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Capítulo 19 - Todas as Formas de Comunicação

Por alguns minutos, tudo que eu sentia era o vento batendo em meu rosto. As gotas de suor que emolduravam meus olhos secaram, junto com as lágrimas de um momento que eu queria deixar para trás. A música da festa foi dando lugar ao barulho de nossos pés no asfalto, correndo por ruas, virando esquinas, fugindo. O pesadelo que eu quase tinha vivido minutos atrás foi desaparecendo como se fosse feito de fumaça, e eu me deixei aproveitar a sensação de liberdade que correr me proporcionava. Cada pequeno centímetro quente de meu corpo foi se refrescando pelo vento, o contraste entre eles era delicioso, me fazendo querer correr mais rápido, ir mais longe, tudo para tentar chegar o mais perto possível de sentir como se eu pudesse voar.

Foi só quando Marc começou a diminuir seu passo, várias ruas depois, que eu o imitei. E então, depois de parar e me virar para ele, que apoiava as duas mãos em seus joelhos, uma onda de cansaço me bateu.

Eu estava exausta! Parar de correr fez minhas pernas fraquejarem, a adrenalina que me vinha mantendo ativa já se dispersando e deixando espaço para eu perceber todos os lugares que estavam doloridos. Como a minha coxa, que Rafael tinha apertado, ou minhas costas, que bateram contra a parede. Até meus pulsos, minhas mãos, a pele do meu rosto.

Assim que meus joelhos dobraram involuntariamente, me esforcei para chegar até a calçada para não ter que me sentar no meio da rua. Nem sabia em qual direção tínhamos corrido - meu objetivo naquela hora era ser para longe da festa, - mas Marc não parecia preocupado.

Não. Ele estava ocupado percebendo seu próprio cansaço, ainda apoiado sobre os joelhos, sua respiração ofegante. Depois de alguns segundos, durante os quais aproveitei para olhar para as casas à nossa volta e constatar que eram minúsculas e malcuidadas, ele se deu por vencido e sentou onde estava. No asfalto.

Eu ri, percebendo pela minha garganta como estava com sede. "Você sabe que está no meio da rua, né?" Perguntei retoricamente.

Mas ele fingiu olhar para os dois lados, como se fosse a primeira vez que considerava aquela possibilidade. "Ah, é?" Falou, aproveitando para deitar. "Quem diria," completou, perdendo um pouco de sua entonação falsa de surpresa.

Balancei a cabeça para mim mesma, enquanto tentava fingir que não pensava em lhe acompanhar. Não me importava se o asfalto era duro e sujo. Eu estava suja. Minha roupa estava imunda e meu cabelo - o falso e o de verdade - grudava em meu rosto pelo suor. Mas, por mais que minhas pernas não estivessem se contentando em ficarem esticadas como eu estava, ainda estávamos em uma rua.

"Você é louco," falei, ainda que tivesse um pouco de inveja dele por nem se importar o suficiente para pensar naquilo.

Marc se apoiou nos cotovelos para me olhar. "E você é medrosa," rebateu. Apertei meus olhos para ele, indignada. Mas ele só riu. "Não tem perigo, ninguém que mora por aqui tem carro."

Olhei para os dois lados da rua, começando a acreditar nele. Não havia um único carro em uma garagem ou parado no meio fio.

Me levantei, começando a ir até onde estava deitado. "Mas e quem quiser passar por aqui para ir a outro lugar?" Perguntei, me colocando logo ao lado de Marc.

Ele mantinha as duas mãos sobre o peito e os olhos no céu, como se nem pudesse me enxergar ali. E bufou uma risada. "Ninguém passa por aqui se puder evitar."

Contrário do efeito que tinha para ele, aquela informação só me fez querer sair dali o mais rápido possível. O que podia ter ali que afastava as pessoas?

Enquanto me colocava a olhar em volta outra vez, ele se esticou só o necessário para me pegar pela mão e me puxar para baixo, me forçando a sentar.

"Vai, não seja covarde," falou, me provocando. "Deite."

"Desafiar meu ego nunca vai levar a lugar nenhum," se estivéssemos em qualquer outro lugar, teria cruzado os braços. Mas ali me sentia menos inclinada a tentar me impor.

Talvez não fosse o lugar onde estávamos. Talvez fosse ele.

"Ótimo," ele falou, para minha surpresa. "Não quero pensar em uma rainha que tome decisões suicidas só porque alguém falou que ela não teria coragem." Ele mal tinha terminado a frase, quando um sorriso se abriu em seu rosto.

"Suicidas?" Questionei, imitando seu sorriso, antes que ele desviasse os olhos de volta para o céu.

Alguns segundos depois, quando aquela já era uma decisão minha, e não uma provocação, voltei a considerar aquela ideia.

"Tem certeza que ninguém vai passar por aqui?"

Ele não me respondeu. Só me olhou. E, não sei por que, senti que me dizia que não importava. Sem me deixar questionar, simplesmente aceitei.

Me virei e deitei logo ao seu lado. Até tirei minha touca para colocar embaixo da minha cabeça e servir de apoio.

Eu sabia que as ruas por onde tínhamos passado tinham poucos postes de luz, mas agora achava que devia ser algo de mais do que só uma vizinhança, porque o céu estava cheio de estrelas. Tinha muito mais do que eu já havia visto na vida, me fazendo ficar grata por ter decidido me deitar.

Aquele novo ângulo se provou mais valioso a cada segundo. Ainda que o céu fosse visível mesmo que eu estivesse de pé, de onde eu estava agora, ele era tudo que eu via. Por alguns minutos em que nós ficamos em silêncio, ele se tornou meu universo inteiro. Não sabia para qual estrela olhar, como me sentir. Se ficava aliviada ou fascinada, se me sentia pequena ou imensa. Só sabia que não tinha a menor vontade de sair dali tão cedo.

Para quem achava que fosse perigoso me deitar no meio da rua, foi a primeira vez desde que eu tinha saído do castelo em que me senti realmente segura, como se nada mais existisse, nada mais pudesse me alcançar.

Como uma onda que só esperava para me encobrir, me lembrei de tudo que tinha acontecido naquela festa. Desde a sensação profunda de solidão quando me senti invisível e deixada para trás, até quando Rafael prestou atenção demais em mim. Deixei que me lembrasse de tudo que nunca conseguiria entender, tudo que tinha acontecido rápido demais para que fizesse sentido. E de como me senti também, do pânico que tomou conta de mim, da sensação de que eu não podia fazer nada, absolutamente nada para impedir aquilo. Me deixei pensar em como cheguei perto de sentir que absolutamente tudo estava perdido. Uma sensação muito mais aterrorizante do que eu achava ser possível, mas que, ali, naquela rua, parecia incapaz de voltar a sentir.

Me lembrei também do alívio intoxicante de perceber que alguém tinha me ajudado, que Marc tinha me salvado.

Minha cabeça dava voltas, tentando pensar em alternativas automaticamente para tudo que eu tinha feito, ainda que eu me obrigasse a desistir de todas. Já não importava mais. Não teria como voltar no tempo, e eu estava bem.

Mesmo assim, tinha algumas lembranças que pareciam me subir pela garganta como adrenalina, se dispersando em seguida. Elas foram trocadas rapidamente por vergonha, de não ter deixado mais claro para Rafael que eu não queria, ou de simplesmente nunca ter pensado que alguém na minha posição pudesse passar por aquela situação.

Tinha passado minha vida inteira adorando poder intimidar as pessoas só com meu título, e ele tinha conseguido chegar bem perto de me destruir em poucos minutos.

Meus olhos chegaram a lacrimejar, tentando passar tempo demais olhando para o céu sem piscar, enquanto pensava naquilo. Eu nem me mexia, só respirava, e as palavras saíram de minha boca antes mesmo que eu soubesse que as falaria:

"Eu achava que era forte." Vi com o canto do olho quando Marc se mexeu, uma pequena indicação de que ele me ouvia. "Bastante arrogante da minha parte, mas eu realmente me achava forte. Me achava intocável," na hora, uma onda de como tinha me sentido presa por Rafael e de vergonha passou por mim outra vez, me fazendo fechar os olhos para esperar que desaparecesse. "É tão fácil ser forte atrás dos muros do castelo, protegida por guardas. Olha só como eu sou fraca assim que saio de lá."

"Ei," assim que ouvi Marc, senti sua mão apertando a minha, como se me indicasse para olhar na sua direção. Foi o que eu fiz. "Você precisa entender uma coisa." Ele falava sério, de um jeito que eu nunca o tinha visto falar até então. Podia ver que se esforçava para me fazer ouvir. "Nada que aconteceu lá foi culpa sua."

Virei meu rosto de volta para o céu. "Você não entende," eu disse. "Eu sou tão arrogante, estava tão confiante, que eu o provoquei. Eu devo ter dado a entender que estava interessada."

Para isso, Marc se apoiou de volta em um cotovelo, me olhando por cima. "Não," falou, como se me desse uma bronca. "Não existe a possibilidade de ele ter entendido errado. Não existe nada que você possa ter dito antes que cancele todas as vezes em que pediu para parar ou lhe empurrou. Acredite," seus olhos se abaixaram, e eu me vi observando o corte que ele tinha embaixo do olho, de algum soco que tinha levado, "ele sabia exatamente o que estava fazendo. E é um idiota por isso."

Antes que eu pensasse no que fazia, me estiquei e toquei em seu rosto. Ele encolheu por reflexo. "Dói muito?"

"Nada que eu não consiga aguentar," disse, sorrindo de lado para mascarar qualquer prova de que é humano como eu.

Voltou a se deitar em seguida, sua mão parando logo embaixo da minha, mesmo que nenhum de nós dois tivesse feito questão de segurar a outra.

Não consegui evitar me lembrar da cara de Rafael enquanto assistia os amigos baterem em Marc, mesmo que tivesse me esforçado para evitar olhar para ele o máximo possível. E pensar que, algumas horas antes, eu poderia ter jurado que eles eram amigos.

"O que vai acontecer agora?" Eu quis saber. "Estreguei qualquer chance de você poder ir a outra festa do..." Não queria ter que falar o nome dele em voz alta, mas nem precisei.

"Ótimo," respondeu. "Ele que se exploda."

Sentia que devia me desculpar. Marc se importando ou não em ser bem-vindo naquele grupo outra vez, tinha levado vários socos na cara por algo que tinha acontecido comigo. Mas algo me dizia que não aceitaria um pedido de desculpas. Então resolvi falar outra coisa:

"Obrigada," a palavra lhe pareceu tão absurda, que ele se virou na hora para me olhar, como se duvidasse que podia ter ouvido direito. "Por ter..."

"Não," ele me interrompeu, me fazendo franzir as sobrancelhas por reflexo. "Não tem que agradecer. Eu que não devia ter te deixado sozinha."

"Claro que devia," rebati. Talvez meu instinto de discordar dele fosse forte o bastante para que nós trocássemos de lado antes de chegar a um consenso. "Quer dizer, não devia, mas também não é sua culpa. Você tinha deixado claro que eu teria que me cuidar. Não fez nada além de cumprir isso. Quem sabe da próxima vez nós podemos ir para algum lugar mais inofensivo."

Ele me olhou assustado na hora. "Que próxima vez, o quê."

Foi impossível não sorrir, a ponto de ter que morder discretamente meu lábio inferior. "Claro. Se eu me lembro bem, você disse que conhecia luga-res. Plural."

Ele bufou uma risada, voltando a mirar o céu estrelado, e eu o imitei. "Você ainda quer uma próxima vez? Depois de hoje?"

Era uma ótima pergunta. Por que eu ainda queria que tivesse uma próxima vez, quando aquela tinha dado tão espetacularmente errado?

"Não quero," falei. "Preciso."

Ainda que eu não olhasse para ele apostaria que ainda sorria. Até que pareceu voltar a ficar sério.

"Eu fui idiota também," ele disse, parecendo concluir um pensamento em voz alta. "Nem sei se cheguei tarde demais..."

"Você chegou na hora certa," eu praticamente o interrompi, mas ele não pareceu se abalar.

Só continuou: "Não importa o que eu falei. Eu quem sabia onde íamos. Se não estava disposto a ficar pelo menos um pouco com você, só até você se situar, nem deveria ter te trazido."

Voltei a olhar para ele. "Eu me virei," falei, como uma desculpa para tudo aquilo. "Até fiz algumas amizades."

Ele quase se deixou sorrir, mas, assim que seus lábios pareceram começar a se encurvar, eles relaxaram.

"Por que você me trouxe então?" Eu observava seu rosto, o pequeno corte que já não sangrava, enquanto ele continuava olhando para o céu. Talvez ele estar tão sério fosse o que me fazia ficar também.

Depois de respirar fundo e balançar discretamente a cabeça, ele respondeu: "Acho que eu queria te testar, testar essa sua invencibilidade."

Suas palavras me atingiram mais fundo do que me deixei demonstrar, em um ponto bem mais delicado que eu nunca admitiria que tinha a ver com minha própria vaidade.

Para disfarçar qualquer reação minha, só falei: "Conseguiu."

"Eu não queria que você se machucasse," ele correu para explicar, provavelmente entendendo mais da minha resposta do que eu queria passar. "Só ver como seria."

Me virei outra vez para o céu, aproveitando para fazer a cara mais confusa que eu conseguia. Ele ainda era bastante estranho para mim, senão pelo que tinha falado, mas pelo jeito de falar.

"Eu tenho uma teoria," comecei depois de algum tempo, "sobre você."

Vi com o canto do olho quando se virou na minha direção, mas não perguntou do que eu estava falando. Devia ter percebido que eu diria de qualquer jeito.

"Você é extremamente honesto," continuei. "Brutalmente. Não pela pureza da virtude, não porque o certo é sempre falar a verdade." Virei meu rosto para observar sua reação, mais ciente de que minha mão ainda estava em cima da sua do que eu gostaria. "Você gosta de ser sincero de verdade para ver a reação das pessoas, para provocá-las, testá-las."

Seus olhos pareciam tomar nota do meu rosto, talvez decifrar o que eu queria dizer, sem demonstrar qualquer surpresa ou indignação com as minhas palavras. Para minha surpresa, entretanto, ele se deixou sorrir só com um lado da boca antes de olhar para o céu outra vez.

"Não vou te testar da próxima vez," disse, rindo em seguida por antecipar minha reação.

Abri mesmo um sorriso na hora. "Eu ouvi próxima?"


Nos minutos que se seguiram, voltamos a ficar em silêncio, até que ele cansou de ficar deitado e se sentou. Assim que o vi olhar à nossa volta, resolvi perguntar:

"Por que ninguém passa por aqui se puder evitar?"

Ele olhava para a rua atrás de mim e não fez questão de virar para mim para responder. "Porque é um bairro pobre. As pessoas sempre acham que bairros pobres são perigosos, mesmo que não seja verdade."

Ele falava como se por experiência, o que me fez ficar curiosa sobre de onde ele tinha vindo e perceber que eu não sabia quase nada sobre ele.

"Faz tempo que você mora aqui?" Me sentei também. "Em Wentnor?"

Ele deu de ombros. "Um ano, acho. Já está na hora de me mudar, né?"

Nem pensei muito em seu comentário. "Wentnor sempre me pareceu tão rica," admiti. "Nunca imaginei que tivesse um bairro assim na cidade."

"Claro, o centro da cidade é rico. E as pessoas que moram por lá nunca saem," ao falar isso, ele se colocou de pé, esticando uma mão para mim.

Eu a olhei como se ele fosse um marciano e ela fosse verde. "A gente tem que ir agora?" Minha voz saiu no mais perto de choro que eu consegui fazer. Tudo para que ele entendesse que estava morta de cansaço e não queria sair dali tão cedo.

Ele assentiu, e eu deixei que me ajudasse a levantar, ainda que contrariada. "Eu começo a trabalhar em menos de uma hora e meia," falou. "E a gente vai ter que andar bem para chegar a uma rua que já tenha ônibus."

"Mas vamos sem pressa," pedi, começando a andar atrás dele. "Tenho certeza de que sua chefe vai te deixar chegar atrasado."

Marc se virou para me olhar por cima do ombro. "Ela podia me dar um dia de folga também," disse, abrindo um sorriso amarelo, com a intenção de me convencer.

Revirei os olhos, praticamente arrastando o pé para sairmos daquela rua. "Feito."

Ele voltou a olhar para frente, agora que eu já estava logo ao seu lado. "Vamos deixar todo mundo sem café da manhã, então."

"Quem mandou acordarem cedo."

Ele riu. "Não tem medo de deixar seus namorados com fome?"

Eu olhava para meus próprios pés, analisando o asfalto e meu sono, quando Marc colocou uma mão nas minhas costas para me indicar que deveríamos virar a esquina.

"Namorados," repeti, como se nunca tivesse ouvido a palavra na minha vida e não soubesse por onde começar a adivinhar seu significado.

"Todo mundo sabe," Marc disse, sem se deixar parecer muito interessado.

"É exatamente por isso que eles não são meus namorados," expliquei, levantando o rosto para ver sua expressão curiosa. "Até alguns dias atrás, talvez fossem. No máximo, competiam pela possibilidade de se casarem com a única princesa de Ashland," falar aquilo era esquisito, como se pudesse mesmo ser sobre outra pessoa. "Agora, não é mais uma questão de um dia se ver na posição de rei. Meu pai tem toda a intenção de deixar o trono assim que eu me casar, o mais cedo possível."

Parei de andar, me perguntando pela primeira vez se tinha falado demais.

Marc percebeu, parando logo na frente e decifrando a expressão em meu rosto. "Eu não vou falar nada," me prometeu, e eu assenti. Não era como se fosse um segredo, realmente, mas falar tão casualmente daquele assunto poderia me causar mais problemas do que ele provavelmente imaginaria.

E pensar em tudo aquilo acabava com minha vontade de voltar ao castelo. Então, mudei de assunto:

"E você?" Perguntei.

"Eu o quê?"

"Como é sua vida? Sem contar com rachas e pães."

Ele riu, colocando as mãos nos bolsos e me indicando para virar outra vez. "Minha vida é basicamente rachas e pães."

"Não acredito nisso," duvidei. "Por maior que seja meu próprio amor por comida de padaria e confeitaria, sua vida tem que ser mais do que isso." Ele só deu de ombros. "E seus pais?" Resolvi perguntar.

Marc não reagiu, continuou olhando para o mesmo lugar que antes, como se eu nem tivesse falado nada.

"Você já sabe que minha mãe morreu quando eu tinha quatorze anos e agora sabe de meu pai," mencionar as duas piores coisas da minha vida como se não fossem nada ajudou a não sentir o peso delas. "Me fala da sua família. Você tem irmãos?"

Isso, ele respondeu. "Não."

"Mas e seus pais?" Insisti. "Aconteceu alguma coisa com eles?" Marc só balançou a cabeça. "Eles são milionários mafiosos?" Arrisquei, só para chamar sua atenção.

E consegui. Ele me olhou como se aquela fosse a opção mais absurda do mundo. E talvez fosse.

"Que foi?" Perguntei, toda inocente, enfiando as mãos nos bolsos do casaco.

"Não falei nada," ele se defendeu, se virando de volta para a rua.

"Como se todas as formas de comunicação exigissem palavras," rebati, fazendo com que ele me olhasse de novo, de um jeito bastante diferente agora.

"Você é bem esquisita às vezes," falou, precisando se esforçar para não se deixar sorrir.

Eu só balancei a cabeça, sabendo que ele estava me desviando do assunto e deixando. Era bem difícil para mim fugir de pessoas que sabiam da minha vida, por mais que eu quisesse manter algumas coisas em segredo ou não ter que lidar com elas em público, então entendia. Se ele não queria falar nada, eu entenderia.

Agora que nós estávamos andando, ficava cada vez mais difícil me esquecer do quanto estava cansada. Talvez fosse exatamente por isso que nós dois passamos as próximas ruas sem falar nada, cada um no próprio silêncio, nos comunicando basicamente de gestos que ele fazia para me indicar em quais esquinas virar. Ainda que minha cabeça voltasse sem querer a relembrar o que tinha acontecido aquela noite, as lembranças estavam mais fracas, menos frequentes. O mais difícil era me lembrar do que tinha acontecido antes, do que me esperava no castelo.

Só voltamos a nos falar quando chegamos ao ponto de ônibus e ele me lembrou de vestir a touca outra vez, tentar me esconder mais. Eu já mal conseguia ficar de pé, aproveitando para apoiar no poste. Meus olhos estavam perpetuamente semicerrados, o máximo que eu conseguiria os abrir até que tivesse dormido durante pelo menos dez horas. Quando finalmente entramos no ônibus e nos sentamos, tentei apoiar a cabeça na janela, mas ele balançava e eu acabei só batendo nela várias vezes seguidas.

E então, já de olhos quase constantemente fechados, me deixei escorregar um pouco no banco e apoiei na primeira coisa macia que encontrei: o ombro de Marc. Se havia algo em mim que achava aquela ideia péssima, era fraco demais para competir com meu sono e para eu me importar. Além de que, se não estava já sonhando, depois de algumas ruas sentindo que meu corpo adormecido poderia bater em todos os lugares à minha volta, senti Marc colocando o braço em volta de mim, me apoiando melhor.

Mas eu realmente poderia ter sonhado, já que, no que pareceu um instante depois para mim, acordei quando já nem minha cabeça estava mais apoiada e ele se levantava para descermos.

O castelo de Wentnor era bastante diferente do palácio de Knighton, de paredes cinzas e estilo gótico vertical. Aqui, como todo o Sul de Ashland, a arquitetura puxava mais para a espanhola, de paredes alaranjadas e detalhes mais arredondados. Mas o castelo ficou ainda mais maravilhoso quando iluminado pelo sol que nascia no horizonte. Nós descemos logo na frente do portão principal, ainda que do outro lado da rua, e eu me deixei observar a cidade amanhecendo com o dia dali.

Já devia ser seis da manhã, o que definitivamente provava que a viagem de ônibus não tinha durado só alguns minutos, como eu tinha sentido. A fonte da praça na frente do castelo ainda estava desligava, mas as lojas começavam a se preparar para abrir, uma grande banca de jornal e souvenires turísticas sendo a única coisa ali que já parecia funcionar a todo vapor, só esperando por clientes.

Era um novo dia, um novo dia de verdade. A luz do sol, ainda que discreta, parecia literalmente acordar a vida no mundo, deixando tudo mais claro, tudo mais novo. A grama do jardim do castelo parecia ter estado esperando por aquele momento, as flores estavam mais coloridas do que o normal. As paredes alaranjadas pareciam ter sido pintadas pelos raios de luz, e até o ar parecia mais limpo, mais puro.

Mas, como ainda era tão cedo, os postes da rua ainda estavam acesos. E talvez essa fosse minha parte preferida, junto da brisa leva que parecia sempre acompanhar o nascer do sol. Aquele era um momento quase único, quando a noite parecia ainda não ter acabado e o dia ainda não tinha começado.

Marc não reclamou de eu demorar, de parar para admirar o que devia ser algo banal para ele. Me esperou sem falar nada, mas, depois de atravessarmos a rua, fez menção de dar a volta no castelo com certa pressa. Eu lhe segurei pelo braço e então o puxei para perto do guarda na frente do portão, tirando minha touca e levando meu queixo na sua direção.

Após de uma noite daquelas, eu merecia entrar pelo jeito mais fácil.

Por um segundo, o guarda, como devia, se recusou a me olhar. Mas então eu ordenei que abrissem para nós passarmos. Depois de tanto tempo em outro mundo, me senti uma impostora ao tentar falar como uma princesa - talvez uma futura rainha. Mas ele não podia adivinhar como eu me sentia. E, ainda que tentasse se recusar também a me escutar, outro guarda percebeu que era eu e correu para abrir o portão.

O primeiro ficou até assustado quando ele entendeu que tinha ignorado a mim, mas eu só lhe fiz um aceno e entrei com Marc. Ele entendeu que era para ele me seguir, ou então foi um sinal que o segundo lhe deu. Só sei que ele andou logo atrás de mim, como se tivesse tido a missão de me proteger a noite inteira.

Eu até o ouvi fazer algum comentário com Marc, mas não consegui distinguir as palavras. E, quando me virei na direção de Marc, ele já andava para longe de mim, sem qualquer intenção de entrar pelas portas principais, mesmo que aquele tivesse sido meu plano. Eu nem tinha tido a chance de lhe agradecer uma última vez por tudo que tinha feito, por ter me levado, por ter aparecido na hora certa. Ainda que eu não soubesse bem o porquê, o que mais sentia era vontade de lhe agradecer por depois, pelo caminho de volta.

Apesar do pouco que tinha dormido no ônibus tivesse sido o suficiente para me despertar por alguns minutos mais, cheguei à entrada do castelo exausta outra vez. Lá dentro, a noite ainda se misturava também com o dia, as pessoas que estavam acordadas sabiam que era cedo demais, e a maioria ainda dormia. As que me viram foram pegas de surpresa, mas minha falta de atenção e meus olhos mirados na direção da luz nas escadas lhe permitiram passar por mim sem nem se mostrarem cientes da minha presença.

A luz era simplesmente hipnotizante. Deveria ser algo raro, que acontecia por alguns minutos a cada dia, somente naquela hora, quando o sol tinha acabado de começar a nascer. Seus raios entravam pela janela do teto como se a quebrassem, às vezes me fazendo duvidar se o próximo degrau estava mesmo ali ou se eu estava passando para uma nova dimensão. Talvez fosse somente pelo meu sono, mas a sensação era maravilhosa, me fazendo correr quando chegava ao próximo degrau, para voltar a ver a luz.

Quando cheguei ao meu quarto e dispensei qualquer criada, tive que andar nas pontas dos pés até a cama e depois deitar com cuidado para não acordar Clare. Devo ter demorado somente dois segundos para adormecer, mas foram dois segundos percebendo a maciez deliciosa do travesseiro e o quanto eu tinha sentido falta dele. Pela primeira vez em muito tempo, eu dormi sem pensar em mais nada. Sem preocupações, sem ansiedade, sem compromissos.

Nota de uma autora que anda se sentindo super culpada:
Gente, desculpa por demorar tanto para postar este capítulo! Eu estou tendo que revisar minha série A Princesa Escondida para publicação e para continuar escrevendo, além de que ando um pouco viciada em ler todos os livros que sempre quis, então estou meio sem tempo! Mas mantenho minha palavra, ainda vou responder todos os comentários! E, enquanto isso, vou dedicando os capítulos para quem comenta mesmo eu sendo uma autora tão desnaturada!
Muito obrigada por estarem lendo, eu amo essa história (e esses dois personagens aí! Haha).

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