Capítulo 3 - Baile do Século Vinte e Um
Muitas pessoas não entendem direito a função de damas de companhia. Margaret, Madison e Alicia não eram minhas criadas. Elas não me ajudavam a vestir, não preparavam meu banho, nem faziam minha cama. Elas não me serviam meu café da manhã. Elas eram aquelas que me ajudavam a escolher meus vestidos, que me acompanhavam para todos os lugares e, principalmente, me davam conselhos. Todas vinham de famílias nobres ashlandesas e tinham sido escolhidas por mim.
Elas até ajudavam a organizar várias coisas, como minha agenda de cada dia, resolviam questões da mídia antes que chegassem até mim e ainda encontravam tempo para responder cartas de fãs. Quando havia um evento do tamanho do de hoje, elas até serviam de assistentes de Liev, a planejadora oficial da minha família, cada uma tomando conta de um setor, decoração, convidados e comida. Mas, para mim, elas eram bem mais do que isso.
Margaret Degrasse era filha da melhor amiga de minha mãe, que também tinha sido sua dama de companhia quando ela estava viva. Desde bem pequena, Maggie sempre sonhou em poder acompanhar uma princesa e, em algum momento, uma rainha. Ela era a mais nova do grupo, um ano mais nova do que eu, e a que mais se preocupava com os detalhes de tudo serem impecáveis. Tinha crescido dentro do castelo e sido minha amiga desde muito nova, dividindo aulas comigo e broncas de minha governanta. Durante a adolescência, ela foi estudar em um colégio interno na Inglaterra, mas nós continuamos trocando cartas e mantendo nosso plano de um dia ela voltar para ser minha dama.
Agora, ela estava dividindo seu tempo entre estudar Relações Públicas e fazer suas tarefas reais, mas era tão eficiente e dedicada, que sempre aparecia quando eu precisava. Tinha até tirado o mês inteiro da Celebração da Fênix para ficar ao meu lado. Eu precisava mesmo dela. Margaret era centrada e sempre tinha ideias brilhantes de como contornar situações indelicadas. Na minha cabeça, eu a chamava de futura Liev!
Madison Hunter era a mais velha, mas a que estava comigo há menos tempo. Eu a conheci quando vi um desfile dela durante a semana de moda de Knighton, que ela só apresentou como trabalho final de sua universidade. Apesar de isso ter acontecido dois anos antes de eu virar amiga de Alicia, Madison veio primeiro ao castelo para trabalhar de estilista. Depois de muitas conversas, ano passado eu cheguei a perceber que já tinha passado da hora de ela virar uma dama de companhia minha. Ainda assim, ela conseguiu manter seu emprego de estilista, tendo delegado muitas de suas responsabilidades e virado quem desenhava tudo que eu usava.
Tinha a forte impressão de que algum dia ela acabaria por me abandonar, coisa que eu duvidava que Margaret, por exemplo, faria, mas era assim com a maioria das damas de companhia mesmo. Apesar do título ser o mais alto que alguma mulher possa ter sem nascer na realeza, eu gostava mesmo de me rodear de garotas fortes e ambiciosas, e seria impossível que elas aceitassem passar o resto da vida dentro de uma sala de chá.
Alicia Collins, minha última dama, era a única que não tinha nascido em uma família nobre. Seu pai conseguiu seu título depois de um primo distante morrer e, ao virar Lord de Cliff, ele transformou sua filha em uma candidata. Não que eu precisasse de mais incentivo. Alicia era uma inspiração em forma de pessoa. Ela carregava a esperança e os sonhos que Clare carregava, mas tinha ambições tão altas e diretas, que ninguém adivinharia só olhando para seus inocentes olhos verdes. Eu a tinha conhecido na universidade de Knighton, quando eu tentava cursar Direito e Ciências Políticas ao mesmo tempo e, se não fosse pela sua ajuda nas aulas em que eu precisava faltar, não teria me formado.
Mas, antes disso, ela já tinha se provado digna de minha confiança. Depois de eu passar pelo pior dia da minha vida, ela transformou em uma missão pessoal sua me fazer acreditar de novo no amor e que eu ainda vou encontrar alguém. E essa foi a única coisa que minha mãe tinha me dito para procurar em uma dama de companhia, a habilidade de me fazer acreditar nas coisas mais maravilhosas e improváveis possíveis, principalmente aquelas nas quais eu não conseguisse acreditar sozinha.
Não saberia dizer se amor era a coisa mais maravilhosa que alguém poderia conhecer, mas com certeza era a mais improvável. E transformar Alicia em uma dama minha foi tão natural, que nós decidimos em um dia em que estudávamos juntas para uma prova importante.
Sim, de certo modo, minhas damas de companhia trabalhavam para mim, tinham que dedicar uma boa parte de seu tempo a resolver meus problemas antes que eu soubesse que eles existiam. Mas elas também eram minhas grandes amigas. Só não eram a melhor, porque ninguém conseguiria roubar esse cargo de Clare.
"Eu achei que ele seria mais baixo," Maggie confessou naquele final de tarde, quando elas se arrumavam em meu quarto para o baile. "Os espanhóis não são baixos?"
"Foi isso que você reparou nele?" Perguntei, a olhando pelo reflexo no espelho enquanto ela se apoiava com as duas mãos no dossel de minha cama para que Madison fechasse seu corset.
"Só eu que achei que ele parecia um pirata?" Alicia perguntou, testando a milésima flor perto de seu cabelo em outro espelho antes de desistir de todas.
"A princesa e o pirata," Clare falou, já rindo, enquanto enrolava uma mecha do meu cabelo. "Parece título de romance de banca de jornais."
Eu a olhei feio pelo reflexo, mas ela não viu.
"Perfeito," falei então, passando as mãos na minha barriga por cima do meu robe.
Podia sentir uma faísca de ansiedade ameaçar se formar, mas não queria deixar. Cada comentário delas sobre os pretendentes parecia ser sobre mim, de tão pessoal que estava começando a soar. E eu não queria me importar, não enquanto ainda não os conhecesse.
"Eu acho que é o cabelo," Madison comentou. "Ainda tem planos de fazê-lo cortar, Lola?"
Balancei a cabeça, a vendo terminar de fechar o corset de Maggie e se posicionar para começar o de Alicia. "Não sei. Pensei que poderia ser um teste. Se eu falar e ele aceitar, isso significa que ele é fraco de opinião. Se ele não aceitar, ganha meu respeito. Mas não sei se quero um marido que vá contra o que eu digo."
"O que você diz ou o que você manda?" Clare arriscou, me lançando um olhar de quem quase me dava uma bronca.
Abri a boca para me defender, mas Alicia foi mais rápida:
"Por favor, não teste seus pretendentes. Eles são pessoas. Você tem que conhe-" ela foi cortada por uma arfada profunda, como se lhe roubassem todo o ar com um soco na altura do estômago. "Meu deus, Madison! Vai mais devagar, por favor!"
Eu me virei para ver o que tinha acontecido e quase fiz Clare se queimar com o babyliss. "Não mate Alicia por enquanto, Maddie," pedi, me voltando para a frente. "Espere pelo menos o final do baile."
"Não fui eu que falei para elas usarem corsets!" Madison se defendeu.
"O que é um baile de máscaras sem corsets?" Alicia perguntou.
"Um baile do século vinte e um," ela respondeu, e as duas trocaram olhares de quem não sabia continuar a conversa, mas não queria se dar por vencida.
E eu resolvi mudar de assunto.
Ou pelo menos mudar de pretendente.
"Mais alguém gostou do belga?" Perguntei, fazendo todas me olharem quase assustadas. "Não que eu tenha gostado de verdade, só estou mencionando. Ele parece ser uma boa pessoa."
"Eu gostei dele," Clare fez questão de falar, enquanto penteava o cacho que tinha acabado de fazer para ele ficar ondulado.
Seria quase impossível ela não gostar dele. Eu queria era saber do resto.
Maggie soltou uma risada rápida. "Eu fiquei com tanta dó dele!" Exclamou. "Quase fui pegar na sua mão para indicar o caminho!"
"Sim, eu queria também!" Alicia declarou.
Todas nós rimos juntas, mesmo que discretamente, enquanto eu negava para mim mesma que aquela conversa já estava me deixando mais nervosa do que eu conseguiria controlar.
Queria saber a opinião delas, queria até perguntar, mas era impossível evitar ficar ansiosa pela resposta, já que eu torcia para elas terem visto qualidades em cada um que eu não tinha visto. A última coisa da qual eu precisava era de elas encontrando defeitos irreversíveis nas poucas opções que eu tinha de manter o controle do meu reino.
"Só não consigo imaginar a Lola com ele," Maggie completou, ainda sobre o belga.
Madison concordou na hora. "Ela o destruiria."
"Eu não sou tão terrível assim," me defendi.
"Mas ele parece ser tão tímido," ela rebateu. "Imagina só, ele pegando o garfo errado, todo perdido, e a Lola chamando sua atenção com sua impaciência característica."
"Eu não sou impaciente!"
"Claro que é," Clare concordou.
"Tenho que alertá-las sobre falar assim de sua futura rainha?"
"Futura rainha se conseguir encontrar um marido hoje," ela falou em seguida, me obrigando a virar o máximo possível para lhe dar um tapinha de leve no braço. "Ai."
"Nem doeu."
Ela apertou os olhos para mim pelo reflexo do espelho quando me voltei para a frente, aproveitando da leveza do momento para brincar com meu futuro.
Eu também lhe sorri quando ela relaxou, mas, no próximo instante, meu sorriso tinha desaparecido e meus olhos pareciam só conseguir focar em si mesmos, buscando uma reposta ou uma saída que talvez eu ainda não tivesse percebido.
Era bom poder falar desse assunto assim, entre amigas e de um jeito completamente descontraído, mas era impossível esquecer o que tudo significava. Ainda era o meu futuro que estava em jogo, e, no final do dia, não poderia simplesmente dar de ombros e aceitar se não encontrasse um marido. Depois de todas as risadas, os corsets amarrados e as máscaras colocadas, eu ainda estava sozinha para ir atrás de cada um deles e tentar conquistá-los, quando nem sabia direito como fazer isso. Liev me garantia que seria mais fácil do que eu esperava, que eles mesmos estavam aqui pela oportunidade de serem considerados, mas eu ainda duvidava muito.
Baixei meus olhos para minhas mãos sobre meu colo, enquanto nós todas ficávamos em silêncio, cada uma ocupada com uma coisa.
Até que Madison falou:
"Já vou avisando que Stefan Dietrich é meu," e nos deixou indignadas.
O traje oficial do baile de abertura da Celebração da Fênix é o mesmo para praticamente todas as pessoas. Smoking para os homens e vestidos longos pretos para as mulheres. Apesar de o formato não ser obrigatoriamente o mesmo, ainda deixa tudo bem confuso quando as luzes estão baixas e são, na sua maioria, velas. Principalmente, porque as máscaras dos homens e das mulheres, sim, são todas idênticas e fornecidas por nós.
Quando minhas outras duas criadas trouxeram algumas para nós, já foi difícil conseguir distinguir umas das outras. Ainda que Alicia fosse ruiva, Madison loira e Maggie tivesse o cabelo castanho, suas alturas eram bastante parecidas, além dos vestidos terem só alguns detalhes diferentes um do outro. Quando elas ficavam de frente para mim, cada uma ajeitando sua máscara no rosto, eu me sentia até um pouco aflita de não as reconhecer.
"Você acha que está bom?"
"Essa máscara pinica."
"Por que mesmo eu resolvi usar esse corset?"
Elas falavam todas ao mesmo tempo, nenhuma realmente buscando uma resposta, quando uma batida veio à porta.
Era Liev, quase irreconhecível com um vestido preto de renda. Ela sempre foi muito bonita, com traços marcados, cabelo loiro impecável e olhos bem azuis, quase mais do que os meus, mas estava sempre de terno e não parecia dar tanta importância para se arrumar. Só pude mesmo a reconhecer pelo tablet que ela segurava e seu jeito de olhar para ele.
"Prontas?" Perguntou para as meninas.
"Sim!" Madison anunciou.
"Nós vamos dar uma olhada na festa e depois repassamos tudo que vimos, Alteza," Alicia me garantiu, usando meu título, em parte por brincadeira, mas principalmente por já ter entrado em seu modo profissional.
Sim, damas de companhia eram, de fato, amigas próximas e conselheiras, mas ainda me deviam uma certa etiqueta. Quando a porta do meu quarto estava fechada e nós estávamos só entre nós, todas eram livres para conversar comigo como se fôssemos irmãs, mas não poderia ser assim durante o baile. Era quase doloroso ver a transição e como elas naturalmente pareciam dar um passo atrás quando estávamos prestes a andar em público.
"Quando você vai entrar?" Margaret perguntou, a última a sair do quarto.
"Daqui duas horas," falei.
"Elas vão te encontrar na sala de espera," Liev explicou. "Não se preocupe."
"Não estou preocupada," na verdade, estava um pouco.
"Aqui as outras máscaras que você pediu," Liev me entregou. "Para que são?"
"Depois eu explico," falei, lhe fazendo um aceno com a cabeça para que ela e as meninas fossem para o baile.
Assim que a porta estava fechada, me virei para minhas criadas.
"Molly e Jazmyn, vocês estão dispensadas."
Elas trocaram um olhar confuso, logo buscando por uma resposta em Clare e, quando não encontraram, voltaram seus olhos para mim. Eu ainda vestia meu roupão e meu cabelo, apesar de muito bem ondulado, ainda não tinha sido preso em um coque.
"Não se preocupem, Clarissa cuidará de mim," falei. "Estão dispensadas. Tirem a noite de folga."
Elas ainda pareceram achar a ideia quase lúdica, mas acabaram por se dar por vencidas e saíram do quarto, nos deixando sozinhas. Não era como se elas pudessem protestar mesmo.
Clare não parecia nem um pouco menos confusa que elas. "Por que você fez isso?" Perguntou, enquanto eu ia até meu closet.
"Porque," falei lá de dentro, meus olhos buscando por dois vestidos pretos, "eu tive uma ideia," expliquei, escolhendo os melhores que encontrei e os pegando pelo cabide.
"Não vou te ajudar a fugir desse baile, Lola," ela disse e logo suspirou, como se tivesse se jogado na minha cama.
Quando saí do closet, percebi que era exatamente isso que ela tinha feito. "Não quero fugir, pelo contrário. Não quero ter que esperar para entrar. E você vai comigo."
Ela, que tinha deitado na cama, se sentou na hora, me olhando estranho.
Eu segurei um vestido em cada mão. "Qual você quer?"
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