V. O poder da Luz em Nivlek.
O Cajado de Nivlek foi criado em uma fatídica noite da guerra. Esse artefato se tornou um produto desesperado de Crowe, uma espécie de esforço final para garantir a sobrevivência dos Deuses. Naquela época, eles costumavam se ajudar mesmo sendo de distintas designações, ordem e caos. Não ficou explícito o suficiente o quão desesperado Crowe estava para criar aquela coisa, já que o cajado não foi apenas feito de uma parte do Deus, como um ser vivo, foi também amaldiçoado e apenas seres amaldiçoados poderiam exercer e usar de seus poderes. Por isso, O Deus da Escuridão se tornou um ser maldito, no momento em que forjou Nivlek, que agora estava sobre os domínios de Elirach, protegido pelas sacerdotisas do caos, esperando um dono. Alguém como ele.
Crowe não criou sacerdotes, ele deu o dom do caos para humanos já criados por outros Deuses. Sendo uma forma de igualar a balança, já que de dia a maioria dos que andavam sobre Velkhan eram serventes leais dos Deuses da ordem. Então, uma a cada duzentas crianças nascia com o dom da magia, mas não magia de ordem, era caos profano. No começo, aquelas crianças eram abandonadas no castelo de Elirach, onde o Deus da Escuridão, fez sua morada. Ele as acolhia e enquanto cresciam, Crowe as ensinava sobre seus próprios dons e assim surgiram as primeiras servas do caos. Quando a guerra cessou e Crowe foi preso na jaula de aço negro no submundo, suas aprendizes continuaram seu legado, usando do livro de Volkihar, onde escritas mais antigas que o Deus da Escuridão, estavam relatadas, para continuar ensinando.
O caos nunca foi visto como uma coisa que pudesse gerar benefício, o que obrigou as sacerdotisas a evoluírem e passarem a fazer desuso de magia profana. Agora concentravam-se em feitiços que não prejudicavam ninguém, reintegrando-as a sociedade e transformando aquelas crianças que nasciam com o dom, não em aberrações, mas em futuros sacerdotes. Já não eram mais abandonadas, vinham de todos os lugares e Elirach continuou conhecida como terra da magia e uma referência na busca por conselheiros.
O castelo onde antes morava Crowe, tornou-se um lugar para ensinamentos, depois que ele foi preso. Até aquele momento, duas mulheres passaram pelo cargo de mestre, sendo Gwendoline uma delas. A mulher foi aprendiz pessoal de sua antecessora e aprendeu inclusive coisas mais profanas, escritas no livro de Volkihar, apesar de não fazer uso delas. Gwendoline tinha um dom especial, era capaz de visualizar emoções e interpretá-las, uma coisa rara e nunca viu ninguém depois dela conseguir desenvolver algo parecido. Mas desde que trouxe Aleera para o castelo, tinha a sensação de que a nova mestre de Elirach estava diante de seus olhos e também desconfiava que a mulher poderia ser alguma outra coisa, como semideusa, por exemplo.
Aleera ainda achava aquele lugar novo e peculiar, mesmo já conhecendo cada canto do castelo. Ela se tornou uma aprendiz de sacerdote, parte dela ainda estava curiosa sobre os segredos escondidos nas histórias contadas nos quadros das paredes e outra parte, tinha medo de descobrir o que estava envolvido no processo de tornar-se sacerdotisa.
— No geral temos muitos aprendizes, mas você não chegou exatamente em uma época que costumo receber novos alunos. Tem umas poucas garotas que agora estão em atividades ao ar livre. Espero que goste. — abriu a porta do quarto.
— Este quarto é meu? Sem uma garotinha dentro dele a cada cinco minutos?
— Aqui não há crianças e nem reis pervertidos. Aquele amuleto perto da cama protegerá seus sonhos. Buscarei algumas ervas para sua ferida e trataremos disso o quanto antes para que possa iniciar seu treinamento.
— Está bem. — Gwendoline deixou-a sozinha no quarto. Aleera aproveitou para olhar tudo, era bom ter um canto e privacidade para variar. Dormir em uma cama, sem medo, também era bom. Jogou-se nela e encarou o telhado feliz por sentir-se finalmente livre.
— O que gostaria de fazer antes do jantar? — a sacerdotisa mestre entrou no quarto da moça e trouxe algumas coisas com ela.
— O que é isso?
— Ervas medicinais e um pouco de magia devem dar um jeito nessa ferida. — amassou tudo em um pequeno pilão colocando sobre o ombro da garota que resmungou, mas acabou aceitando a dor. — Precisa aprender a andar sozinha pela cidade, uma das funções de aprendizes é comprar coisas como essa e repor os estoques do castelo.
— Me ensinará a fazer isso? Cuidar de ferimentos e essas coisas?
— Claro e muito mais.
— Então está bem. — sorriu. — Me esforçarei para aprender.
— Como estava um pouco infeccionada, sua ferida não fechou totalmente, mas deve sarar em alguns dias. Consegui até cortar sua febre. — tocou a testa dela. — É muito forte, Aleera, admiro isso. Agora que está bem, te darei sua primeira tarefa.
— Mal posso esperar. — levantou-se. — O que é?
— Primeiro vista alguma coisa mais adequada. — jogou uma roupa sobre ela. — Encontrará uma amiga minha, uma menina ruiva. O nome dela é Azura.
— Certo. — foi se trocando rapidamente, sem conter a empolgação. — Do que precisa?
— Escamas de dragão.
— A menina é um dragão?
— Não. — Gwendoline começou a rir. — Ela tem um dragão. Alguns na verdade.
— Oh! — tapou a boca e olhava sua mestre com descrença. — Dragões são mesmo reais?
— Mais que eu e você. Ela mora a leste da cidade em terras ocultas, são cerca de duas horas de caminhada daqui. Se sair agora conseguirá voltar antes do anoitecer.
— E ela me dará isso sem problemas?
— Azura e eu temos um acordo. Ela nos cede algumas escamas de dragão e em troca nós os mantemos protegidos de algumas criaturas.
— Criaturas?
— Outras coisas comem dragões, dizem aumentar a libido ou coisa assim.
— Sério? — sentiu-se enojada. — Certo. — olhou-se. — É uma roupa bastante diferente do que estou acostumada. — viu o que parecia ser uma armadura de couro, tingido de preto, com uma saia longa, cujas laterais possuíam duas fendas em ambas as pernas que quase iam até o topo. — Logo voltarei com o que me pediu.
— Ótimo, estarei lhe esperando para jantar e assim posso te apresentar as outras cinco alunas.
A moça agradeceu e saiu caminhando empolgada com o que encontraria nas terras que eram seu destino, as mencionadas por Gwendoline. Nunca tinha visto um dragão de perto, nem sabia que existiam. Aquela era uma coisa nova para remover da lista de realizações em sua vida. Aleera adentrou o mercado atenta ao macaquinho de Ice Angeles, não queria ser roubada novamente por mera estupidez, mas de tudo a experiência não tinha sido ruim. Ela conheceu Emre e ele era um homem bastante bonito e isso de certa forma lhe atraía.
Duas horas se passaram e Aleera continuava caminhando rumo ao leste da cidade. As árvores densas cobriam os dois lados do caminho e suas copas estavam tão unidas que não conseguia sequer ver um raio de sol adentrar ali. Também não tinha pessoas ou animais na estrada, estava completamente só em um caminho assustador. Finalmente avistou um portão grande com uma placa enorme e dragões entalhados nas laterais, mentalmente agradeceu por sobreviver. Longe, avistou cabelos ruivos e uma menina que parecia conversar com alguém ou alguma coisa, mas não via mais nada. Quando atravessou o portão foi que percebeu, o lugar inteiro estava sob um feitiço e depois que entrou, pôde finalmente enxergar o enorme dragão com quem Azura falava.
— Minha nossa! — encarou tudo espantada e com a sensação de que correria para qualquer lugar, mas não ficaria ali.
— Quem é você e como conseguiu entrar aqui?
— Meu nome é Aleera, vim em nome de Gwendoline, ela me pediu para buscar escamas de dragão.
— Uma nova aprendiz antes do solstício de inverno? Ela deve ter grandes planos para você. — deixou que Aleera se aproximasse. — Eles costumam saber quando está com medo.
O dragão negro de olhos grandes e amarelos olhou diretamente para Aleera e a moça imediatamente parou onde estava, morrendo de medo de ser devorada por ele.
— Me garante que ele não vai me comer?
— Fique tranquila. — a menina riu. — Dragões não comem humanos há muito tempo. — andou até ela. — Sou Azura, última treinadora de dragões.
— É um prazer. — apertou a mão da menina. — De longe você parecia maior, é uma criança.
— Tenho doze anos. — deu ombros e virou-se para o dragão. — Esse é Iven, o último dragão negro.
— Última treinadora e último dragão, talvez tenham se destinado a ficarem juntos.
— Esse título é inventado, na verdade. Há muitos anos os dragões foram criados e viviam livres por Velkhan, antes da criação humana. Quando nós surgimos começamos a matar e domesticar tudo que andava sobre essas terras tentando exercer uma espécie de soberania. Com isso, aos poucos, seres como Iven foram desaparecendo, sendo extintos. Eu era uma caçadora, das boas se quer saber. — sentou-se em um tronco e continuou falando. — Em uma jornada rotineira, encontrei um ninho, ele tinha sido destruído, todos os ovos estavam quebrados e os dragõezinhos mortos. Iven era o ovo restante, que tinha rolado para um arbusto quando a mãe voou assustada. Eu sabia que ela não voltaria ou acabaria morta e também não devia deixá-lo lá sem ninguém. Então o peguei e lhe criei com a intenção de que ele partisse quando pudesse se cuidar sozinho, mas ele ficou e desde então, dedico minha vida a dragões abandonados como ele, principalmente os que costumam ter cores raras.
— Então existem outras cores?
— Ah, existem. — tomou a mulher pela mão e lhe conduziu até o animal enorme. — Há dragões negros, brancos, vermelhos, verdes e dourados, até misturas dessas cores, mas não são tão comuns. Iven é muito dócil, pode tocar nele se quiser.
Aleera aproximou-se lentamente levando a mão até a face do animal, tocou-o então, perto do nariz e sentiu-se incomodada, tirando a mão imediatamente.
— É pegajoso. — começou a rir. — Ele é gelado, que estranho. Pensei que por cuspirem fogo fossem quentes.
— Ah, perto do focinho é meio gelado mesmo. Vou buscar as escamas, você fica aqui e faz companhia a ele?
— Eu? — perguntou assustada. — Tem certeza?
— Fique tranquila, estarei logo ali. — riu adentrando na casa.
— Então, garoto... — tocou novamente a face do animal. — Você é bem grande, o maior animal que tinha visto até hoje, foi uma vaca. Precisava ver, ela parecia ter uma tonelada, quase maior que um elefante.
— Você não fala coisa com coisa, não é?
— Você fala? — olhou o dragão, indignada.
— Não. — Azura saiu de trás do animal rindo. — Como pôde acreditar nisso?
— Ah... — baixou a cabeça envergonhada por sua inocência e pegou o saco com escamas. — Agradeço, tenho que voltar antes que anoiteça.
— Provavelmente deve. Nos veremos novamente, aprendiz de Elirach.
— Espero que em outras condições. — olhou o dragão mais uma vez e saiu de volta para casa.
Por mais que andasse apressadamente para o castelo, não controlava o tempo e acabou sendo pega por uma tempestade. Tentando fugir dela e dos ventos estranhos que lhe acompanhavam, se perdeu do caminho atrás de abrigo. Mesmo andando bastante não havia casa alguma nas redondezas, nem um lugar em que pudesse se proteger, por isso, depois de alguns minutos debaixo de chuva, ficou completamente molhada e sozinha sem ideia de onde estava.
Um relâmpago iluminou o caminho, mas não o reconheceu como aquele que usou para ir até a casa de Azura. Mesmo assim, viu uma sombra. Havia alguém parado próximo a placa que indicava para onde ia cada estrada. Apesar de contar com o risco de ser um assassino cruel, Aleera resolveu arriscar, afinal, não queria ficar ali até que a chuva cessasse, precisava estar no castelo antes que escurecesse e por isso ousou andar até o homem para pedir informação.
— Olá? — chamou saindo debaixo da árvore em que estava e aproximou-se lentamente, tomando o desconhecido como hostil.
Aleera sempre foi bastante curiosa desde criança. Isso muitas vezes lhe meteu em encrencas que geralmente culminavam em Leone tendo que passar por situações constrangedoras, mas aquelas situações tornaram a moça mais corajosa e mesmo com medo, ela insistiu na ideia de que o homem poderia ajudá-la.
— Não devia ficar aqui fora em uma tempestade dessas.
— Nem você. — respondeu o homem, que olhava o céu. — Por que está parado aí como se quisesse ser atingido por um raio?
— Talvez eu queira. — não ousou olhá-la. — Deve ir, essas tempestades sempre fazem vítimas. Uma a duas mortes por ano, são frequentes.
— Só pode ser maluco. — pensou em ir e deixá-lo, já que o homem estava tentando se matar e ela parecia atrapalhar tudo.
— Só se pega um raio se esperar por ele. — assim que percebeu que um raio cairia sobre a placa ele puxou Aleera e os dois se jogaram no chão. Depois que a descarga se completou, o homem se levantou e pegou no chão um cristal claro e brilhante, tão bonito quanto um diamante bruto. — Então. — virou-se encarando a garota esparramada e coberta por lama.
— Isso foi incrível! — olhou-o impressionada.
— Nunca se sabe quando vai precisar de um raio. — sorriu estendendo a mão para que levantasse. — Meu nome é Kalezio, 18º sacerdote de Elirach.
— Você é um sacerdote? Por isso a roupa estranha. — comentou consigo, baixo o bastante para apenas ela ouvir.
— E você deve ser a garota da carta, a que Gwendoline mencionou ter um potencial extremo para o caos.
— Potencial para o caos? Eu? — gargalhou indignada. — Certo que uma vez ou outra sempre acabo me metendo em problemas diabólicos, mas caos? Não. Sou só uma garota de Azaror. Até uns dias era uma simples tutora para a princesa.
— Que pelo visto, quando nervosa, fala pelos cotovelos. — curvou uma sobrancelha e encarou-a.
— Desculpe. — calou-se baixando a cabeça.
— Tem uma lágrima de anjo? — tocou o colar no pescoço da garota. — Onde conseguiu isso, é raríssimo.
— Um amigo me deu. — andou para trás desconfiada. — Disse que me protegeria.
— É, serve para isso. — resmungou ofendido pela mulher achar que ele fosse roubá-la. — Mas no seu caso é inútil.
— Por quê?
— Sacerdotes servem ao caos, minha querida. Isso é magia de ordem, não funciona conosco. Mas vale muito dinheiro se quiser vender.
— Não! Não está à venda. — respondeu. — Tem valor sentimental, é só o que me resta. — parou pensativa enquanto ainda debaixo de chuva, os dois conversavam. — Ei, sabe como voltar ao castelo?
— É claro que sei, estava indo para lá relatar as boas novas. Conheço Elirach com a palma da mão, cada cantinho desse lugar incrível e logo também conhecerá.
— Espero. — começou a segui-lo.
— Logo se acostuma, não se preocupe. — sorriu e tomaram rumo que a moça não conhecia.
Kalezio é o décimo oitavo sacerdote formado em Elirach, também era um dos mais conhecidos, tanto pela natureza ter lhe feito um homem usuário de magia como pelo exemplar tempo dentro do castelo. Kalezio foi até hoje o melhor sacerdote treinado por aquele lugar. Se Crowe ainda regesse o castelo seria provável que o homem se tornasse seu braço direito e o próximo sacerdote mestre. Além disso, apesar de viver viajando atrás de itens mágicos raros e colecionando histórias surpreendentes, ele vivia voltando ao lugar tentando convencer Gwendoline a lhe dar o Cajado de Nivlek. A sacerdotisa mestre já cogitou aquela possibilidade algumas vezes, mas nunca chegou a entregar a ele o cajado do Deus da Escuridão. Kalezio o queria, já que era uma arma feita especialmente para o caos, cujo poder concentrado tornaria seu portador incrivelmente forte e claro, amaldiçoado.
— Então, em quanto tempo tornou-se 18º sacerdote?
— Dezenove meses. Mas sou o único que aprendeu tanto em pouco tempo. No geral a maioria demora de dez a quinze anos.
— O que? — gritou sem conter o espanto. — Está falando sério?
— Essa vida não tem caminhos fáceis. Talvez seja como eu, mas nunca se sabe.
— Queria muito que isso passasse rápido.
— Por quê? Deseja estar em outro lugar?
— Ah, não sei. Conhecer outros lugares não seria ruim. Não significa que não gosto daqui, ou do que Gwendoline fez por mim.
— E já foi roubada? — começou a rir.
— É, na verdade, sim. — foi consumida por uma expressão séria e irritada. — Como sabe?
— Tive essa sensação, quando lhe conheci. Parece bastante fácil de enganar.
— Ei! — estapeou-o. — Sou muito perigosa, não fale essas coisas. Sobrevivi nas ruas e o que aquele macaco fez, posso fazer melhor.
— Está mentindo. — parou virando-se para encará-la. — Nunca roubou ninguém na sua vida, mesmo quando estava muito faminta ou com muito frio. Jamais se submeteu a isso, porque sabia que era errado.
— Como.... — perguntou sentindo seus olhos marejados. — O que mais você faz, sacerdote?
— Vai aprender algo assim. Eu, por exemplo, sempre sei quando alguém mente.
— Humf. — olhou-o de canto de olho. — Parece que chegamos.
— Achou que eu fosse te sequestrar? — gargalhou.
— Aleera! — Gwendoline apareceu na porta. — Achei que teria de ir atrás de você, olha só menina! Está toda molhada.
— Me perdi na floresta. — lamentou-se. — Começou a chover e encontrei esse homem.
— É bom ver que voltou para uma visita, Kalezio.
— Te trouxe um raio. — estendeu a pedra.
— Isso não muda nada. — resmungou jogando uma toalha nos ombros de Aleera. — Vamos querida, vamos entrar, precisa se aquecer.
— Essa mulher é irredutível, nunca a irrite. — cochichou com Aleera. — Bem, acho que vou me trocar e colocar algo mais adequado ao jantar.
— Ele estava te cortejando ou foi impressão minha? — Aleera perguntou depois que o homem saiu.
— Ele acha que se me bajular lhe darei o Cajado de Nivlek.
— Quem?
— Ah, meu anjo. — sacudiu a toalha nos ombros dela tentando secá-la. — Ainda tem muito que estudar. Vá para o seu quarto e termine de secar, depois desça para o jantar.
Aleera subiu correndo para o quarto e trocou-se o mais rápido que podia, estava ansiosa para conhecer as outras moradoras do castelo, que passaram o dia todo fora, já que estavam bastante avançadas e a moça era uma mera iniciante. Pensou que logo faria amizade, já que sempre foi boa nisso e ter amigas pela primeira vez, até poderia ser uma coisa boa.
Desceu as escadas apressadamente, trajando um vestido um tanto simples e entrou no salão de jantar. Ele era enorme, com várias mesas e lá na frente, bastante longe da porta, haviam cinco mulheres sentadas junto a Kalezio e Gwendoline, já jantando.
— Aleera querida, sente-se conosco. — Gwendoline chamou-a e ela andou depressa até a cadeira que a sacerdotisa apontava. Gentilmente olhou as meninas e sorriu a elas, mas nenhuma demonstrou uma reação positiva para a garota, o que lhe deixou preocupada. — Meninas, quero que conheçam a nova aprendiz. Esta é Aleera, ela veio de Azaror. Aleera, essas são Marian, Julie, Lorena, Pietra e Hannah.
— Olá, é um prazer conhecê-las. — acenou para as garotas em uma tentativa de começar de novo e fazer amizade, mas elas apenas acenaram com a cabeça e continuaram em silêncio comendo.
— Não é culpa sua. — Kalezio recostou sobre o ombro da moça comentando enquanto ainda mastigava. — Ninguém gosta de favoritos do mestre e você superou o nível de favoritismo.
— Como assim?
— É melhor comer e ignorar que te odeiam. No geral depois de uns anos provavelmente irá passá-las e não se importará com o que aconteceu hoje.
— Mas... — olhou as moças. — Eu não quis...
— Sei disso, ninguém se torna favorito por que quer. Agora coma, deve aquecer seu estômago para não ficar doente por causa da chuva.
Todos jantaram quietos enquanto Kalezio contava de suas aventuras em Valysha e Dungen nos últimos meses. Cada coisa que ouvia, fazia Aleera querer mais e mais conhecer cada cantinho de Velkhan, mas logo depois pensava em quantos anos poderia ficar presa naquele castelo e imediatamente frustrava-se.
— Aleera, parece cansada, se quiser se retirar, pode ir. — Gwendoline olhou-a e ela voltou sua atenção a todos.
A garota nem fez questão de insistir e seguiu para seu quarto. Logo ouviu que não foi a única a subir, quando gemidos e barulhos de ranger de móveis ecoaram por seu quarto lhe deixando espantada com tamanha disposição.
— Sabia que não era só por causa do cajado, eles são amantes. — colocou o travesseiro no rosto tentando abafar o barulho. — Exibidos!
Passou horas se revirando na cama com a cabeça embaixo do travesseiro e nem se deu conta que havia derrubado e quebrado o amuleto que lhe protegia contra íncubos. Sem demora, assim que o amuleto se partiu, foi pega por um sono misterioso e profundo, onde nem mesmo o barulho que Gwendoline e Kalezio faziam a impediu de adormecer. Quando supostamente acordou, ainda dormia, mas estava em um sonho que para ela costumava ser comum, algo entre um canto para relaxar ou o pensamento constante de que estava em outro lugar. Era com isso que sonhava.
— Você não tem muita emoção nos seus sonhos, chega a ser deprimente.
— O que faz aqui? — virou-se encarando um rosto conhecido. — Não pode entrar nos meus sonhos. A não ser que não esteja realmente aqui e seja uma projeção da minha imaginação, mas porque eu faria isso?
— Talvez quisesse me ver. — deu ombros. — Então, está melhor ou ainda vai morrer?
— Estou bem, obrigada. — sacudiu a cabeça tentando fazê-lo sumir, mas ele ainda continuava sentado ao lado dela, atrapalhando sua leitura.
— Não é assim que sonhos funcionam, querida.
— É, porque provavelmente não sonharia com você, se pudesse escolher.
— Será que não? — levantou-se olhando tudo. — Falta um pouco de emoção nesse lugar, não acha? — mexeu os dedos e o vazio onde os dois se encontravam transformou-se em um jardim vívido e magnífico.
— Parece tudo tão real. — aproximou-se de umas flores. — Como se pudesse sentir a fragrância.
— Posso ser ainda mais intenso, como quiser. Tem outra coisa para melhorar. — mexeu novamente os dedos. A roupas da moça foram substituídas, para uma um pouco mais brilhante, do tipo que usava no castelo, em Azaror.
— Não! — olhou o vestido visivelmente incomodada. — Isso definitivamente não tem nada a ver comigo. — o vestido era azul royal e bastante volumoso, além disso tinha pequenos pontos brilhantes que talvez fossem ouro ou diamantes, na saia. Estava apertado na cintura, demarcando as curvas e elevando os dois seios da jovem, que no geral costumavam ser bastante discretos. — Então, Emre. — aproximou-se dele. — Se está no meu sonho, porque é quem muda tudo por aqui? — vergou uma sobrancelha. — Não sei como, mas conseguiu entrar na minha mente, não foi?
— Parece que fui pego. — deu ombros. — Só tem um porém bela dama, depois que entro você só acorda se eu quiser, não pode me expulsar.
— Isso é manipulação das mais baixas! — fechou os olhos e tentou acordar a todo custo, ouvindo-o rir. — Maldição!
— Não se preocupe, não tenho intenção de lhe matar, você é divertida.
— Não sou um brinquedinho. — resmungou sentando-se no chão.
— É verdade, você é uma mulher. — deitou-se em uma das pernas dela e lhe encarou enquanto Aleera tentava desviar o olhar, visivelmente incomodada. — Uma dama desastrada e bastante distraída que deixou-se ser roubada por um macaquinho.
— Em minha defesa ele é um ótimo ladrão.
— Por isso me deve um favor enorme por recuperar essa lágrima de anjo.
— Sabe o que é isso?
— Claro. Sou um ser do caos, mas não sou burro.
— Certo. — olhou os lados disfarçando o riso.
— Pela expressão estampada em seu rosto, não tinha a menor ideia do que era até pouco tempo atrás.
— Exatamente.
— E eu que sou o desinformado.
— O que quer aqui? Vai pelo menos me deixar descansar?
— Não tem ideia do que seres como eu, fazem nos sonhos de mulheres?
— Você se alimenta da essência vital e depois elas morrem. Devo crer que essa será minha última noite em Elirach.
— É muito provável.
— E como pretende me comer?
— Sabe que essa pergunta tem duas respostas, não sabe?
— Minha essência vital. — semicerrou os olhos.
— Geralmente nós íncubos e as súcubos costumamos realizar a maior fantasia daqueles que entramos na mente, depois de um beijo ou dois, algo mais intenso uma vez ou outra, vocês morrem.
— Então, acha que essa é minha maior fantasia? Morrer vestida como uma monarca esnobe, no meio do mato?
— Sinceramente não sei exatamente qual a sua fantasia. Nunca vi uma cabeça mais confusa que uma tempestade com ventos...
— Sorte a minha, porque isso não chega nem perto.
— E que tal o dia em que seus pais desapareceram?
— Não ouse! — empurrou-o de seu colo e se levantou. — Não mexa com o meu passado! Jamais! — olhou-o séria e hostil o bastante para agredi-lo se quisesse. — Pode me matar agora, levar tudo que tenho, mas nunca toque no meu passado! — levantou o dedo no rosto dele e continuou a lhe encarar. Aleera estava ofegante por ter gritado, mas mantinha-se em uma defensiva que fazia o íncubo desconfiar do medo dela da verdade por trás do dia em que foi abandonada. Sem delongas, Emre puxou-a pelo braço e lhe beijou. Aleera não tentou impedi-lo ou mesmo se afastar. Ela sabia que era um sonho, mas vívido o bastante para a sensação se tornar real e como nunca tinha beijado um homem, experimentar aquilo não parecia ruim, exceto pela parte que provavelmente morreria em seguida.
Segundos depois de entregar-se completamente à troca desesperada de saliva, uma esfera negra com raios e estática formou-se ao redor dos dois e Emre a soltou. Não sabia o que era aquilo, nunca viu acontecer e claro que sua curiosidade foi instigada, porque provava uma de suas teorias, de que Aleera não era uma mulher comum.
— Isso definitivamente nunca aconteceu. — Emre encarou a moça ainda digerindo o que tinham feito. O jardim e o vestido, tudo que o íncubo criou atrás da realização da fantasia de Aleera desapareceu do mesmo jeito que surgiu e o sonho da garota voltou a ser o que era antes, o vazio branco.
— Ora, ora... Parece que de alguma forma sou imune a você.
— Não pode ser verdade. — aproximou-se dela e lhe beijou novamente, desta vez a moça o recusou e ele foi arremessado para longe, sem esforço. Emre levantou-se ainda mais curioso com o que Aleera poderia ser. — Você não é humana. Não completamente, mas não tenho ideia do que é.
— Deve ser ruim perder o controle da situação. — aproximou-se dele e sorriu. — Confesso que pode ser divertido.
— Você emana trevas como se fosse prazeroso. — encostou sua testa na dela querendo beijá-la novamente. — É um poder tão intenso, tão... Delicioso!
— Oh! — ela riu e levantou um pouco a cabeça quase encostando seus lábios aos dele. — Obrigada, eu acho.
— Isso é incrivelmente excitante. Não posso matá-la e isso me deixa enlouquecido.
— Por que queria tentar?
— Talvez.
— Vai sonhando. — sentou-se no chão com seu livro de antes de Emre entrar no sonho. — Pode ficar se quiser, mas nada mais acontecerá entre nós.
— Nem precisa. — sentou-se ao seu lado depois deslizou até sua cabeça recostar nas pernas dela e passou a olhá-la de cima. — Beijá-la foi como ter pelo menos dez mulheres a minha disposição, é uma coisa raríssima.
— Claro! Serei uma sacerdotisa incrível e vou superar Kalezio, ser a melhor!
— Está lendo um livro na sua cabeça, sabe que não é assim que funciona, não sabe? Estudar necessita de um livro real.
— Estou dormindo, enquanto o dia não amanhecer pretendo continuar sonhando.
— Lendo um livro em branco? — arqueou uma sobrancelha.
— E o que faria?
— Podemos brincar um pouco.
— Brincar, brincar do que?
— Talvez superar à vontade e determinação da mulher do quarto ao lado. Ela tem uma disposição assustadora.
Quando Aleera percebeu que tipo de sugestão era aquela espantou-se.
— Ei, está tentando me seduzir! Seu demônio pervertido! — estapeou a testa de Emre e ele riu.
— Já me chamaram de muitos nomes, mas demônio pervertido é a primeira.
— Como funciona essa coisa com as mulheres, copula e depois elas morrem?
— No geral quando entro no sonho de uma mulher assumo total controle, me torno um homem que ela almeja e não pode ter, levo-a em um lugar em que ela quer estar e depois a mulher praticamente se entrega sem hesitar, não importa se não tenha a mínima ideia do que fazer e enquanto ela se esbanja em luxúria e prazer, me alimento. Depois que saio do sonho elas acabam morrendo, mas não acontece sempre. Uma em cada cinco sobrevive e para poupá-la, nunca mais invado seus sonhos.
— E porque apareceu aqui, com sua própria face?
— Talvez porque não tenha conhecido ninguém mais atraente que eu ou homem algum despertou desejo em você além de mim.
— Isso não é verdade. — olhou os lados constrangida.
— E não tenho total controle sobre você... — deslizou um dedo entre as coxas dela. — É tão magnífico.
— Esse lugar está fechado. — puxou o dedo dele dali e se levantou, empurrando-o de seu colo. — Talvez eu goste de sua companhia uma vez ou outra. — aproximou-se dele, pronto para beijá-lo, mas antes que pudesse, acordou. Já era dia e Gwendoline batia em sua porta.
— Talvez na próxima. — sorriu se levantando contente.
Aquele era o primeiro dia de treinamento. Agora uma nova jornada em sua vida se iniciava e aos poucos percebeu ter talento para o caos ou talvez até uma coisa maior que essa.
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