Capítulo 16 - Seu Direito e Dever
Sempre tive a impressão de que segredos mudassem de peso fora dos limites do palácio. Em livros, filmes e outras histórias, segredos pareciam pesados, como maletas trocadas de mãos ao se espalharem. Importantes e difíceis de descobrir. Já entre a corte, segredos eram mais leves que o ar, ou tinham asas e voavam para longe assim que eram criados. Eu nunca tinha acreditado no que diziam, que só era realmente um segredo se uma única pessoa o soubesse. Quando conseguíamos manter as questões confidenciais do palácio - ou até mesmo da nossa família, - entre menos de dez pessoas, nos considerávamos os maiores sortudos do mundo. Isso, sim, era eficiência, era motivo de orgulho. E talvez dez fosse o menor número possível para termos algum tipo de segurança sobre um segredo não se descoberto.
O problema de ser da realeza, de ser tão importante, era que precisávamos de muitas pessoas tomando conta de nossos assuntos. Um diagnóstico não ficava entre nós e nosso médico. Ele tinha que ser dito pelo menos aos conselheiros. Uma doença, uma morte na família real nunca seria uma questão pessoal, não quando ela afetava o país inteiro. Nossas vidas nunca pertenceriam somente a nós e muitas pessoas em Ashland declararam, com certa razão, que eles tinham o direito de saber. Tinham o direito de estarem cientes de uma possível mudança no monarca, depois de mais de trinta anos com meu pai no poder.
Desde que a notícia de seu estado de saúde tinha se espalhado pelo país, me dando de novo a impressão de que era impossível guardar um segredo, ainda que o segurasse com toda minha força para que não vazasse pelos meus dedos, o mês da Celebração da Fênix passou de uma festa para uma competição. Os convidados, que costumavam aproveitar sua estadia para visitar a cidade de Wentnor, a praia e os vilarejos próximos, agora se mantinham no castelo. O clima à nossa volta também mudou, antes descontraído, agora parecia que vivíamos contando os segundos para uma catástrofe. Todos tinham, afinal, me alcançado e agora entendiam - ou achavam que entendiam, - o quanto tudo aquilo era importante para mim.
Por um lado, talvez isso fosse bom. Eles se mantinham presentes agora, como eu podia ver da janela de meu quarto. Tantas pessoas no jardim, trocando informações e fofocas, que eu mal conseguia encontrar os poucos pretendentes que ainda me restavam entre eles. Mas, por outro lado, era péssimo.
Agora, eu já não podia fingir que era só uma garota conversando com um garoto, quem quer que ele fosse. Todos ali sabiam de minha intenção. Nenhum deles, nem ao menos Géraud, me via mais como um simples interesse. E eu podia sentir, quando me olhavam, que eles não se viam no futuro mais como meu marido, e sim como rei. Ainda que me olhassem nos olhos, tudo que viam era a coroa, por bem ou por mal.
Só tive a chance de encontrá-los uma única vez. Depois que saí do banheiro com Madison e Clarissa, fui direto para meus aposentos. Mas eles estavam lá, na frente da escada, no meu caminho, esperando para me ver e confirmar que era verdade. Alaric me olhava como se nunca tivesse falado comigo, Géraud parecia quase ter medo de se aproximar, enquanto Michel veio na hora até mim. Mas o pior ainda eram suas famílias e as daqueles com quem eu não teria nem um único encontro. Todas perdiam alguns segundos para me garantir que só queriam o melhor para mim, mas logo corriam para me lembrar que seus filhos estavam solteiros e, ainda que fossem mais novos, mais velhos ou simples idiotas, eles vinham de famílias ótimas e adorariam me conhecer melhor.
Se os corredores não fossem tão longos, talvez eu tivesse ouvido menos. Tentei não escutar e me manter impassível, mas foi impossível. Todas as vezes em que as cenas passaram na televisão depois, ainda que não tivessem som, podia me lembrar de todos os pedidos descarados e inúteis que me fizeram.
Todo o clima do castelo tinha mudado. Já não estávamos em uma celebração. Agora, eles competiam para ver quem tiraria a coroa de mim.
Já fazia dois dias que eu me mantinha em meus aposentos, usando mais a sala e a mesa de escritório do que minha cama. As duas telas na parede contrária a mim estavam em canais de notícias por enquanto. Deixei que meus olhos lessem pela milésima vez o chamado que corria embaixo de uma delas, sobre como nós pedíamos privacidade para não agravar o estado de saúde de meu pai. Já sabia as palavras de cor, as ouvia em minha cabeça antes de aparecerem outra vez na tela, mas eram só uma distração. Uma negação, mais precisamente, usada para fingir que eu não prestava atenção ao horário no canto inferior direito, contando os minutos até meu pai me ligar outra vez.
Eram três e dois. Eu podia praticamente imaginá-lo indo a seu escritório, me perguntava quanto tempo demoraria para que todos os conselheiros fossem embora, questionava na minha cabeça se alguém entraria no último segundo para lhe informar qualquer coisa, atrasando sua ligação. Ainda que estivesse bem mais calma do que no dia anterior, quando ainda não tinha qualquer notícia dele, me mantinha apreensiva. Odiava estar tão longe e não poder fazer nada. Essa era definitivamente a pior parte.
Assim que uma tela azul escuro tomou conta de uma das televisões, corri até meu computador para aceitar sua ligação e depois voltar a me posicionar na frente delas. Ver seu rosto aparecer no lugar do canal de notícias inútil foi incrível. Não consegui conter um sorriso, mas tive que segurar a vontade idiota de abraçar a tela.
"Pai," falei, no segundo que lhe demorou para me ver em seu computador.
"Lola," ele abriu um sorriso também. "Como você dormiu?"
"Bem," menti. Mal tinha conseguido dormir por duas horas ininterruptas desde quinta-feira, mas lhe falar isso não ajudaria em nada, principalmente quando não estávamos realmente sozinhos. Atrás dele, um guarda e seu conselheiro principal fingiam não conseguir nos ouvir. "E você?"
"Melhor do que esperava," ele respondeu, se apoiando na poltrona.
Não parecia ter entendido até hoje o quanto deixava meu coração pequeno de medo ao indicar que poderia não estar tão bem.
"Eu estava pensando em uma coisa," comecei antes que ele dissesse algo mais. Tinha passado a noite inteira remoendo aquele plano e agora sabia que era a melhor ideia que poderia ter. "Já escolhi alguns poucos pretendentes que parecem promissores. Acho que o melhor agora seria eu levá-los para Knighton para continuarmos esse processo aí."
Meu pai, que me escutava atento, franziu as sobrancelhas na hora, o que soltou um alerta dentro de mim de que ele não aceitaria. Eu conhecia suas expressões bem demais.
"Eu posso tirar muita coisa das suas costas sem ter que desistir de encontrar um marido," corri para acrescentar. "Seria perfeito."
Não, claro que não. Perfeito seria eu poder assumir sem me casar. Ou meu pai estar bem e viver por mais sessenta anos.
Ele se inclinou para a frente, apoiando os cotovelos na mesa, enquanto eu me mantinha na mesma posição, de pé na frente das telas, com os ombros relaxados, mas direitos. Sabia que meu pai não era tão fácil assim, mas uma pose confiante costumava ajudar a convencer todas as outras pessoas do mundo.
"Não," assim que ele falou a palavra, ameacei minha postura, bufando discretamente. Detestava quando ele era teimoso em relação à própria saúde. "Não preciso de você aqui."
Direcionei toda minha vontade de revirar os olhos para um sorriso forçado. "Claro que precisa, pai. Quanto antes você parar de lidar com o governo, melhor."
Ele não se abalou. "Nós temos um parlamento, Lola. E outra pessoa já veio me ajudar."
Agora, sim, desisti de minha postura. "Não me diga que é Skar!" Falei, alto o suficiente para Liev, que se mantinha no canto do cômodo, se virar discretamente na minha direção.
Meu pai desviou seus olhos da tela, adiando o momento em que teria que admitir. Ou então foi seu jeito de me lembrar que havia outras pessoas nos ouvindo, pessoas que não deveriam saber de meu desgosto profundo pelo meu primo.
"Até segunda ordem, ele quem irá governar este país depois de mim," falou, voltando a me mirar pela câmera. "É seu direito e dever estar aqui nesta situação."
Pude sentir minha mandíbula doer de tão forte que mordi. "Ele criou esta situação," falei, fechando minhas mãos em punhos com força o suficiente para sentir minhas unhas marcando as palmas. "Foi ele quem contou o segredo!"
A descoberta e a informação tinham vindo de meu pai, então não foi qualquer surpresa para ele quando eu as joguei de volta na sua direção como argumento.
"E eu agradeço por ter contado," isso, em compensação, não era algo que eu esperava que ele dissesse. "Lola, eles descobririam em algum momento. E tentar manter este segredo foi egoísta da minha parte."
Minha vontade de discutir com ele sobre o quanto era injusta toda aquela situação teve que ser engolida. Se meu pai não podia lidar com estresse do governo, também não podia lidar com um vindo de mim. Em vez disso, só falei, com a voz mais calma e mais baixa:
"Você precisa me deixar ajudar."
Ele sorriu, se inclinando outra vez na poltrona. "Você me ajuda encontrando um marido e assegurando seu lugar no trono."
Foi minha vez de sorrir, ainda que me faltasse realmente felicidade para isso. Até respirei fundo antes de responder:
"Eu poderia me casar nesta tarde." Assim que ele fez uma expressão confusa, expliquei: "Tem um pretendente que parece disposto a se casar comigo agora, se eu pedir. Poderia apressar tudo e voltar para Knighton. Poderia ser coroada no final de semana seguinte."
A expressão nos olhos de meu pai se desfez, mas não por ter visto, como eu via, a solução para tudo. Pelo contrário, ele pareceu ter me ouvido falar que todos os pretendentes tinham sido assassinados na noite anterior, de tanto que seu rosto fechou.
"Eu odeio esta situação tanto quanto você, Lola. Talvez mais," sua voz estava dura, como uma bronca não exatamente direcionada a mim. "Mas a única coisa que me consola é que talvez você consiga sair dela feliz. Então," ele voltou a se aproximar da tela e, apesar de estar a vários quilômetros de distância, pude sentir que me encarava como quem estava prestes a dar a palavra final, "não quero que escolha o primeiro. Não quero que apresse nada. Me deixe pelo menos acreditar que minha doença não será uma sentença de infelicidade eterna para você."
Não lhe respondi de imediato. Na minha cabeça, tentava me convencer que Alaric era incrível e que suas falhas e o fato de que eu ainda não o conhecia direito não importavam. Tentava juntar palavras, criar teorias, preparar argumentos a seu favor. Mas ainda era sábado, uma semana exata desde a festa de inauguração. A não ser que tivesse escolhido Trevor, que claramente não me queria, não havia a mínima possibilidade de conhecer alguém tão bem, principalmente quando eu tinha me permitido atrasar um pouco logo no começo.
Acabei só respirando fundo, me dando por vencida.
"Prometa-me que não irá apressar nada por minha causa," meu pai pediu, mirando seus olhos azuis, que eu tinha herdado, na minha direção. Não queria responder. Não queria mentir, e algo dentro de mim sabia que eu não conseguiria impedir minha pressa assim. "Seja feliz, Lola. Deixe-se ser feliz, ou tudo terá sido em vão."
Devo ter ficado olhando para ele por pelo menos um minuto inteiro antes de assentir. O tudo do qual ele falava não era aquele mês ali, os pretendentes ou qualquer coisa assim. Era realmente tudo. Era ele, eu e minha mãe. Seu governo, seu legado, nossa dinastia. Tudo.
Assim que nos despedimos e a tela voltou a ficar azul, me virei para Liev.
"O que eu faço?" Perguntei, de um jeito muito mais existencial do que ela entendeu.
"Continue," falou simplesmente, se levantando e vindo até mim. "Me garantiram que o rei não tratará de nada que não seja absolutamente urgente. Enquanto isso, você tem tempo de continuar seguindo seu plano."
"Enquanto Skar age como monarca, você quer dizer?"
Infelizmente, Liev não poderia negar que era exatamente o que estava acontecendo. "É só por um mês. Ou até menos. Você ouviu seu pai, precisa pelo menos tentar escolher só por você."
Levei as mãos ao rosto, me deixando esfregar a testa para me livrar da dor de cabeça que parecia já ser parte de mim. Sem que tivesse consciência do que fazia, cambaleei até a janela, parando para olhar os convidados de cima no jardim, se mantendo presentes caso eu aparecesse por lá.
"O que eu tenho que fazer?" Perguntei como se pensasse em voz alta.
"A única coisa que precisa fazer é ir ao jantar de hoje," Liev respondeu. "O que você quer fazer?"
"Correr," falei assim que pensei na possibilidade. "Ser invisível. Ir para algum lugar onde ninguém me conheça."
Ela deu alguns passos até se encontrar logo ao meu lado. "Não acho que isso seja possível," falou.
Mas um pequeno sorriso tomou conta de meu rosto. "Talvez seja."
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