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Capítulo 18 - Você Nem Imagina

AVISO: Esse capítulo contém uma cena de abuso, ainda que não seja pesada. Se você se incomoda com cenas assim ou elas têm algum efeito de gatilho para você, pule a seção em que ela ocorre (está avisado durante o capítulo!).


Qualquer pessoa em Ashland saberia listar as vantagens de ser da realeza. Talvez, qualquer pessoa do mundo. As mais óbvias seriam as primeiras a serem ditas: poder e dinheiro. Um castelo onde morar, vestidos para usar e o privilégio de ter um título sagrado capaz de abrir muitas portas. Uma vida feita de caprichos, influências e responsabilidades. Ser parte da família real poderia ser considerado um sonho comum entre todos os habitantes de qualquer monarquia, nem que fosse somente pela fama que vinha com essa posição.

E eu não os julgava. Eu entendia. Nunca tive que sonhar em ser princesa, quando tinha nascido nesta posição. Mas isso tampouco me fez cega para meus privilégios. Eu os apreciava todos. Menos um. O favorito de meu pai.

Ele nunca usou as palavras exatas, - eu nem acreditava que conseguiria se tentasse, - mas sabia que era por causa de minha mãe. Para ele, a melhor parte de ser rei era que quase nunca precisava ficar sozinho. Quase nunca podia ficar sozinho. Sempre tinha outra coisa para resolver, outra pessoa para conhecer, outro assunto para discutir. Eu mesma, quando não precisava focar todas minhas energias em encontrar um marido, vivia tão ocupada que às vezes sentia que precisava me vestir pelos corredores, entre reuniões ou visitas. E isso, apesar de ter servido de consolo e distração para meu pai depois de ele ter perdido sua maior companheira, me incomodava muito. Ficar sozinha, para mim, era um luxo que eu cobiçava mais do que ouro.

Era parte de minha personalidade, minha essência. Passar muitas horas com outras pessoas sem tirar alguns minutos sozinha fazia meu humor oscilar, contribuindo para momentos de explosão de vez em quando que pesavam bastante para minha reputação. Minhas férias, que costumavam ser de algumas semanas por ano, eram feitas de nada além de silêncio e alguns livros. Esse era, afinal, meu jeito de pensar, racionar e respirar. E eu costumava buscar pequenos intervalos sozinha no meu dia a dia, como ar depois de muito tempo embaixo d'água.

Mas, ao assistir Marc se distanciar de mim, senti como se estivesse me afundando. Ali, em um lugar que eu não conseguiria ao menos apontar no mapa, a última coisa que eu queria era ficar sozinha. A cada passo que ele dava despreocupadamente para longe de mim, maior era minha vontade de correr até ele. Ainda que não quisesse admitir que as tinha criado, senti minhas expectativas se despedaçarem dentro de mim como vidro. Eu esperava tolamente que ele fosse ficar do meu lado, que fosse me tratar como uma amiga, me apresentar a pessoas, se preocupar pelo menos um pouco comigo.

Assim que ouvi os carros acelerando para exibir seus motores, percebi que só tinha esperado isso por causa de uma desvantagem de ser da realeza e de ter tanto privilégio. Eu tinha me acostumado a ter todos se preocupando comigo, se interessando pela minha opinião e querendo se aproximar de mim. Marc era a primeira pessoa que eu conhecia que não fazia a menor questão de me conhecer. E isso era doloroso, ainda que embaraçoso de admitir.

O barulho da festa voltou a diminuir e a se resumir a conversa e música quando os carros saíram. Aquela não era uma pista, só uma rua deserta, e eles desapareceram de vista logo. Mas eu me deixei ficar virada para o lugar da largada, dando as costas para onde Marc deveria ainda estar. Não teria coragem de me mexer tão cedo.

Na minha cabeça, me fiz um pequeno discurso de motivação. Me lembrei de que tinha insistido para Marc me levar, que ele tinha deixado claro que não ficaria cuidando de mim e de que ele não tinha, afinal, decidido ir àquela festa por minha causa. Eu que tinha me infiltrado nesse plano, assumindo a responsabilidade de cuidar de mim mesma. E era o que eu faria, apesar de nunca ter me sentido tão insegura antes. Imaginava que teria que sair de minha zona de conforto naquela noite, só não sabia que seria jogada direto na festa onde eu seria a pessoa mais inapropriada e errada do planeta.

Então me deixei ficar ali, parada, tão invisível quanto achava que queria ser, esperando o momento em que voltaria a sentir meus pés firmes no chão.

Só percebi o tempo que tinha passado sem me mexer quando os carros voltaram pelo lado contrário de onde tinham saído. Eu só me afastei. O barulho do acelerador deles era assustador, mesmo que eu não pudesse vê-los com tanta gente na minha frente. Meu instinto me dizia para sair de perto. A atenção de todo mundo se voltou a linha de chegada, e muitos fizeram questão de se aproximar para ver melhor, batendo em mim conforme eu dava passos para trás. Era a única ali que tinha mais medo do estrago que faria se um carro perdesse o controle do que curiosidade para vê-los correndo.

Eles passaram como um zumbido, demorando para parar, mesmo depois de um grupo de pessoas comemorar e outros reagirem à perda. Continuei cambaleando para trás, ainda que a corrida tivesse acabado e os motoristas desacelerassem. Aquele já era um lugar estranho demais para mim, a última coisa que queria era me sentir ainda mais em perigo.

Só parei de recuar quando bati o pé em alguma coisa e quase perdi meu equilíbrio. Foi quando percebi que eu vinha me abraçando, segurando cada cotovelo com uma mão. Por sorte, ainda que eu não tivesse tempo de reagir e me apoiar, um cara me segurou antes que eu caísse para trás.

Assim que vi que tinha esbarrado em uma caixa de gelo, percebi qual teria sido o tamanho do acidente se ele não tivesse me ajudado. Me endireitei na hora, enquanto o rapaz sorria de um jeito simpático que visava mascarar como era vergonhoso da minha parte ter quase me juntado às cervejas. Seus olhos pararam em meu rosto por um segundo, e, quando ele franziu as sobrancelhas, senti meu corpo gelar com a possibilidade de ele ter me reconhecido.

Mas tudo que ele falou foi: "Você está bem?"

Murmurei que estava, mas nenhuma palavra saiu direito de minha boca. Ele, sem questionar se eu ao menos falava a mesma língua, me indicou uma garrafa de cerveja. E eu sorri, que foi o suficiente para que ele entendesse que estava aceitando. Era sua função cuidar da caixa de bebidas, abrir uma garrafa e me entregar, mas eu ainda achei toda a interação um pouco desconfortável. Então, assim que tive certeza de que conseguia me equilibrar outra vez, lhe ofereci um sorriso de agradecimento e saí dali.

Instintivamente, assim que comecei a andar pela festa, meus olhos buscaram Marc. Eu o encontrei sentado no telhado da casa, com várias outras pessoas. Uma delas era uma garota loira, que estava em seu colo como sua namorada, a mão dele em sua coxa, o braço dela em volta do seu pescoço. Devia ter sido ela quem tinha roubado sua atenção de mim, logo antes de me deixar sozinha. Parei de olhar assim que ela se inclinou para beijá-lo e eu percebi que conseguia ver por baixo de sua saia de onde estava. E, depois disso, fiz questão de não olhar para lá outra vez.

Sentindo que, quanto menos ficava parada, melhor eu me sentia, me obriguei a andar pela festa. Eu olhava para as pessoas, nem que fosse para um sorriso rápido ou para ser ignorada. Bebia a cerveja enquanto andava, fingindo para mim mesma que só estava sozinha, e não solitária; que não tinha problema não conhecer ninguém ali, a não ser um cara que tinha se esquecido de mim nos primeiros segundos. Eu estava bem. Não tinha nada a provar para nenhuma daquelas pessoas, que nem prestavam atenção em mim. Estava livre de julgamentos. Aquele território fora da minha zona de conforto também poderia ser chamado de liberdade. Eu só tinha que aprender a aproveitá-la.

Conforme o tempo passava, mais eu me soltava. Até me deixei dançar um pouco, apesar de ter que parar quando um cara chegou para falar comigo com mais interesse do que eu queria que tivesse. A festa parecia ter ganhado vida depois do vencedor chegar. Até o volume da música aumentou e, combinada com a cerveja que eu bebia, me dava a impressão de aumentar o atrito de todas as coisas, que cada toque, cada olhar e movimento ficavam em maior evidência, principalmente os meus. Como se aquele fosse o tipo de momento que eu conseguiria engarrafar e guardar para sempre se quisesse.

Quando estava já na minha quinta garrafa de cerveja e já fazia pelo menos uma hora e meia que estava ali, fui me sentar na varanda da frente da casa. Estava de olho nela há algum tempo e aproveitei assim que liberaram um espaço que me coubesse. Era o lugar mais escuro da festa, dava uma boa vista para o resto e me impedia de olhar na direção de Marc sem querer.

Na verdade, parte de meu objetivo era me esquecer de que ele estava ali, que parasse de ser como uma saída. Não queria considerar minhas opções. Mesmo quando estava me sentindo o mais deslocada possível, me recusava a pensar em voltar sem ele e me dar por vencida. Não aceitaria me deixar levar por um medo inútil de algo que, afinal, não era nada perigoso. E, quando me sentei para observar a festa, fiquei feliz de não ter fraquejado. Não era tão ruim assim, ainda que eu continuasse solitária.

Isso só mudou quando, depois de alguns minutos sentada na varanda, desisti de me fingir de forte e admiti que não aguentaria passar mais nem um segundo ali. Não enquanto minha bexiga parecia prestes a estourar.

Aquela foi a primeira vez que eu realmente pensei em ir embora sozinha. Não me lembrava de como era o ônibus, mas tinha que ter algum que fizesse o caminho contrário. Podia ir procurar Marc só para isso, só para essa informação. Mas pensar que o caminho até ali tinha demorado pelo menos meia hora fazia com que eu me contorcesse. Não aguentaria todo esse tempo. Mal aguentaria mais cinco minutos se ficasse bem parada.

Já fazia algum tempo que aquele tinha se tornado meu maior medo: procurar um banheiro. Se o chão da festa era feito de grama e lama, que já tinha sujado mais da barra da calça jeans de Clare que eu vestia do que eu gostaria de admitir, só podia imaginar como seria o banheiro. Se é que teria algum banheiro. Depois de já ter pensado que poderia estar prestes a ser sequestrada, era algo tão simples como uma necessidade básica que me fazia me arrepender de ter ido ali. Nenhuma daquelas pessoas à minha volta parecia se preocupar muito, deveriam ser todas capazes de usarem uma moita para aquilo. Mas eu não conseguiria.

Foi até bastante estranho quando abri a boca depois de tanto tempo e perguntei para uma garota que subia as escadas da casa se tinha algum banheiro por perto. Mesmo na pouca luz ali, pude ver que seu cabelo era roxo e que seus olhos eram azuis. Depois de algumas pessoas passando sem que eu tivesse o impulso de as parar, algo nessa garota me fez pensar que ela me ajudaria.

"É exatamente para lá que eu estou indo," ela disse, esticando um braço inteiro tatuado na minha direção. "Eu te levo, se você prometer que eu vou primeiro."

Precisei de alguns segundos parada para entender o que tinha oferecido. Quando me levantei e enrolei meu braço no seu, senti como se habitasse um país estrangeiro, onde só saberia sobreviver se minhas expectativas fossem limitadas a ficar sozinha. Ela era a nativa, que me convidava a me sentir menos deslocada. Pela primeira vez, eu não precisava escolher entre ser invisível ou ser uma princesa. Podia simplesmente ser uma garota que era ajudada por outra a encontrar o caminho mais rápido para um banheiro.

"Meu nome é Azalea, mas todo mundo me chama de Alea," ela falou assim que entramos na sala da casa. Me dava olhadas rápidas na minha direção por cima do ombro, mesmo que não tivesse nenhuma luz ali dentro que não viesse de fora. "E eu não te conheço."

"Meu nome é Lo-" engoli o que falava, aproveitando que duas pessoas passaram por nós para disfarçar. Tinha ficado tanto tempo me sentindo invisível, que havia me esquecido de quem realmente era e do que poderia colocar a perder. "Jane," completei, aumentando minha voz.

Alea sorriu, parando de andar atrás de uma garota no corredor. Não sabia se ver a porta do banheiro a alguns metros de mim me deixava feliz ou ansiosa, considerando que aquela distância era causada por uma fila. E, pior, uma fila composta por mulheres e homens.

"Nunca te vi por aqui," ela continuou, enquanto nos apoiávamos na parede do corredor para manter nosso lugar e ainda deixar as pessoas passarem do nosso lado. "Quem te trouxe?"

"Marc," respondi prontamente, me questionando se aquele negócio de chamá-lo de Jack era sério.

Ela franziu as sobrancelhas na hora, como se eu tivesse respondido em uma língua estrangeira, e senti que tinha falado besteira. "Marc Hynes?"

Ou talvez não.

Quando assenti, ela só pareceu mais confusa ainda.

"Ele nunca trouxe ninguém," seus olhos se desviaram para algumas garotas que passaram ao nosso lado, esbarrando de leve em nós. "Nem sabia que ele tinha amigos."

"Nós não somos amigos," falei, um tom levemente amargo em minha voz, que ela entendeu como outra coisa.

Apesar da sua franja quase cobrindo os olhos, vi quando Alea levantou as sobrancelhas na minha direção, como uma pequena provocação, um segredo malicioso guardado entre nós. "Entendi," falou, sorrindo.

"Não!" Soltei, mais alto do que precisava, em um corredor sem qualquer música. "Não, não é assim. A gente mal se conhece," garanti, mas Alea ainda não parecia convencida. "Ele trabalha para mim."

Ela desencostou da parede para dar alguns passos para frente, e, enquanto eu a seguia, meu coração acelerou. Ela conhecia Marc por nome e sobrenome, podia muito bem saber que ele trabalhava no castelo. E que trabalhava para a família real.

Antes que Alea transformasse sua testa franzida em uma pergunta, eu completei: "Sou cozinheira também."

Mas não precisava aumentar minha mentira e sentir que estava prestes a perder o controle de tudo, porque ela só falou:

"Nem sabia que Marc trabalhava," e eu me senti a pessoa mais boba do mundo.

Desviei de seu olhar para ver alguns cômodos da casa, que parecia ter sido abandonada com móveis dentro, ainda que poucos. Talvez fosse melhor eu ficar sozinha mesmo, se fosse para me arriscar estupidamente daquele jeito.

"Cadê ele, aliás? Não o vi hoje ainda," Alea quis saber, enquanto a gente se aproximava mais uma vez da porta. Só faltava mais ela e aí seria minha vez, pensamento que fez tudo parecer insignificante em um segundo.

"Ele está ocupado," respondi, levando as mãos à minha touca e a arrumando inutilmente.

"Ah," ela abriu um sorriso. "Verdade. Jennifer." Eu não queria reagir, mas alguma coisa em meu rosto deve tê-la alertado de que eu não sabia bem do que ela falava. "Não é?" Confirmou, como se tivesse realmente a possibilidade de eu corrigi-la. "Ele não está ainda com ela? Eu vi os dois juntos na quinta, não é possível que ele já encontrou outra!" Ela riu. "Isso seria rápido, ainda que para ele."

E eu só fiquei perdida. Não esperava algo diferente dele, mas ainda era muita informação para alguém que estava se concentrando em aguentar o tempo de espera do banheiro.

"Por que ele te trouxe se não era para ficar com você?" Alea não parecia precisar de incentivo algum da minha parte, mas eu ainda dei de ombros. "Você conhece mais alguém aqui?"

"Não exatamente," admiti, mesmo que quisesse esconder minha solidão.

Ela abriu a boca para falar outra coisa, mas a porta do banheiro se abriu. E suas prioridades mudaram.

Quando saiu e era minha vez, ela me entregou um pequeno amontoado de lenços. "Não tem papel," me explicou.

Claro. Papel seria um luxo naquele banheiro.

O álcool em minhas veias me ajudou a ignorar algumas coisas, apesar de dificultar o malabarismo que tive que fazer para não tocar em nada enquanto usava o banheiro. Fiquei grata por Alea ter pensado em mim, mesmo que achasse que não a veria outra vez. Mas, depois de me convencer que só água nem era tão ruim assim para lavar as mãos naquelas condições e sair dali, vi que me esperava do lado de fora.

"Vem," disse, me pegando outra vez pelo braço. "Vou te apresentar a uns amigos meus."

O caminho todo até seu círculo de amigos já foi bem melhor. Era a mesma festa, a mesma grama molhada e suja, a mesma música minimamente agradável, mas minha energia estava renovada. Era como se eu tivesse acabado de começar a existir ali, como se finalmente tivesse atravessado uma parede de vidro invisível que tinha estado entre nós. Seus amigos me acolheram como se Alea já tivesse falado de mim. Passaram pouco tempo me perguntando o que eu fazia e de onde era - tive que repetir a mentira sobre ser cozinheira, - e já voltaram ao que discutiam antes. Falaram sobre a corrida, as apostas, festas passadas, piadas internas e pediram minha opinião em filmes desconhecidos e músicos independentes.

As próximas garrafas de cerveja que bebi me desceram muito melhor. Mesmo que eu ainda fosse a estranha ali, que ainda passasse a maior parte do tempo tentando entender os assuntos deles e quem estava com quem, quanto tempo Alea tinha estado com a mesma namorada e quem já tinha ficado entre eles, ainda me sentia bem-vinda. Eles me ouviram quando eu critiquei a postura de um diretor, o único dos que mencionaram que eu conhecia, alguns concordaram, outros discordaram, até que Alea interrompeu o assunto para dançarmos. E eu, me deixando esquecer que não pertencia ali, dancei como se estivesse sozinha.

Foi incrível. Foi, afinal, liberdade.

Depois de um tempo, quando já eram três da manhã, nós entramos de volta na casa. Eu já tinha ido ao banheiro outra vez, só com um amigo de Alea, mas dessa vez todo nós ficamos na sala. Nos espalhamos pelos sofás, e eu me joguei em um antes mesmo de pensar no que fazia. Quando percebi minha posição, toda torta e desconfortável, comecei a rir, chegando até a parecer uma maluca histérica.

Mas não conseguia me controlar. Ficava lembrando da última semana, de todas as vezes que tinha tido um encontro, de como precisava me portar em dias normais, em que eu ainda era a Princesa Lola. E ria descontrolada ao imaginar Liev me encontrando ali, nos pretendentes me vendo daquele jeito. Minhas risadas começaram a contagiar meus novos amigos, mesmo que eles não soubessem por que riam comigo.

O castelo tinha se tornado um mundo distante, que eu começava a questionar se realmente existia. Depois de todas as vezes em que tive alguém segurando a saia de meu vestido, guardas entrando nos cômodos para se certificarem de que eram seguros para mim, pessoas lutando para terem minha atenção, eu estava ali. Depois de todas as visitas oficiais, todas as medidas de segurança que eram tomadas quando ia em algum lugar novo, eu tinha me jogado em um sofá em uma casa desconhecida no meio do nada. Me encostando em uma garota que, para todos efeitos, era uma estranha. Tão negligente, tão inconsequente, que não conseguia parar de rir. E todos à minha volta concordavam que eu era completamente louca.

Depois de um tempo - e de eu conseguir me acalmar, - percebi que eles tinham ido até ali para poderem se separar em casais e cada um se beijar. Os únicos amigos solteiros de Alea já tinham encontrado outras garotas, e eu fui a única que sobrei, ainda que por ter recusado um outro cara qualquer. Me levantei logo e fui andar pela casa para matar tempo até às quatro da manhã. Ainda que estivesse sozinha outra vez, não era como antes. Estava bem mais confortável, e aquele passeio tinha sido completamente minha decisão.

Descobri que o corredor do banheiro se dobrava e acabava se dividindo em escadas de um lado e uma cozinha do outro. Mal entrei nela, e outro casal se juntou a mim, começando a usar a bancada de um jeito que eu preferia não ter que presenciar. Corri para voltar para o corredor, mas minha saída foi brusca, e dei com tudo em quem estava terminando de descer as escadas.

Era um cara bastante grande, que nem pareceu ter se mexido com a batida, enquanto eu sentia o mundo girar por alguns instantes. Ele me segurou pelos ombros, me ajudando a me recuperar.

"Perdão," falei e, quando levantei o rosto e encontrei seus olhos, o reconheci.

Era uma das poucas pessoas ali de quem eu sabia o nome.

"Tudo bem," ele disse. "Jane, certo?"

"Isso," devo ter respondido.

Era Rafael, que tinha organizado aquela festa, que tinha cobrado pela minha participação. Ele era muito maior de perto, com ombros largos e braços malhados. O corredor não era especialmente pequeno, mas ficou bastante apertado com nós dois ali.

"Cadê seu amigo?" Ele perguntou, enquanto passava a mão pela sua blusa por onde o que restava da minha cerveja devia ter molhado.

"Ele não é meu amigo."

Era minha impressão, ou ele estava ajudando a deixar o corredor apertado para mim?

"Ele não é nada meu," continuei, desviando do olhar fixo de Rafael em mim. "Absolutamente nada. Só meio de transporte."

Ele riu, de um jeito falso e exagerado, que só servia para se exibir, como se sua risada fosse me fazer gostar dele.

"Que bom," ainda falou.

Tive vontade de fazer uma careta para seu jeito, mas tentei me impedir. Bem na hora em que ia deslizar para o lado e sair dali, um grupo de pessoas desceu pelas escadas e, aproveitando a desculpa de dar espaço para eles, Rafael, se apertou contra mim.

Na hora, levei minha garrafa à boca, mesmo que já não tivesse nada nela e mal tivesse espaço entre nós, só para não deixar que ele tentasse alguma coisa.

"Está gostando da festa?" Ele perguntou quando ficamos sozinhos outra vez, se afastando só o suficiente para fingir que não era de propósito.

"É bem diferente do que estou acostumada," falei, tentando discretamente sair dali.

Ele percebeu minha intenção e me deixou andar, só que me acompanhou. Sem que eu entendesse direito que estava sendo guiada por ele, nós acabamos em uma sala que parecia algum dia ter sido um escritório. Pelo menos, era mais espaçosa que o corredor, e eu me apressei para ir me sentar em uma pequena mesa e me apoiar na parede atrás dela, puxando minha touca para baixo e escondendo meu corpo o melhor que podia.

"Sabia que você era diferente," ele disse casualmente, se colocando na minha frente.

Eu cruzei minhas pernas, me virando para a janela ali. Mal dava para ver a festa do lado de fora.

"Você nem imagina," por alguma razão idiota, eu o mirei como se guardasse algum segredo, o que ele deve ter entendido como um tipo de flerte, pois se aproximou mais de mim.

Virei meu rosto outra vez para a janela, virando de novo a garrafa vazia na minha boca. Queria que outras pessoas entrassem logo ali, ou que ele pelo menos entendesse que, se não queria nem olhar para ele, definitivamente não queria mais nada.

Mas, em vez disso, senti sua mão em minha coxa. Enquanto eu olhava para ela, tentando entender se o que via era realmente verdade, senti sua outra mão em minha cintura, me puxando para ele. A primeira me forçou a descruzar a perna, enquanto eu me esquivava da segunda.

"O que você tá fazendo?" Minha pergunta saiu abafada por ele, de quem desviei no último segundo para que não me beijasse. Nem consegui ouvir o barulho da garrafa que soltei caindo no chão.

"Não tem problema," ele disse, sua voz perto demais de meu ouvido, me dando um arrepio de repulsão. "Só tem a gente aqui."

"Não," com as duas mãos livres agora, tentei o empurrar pelo peito, mas ele era realmente forte. "Você entendeu errado," insisti em falar, mas ele não me ouvia.

[COMEÇO DA CENA DE ABUSO]

Uma mão dele apertava minha coxa, a segurando forte para longe da outra, abrindo espaço para ele ficar no meio. Mesmo que eu fizesse toda a força que podia, não conseguia me livrar. Não conseguia nem me afastar minimamente de cada toque asqueroso dele, que passava a mão pelos meus braços e meu cabelo.

Mil alarmes soavam na minha cabeça conforme eu ia percebendo como era indefesa contra ele. Mesmo que me encolhesse, mesmo que tentasse muito empurrá-lo e me afastar, eu não conseguia. Ele era sempre mais forte, mais rápido, e o pânico de não ter qualquer voz e qualquer chance contra ele me gelou.

Já estava exausta em tentar ganhar dele, quando senti uma lágrima molhar minha bochecha. Era uma lágrima de raiva, raiva que subia quente por minhas veias, me dando um pouco mais de força para bater nele. Se eu não conseguia tirar seu toque nojento de perto de mim, se eu não conseguia evitar que ele passasse seus lábios repugnantes contra minha boca, podia pelo menos encher suas costas de socos, puxar seu cabelo, odiá-lo com todas minhas forças!

Não importava quem eu era. Não importava a influência que vinha de minha posição. Ele era maior que eu, grande o suficiente para me roubar o direito de recusá-lo, forte o bastante para transformar todo meu poder em obsoleto.

Depois de lutar contra a vontade de vomitar e ele tirar os lábios de mim para concentrar sua atenção em levantar minha blusa, eu gritei. Era a primeira vez que conseguia falar em muito tempo e fiz questão de gritar até minha garganta arranhar, para ter certeza de que era o mais alto que conseguiria chegar.

Ele logo colocou uma mão na minha boca, me empurrando ainda mais contra a parede atrás da mesa, com raiva de verdade. Não estava nem um pouco preocupado em me machucar, puxava meus braços como se eu fosse feita de pano, transformando outra vez meus esforços em inúteis.

Fechei meus olhos, sentindo outras lágrimas acompanharem a primeira. Não sabia como tinha chegado ali, como tinha ido de pensar que estava tudo bem para me colocar em uma situação sem qualquer saída. Queria estar em qualquer lugar, absolutamente qualquer lugar do mundo que não fosse ali. Me odiei por ter ido àquela festa. Me odiei por ter respondido suas perguntas, por ter olhado para ele, entrado naquela sala, por ser mulher, por existir. Apertei meus olhos com força o suficiente para doer, para tentar ganhar de todos os toques nauseantes que ainda sentia de sua mão e de sua boca nojenta. Quanto tempo teria que ficar ali? Quanto mais teria que aguentar para me livrar dele? Para ele me deixar em paz?

Quando uma de suas mãos tocou em minha pele por debaixo da blusa, instintivamente arranhei a mesa ao meu lado, sentindo minhas unhas marcarem a madeira. Pela primeira vez em minha vida, queria nunca ter nascido.

[FIM DA CENA DE ABUSO]

E então não senti mais nada. Nada além de ar onde ele tinha acabado de estar. Por um segundo, achava que tinha desmaiado de raiva, meu corpo imóvel e entorpecido. Mas, quando abri os olhos, vi Rafael sendo socado a ponto de quase cair para fora da janela. E o soco tinha vindo de Marc.

Um outro cara apareceu do nada logo atrás dele, o puxando para longe de Rafael, enquanto mais pessoas entravam na sala para ver o que estava acontecendo, e eu tentava me situar. Meu coração parecia sair pela minha boca, batendo mais rápido e mais pesado do que já o tinha sentido. Enquanto o cara ajudava Rafael, Marc veio direto até mim. Ele hesitou, me olhando por meio segundo, ainda que eu tivesse a impressão de que milhares de pensamentos passaram por sua cabeça.

Depois me pegou pela mão e começou a me puxar para fora da casa.

Eu tropeçava, não andava, batia em paredes e pessoas, quase caindo de boca no chão. Mas não parava. E nem ele.

Nós saímos da casa, indo na direção contrária da festa, para a rua. Eu tentava correr, mas minhas botas escorregavam na grama. Mas não teria parado até chegar no castelo, se Marc não tivesse me soltado e se virado de volta na direção da casa quando escutamos Rafael falar:

"Onde vocês pensam que vão?"

Me escondi atrás de Marc sem nem precisar pensar. Ele também fazia questão de colocar seu corpo entre Rafael e eu, apesar de não se mexer mais que isso. Minhas mãos agarravam seu agasalho pelas costas, tentando puxá-lo para continuarmos correndo.

Rafael não andava na nossa direção sozinho. Ele trazia dois caras com ele, e o resto da festa toda como plateia. Enquanto eles se aproximavam e eu o puxava com toda a força para longe deles, senti os ombros de Marc enrijecerem. Eles praticamente estralavam os dedos, mas Marc não se mexia.

Na minha cabeça, em meio a todo o pânico do que poderia acontecer, me convenci de que aquilo era loucura. Nós não estávamos em um filme. Pessoas na vida real não brigavam em festas. Eles não dariam alguns passos na direção dos outros e simplesmente mirariam socos na cara deles, certo?

Sim. Foi exatamente o que fizeram.

E o choque do primeiro que Marc levou fez meu coração parar. Ele não pareceu se abalar muito, se equilibrando e batendo também nos dois caras, enquanto Rafael se mantinha ileso e longe o suficiente para não apanhar. Mas ele levava mais. E eu estava apavorada!

De raiva e culpa, mas também por pensar que nossa chance de fugir dali estava desaparecendo.

Marc era ágil, apesar de nem metade tão forte quanto um dos caras ali. Ele desviava como se fosse o melhor amigo da sorte, mas acabava tendo pouco sucesso em bater neles. E não parecia entender que estava perdendo, que, quando cansasse, poderia apanhar a ponto de quebrar costelas ou nunca mais acordar. Ele só ia para cima deles, me fazendo encolher de apreensão.

Assim que caiu no chão a primeira vez, os caras deram uma pequena distância dele, rindo de como ganhavam. Não deviam querer parar tão cedo, mas eu aproveitei a chance para ir até Marc, o segurar pela blusa e puxar outra vez para trás. Ele me deixou ajudá-lo a se levantar, mas, mesmo depois de eu me colocar na sua frente, não se deu por vencido.

Não até outros caras saírem da casa com tacos de beisebol na mão, claramente do lado de Rafael. E então, depois de todo esse tempo, ele finalmente admitiu para si mesmo que nunca ganharia deles. Ele tinha punhos, conseguia rebater socos, mesmo que em uma frequência menor. Mas não tinha tacos de alumínio que poderiam amassar a cabeça de uma pessoa.

Quando seu próprio receio lhe fez dar alguns passos para trás, eu aproveitei para empurrá-lo outra vez, conseguindo agora fazer com que se afastasse de verdade. Rafael falava coisas que eu queria ignorar e soltava uma risada insuportável que fazia minha pele arrepiar de ódio. Mas, ainda na frente de Marc, eu foquei em seus olhos azuis tão claros que pareciam cinza e me impedi de pensar em qualquer coisa que não fosse conseguir sair com ele dali.

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