa que podia ficar invisível e intangível era pior ainda. Fechou os olhos e implorou à Luz que guiasse seus sentidos, porque a coisa tinha ficado feia.
Correu para o meio da pista, onde pessoas se estapeavam por causa de uma briga do trânsito. Ela viu outros competidores percorrendo a Via Rio em busca das outras 9 charadas escondidas, entrando no meio dos carros engarrafados e perturbando as pessoas que lanchavam nas barraquinhas de comida. Repórteres e câmeras iam e vinham de todos os lados, gravando tudo e um calafrio percorreu sua espinha com a possibilidade de alguém ter gravado o banheiro por acidente e pudesse revelar ao mundo sua identidade secreta.
Esperava que ninguém tivesse prestado atenção na "atrasada do Enem" - seu apelido infelizmente pegou, considerando o jeito como passou para a segunda fase - mas, lá no fundo, agradecia que, com tantas câmeras, seria muito improvável que Mariposa conseguisse fazê-la parecer a vilã da história mais uma vez. Não tem como ela enfeitiçar e jogar ilusões em uma câmera, então a máquina sem vida gravaria apenas a verdade.
Sentiu uma vibração no seu lado direito e desviou a tempo de ver o punho enluvado de Miragem passar rente ao seu rosto. Pulou para trás com destreza e viu a outra desaparecer novamente. Olhou ao céu com gratidão. Agora só precisava se manter atenta.
Apertou a maça-estrela feita de energia verde crepitante e hesitou. Não tinha coragem de machucar Miragem. Não depois de ela ser talvez a única pessoa na cidade que sabia a verdade. Não depois de ela ter sido a única pessoa disposta a entender seu lado. Não, não podia machucá-la... mas, quando sentiu as mãos surgirem do nada mais uma vez e agarrarem seu pescoço, o que viu não se parecia mais com sua amiga.
A cabeça tinha olhos globosos grandes e antenas felpudas saíam do alto da cabeça. O nariz tinha desaparecido e a pele estava cinzenta. Dentes afiados saíam de sua boca contorcida e saliva escorria em profusão. Ela não queria saber o que eles fariam em sua pele se a alcançassem.
— Me desculpa - murmurou, antes de acionar uma explosão de energia que empurrou Miragem para trás.
Ela se dobrou em um ângulo que coluna nenhuma seria capaz de fazer e, de sua posição torta, encarou a heroína com a mesma careta selvagem. Suas mãos foram para o chão e, com uma acrobacia, saltou no ar e sumiu. Solária fechou os olhos novamente e sentiu o ar em sua volta. Quando ia reagir como antes, o que veio não foram mãos, mas um pé bem firme em sua costela. Sentiu a dor irradiar por seu corpo e caiu no chão vendo estrelas.
— VAI MAIS RÁPIDO! - gritou Pardal, brandindo a cadeira de metal para bater em mais uma pupa - MAIS RÁPIDO!
O vento soprava forte com a velocidade e o garoto mascarado tentava não se desequilibrar e cair enquanto mexia sua "arma" de um lado para o outro, tentando afugentar os monstros. Os seres humanoides se aglomeraram por todos os lados, seus corpos mutantes em vários estágios de mutação emitiam no escuro a mesma luz roxa que os lobisomens controlados de antes. Pardal se abaixou rapidamente, evitando ser carregado pelas garras estranhas deles. Os com asas eram os piores, já que ficavam dando rasantes sobre os dois heróis adolescentes fugitivos.
— Cadê a sua parceira?! - a garota de roxo reclamou de volta, dando seu máximo na bicicleta que tinham encontrado - Ela sempre some quando a gente precisa, né?
— Ela vai aparecer logo logo! - e em seguida sussurrou para si - Eu espero.
E continuaram descendo rua abaixo enquanto dezenas de monstros-mariposas os perseguiram por terra e por céu. Seria um ótimo momento para ter um inseticida gigante. O garoto olhou para a ciclista se sentindo mal. Até teriam um jeito melhor de revidar esses ataques se não fosse por ele ter sido mordido na perna assim que tentaram lutar por suas vidas ao sair da loja. O ferimento ardia e jorrava um sangue precioso que o fazia se sentir cada vez mais fraco conforme o tempo passava. Ele também não podia voar e Tempestia não podia carregá-lo através dos fios dos postes com eletricidade, então só restava a bicicleta.
— CUIDADO! - gritou, sem necessidade, já que já era a décima árvore no meio da rua de que a garota desviava com destreza.
— Você tem que confiar mais em mim, viu - ela comentou, arfando pelo esforço - O que são essas coisas?!
— São as pupas - explicou depois de atingir mais um dos monstros com sua cadeira dobrável - Foi assim que ela chamou essas coisas.
— Eu quase virei uma...
— Nós dois. - bateu em mais um monstro - E não estão sozinhas! São as sombras à direita!
Esperando que a alta velocidade mantivesse a inércia, a heroína de roxo tirou as mãos do guidom e juntou nas mãos uma massiva bola de energia elétrica crepitante. Assim, quando os demoníacos babaus começaram a sair de mais um vórtex ao lado, foram atingidos com um tiro luminoso que queimou suas peles sensíveis e os impediu de sair. Uma boa coisa sobre os seres malignos é que, em 90% das vezes, eles eram extremamente sensíveis a luminosidade.
— ISSO! - comemorou Tempestia, dobrando seu braço para trás a espera de um toca aqui - Ah, qualé, não me deixa no vácuo.
— Você é doida - ele comentou, fazendo o toca aqui.
— É um dom - ela riu, acelerando, e então fez careta ao ver a sombra gigante descendo do céu.
O pneu da bicicleta derrapou no chão quando Tempestia fez uma curva muito apertada para desviar de um bloco enorme que atingiu o chão em sua frente, destruindo uma construção. A frente do prédio foi completamente obliterada, deixando exposto o interior cheio de árvores. Na calçada, mais a frente, jazia a placa do Centro Cultural Aruna.
— MAS QUE CARAL...?! - a jovem foi interrompida pelo impacto dos destroços voando contra a bicicleta quando o outro pé do gigante atingiu o chão, chutando as coisas como se fossem simples pedrinhas no chão.
Os dois heróis rolaram no que restava do asfalto, parando perto de um grupo de árvores especialmente próximas na calçada.
— Ei, garoto - cutucou Pardal, tentando acordá-la, e sua voz emanava pânico quando percebeu que os monstros estavam se aproximando.
O gigante pai-do-mato levantou seu pé, dando mais um passo para longe dali, indiferente, e Tempestia agarrou o garoto pela jaqueta cheia de penas, puxando-o para longe dos destroços. No meio do caminho, ele levantou, meio atordoado, e ela o empurrou para o meio das árvores que brotavam no chão do Centro Cultural. Esperava que pudessem se esconder ali, pelo menos até, com sorte, Meia-Noite retornar das sombras para que pudessem ter mais força de combate. Pardal cambaleou e balançou a cabeça, começando a surtar por sua claustrofobia.
Quando ouviram as várias asas baterem por cima de suas cabeça, Tempestia o envolveu em um abraço apertado e sussurrou um desesperado "vai ficar tudo bem, só respira". O garoto parou de tremer um pouco e, espremidos naquele abraço, conseguiram ficar completamente escondidos pelos troncos. As pupas sibilaram em sua linguagem esquisita enquanto procuravam pelos heróis nos arredores, mas, quando o gigante levantou seu outro pé, seguindo caminho para onde quer que fosse, acabou acertando algumas e todas se levantaram para cima dele, irritadas.
O som da confusão era uma mistura estranha de sibilos agudos, roncos graves e tremores que faziam parecer que a qualquer momento tudo ali desabaria em cima dos dois heróis.
— Mas o que tá acontecendo lá em cima...?! - Tempestia sussurrou, completamente perturbada pela situação, mas Pardal cobriu sua boca, pedindo silêncio.
Ficaram os dois assim no escuro por segundos intermináveis, o único som vindo de suas respirações ofegantes e, no caso de Pardal, uma prece sussurrada. Arrependimentos passavam pela mente da heroína, como o fato de que nem tinha se despedido dos pais naquele dia... Ergueu os olhos, se lembrando enfim da prima que tinha que ter buscado na rodoviária no começo de tudo. Esperava que ela estivesse bem... oh, céus, que ela não tenha vindo de táxi...
Quando o silêncio pareceu ser tudo o que restou do lado de fora, Tempestia se espremeu com cuidado entre os troncos estranhos e se viu no meio de um salão pela metade. Olhou ao redor, procurando por silhuetas das pupas, mariposas sinistras ou algum vórtex como antes, mas só encontrou restos de esculturas e alguns quadros daquele museu. Faíscas rodearam seu corpo, iluminando um pouco a escuridão, e ela expirou, aliviada.
— Pode sair - chamou, estendendo a mão para Pardal através do buraco entre as árvores - Mas tenho más notícias.
— Não me diz que tem mais coisas vindo na nossa direção... - murmurou o garoto mascarado, enquanto saía do esconderijo e observava a heroína pegando seu celular - Espera, acha que consegue ligar para Meia-Noite? Eu tenho o número dela e...
Mas não foi por isso que a jovem desbloqueou seu celular. Usando a lanterna, ela apontou para a casca de uma das árvores com uma expressão assustada.
— Meu pai do céu... - o garoto tocou a superfície áspera, incrédulo - As árvores... são pessoas.
De certa forma, tinha recebido o que pedira. Conseguia prever de onde Miragem iria aparecer no ar... isso só não estava a impedindo de levar uma surra da versão monstruosa de sua, talvez, única amiga no ramo superpoderoso. Já tinha levado chutes, socos, mordidas - essas eram especialmente dolorosas - e a cor roxa que estava tingindo sua pele definitivamente não estava sendo por causa dos hematomas. Sentia a energia esquisita fluindo pouco a pouco.
— Olha só - arfou, em um raro momento em que conseguiu desviar de uma mordida - Eu quero encerrar isso agora, pode ser?
Em resposta, teve apenas um rugido e Miragem veio em sua direção com os dentes à mostra. Nesse momento, a mente de Solária clareou e trouxe uma lembrança distante de quando brincava de lutinha com seu irmão. Lucas sempre ganhava e fazia isso com um movimento muito específico que ele tinha aprendido no jiu-jitsu. Assim, quando a pupa veio em sua direção pronta para atacar, se colocou em posição de guarda fechada, distanciando as pernas e fazendo com que a outra se inclinasse para frente.
Confusa, a Miragem insectoide estranhou quando a loira segurou seu punho com uma mão e, com a outra mão, segurou a parte de trás de seu braço, perto do cotovelo. Com um impulso, Solária girou o corpo em direção ao braço que estava segurando, colocou o pé no quadril de sua oponente e se inclinou para trás, envolvendo o corpo da morena com suas pernas. A outra tentou se contorcer e resistir quando desabaram, mas a heroína apenas puxou o braço da oponente em sua direção e apertou mais, finalizando o arm-lock. Lucas ficaria orgulhoso.
Uma felicidade estranha aqueceu seu peito até que ela percebeu que estava literalmente aquecendo e, quando deu por si, seu corpo inteiro estava coberto pelas chamas douradas da Ecese. O fogo envolveu Miragem também, que gritou e se contorceu, queimando, o que fez Solária entrar em pânico sobre o que fazer. A criatura conseguiu se soltar, mas continuou pegando fogo e se contorcendo em meio a uma pilha de cinzas que iam se formando. A loira recuou e a pupa enfim caiu no chão, imóvel, para a perplexidade e culpa da garota, que agora pensava ter matado sem querer sua única amiga.
Porém, quando virou o corpo para si, percebeu algo estranho: Miragem estava em sua forma humana... e a máscara e o uniforme de gari tinham desaparecido.
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