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Capítulo 17 - Inapropriado para Princesas

Eu nunca fui uma pessoa medrosa. Pelo menos, este não era um adjetivo que usaria para me descrever. Acreditava que todas as pessoas do mundo, enquanto estivessem vivas, tinham medo de muitas coisas. Era natural. A não ser que tivesse perdido seu instinto de sobrevivência, temer certas situações era essencial em um ser humano. Clare, por exemplo, durante a última semana, se denominaria a garota mais medrosa do mundo. Ou pelo menos eu a classificaria assim. Alicia, por outro lado, não gostava nem de ficar no mesmo cômodo que um gato, mesmo que fosse a Sala de Jantar e lhe permitisse criar uma distância de vinte metros até o bichinho. Mas, diferente delas, medo simplesmente não era algo que me definia ou que costumava ocupar minha cabeça em dias normais.

Entretanto, conforme fiz meu caminho até a porta mais próxima do corredor dos criados, que infelizmente ficava somente no segundo andar, tentei enumerar em minha mente todas as coisas que não estaria disposta a aceitar. Todas aquelas que me fariam dar para trás, recusar qualquer ideia de um cara que eu nem conhecia.

Esta deveria a primeira, talvez. Pensar que eu não o conhecia, que a única coisa que ainda sabia de Marc Hynes era sua completa falta de interesse ou reverência para mim, o que não me deixava nem um pouco mais segura. Nada em sua personalidade, ou no que eu conhecia dela, me dava a certeza de que os tais lugares, aqueles onde ninguém me reconheceria, seriam seguros.

Pelo contrário. O absurdo daquilo era o que me obrigava a confirmar para mim mesma as coisas que não aceitaria.

Teoricamente, eu não poderia fazer nada que arriscasse minha vida. Tinha uma obrigação ao país de me manter segura, sem perigo de morte. Não que eu fosse realmente a herdeira, não enquanto estivesse solteira. Mas aquele dever, de uma parte de mim pertencer a Ashland, era mais profundo e essencial dentro de mim do que qualquer coisa. Ainda que atualmente ele fosse somente um detalhe para um futuro próximo, eu o sentia bem pesado em meu peito.

E pensar em arriscá-lo me fez parar no meio do caminho duas vezes.

Não por medo.

Mas por vontade.

Logo que entrei no corredor dos criados e me livrei das câmeras e dos convidados, deixando para trás também Alicia e Maggie, me peguei olhando pela primeira janela que vi. A mais alta ali.

Dizem que as pessoas que têm medo de altura se dividem entre aquelas que têm medo de cair e as que têm de pular. Talvez o que me atraísse para Marc e tudo que eu não sabia sobre ele e sobre os lugares onde ele poderia me levar era exatamente isso. Medo de pular. Medo e vontade de arriscar minha vida. Alguns minutos ou segundos ou ao menos instantes em que eu pudesse me sentir à beira de um precipício. Algo perigoso o suficiente para me fazer pensar em qualquer outra coisa, mas não a ponto de realmente me perder.

Eu conhecia meus medos. Mas aquele era de longe o que me movia.

O corredor dos criados era estreito e fazia várias curvas, descendo andares que o castelo não tinha depois do nosso térreo. A maior parte deles vinha do pequeno morro em que foi construído, que se abaixava até a costa. Mas alguns ficavam abaixo da terra, e era em um deles que ficava a cozinha principal. Ou seja, aquela em que todas as comidas eram preparadas, mesmo as que teriam que ser reaquecidas em cozinhas menores e mais próximas dos quartos daqueles que as tinham requisitado.

Nunca tido ali. Reconheci o pequeno pedaço de corredor pelo qual tinha passado da última vez que tinha falado com Marc, mas todo o resto me era estranho. Só sabia mais ou menos qual caminho seguir pelo que Liev tinha me explicado, depois de eu prometer que só precisava encontrar um cozinheiro qualquer para lhe pedir uma informação e exigir que ela me deixasse vir sozinha.

Soube que entrava na cozinha antes mesmo de alcançar a porta. O cheiro delicioso e quente de comida sendo preparada me encontrou ainda no corredor, me fazendo apressar meus passos para entrar no cômodo em que ele estaria ainda mais forte e acolhedor. A quantidade de criados que corriam para todos os lados, bastante ocupados, era um tanto curiosa. Ninguém poderia adivinhar que do outro lado da porta estava um corredor praticamente vazio. Não quando devia ter mais de cem pessoas trabalhando incansavelmente em uma cozinha muito maior do que esperava ver ali.

Era, em uma palavra, hipnotizante. Nos primeiros segundos ali dentro, tentei entender o que algumas pessoas faziam, mas fui obrigada a desistir. Não conseguiria acompanhar. Mal conseguia ver um pequeno espaço por onde passar para chegar ao que Liev tinha descrito como o lugar mais provável para o responsável pelas comidas de café da manhã.

Por sorte, ou talvez azar, já que aquela era a última coisa que eu queria, uma das criadas que passou por mim mirou seus olhos em meu rosto, e o que viu a fez quase largar da bandeja que segurava.

Em poucos segundos, a atenção de todos tinha sido chamada, interrompendo o que faziam para que se virassem na minha direção e esperassem algum tipo de ordem. Mesmo depois de eu insistir que não precisava, nenhum deles relaxou. Aproveitei a pausa e o espaço que criaram para ir desconfortavelmente até a parte da padaria, sentindo todos os olhos em minhas costas.

Tudo aquilo só me fez precisar ainda mais falar com Marc. Minha mera presença tinha desfeito uma cena que eu mesma tinha adorado presenciar. Necessitava cada vez mais ir a algum lugar onde pudesse ser invisível.

A parte de padaria da cozinha era separada por portas de vidro um tanto eficientes, que mantiveram a música que Marc ouvia como um pequeno murmúrio do lado de fora. Ficaram ainda mais impressionantes quando eu as abri e percebi o volume em que ele escutava.

"Ainda não terminei," falou, de costas para mim, provavelmente pensando que eu era outra pessoa. "Já disse que vou avisar quando tiver terminado."

Claramente, a música não estava daquela altura por algum problema de audição dele, se conseguia me escutar entrando. Pensei em explicar que não era quem ele pensava que era, mas achei meu silêncio ainda mais divertido. Principalmente quando ele se virou, pronto para reclamar da insistência de quem o incomodava, e deu de cara comigo.

Para minha surpresa, em compensação, ele não pareceu estranhar tanto minha presença ali, salvo pela confusão. Tinha farinha até os cotovelos, um pequeno pedaço de pele à mostra entre ela e as mangas de outra camiseta branca furada - ou será que era a mesma? - mas cruzou os braços sem hesitar.

"Não fui eu," disse antes que eu ao menos explicasse por que estava ali.

Me preparei para perguntar do que ele estava falando, mas entendi antes que uma única palavra saísse de minha boca.

"Eu sei," falei ao invés. "Devo me preocupar por você achar que nós demoraríamos dois dias inteiros para descobrir ou questionar a origem de uma informação tão importante quanto esta?"

Ele descruzou os braços, deu a volta na bancada em que trabalhava e, antes de me responder, mirou um soco na pobre massa que ele aparentemente vinha preparando antes de eu chegar.

"A não ser que você se importe com a minha opinião," ele pausou para poder dar outros socos, "não."

Me aproximei devagar da bancada, ganhando tempo ao observá-lo trabalhar. Ele virava a massa de vários jeitos diferentes, a esticava, depois a dobrava, tão hipnotizante quanto o que acontecia do outro lado das portas de vidro. Tinha toda intenção de começar o assunto que tinha me levado até ali, só não sabia direito por onde. E adiá-lo não parecia a pior das ideias.

Até que Marc cansou de esperar. Ele largou da massa, passou as mãos rapidamente em um pano e se esticou para pausar a música.

"Eu trabalho melhor sozinho," falou ao se colocar de volta bem na minha frente.

"Que jeito mais educado de expulsar sua princesa de um lugar," rebati, cruzando os braços.

Um canto de seus lábios se esticou, lhe deixando com um ar um pouco insano.

"Minha princesa?" Questionou, apertando os olhos e se deixando sorrir um pouco mais que antes. "Como sabe que eu sou de Ashland?"

Sabia que sua intenção era me desestabilizar, me fazer duvidar de mim mesma e me confundir. Mas eu era melhor do que ele esperava.

"Você precisa me dar pelo menos um pouco mais de crédito," falei, me inclinando para a frente e apoiando os cotovelos na bancada. Até me estiquei para tirar um pedaço de sua massa e brincar com ela distraidamente. "Eu conheço Ashland melhor do que qualquer pessoa. Se tivesse que apostar, diria que você é de..." Levantei os olhos para observar os traços de seu rosto, ainda que eles não fossem o melhor jeito de adivinhar de onde ele vinha. Tentei me lembrar de seu sotaque de cidade pequena, forte nos erres, quase com um toque escocês. "Breite?" Completei, tombando um pouco meu rosto como se aquele ângulo conseguisse me fazer vê-lo melhor.

Ele, para tentar se impedir de sorrir, pigarreou. Deixou de se apoiar com as mãos na bancada e me imitou, se inclinando nela com os cotovelos, a fim de colocar seu rosto na mesma altura que o meu.

"O que minha princesa quer?" Perguntou, me indicando com aquela palavra, minha, que eu tinha acertado.

Nem tentei controlar o sorriso vitorioso que dei. "Quero aquilo que me ofereceu," falei, me levantando de volta e limpando a farinha que ficou em meus cotovelos. "Quero saber quais são os lugares onde não me reconheceriam. Quero que me leve até eles."

Antes de também se levantar da bancada, Marc se deixou rir a ponto de mostrar todos os dentes e jogou a cabeça para a frente, a apoiando nas mãos por segundos até se levantar com tudo.

"Você ofereceu," o acusei.

"E aqui estava eu, achando que tinha sido salvo por Madison no último segundo," falou, como se pensasse em voz alta.

"Eu preciso disso."

Ele levou as mãos acima da cabeça, se espreguiçando como se tivesse acabado de acordar e eu lhe pedisse uma xícara de café.

"Eu sou sua princesa e esta é uma ordem," me ouvi falando antes que pudesse evitar.

Soube no instante em que ele se virou para mim e me olhou estranho que aquele era o jeito mais fácil de conseguir que ele nunca mais oferecesse nada, nem contra sua vontade.

"Para quem diz precisar ir a algum lugar onde não te reconheçam, você parece adorar poder usar seu título," ele respondeu, bem como eu merecia.

Me deixei bufar uma respiração. "Eu sei," admiti. "Só não consigo imaginar como é possível existir um lugar assim e sei que você é minha única esperança."

"Okay," ele deu a volta na bancada até parar na minha frente e não ter nada entre nós. "Antes de mais nada, eu nunca realmente testei se não iriam te reconhecer. Não costumo sair com membros da realeza. Infelizmente," falou a última palavra com tanto sarcasmo, que tive que revirar os olhos. "Só acho que você não precisaria de muito para parecer uma garota qualquer." Abri a boca na hora, de um jeito ofendido o suficiente para ele correr para completar: "E, se isso parece uma crítica para você, definitivamente não deveria sair do castelo."

Ele fez o mesmo caminho de volta, pegando agora seu celular com os dedos brancos de farinha e começando a me ignorar.

"Acho que existem algumas coisas que eu possa fazer para me disfarçar," sugeri, pensando em voz alta. A verdade era que meu desespero tinha me feito imaginar lugares onde eu poderia até usar uma tiara na cabeça sem que me reconhecessem, de tão iludida que estava.

"Tá," ele nem fez muita questão de se virar para mim, ainda que enfiasse o celular de volta no bolso. "Vou pensar no seu caso então-"

"Não," falei antes mesmo que ele terminasse a frase. "Preciso que seja hoje."

Ele bufou uma risada. "Eu já tenho um compromisso hoje," disse, se aproximando da bancada e voltando a mexer na massa, agora com menos violência que antes.

"É algum lugar onde me reconheceriam?"

Marc nem precisou pensar. "É um lugar inapropriado para princesas."

"Ótimo," me estiquei para enfiar um dedo na massa, só para incomodá-lo. "Então ninguém vai pensar na possibilidade de esbarrar em uma por lá."

Ele só balançava a cabeça, continuando seu trabalho.

"E vou me esforçar no disfarce," completei a promessa, apesar de não saber exatamente o que isso significaria. Não era como se eu pudesse vestir uma máscara, era? "Sou boa nisso."

"É arriscado demais," ele respondeu. "Muita gente. E eu definitivamente não quero ter que ficar de babá de princesa."

Revirei os olhos. "E desde quando eu preciso de uma babá?" Péssimo argumento para quem teve que insistir para que suas damas e guardas não a seguissem até ali. "Só preciso que me leve a um desses lugares incríveis que conhece."

Ele levantou uma mão no ar. "Nunca falei que eram lugares incríveis. Abaixe suas expectativas, que eu não vou me responsabilizar por nenhuma decepção que você tenha."

"Certo, lugares péssimos então."

"É arriscado demais," repetiu.

"É exatamente como eu quero."

Fiz questão de não desviar meus olhos dos seus até que relaxou os ombros, parecendo prestes a se dar por vencido.

"Duas condições," falou, e eu tive que lutar contra o sorriso que queria se abrir em meu rosto.

"Não ter que ser minha babá, certo."

"Na verdade, ia dizer que você precisa se responsabilizar por qualquer coisa que possa acontecer com você," ele me corrigiu.

Pela primeira vez desde que tinha entrado ali, senti a dúvida brotar em minha cabeça. Será que eu realmente deveria levar aquilo adiante? Não seria mais fácil - e seguro, - ficar dentro de meu quarto, evitar os convidados e criar outro encontro com um pretendente?

"Está bem," respondi antes que pudesse dar para trás. Aquele era o mais perto que eu chegaria de fugir de meus problemas. Como poderia negar? "Segunda condição?"

"Me encontrar na entrada dos caminhões de entrega às onze e dez da noite," disse, e eu já assenti. "Nem um segundo de atraso."

Até inclinei meu rosto para o lado, piscando algumas vezes seguidas, bastante convencida. "Por favor," pedi, "eu sou ashlandesa."

Mas ele só revirou os olhos, balançando a cabeça.

"Te vejo às onze e dez então," me estiquei por cima da bancada com a mão no ar, esperando que ele me cumprimentasse.

Marc fez questão de olhar para ela antes de a apertar.

"Algo me diz que vou me arrepender disso depois," o ouvi falar já quando me virava para ir embora.

"Algo me diz que eu não vou."



Durante as horas que se seguiram, pensei várias vezes em desistir e não levar essa ideia adiante. Quanto mais perto das onze estava, maior era minha sensação de que tudo aquilo era um erro. Eu não poderia levar nenhum guarda, nem mesmo a paisana, não pude nem contar para minhas damas. E se alguma coisa realmente acontecesse comigo? E se eu estivesse arriscando mais do que percebia?

Clarissa foi a única para quem disse onde iria. Ou melhor, o que faria, já que eu nem ao menos sabia onde iria. Ela ficou ainda mais apreensiva do que eu, o que talvez tenha me feito ficar mais calma, e tive que garantir milhares de vezes que sabia me cuidar, começando a acreditar mais a cada vez. Ela acabou aceitando e me ajudando a inventar jeitos de disfarçar minha identidade e a criar uma desculpa para eu sair de meu quarto tão tarde. Mas foi o jantar desconfortável com todos os convidados no mesmo salão que me provou, pela última vez, como eu precisava sair do castelo.

Depois de descartar a ideia de Clare de usar uma peruca péssima e loira, aceitei colocar uns apliques cor-de-rosa que pareciam ter sido feitos para crianças. Segundo ela, apesar de eu me sentir boba a usá-los como disfarce, ninguém imaginaria que uma princesa pintaria o cabelo de rosa. Pelo menos, com a roupa que ela escolheu para mim e a maquiagem pesada que me ajudou a fazer no seu quarto no dormitório dos criados, até eu precisei de alguns segundos me olhando no espelho para me reconhecer.

"Ainda acho perigoso demais," ela disse, me olhando também pelo espelho.

Sua maquiagem tinha conseguido afinar meu rosto mais do que o normal, deixar meu nariz parecendo bastante longo e meus olhos enormes. Mas o mais impressionante era a tatuagem falsa que ela insistiu em fazer em meu pescoço. Segundo ela, era a única coisa que chegava perto de convencê-la a me deixar sair por aquela porta.

"Você podia usar uma touca," ela dizia praticamente para si mesma enquanto me observava. Foi até seu armário, encontrou uma verde-limão e a colocou na minha cabeça, quase escondendo minhas sobrancelhas. Depois, se afastando para me observar outra vez, entortou os lábios. "Não sei se é o bastante."

Como não seria? Eu parecia ter saído de uma dimensão paralela, uma em que o país tivesse virado república anos atrás e meus pais não tivessem nunca sido da realeza. Uma em que eu parecia uma adolescente rebelde, de touca, apliques coloridos, uma rosa tatuada no pescoço (feita inteira de delineador que eu sabia que borraria em dois minutos) e pálpebras inteiras pretas, para combinar com o resto de minha roupa e as botas estilo coturno. Até dei um passo para trás para me ver melhor no espelho, mas me mexer com toda aquela roupa era estranho. Eu estava tão diferente, que queria rir. Parecia habitar o corpo de outra pessoa.

"É o bastante," respondi à Clare com convicção, mas ela só balançou a cabeça.

"Ainda acho que dá para te reconhecer. Mesmo que não de primeira," confessou.

Então me virei para ela, a segurando pelos ombros. "Segundo Marc, as pessoas lá não me reconheceriam normalmente. Isso tudo é só para ajudar."

Senti meu coração acelerar e soube na hora que eu seria péssima tentando ganhar de um detector de mentiras. Ele mal tinha me dado qualquer indicação de que eu estaria segura. Além de toda essa fantasia que as habilidades de Clare tinham conseguido criar, as únicas coisas com as quais eu estaria contando era o escuro da noite e bebidas alcoólicas, ainda que não tivesse mesmo certeza de que os dois seriam fatores a serem considerados.

"Agora," soltei de Clare e voltei a me olhar no espelho, testando alguns movimentos para ter certeza de que aquele corpo que observava era mesmo meu, "qual o tamanho do ataque cardíaco que você acha que Liev teria se me visse assim?"

Eu ri de nervoso, imaginando a cara que ela faria se me encontrasse pelo corredor, mas a expressão no rosto de Clare só indicava que ela estava enjoada de medo por mim.

"Já disse que não vai acontecer nada, Clare," me virei de novo para ela, que não parecia perto de se convencer. "E, qualquer coisa, estou levando isso daqui," de dentro do moletom que vestia, tirei o que teoricamente era meu celular, apesar de passar muito mais tempo sob controle de Liev. "Eu ligo se acontecer alguma coisa. E você pode também usar o GPS para me localizar se eu não der notícias."

Contrária à minha expectativa, aquela opção só pareceu deixá-la ainda mais horrorizada.

"Mas não vai acontecer nada," falei antes que ela pudesse reclamar. "E amanhã nós vamos estar rindo do quanto tínhamos ficado preocupadas sem necessidade."

Ela não pareceu satisfeita nem depois de ajeitar meu cabelo outra vez, questionar os apliques, jogar outra camada de laquê sobre minha tatuagem falsa e vasculhar sua maleta por lentes de contato coloridas. Antes que as encontrasse e questionasse mais algum detalhe da minha roupa, já eram onze da noite e eu saí de seu quarto.

O corredor do dormitório já estava deserto, como eu esperava. Os criados costumavam acordar cedo demais para irem dormir depois das onze, e o máximo que vi foram alguns guardas que deviam estar indo para seus quartos depois de trocarem de turno. Quando passei por dois deles, parte de mim queria que eles me reconhecessem. Nunca me deixaria admitir que estava também apreensiva com tudo aquilo, e ser pega era um jeito de culpar outros por não poder ir.

Mas eles nem olharam para mim. Passei de cabeça baixa e deixando meu cabelo cobrir boa parte de meu rosto, mas nem foi necessário. E a outra parte, a da adrenalina desvairada que já corria por minhas veias, me fez comemorar quando continuei meu caminho ilesa.

O dormitório não era exatamente perto da entrada dos caminhões de entrega, mas eu tinha desenhado um pequeno mapa na palma de minha mão esquerda com a indicação de Clare e o segui sem problemas. Já estava me considerando vitoriosa por chegar lá cinco minutos antes da hora marcada, quando percebi Marc apoiado em uma caixa, me esperando.

"Você está adiantado," o acusei, como se aquela fosse a pior falha de uma pessoa.

A ala de entregas era muito mais comprida do que eu esperava, com vários portões para caminhões e caixas espalhadas. Estava escuro demais para que eu pudesse identificar todas e acabei esbarrando em algumas até chegar onde Marc estava, mesmo que fosse o caminho mais iluminado possível ali.

"Tenta não acordar o castelo inteiro," ele pediu em um sussurro, me obrigando a olhá-lo como quem não via a menor graça em seu tom.

Assim que cheguei perto dele, Marc se levantou e foi até o portão mais próximo. Fazendo menos barulho que eu para andar até ali, ele o levantou a meio metro do chão e me falou para passar por baixo.

Meu instinto me dizia para reclamar. A ideia de praticamente me arrastar para conseguir sair não me pareceu das mais agradáveis. Mas não podia começar a noite daquele jeito, rejeitando as coisas mais simples, quando nem sabia o que me esperava mais tarde. Então, me esforçando para não bater com a testa no portão, me exprimi e passei pelo buraco, só para descobrir que, do lado de fora, ele ficava a pelo menos um metro do chão.

Quase perdi o equilíbrio quando tive a impressão de que meus pés nunca encontrariam apoio outra vez, mas Marc estava ocupado demais saindo ele mesmo para perceber. Não falei nada, nem quando o segui para a grade mais próxima e um guarda nos deixou passar, o cumprimentando.

"Costuma sair muito, é?" Perguntei quando nós já estávamos na calçada e eu continuava seguindo a direção que ele indicasse.

Marc me olhou de lado, parecendo perceber pela primeira vez todas as coisas que eu tinha feito para me disfarçar. Ele até parou de andar e se virou para mim.

"Esse é o melhor que você pôde fazer?" Não consegui ver se ele perguntava sério ou se só estava me provocando. "Acha que vai passar despercebida só porque não está com uma tiara na cabeça?"

Certo. Ele só estava me provocando.

Apesar de não saber onde estávamos indo, continuei seguindo pela calçada e o deixando para trás, como se ignorá-lo fosse meu jeito de responder.

"Onde você acha que vai?" Pude escutá-lo perguntar.

A rua era pequena e estava vazia, apesar de eu conseguir ouvir barulho de alguma festa perto dali. Então, não fiz muita questão de me conter. Me virei para encará-lo outra vez já de braços abertos.

"Não tenho a menor ideia," confessei. Já estava pronta para continuar andando sem rumo quando ele levantou a mão e apontou para uma placa ao seu lado.

Uma placa de ponto de ônibus. Ele não tinha, afinal, parado de andar só para me olhar.

"É assim que a gente vai para o lugar misterioso então?" Falei, só para não ficar quieta enquanto andava de volta até ele, que sorria, contente por eu ter me feito de boba.

"Não consegui encomendar uma carruagem," rebateu, me fazendo revirar os olhos. "Mas ainda dá tempo de desistir."

"E te dar essa satisfação?" Eu soltei uma risada engasgada em seguida. "Jamais."

Mas ele só achou divertido e, sem falar mais nada, chegou mais perto de mim, levando suas mãos à minha nuca. Por um segundo, não tive ideia do que ele faria, o que me deixou paralisada. Mas ele só pegou a touca do moletom que eu usava e, com mais cuidado do que eu esperaria dele, a colocou por cima da verde-limão. Só estava tentando me ajudar a me esconder ainda mais.

"Você não pode se apresentar às pessoas pelo seu nome," disse, voltando a se afastar.

Ele usava uma touca também, e, diferente do efeito que ela tinha em mim, o deixava parecendo bem mais arrumado do que sem. Devia ser por esconder o cabelo que ele claramente tinha esquecido de cortar há meses.

Não que eu estivesse prestando muita atenção à sua aparência.

"Vou falar que meu nome é Karen," sugeri, rindo da minha piada interna e o deixando confuso. "Ou Jane."

"Por que Jane?"

Dei de ombros. "Jane Austen."

Ele pareceu pensar por alguns segundos. "Me chame de Jack, então."

Abri a boca para questionar - e posso jurar que pelo menos as primeiras palavras saíram, - mas o barulho do ônibus se aproximando ganhou de mim e nossa prioridade mudou o suficiente para eu ter me esquecido do seu comentário quando já tínhamos entrado e nos sentávamos nos últimos bancos.

O ônibus era muito mais instável do que parecia por fora, e eu bati o braço duas vezes em bancos vazios, enquanto tentava me equilibrar. Quis me sentar no primeiro lugar que alcancei, mas Marc me falou para ir para o fundo, provavelmente só para me ver cambalear e quase cair várias vezes. Ele, que tinha parado para pagar o motorista, veio rindo até mim depois. Tinha certeza de que faria um comentário sobre minha falta de costume com o transporte, então fui mais rápida:

"Não sabia que precisava trazer algum dinheiro," admiti.

Ele se sentou ao meu lado em um movimento único, se fazendo bastante confortável para quem poderia cair de boca no chão na próxima freada do ônibus. Sua confiança perto de minha insegurança era irritante.

"Imaginei mesmo," falou. "Depois você me paga com um título de cavaleiro ou de conde," brincou, me dando vontade de empurrá-lo para fora do banco de vez.

Nós estávamos praticamente sozinhos ali, só um outro cara bem mais velho estava sentado perto do motorista. Mas, ainda assim, não tinha a menor graça naquela brincadeira.

"Não vai adiantar nada eu me apresentar por outro nome se você ficar falando esse tipo de coisa."

Mas ele só riu, tirando seu celular do bolso para se entreter em uma conversa com outra pessoa. Pensei em fazer o mesmo com o meu, mas não era muito boa em encontrar interesses na internet. Então me contentei em observar a cidade do outro lado da janela.

Diferente do castelo, ainda tinha muitos lugares acesos e abertos, pessoas em bares e filas de baladas, outras andando na rua e rindo com amigos. Com tantas janelas de vidro à minha volta e uma luz bastante forte dentro do ônibus, me senti um pouco exposta, mas minha preocupação foi diminuindo conforme nos afastávamos do castelo e as ruas pareciam ficar cada vez mais desertas. Até o outro passageiro saiu muito antes de Marc começar a indicar que teríamos que descer logo.

A única vez em que tentei começar um assunto, perguntando se ele era mesmo de Breite e como tinha ido para Wentnor, ele só disse que tinha ido e pronto, sem parecer nem um pouco aberto a contar de sua vida. Então não disse mais nada, nem quando senti um frio me correr pela espinha ao sair do ônibus e perceber que, se eu entrasse mesmo em algum perigo iminente, estava longe demais para que me salvassem.

Já passava da meia-noite quando nós descemos em uma rua bastante vazia, e eu o segui sem questionar, sem admitir que queria muito poder voltar, apesar de andar logo atrás dele. Marc parecia ainda mais despreocupado do que antes, enquanto a distância enorme entre cada casa aparentemente abandonada daquela rua só aumentava minha sensação de que estava indo em direção a uma armadilha.

Em um segundo, a adrenalina se transformou no medo mais profundo que eu já tinha sentido, como uma onda que me encobria e me gelava. Meus pés brecaram. Nunca deveria ter ido até ali. Nunca deveria ter me afastado tanto do castelo, das pessoas que viviam para me proteger. Eu não sabia nada sobre Marc, nada além de que ele fazia pão! Ele poderia ser um sequestrador nas horas vagas, se preparando para pedir um resgate a meu pai!

Aquele poderia muito bem ter sido o pior erro da minha vida.

"Hãn, Marc?" Chamei quando ele saiu da calçada para andar em direção a uma casa. "Onde nós estamos indo?"

Precisei juntar todas as minhas forças para continuar andando. E só consegui, porque o medo de ficar para trás e sozinha era maior do que o de estar com ele.

"Você vai ver," ele respondeu, sem perceber ou se importar com meu nervosismo.

Minhas pernas tremiam, o seguindo mais relutantes que antes. Enquanto isso, enquanto meu coração parecia já ter gelado com o resto de meu corpo, minha cabeça dava voltas. Eu tentava me lembrar de todas as coisas ruins que existiam no mundo e que poderiam acontecer comigo, listando medos que deveriam ser unânimes para todos. Já me sentia a pessoa mais ingênua e estúpida do mundo, quando dei a volta na casa com Marc e percebi atrás dela a multidão.

Soltei todo o ar que prendia com cautela, exigindo de mim mesma toda a certeza possível para relaxar de verdade. Mas o que eu via parecia ser simplesmente uma festa improvisada, com música, caixas de bebida e pessoas dos mais variados tipos e estilos. Ainda que sentisse meu coração manter seu ritmo acelerado e a adrenalina correndo dentro de mim, a cada passo que dava, ficava mais aliviada. As pessoas ali, ainda que um pouco estranhas pelo que dava para ver com tão pouca luz, pareciam ser jovens normais. Ou o mais perto que poderiam chegar sem serem realmente sequestradores perigosos.

Tive que me esforçar para passar no meio delas enquanto tentava voltar a respirar e seguir Marc, que mal tinha olhado por cima do ombro para se certificar de que eu ainda estava ali. Ele nem poderia imaginar que eu tinha acabado de sentir o pior medo da minha vida e voltado a relaxar em menos de dois minutos.

Algumas daquelas pessoas o cumprimentaram, mas ele só parou para falar com um cara grande e musculoso.

"Jane, Rafael, Rafael, Jane," ele disse, passando algumas notas para a mão do cara, que lhe entregou algo em troca.

Quando percebi que o tal Rafael me observava com certa curiosidade, me virei para ver o que estava à nossa volta e lhe dar as costas. Muito tempo olhando para mim não seria o melhor jeito de não me reconhecer. Mas minha preocupação mudou completamente quando eu percebi onde estávamos e por que as pessoas tinham ido ali.

Marc já passava na minha frente, andando em outra direção, quando eu corri para alcançá-lo.

"Ei," chamei e me coloquei em seguida no seu caminho para obrigá-lo a me escutar. "Isso daqui é um racha?" Me senti bastante tonta ao abaixar a voz, mas achava ser pelo menos um pouco necessário.

Ele arqueou as sobrancelhas, como se fosse óbvio. "O que você acha?"

"Mas isso é ilegal," rebati, fazendo com que ele risse.

"Eu avisei que não era apropriado para você," respondeu, dando a volta em mim e continuando a andar.

"Você vai correr?" Eu o segui, ainda que só porque não sabia realmente onde ir e o que fazer se ficasse sozinha.

Ele só parou de andar quando já estava no meio da pista. "Não," disse, sem se virar para mim. Em vez disso, cumprimentou o cara que parecia ser o dono do carro mais perto de nós.

"Então por que é que estamos aqui?"

Eu sabia que estava sendo chata. Sabia. Mas ainda precisaria de mais alguns minutos ali para me acostumar com a ideia de estar tão longe do castelo e de qualquer proteção, sem contar com o que poderia significar se me descobrissem ali, compactuando com uma prática perigosa e ilegal.

Marc bufou. "Eu vim apostar em quem vai ganhar," respondeu.

"Em mim, ele quer dizer," o dono do carro se intrometeu, apesar de não ter feito questão de se apresentar ou continuar na conversa por mais nem um segundo.

Marc só riu e, depois de parecer ter avistado alguém na multidão, se virou uma última vez para mim:

"Aqui," disse, pegando meu braço sem pedir e colocando uma pulseira de papel amarela em volta do meu pulso. "É só mostrar isso daqui para qualquer um dos caras das bebidas que eles te dão o que você quiser. O Rafael é quem organiza esse tipo de coisa, então vai falar com ele se tiver algum problema. A não ser que dê alguma merda diferente," Entendi pelo seu olhar nervoso que ele falava sobre minha identidade. "Tenta não ser atropelada. E me encontre às quatro da manhã na frente da casa para a gente ir embora. Beleza?"

Não pude responder. E ele nem queria minha resposta. Se afastou e foi até uma garota na multidão sem esperar que eu confirmasse que estava bem, que não precisava realmente dele por mais nem alguns minutos, nem só o suficiente para eu me sentir pelo menos um pouco menos deslocada.

O som de um carro testando seu motor me deu um susto, e eu cambaleei para o mais longe possível do que provavelmente seria a pista, esbarrando em algumas pessoas. Mesmo assim, ninguém pareceu prestar muita atenção em mim. O disfarce tinha funcionado, ninguém me via, eu tinha chegado ao mais perto possível de ser invisível.

Então por que tudo que eu queria era voltar para casa?

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