Capítulo 01
O sacolejo interminável da carruagem não era nada comparado à beleza das colinas verdejantes que se estendiam para terminar em escampados impressionantes de se contemplar. Denyse não queria perder qualquer detalhe de sua viagem pelo interior da Inglaterra, principalmente porque esperava se distrair um pouco daquela vida que vinha levando, vida na qual a consideravam o melhor partido dentre os cavalheiros que procuravam status em um casamento. Era filha de um príncipe de terras longínquas cuja riqueza o fazia ser respeitado, embora preferisse a vida pacata do campo. Mas com os pulmões fracos, quis o destino que ele as deixasse muito cedo. Ela e a mãe haviam se apoiado na perda prematura daquele que era o cerne que as mantinha felizes, mas o mundo costumava cobrar caro demais quando mulheres ficavam sozinhas, por mais ricas que fossem.
Eis uma das razões para que a sociedade a pressionasse a se casar: para que recebessem proteção masculina.
Bem, ela tentou fazer sua escolha, principalmente ao saber que o pai também gostaria que ela se casasse. Mas dentre tantas opções consideradas perfeitas, nenhum dos cavalheiros lhe fez se sentir propensa a compartilhar uma vida.
Obviamente que só se dedicou à empreitada de encontrar um marido quando o luto do pai terminou. Foram meses de profundo pesar, cuja tristeza quase a consumiu. E quando finalmente o testamento do pai foi lido, decidiu que uma temporada em Viena era tudo o que precisava para realizar um de seus últimos pedidos: que ela fizesse um bom casamento. Foram as palavras do pai que a instigaram a considerar algumas propostas, mas a falta de afinidade, mais por culpa dela do que deles, a desmotivou. Era fato que o pai esperava que encontrasse um marido digno que pudesse administrar o patrimônio com sabedoria, mas não a custo de seu coração. Queria apenas ter a sorte de encontrar um homem que a fizesse se sentir mais do que uma escolha pelo dinheiro. A mãe lhe dizia que estava sendo muito exigente e que o amor poderia vir com o tempo, mas Denyse não queria arriscar seu coração sem saber onde estava se metendo.
Nada havia acontecido como planejado. Um casamento não poderia ser apenas baseado em simpatia ou boa convivência, muito menos terminar em um mero acordo de vontades, no qual interesses se sobreporiam aos anseios do coração. Denyse queria mais que isso, queria sentir-se prestes a explodir de felicidade ao mero pensamento em seu marido. Ela queria um futuro que nenhum dos pretendentes poderia lhe dar.
E isso a decepcionou de certa maneira.
Se os pais tiveram um casamento baseado em amor, por que ela não poderia ter o mesmo?
Eis a razão para que a mãe lhe trouxesse a sugestão de uma temporada em Londres, e assim fizeram tão logo tudo foi organizado. Mas novamente a inquietação não a deixou encontrar o pretendente que faria seu coração bater mais forte. Pobre Mina, que apostara suas fichas nessa empreitada pensando que a história poderia se repetir. Foi em Londres que ela conheceu o marido, um aristocrata charmoso de Sternin que lhe prometeu um casamento feliz. Só por isso ela imaginava que a filha poderia alcançar o mesmo.
E antes de retornar para Viena para talvez participar de mais uma temporada social, decidiu que férias no campo era o que estava precisando para colocar os pensamentos em ordem. O convite de sua madrinha não poderia ter vindo em melhor momento. Era respirando ar puro e fazendo o que mais gostava que poderia tomar a melhor decisão para sua vida. Denyse costumava cavalgar para aplacar o turbilhão que era sua mente; os cavalos eram sua paixão. Um gosto, aliás, que dividira com o pai.
— Sinta o ar puro do campo, mamãe! – Denyse saltou da carruagem tão logo a portinhola foi aberta. Havia solicitado que o cocheiro fizesse aquela parada para que pudessem apreciar a paisagem do lugar enquanto lanchavam à sombra de carvalhos majestosos. — Tudo na região é tão lindo, não acha?
Mina aceitou a mão do cocheiro para desembarcar e se animou com a empolgação da filha. Com certeza não era ali o melhor lugar para encontrar um amor, mas era ali que seu sorriso parecia mais espontâneo e menos preocupado.
— Faz mais de vinte anos que estive em Somerset pela última vez – comentou ela. — Havia esquecido que o clima pode ser muito úmido no verão. – Começou a se abanar com o leque.
— Não se queixe, mamãe! Apenas aproveite para relaxar. – Denyse se agitava entre as pedras para encontrar um lugar para estender uma toalha, divertindo-se com as reclamações da mãe que não gostava muito dos verões abafadiços.
— Não podemos nos demorar muito ou podemos deixar Elsa preocupada – Mina a alertou.
A moça que as acompanhava servindo-as como criada pessoal desembarcou da carruagem com uma cesta de vime e se apressou para espalhar os pratinhos em cima da toalha que Denyse havia estendido. Para agradar à mãe, se sentou e aceitou um pedaço de bolo, comendo-o rapidamente para conseguir explorar a região. Talvez conseguisse coletar algumas flores diferentes para sua coleção.
— Enquanto a senhora termina de comer, irei esticar as pernas – ela avisou, levantando-se. — A senhora bem sabe que amo colher florezinhas diferentes para o meu diário de viagem.
— Por favor, minha querida, não se afaste muito. – Mina a orientou; seu semblante trazia um sorriso afável, amenizando as preocupações de uma mãe que já não sabia mais o que fazer para que a filha se casasse. Ela vivia entre a cruz e a espada, essa era a verdade. Queria que Denyse se casasse, mas que isso acontecesse com um homem que a merecesse; e a julgar pela fortuna que a acompanharia, muitos golpistas costumavam rodeá-la com a intenção de apenas terem controle da herança. Talvez ela se agradasse do filho de sua madrinha. Estavam ali para isso também, embora tenha preferido evitar mencioná-lo para não a desagradar antes da hora. Se uma aproximação deveria acontecer, que fosse da maneira mais natural possível.
Denyse tirou o chapéu e levantou a cabeça para sentir os raios de sol aquecerem sua pele. Exalou o ar puro comovendo-se com a liberdade que estava sentindo. Haviam sido meses dedicados aos bailes, saraus e concertos e toda aquela parafernália que a convertia em um bibelô em busca de marido. Livrar-se disso era como tocar o paraíso e bons sentimentos a fizeram se sentir feliz como há tempo não acontecia. Caminhou entre arbustos, ora mais fechados, ora mais abertos, até encontrar uma fonte. Levantou as saias para se ajoelhar e assim conseguir beber um pouco de água fresca. Um relincho chamou sua atenção e quando levantou a cabeça encontrou um alazão preto do outro lado da margem. O animal não tinha arreios ou sela e isso a deixou intrigada. Ele relinchou de novo, levantando as patas dianteiras em sua direção. Seu coração quase saiu pela boca ao perceber que se tratava de um cavalo selvagem.
— Que modos são estes com a dama, menino? – um homem disse, chamando a atenção de Denyse quando laçou o animal com destreza. Ele vestia calças justas, botas de cano alto, camisa branca e um colete de couro. Seus cabelos eram tão escuros lembravam o carvão, também eram encaracolados nas pontas; já os olhos eram de um verde tão magnífico que capturavam a atenção de qualquer um. — A moça não deveria ficar passeando por aqui sozinha – a alertou enquanto segurava o cavalo pelo laço —, costumo deixar meus cavalos soltos por aqui.
Denyse se levantou e alisou a saia para tirar os fiapos que haviam grudado no tecido, piscando algumas vezes para se certificar de que não estava alucinando ao ter imaginado que poderia ter sido esmagada pelo magnífico animal que a cercou como se fosse dono do lugar. Teria ela invadido um santuário de cavalos? E aquele homem seria uma espécie de ser encantado que protegia tal lugar?
— O senhor é dono destas terras? – ela perguntou. Foi quando ele a estudou a ponto de se impressionar com a delicadeza que se apresentava diante dele. Com cabelos loiros e olhos que lembravam o mel escorrendo do favo apresentava-se como uma visão sobrenatural. Diziam os crédulos que eram nas fontes que as fadas costumavam aparecer e talvez ele estivesse diante de uma. Finalmente.
— Sou o administrador apenas – ele esclareceu. — Barton Walsh, às suas ordens. – Fez um aceno de cabeça e ela sorriu. — Trabalho para o haras daqui e adestramos cavalos, moça.
— Ah sim! Minha madrinha, Lady Verney, acredito que sua vizinha, contou sobre o haras dos irmãos Hartwell. Um negócio e tanto o que eles mantêm.
Barton teria mencionado que poderia ser um deles. Bem, era quase certo que era um deles; bastava apenas a confirmação da mãe, que se recusava a dizer algo sobre isso, afirmando que levaria o segredo consigo para o túmulo. Mas desconhecia a dama para revelar detalhes de sua vida, por mais tentado que estivesse se sentindo, e preferiu apenas ouvi-la.
— Então milady... – Ele a estudou melhor, tentando decifrá-la.
— Denyse de Sternin – Ela se apresentou finalmente e ele gostou do nome dela. Era diferente e sonoro. Sim, combinava com uma ninfa das águas.
— O que milady faz por aqui sozinha? É perigoso, principalmente para a senhorita que não conhece a região! – ele a alertou mais uma vez. — Logo ali na frente tem um precipício.
— Estava apenas caminhando e então ouvi o barulho da água – ela explicou.
Denyse tinha um leve sotaque que denunciava que havia crescido longe da Inglaterra. Mas Barton também costumava falar bem diferente das pessoas da região devido suas origens irlandesas. Eram dois forasteiros, verdade fosse dita.
— De onde a moça vem? – ele perguntou sem muita formalidade, mesmo considerando que estava falando com uma legítima dama a julgar pelo traje elegante que vestia e os gestos refinados.
— De Londres – ela respondeu, achando curioso a maneira com que ele se dirigia a ela, sem qualquer necessidade de demonstrar o que não era.
— Seu sotaque não parece ser de Londres – ele mencionou.
— Bem, minha mãe nasceu em Londres, mas se casou com meu pai e foi viver em Sternin. Ele é de Sternin e eu nasci e cresci lá; por isso meu inglês não é tão impecável quanto deveria ser. – Ela se desculpou.
— Nem o meu é! – Ele abriu um sorriso que a fez se sentir feliz.
— De onde você vem? – Foi a vez dela perguntar.
— Minha mãe é irlandesa, milady! – ele respondeu, mas precisando lhe dar as costas para conseguir conter o cavalo. Foi quando ela admirou seus ombros largos.
— Princesa, princesa! – Megan a chamava com a voz comovida. — Finalmente a encontrei.
— Estou bem – garantiu Denyse ao perceber que havia perdido a hora a ponto de a mãe mandar a criada ao seu encalço.
— Sua mãe ficou nervosa com sua demora. – A revistou Barton com os olhos. — O que prometeu a ela? Que não iria se demorar. E bem sabe como sua mãe tem os nervos sensíveis. – Megan a arrastava entre as pedras para apressá-la, querendo que ela se afastasse imediatamente do desconhecido. Não era pertinente que uma dama solteira ficasse sozinha com um homem, ainda mais uma princesa. — Temos que chegar antes do anoitecer. Seria rude de nossa parte nos atrasarmos a ponto de atrapalhar o bom funcionamento da casa de sua madrinha.
Denyse revirou os olhos e Barton riu, intrigando-se com o fato de que ela havia sido chamada por princesa. Era comum encontrar duquesas, marquesas, condessas e viscondessas, mas não princesas vagando pelas estradas. Então ele não saberia dizer com certeza se estava diante de uma legítima princesa. Até porque não era o mais entendido em títulos nobiliárquicos. Mas tudo levava a crer que sim. Fosse como fosse, ela era tão linda quanto uma princesa deveria ser.
— Quem sabe nos encontremos por aí! – Foi a maneira que ela encontrou para se despedir dele. Não poderia ser rude com aquele que a salvou do que julgou que poderia ter sido um acidente terrível.
***
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