Capítulo 11 - Reconhecimento
Assim que saí de meus aposentos, pude sentir o clima de todo o mês da Celebração da Fênix pelos corredores. Eu ia pouco a Wentnor, mas era sempre na mesma época. O castelo real de verão só era usado pela nossa família quando necessário, o que o impedia de ser tão estranho para mim, mas tampouco o deixava familiar. Até entrar na faculdade, me perdia mesmo dentro do quarto, cuja disposição era tão diferente do meu no palácio. Mas aquele castelo, ainda tão desconhecido para mim, tinha me visto nos melhores momentos de minha vida e me consolado depois dos piores.
E era por isso que, apesar do clima e da localização, eu adorava andar pelos seus corredores. Eles não eram pequenos, mas mais estreitos que os de Knighton. A decoração era mais delicada, os quadros mais vivos. E, se não fosse pelo que me esperava ao pé da escada e tudo que aquilo significava, a atmosfera de festa seria terrivelmente convidativa.
Mantive meus olhos no horizonte, sem me atrever encarar as câmeras que registravam cada degrau que eu descia. Elas nunca tinham me incomodado quando eu era menor, tinham sido só mais um detalhe com o qual eu tinha aprendido a conviver. Ainda lembrava de minha mãe e seu jeito de me ensinar a lidar com elas. Sempre que sabia que alguém estaria filmando cenas do palácio ou até do castelo de Wentnor, minha mãe me dizia para me colocar em um estado de espírito de quem estava sendo constantemente observada. Não precisava ver nenhuma luz vermelha ou vasculhar o salão por ela. As câmeras me esperavam no primeiro andar, mas eu tinha descido desde meu quarto preparada para elas.
Atrás de mim, Madison, Maggie e Alicia vinham com vestidos na altura dos joelhos, todos bastante parecidos, mas de cores diferentes. Segundo Clare, que prometeu me encontrar na Sala de Jantar, tão românticas quanto eu deveria estar vestida. Quase pedi para que elas vestissem calças também.
Quando entramos na sala, praticamente todos os convidados mais importantes já estavam lá. Eles se levantaram, me fazendo pequenas reverências com a cabeça conforme eu passava por eles em direção à mesa principal. Outras câmeras já estavam lá, me esperando e aproveitando para filmarem aqueles que apostariam ser meus pretendentes. Avistei Liev atrás da mesa e mudei meu foco para ela.
"Alguma novidade?" Perguntei com um sorriso logo que cheguei ao seu lado.
"Nada com que se preocupar," respondeu, deixando um jornal ao lado de meu prato na mesa.
Meu coração, que se apertou ao vê-la e pensar na possibilidade do que poderiam estar falando fora do castelo, se acalmou. Eu me posicionei e deixei que um criado me ajudasse a me sentar, todas as outras pessoas da Sala de Jantar me imitando em seguida, com exceção das câmeras, que continuaram perambulando.
Nada com que me preocupar significava que ainda não tinham descoberto sobre a saúde de meu pai. Era desejo dele que não descobrissem até que eu estivesse casada, talvez até depois de eu assumir o trono. Segundo ele, eu já tinha problemas o suficiente, ainda que aquilo não me ajudasse a esquecer da verdade.
Passei os olhos pela capa do jornal, que me estampava em cima do palco da noite anterior, logo depois de soltar as lanternas. Depois que minha mãe morreu, a presença do rei neste evento se tornou uma lenda, e ninguém no jornal chegou a mencionar que eu estava sozinha. Eles estavam mais focados em avaliar todos os caras que eu provavelmente estava considerando como marido.
A lista da matéria era grande, com bem mais do que os cinco pretendentes nos quais tinha decidido focar. Mas eles estavam todos ali, misturados em outros mais velhos, alguns já divorciados, outros que nem tinham sido convidados para aquele mês.
A Sala de Jantar era bastante extensa, a ponto de caber os convidados da nobreza de todos os países, mas eu podia apostar que a maioria fazia a mesma coisa que eu, analisava a lista e comparava os candidatos, como se fizéssemos parte de um reality show americano de mau gosto.
Com um gesto de minha mão, Molly se aproximou e tirou o jornal de perto de mim para que eu pudesse tomar meu café da manhã em paz. Ou o mais perto que eu conseguia chegar observando cada um dos pretendentes de onde eu estava.
Mais próximo da minha mesa do que todos os outros, estava Géraud, o único que lia um livro ao invés do jornal. Depois dele, Niels, que conversava empolgado com outro convidado, mas me olhava de vez em quando, como se tivesse que se certificar de que eu ainda estava ali e o observava também. Um pouco mais longe, Miguel estava com sua família, falando só um pouco mais alto do que normalmente era aceito. Ele não precisava olhar na minha direção, estava sentado de modo que me via mesmo sem querer.
Algumas cadeiras depois, estava Gustaf, que não tinha sido escolhido como pretendente, sendo servido pelos próprios criados, e Stefan, tão bonito que uma câmera parecia disposta a gastar toda sua bateria com vídeos dele em suas atividades mais inúteis. Se ao menos seu país fosse um pouco mais relevante!
Aproveitei para olhar discretamente para todos os convidados, sorrir para alguns e me perguntar se não tinha sido um pouco rápida demais escolhendo pretendentes, se não devia ter esperado chegar esse dia antes de desconsiderar tantos. Mas meus pensamentos evaporaram quando meus olhos encontraram os de Trevor.
Ele já vinha me observando, como se tivesse acompanhado meu olhar e só esperasse chegar sua vez. Me fez um aceno com a cabeça logo que pôde, e eu o devolvi. Do seu lado, uma garota, que só pude apostar ser a mesma da noite anterior, exigia sua atenção. Ele a cedeu assim que desviei meus olhos para quem tinha levantado de sua própria mesa e se aproximava da minha.
Era Alaric. Ele parou à minha frente para me fazer uma reverência rápida. "Posso me sentar?" Perguntou, enquanto minhas damas tentavam trocar olhares entre si e comigo.
"Lockwood," foi tudo que eu falei antes de ele puxar uma cadeira e se fazer confortável.
"Saia comigo," disse, sem precisar de mais um segundo de conversa fiada para se sentir na liberdade de me pedir. "Ou melhor," correu para corrigir com um sorriso descontraído, "tome um chá comigo."
Vi Maggie ao meu lado fazendo uma careta para a proposta. "Princesa Lola não toma chá."
Alaric não desviou os olhos de mim para ela. Só disse: "Eu sei."
Entre perceber a câmera que fazia questão de se aproximar e registrar aquela cena e tentar ver em seus olhos castanhos se estava falando sério ou fazendo alguma brincadeira de mal gosto, demorei para responder tempo o suficiente para ele continuar:
"Depois das horas que passamos juntos ontem à noite, nada mais justo do que dividir um café comigo."
Não saberia dizer se ele tinha falado com a intenção de me deixar com raiva e constrangida, só sei que senti todo o sangue fugindo de meu rosto. Tendo tido a intenção de deixar suas palavras ambíguas e sugestivas ou não, ele não tinha o direito de estar ali.
Me levantei na hora, deixando claro que não tinha me agradado. Vi em seus olhos a surpresa por ter me incomodado tanto, mas só percebi que me seguia para fora dali quando me virei para mandar um guarda o chamar e ele apareceu no mesmo instante.
"Sr. Lockwood," comecei, pronta para gritar com ele assim que ele passou pela porta da Sala de Jantar. Mas então vi uma câmera se apressando para segui-lo.
Em um impulso, o peguei pela mão e o empurrei para dentro do corredor dos criados pela primeira porta que encontrei. Era um pouco longe da entrada da sala, o suficiente para a câmera quase nos pegar entrando ali. Mas, pelo menos, eu sabia que eles não poderiam nos seguir. Estava proibido no contrato da emissora filmar dentro dos corredores e aposentos dos funcionários do castelo.
Alaric ria, como se eu o puxar ali fosse um bom sinal.
"Eu não te conheço," falei, usando toda a largura do estreito corredor para me distanciar dele. Torcia em minha cabeça para nenhum criado aparecer ali naquela hora, mas talvez fosse sorte demais para alguém como eu. "E você, Alaric, claramente não me conhece," continuei, desistindo de tratá-lo pelo sobrenome.
"Eu não falei do chá porque acho que você bebe. Era só um jeito de te provocar."
Balancei a cabeça, perdendo rapidamente ainda mais paciência. "Não. Você não me conhece. Saber detalhes da minha vida assim não importa, não quando você não sabe como me tratar."
Seus olhos me focaram melhor, enquanto ele perdia o resto do sorriso que tinha e entendia pela primeira vez que aquela conversa era séria.
Eu respirei fundo, endireitando meus ombros antes de continuar. "Pela lei, você não me deve nenhum tratamento especial. Você não é ashlandês. Não precisa me chamar de Alteza, tampouco precisa se curvar para mim." Ele colocou as mãos atrás das costas, e eu me senti bastante arrogante de ter de lhe falar aquilo. "Mas você não vai chegar a lugar algum comigo se não tiver mais respeito."
Ele apertou seus olhos, claramente ofendido. "Eu lhe respeito completamente."
"Parte disso," eu praticamente o cortei, "é saber quando pode falar o que, na frente de quem. Você ainda não me conhece, Lockwood, não como acredita conhecer. Não sabe que minha vida é complicada o suficiente sem precisar que alguém alimente fofocas a meu favor. Os jornais sabem fazer isso sem qualquer incentivo. Eu preciso é evitar esse tipo de comentário."
Alaric assentiu, e minha raiva foi desaparecendo por completo.
"Não foi minha intenção," ele disse, e eu acreditei.
Até concordei com a cabeça, mas senti que ainda precisava completar o que tinha falado. "Você estava certo. Muitos convidados vieram com a clara intenção de se mostrarem disponíveis caso eu queira considerá-los como possíveis maridos. E eu estou mesmo procurando."
"Você não precisa dos outros."
Me deixei bufar uma risada rápida que não ameaçava minha postura. "É isso que você não entende. Eu preciso dos outros. Preciso de opções. Se você é honesto em seu interesse de me conhecer de verdade, estarei aberta para isso. Não para um chá, mas para um café ou outra atividade que tenha em mente. Contanto que você entenda que eu não estou aqui só por você." Me lembrei de suas palavras na hora, e ele também deve ter se lembrado, pois sorriu por um pequeno segundo, antes de entender que eu estava falando o contrário.
Alaric abaixou seus olhos em seguida, contrariado, franzindo tanto a sobrancelha que eu poderia jurar que rebateria com defeitos dos outros e todas as razões possíveis para eu desconsiderá-los.
Então fui mais rápida:
"Nós ainda temos um mês. Não tem porque ter tanta pressa."
Ele concordou com a cabeça, ainda parecendo estar guardando para si praticamente tudo que gostaria de me falar.
"Está bem," acabou por dizer.
"Hoje de tarde, então," sugeri, me arrependendo na hora. Devia ter falado um horário mais para a frente, longe o suficiente para eu conhecer um pouco dos outros antes de vê-lo outra vez.
Mas Alaric sorriu na hora, e eu não seria capaz de decepcioná-lo de novo em tão pouco tempo.
"Mas me prometa que nunca mais virá conversar comigo como fez hoje, na frente de todos e perto o suficiente das câmeras para gravarem tudo que diz." Ele balançou a cabeça. "A não ser que eu lhe dê algum sinal de que é seguro."
E então acabou se dando por vencido. Concordando finalmente e me prometendo. Fez até questão de deixar um beijo nas costas de minha mão antes de passar pela porta e me deixar sozinha no corredor dos criados.
Me permiti respirar fundo assim que me vi sozinha. Aproveitei para me virar na direção da janela mais perto, que dava para o próprio castelo, com um espaço tão pequeno até a próxima parede, que tive a sensação que a alcançaria. Nenhum criado nos tinha interrompido, e eu percebi por que quando olhei para o final do corredor e vi um grupo deles reunido, se mantendo longe e ainda me observando. Eles se dispersaram antes que eu pudesse falar que estava tudo bem, desaparecendo pela esquina que o corredor fazia.
Eu que não deveria estar ali. Eu que deveria pedir licença ou voltar para a Sala de Jantar. Mas encarar as câmeras outra vez me dava uma preguiça intensa. Mais alguns minutos refugiada ali não seriam um problema.
Mal tinha me voltado de novo para fora e começado a observar quem passava por cada janela que podia avistar, quando ouvi atrás de mim:
"Você está de calça."
Quis revirar os olhos, mas acabei só rindo para mim mesma da leveza daquele comentário, daquele problema, no momento em que estava. "Bastante observador, você," falei, me virando para o dono daquela voz, que tinha acabado de entrar pela mesma porta que eu.
Assim que nossos olhos se encontraram, eu o reconheci. Era a única parte que tinha visto direito na noite anterior, a única que me provava que era o cara do corredor que tinha se recusado a me dizer seu nome.
"Já faz vinte e cinco anos que tenho essa característica," ele disse, colocando as mãos nos bolsos como quem não sairia dali tão cedo, "era hora de receber algum reconhecimento."
Sua voz agora também me parecia familiar, grossa e com um sotaque forte de quem tinha crescido no Sul de Ashland.
Ele me olhou de cima a baixo, parecendo analisar minhas calças e minha posição ali. Sua surpresa pelo meu traje só poderia significar que ele sabia quem eu era, talvez sempre tenha sabido, desde que eu tinha tentado chamar seu gato de Lucy. Observava minha reação a saboreando, provavelmente conseguindo ver em meus olhos que eu o reconhecia.
"Se estivéssemos em Knighton, eu te daria uma medalha," rebati, com um tom tão debochado quanto o dele, escondendo qualquer vestígio de surpresa em meu rosto. "Isso sim é reconhecimento."
Ele sorriu com um canto só da boca, a entortando como se não pudesse admitir que sentia vontade de rir por algo que tinha sido falado por mim. Quando baixou seus olhos, só por um segundo, só para se recuperar e ganhar tempo, pensando em como me responder, aproveitei para levantar o queixo no ar, entre vitória e uma pequena dose de confiança que achava ser necessária para o que viria, se a noite passada fosse qualquer indicação.
Seu cabelo loiro e somente grande o suficiente para parecer que havia se esquecido de cortá-lo caiu sobre seus olhos, sem fazer questão de se afastar quando ele voltou a levantar um pouco a cabeça na minha direção.
"Já está noiva?" Foi seu jeito ainda mais atrevido de continuar a conversa.
Agora que já não podia declarar ignorância sobre quem eu era, sua audácia em falar daquele jeito comigo era ainda mais irritante. Senão, interessante. Ele ainda me olhava como quem queria ver até onde conseguiria me perturbar, como se fosse imune ao meu título.
"Já escolheu o sortudo?" Completou, como se falasse do clima. "Se pudesse decidir hoje, me ajudaria muito."
"Como é?" Ainda que convencesse a mim mesma de que esperaria por qualquer coisa vindo dele, mesmo que não o conhecesse, seu comentário me desconcertou.
O sorriso torto dele se esticou por mais alguns poucos centímetros, um pouco menos capaz de esconder seu contentamento em me provocar.
"Um marido," explicou. "O futuro rei ou qualquer coisa assim. Me ajudaria muito se você pudesse escolher o primeiro que visse pela frente." Para completar seu jeito, ele tirou uma mão do bolso e a levou ao rosto, passando os dedos pela sua barba por fazer que mal aparecia, levemente mais escura que o cabelo.
Eu estava dividida entre acreditar que ele realmente tinha tanto descaso pela minha pessoa e posição e aceitar aquilo como uma brincadeira qualquer.
Ou os dois.
Engoli em seco discretamente, apertando de leve meus lábios antes de rebater: "Que diferença faz para você?"
Seu sorriso relaxou, desaparecendo por completo, salvo pela expressão satisfeita em seus olhos. "Dois mil euros de diferença," respondeu.
Demorei poucos segundos com minhas sobrancelhas franzidas para entender do que falava.
"Está realmente apostando que eu vou me casar com o primeiro homem que vir pela frente?" Cada palavra que falei pareceu mais ridícula que a anterior, o que deve ter feito meu rosto ser tomado por uma expressão de horror hilária, pois ele voltou a entortar um sorriso e tentar contê-lo.
"Não!" Exclamou, forçando o ar de quem tinha acabado de ser profundamente ofendido. Fez até questão de levar uma mão ao peito, o estufando o suficiente para parecer pomposo e de alguma nobreza. "Jamais!" Insistiu, atuando tão mal quanto desejava. "Apostei que estaria noiva até a noite de hoje," corrigiu honestamente. "Se deseja aproveitar este tempo para se encontrar com todos os solteiros hospedados aqui, sinta-se à vontade."
Eu ri. Talvez tenha chegado ao limite da petulância que poderia aguentar sem me deixar levar pelo menos um pouco. Ele era exatamente como me lembrava, irritante demais para que eu exigisse qualquer tipo de cordialidade e o suficiente para que eu mesma aproveitasse e me esquecesse de meu próprio título.
"Até hoje à noite, é?" Perguntei, colocando as mãos na cintura e virando meu rosto como quem pensasse. Ele assentiu, franzindo suas sobrancelhas com falsa inocência. "Mas que pena," fingi desapontamento. "Tinha programado me decidir amanhã logo de manhã! Quanto azar da sua parte."
Ele pareceu se divertir com minha reação, mas eu me mantive impassível. "Cruel," falou em seguida. "Agora só me resta ganhar a aposta de quem você vai escolher," completou, apertando os olhos para tomar nota de minha reação.
Não consegui evitar arregalar de leve meus olhos, surpresa pelo seu novo desafio. Era exatamente o que ele esperava de mim, pois sorriu em seguida, triunfante. Nem precisou de uma resposta minha. Simplesmente se virou e começou a andar pelo corredor, se afastando de mim.
Eu o deixaria ir, mas uma pergunta passou pela minha cabeça. Andei sem qualquer pressa atrás dele.
"Qual seu nome?" Quis saber, mesmo que pudesse jurar que ele não faria a menor questão de me responder.
"Um dos grandes mistérios do mundo."
Bufei sozinha, levando as mãos às costas e o seguindo um pouco mais rápido quando ele virou o corredor estreito.
"Acredita ser justo você saber meu nome se eu não sei o seu?" Questionei, o observando se virar só um pouco na minha direção para se certificar de que olharia em meus olhos:
"A vida é injusta," disse, bem mais sério do que tudo que tinha dito até então. "De todas as pessoas, ao menos você deveria saber disso."
Fora somente um pequeno instante, que passou tão rápido quanto o tempo necessário para que ele se voltasse para a frente, mas o suficiente para me mostrar que ele às vezes também conseguiria falar sério, mesmo sobre minha situação.
Me deixei observá-lo de costas, sem questionar aonde ele ia, até onde eu o seguia. Suas roupas eram simples, me provando que não poderia ser nenhum criado que realmente andava pelos corredores principais. Ou então estava de folga, aproveitando para vestir um jeans velho e rasgado pelo uso e uma camiseta branca que já tinha ganhado buracos em lugares definitivamente não propositais.
Alguma coisa nesse meio todo me dizia que era exatamente assim que ele gostaria de se vestir, que não o fazia por falta de opção. Estava em seu jeito de andar, confiante e despretensioso, como se tivesse nascido com a certeza de quem era e o que faria, sem ter que ser observado por ninguém. Tão diferente de mim. Mesmo depois de eu ter deixado abrir um espaço entre nós e o ver se afastar ainda mais, não consegui encontrar qualquer demonstração de insegurança nele, por menor que fosse. Cogitei que talvez só estivesse forçando uma pose por sentir meus olhos em suas costas, mas, se tivesse que apostar, diria que ele simplesmente era assim. Tão confortável em sua pele, que eu quase o invejava. Não se mostrava só indiferente à minha posição. Somente o era.
Quando virou a próxima esquina, fiquei para trás. Pude ouvi-lo começar a descer escadas antes de voltar a ir atrás dele com toda a intenção de conseguir uma resposta sua. Não sabia direito que diferença ele poderia fazer, mas era tão distinto de todos que eu conhecia, que me sentia atraída à possibilidade de passar mais tempo interagindo com ele, ainda que só tivesse interesse em se mostrar insolente.
Ele já tinha terminado de descer as escadas quando eu o alcancei, fingindo nunca ter tido qualquer pressa até lá.
"Sabe que posso descobrir, não é?" Perguntei, olhando para a frente quando me coloquei ao seu lado.
Ele virou seu rosto o mínimo que podia para mostrar que me via ali. "O quê?"
"Seu nome," eu respondi. "Posso descobrir se quiser."
Ele bufou uma risada. "Sei disso."
"Posso descobrir qualquer coisa sobre você, quando me der vontade," assim que as palavras saíram de minha boca, me senti tola. Ter que provar poder sempre seria o jeito mais fácil de admitir que não o tinha.
Ele não me respondeu, o que me deixou ainda mais incomodada.
"Não duvide," continuei sozinha. "Também posso obrigá-los a acabarem com essa aposta, se é que existe qualquer veracidade nisso."
Ele riu. "Vá em frente," rebateu, despreocupado. "Faça como preferir."
Antes que entrasse por uma porta, na direção da qual parecia se virar, eu me coloquei na sua frente e o obriguei a parar.
"Me diga seu nome," quis fazer soar como uma ordem, mas pareceu um pedido fraco e cansado.
"Não," ele disse sem sorrir, deixando de parecer só petulante, com uma expressão estranha de quem queria testar a si próprio. "Acho que seria bom para você," continuou, apertando seus olhos para me observar melhor, apesar de eu estar logo à sua frente, a alguns centímetros de tocá-lo, "ter alguém recusando um pedido seu. Você parece acostumada demais a ter todos seus desejos atendidos."
Senti seu comentário passar por mim como uma onda me engolindo. Minha vontade de gritar me fez rir, somente. Rir como se ele tivesse planejado aquela reação, como se suas palavras só pudessem ter um tom cômico, de tão ridículas que eram. Ri alto, apesar de rápido, antes de repetir:
"Eu sou acostumada a ter meus desejos atendidos?" A frase saiu quase inteligível entre uma risada dolorida que me roubava o ar. E então, conforme continuei, senti o peso de tudo que estava acontecendo ser marcado outra vez em meus ombros. "O país inteiro está me assistindo tentar encontrar alguém no meio de um grupo de estranhos com quem me casar o mais rápido possível, para não ter que deixar o trono do país que eu tanto amo nas mãos de um homem odioso que não o merece! E tudo porque meu pai, a única família que me resta, está com uma droga de aneurisma no cérebro que pode estourar a qualquer minuto, me deixando sozinha e sem a pessoa que eu mais amo no mundo. Nada disso é desejo meu. Acredite, nada que eu faço na minha vida é por mim! Sou tão pouco acostumada a ter minhas vontades atendidas, que nem sei o que significa ter vontade própria!"
Só percebi que tinha estado levantando minha voz quando falei a última palavra e a ouvi ecoar pelo pequeno corredor. Podia sentir meu rosto queimando ao redor dos meus olhos, meu peito subindo e descendo, tentando compensar minha dor com ar que eu mal sentia preencher meus pulmões. Me odiava por ter me deixado exasperar deste modo, a ponto de usar palavras indignas de mim e de minha posição. Mas o verdadeiro horror que me ocorreu alguns segundos depois do silêncio se instalar entre nós veio de perceber que tinha falado a única coisa que nunca poderia.
A verdade. O segredo de meu pai.
E o cara percebeu, aquele cujo nome eu ainda não sabia. Ele voltou a colocar suas mãos nos bolsos e respirou fundo, sem parecer sentir qualquer pena de mim, ainda que talvez eu a desejasse. Seus olhos fugiram dos meus por um tempo, deixando que eu me recuperasse sozinha de minha demonstração bastante descontrolada do peso que parecia me diminuir alguns centímetros todos os dias.
"Me perdoe," pedi, tentando timidamente ganhar seu apelo antes de me certificar de que ele não usaria aquele segredo contra mim, "não era minha intenção falar tudo assim."
Ele assentiu, voltando a me mirar.
"Mas você não pode-"
"Eu sei," ele me cortou. "E não vou."
Sem ter que falar as palavras exatas, nós concordamos que o segredo não sairia dali. Eu ainda estava um pouco ofegante, sentindo a pele de meu rosto voltar devagar a se acalmar. Só estava mirando o chão, me perguntando quantos segundos precisaria ficar ali antes de desaparecer, quando ele falou:
"Marc," e conseguiu que eu voltasse também a olhá-lo. "Meu nome é Marc Hynes."
"Lola," respondi ao mesmo tempo que soltava ar que nem sabia segurar.
Ele sorriu de lado outra vez. "Eu sei."
Tentei imitá-lo, mas ainda me sentia inapropriada e constrangida demais por ter despejado em cima de um estranho detalhes tão íntimos que nem me deixava admitir para mim mesma.
"Tenho que admitir que sua vida é um pouco mais complicada do que eu esperava," quando ele disse isso, eu consegui finalmente sorrir.
"Tento sempre me convencer de que os privilégios compensam o resto," confessei. "Mas às vezes é mais do que eu consigo suportar."
Marc me observou em silêncio por alguns segundos, como se pensasse e pesasse em sua cabeça o que diria em seguida. Me olhava intensamente, como se me visse de verdade pela primeira vez ou nem percebesse que eu estava ali, tão diferente do cara que há minutos atrás transformava qualquer palavra que saísse de minha boca em um deboche.
Por fim, quando provavelmente chegou a alguma conclusão, ele baixou seus olhos rapidamente, logo voltando a me encarar.
"Eu sei de alguns lugares para onde fugir," disse, seu tom muito mais baixo do que antes, me deixando um pouco confusa no começo, "lugares onde não te reconheceriam, se quiser-"
"Alteza!" Uma voz mais alta e determinada o cortou, automaticamente fazendo com que ele se afastasse de mim até onde poderia chegar sem atravessar a parede. "Aí está você!"
Era Madison, eu sabia. Escutava seus passos se aproximando de nós, mas continuava olhando para Marc. Ele estava mesmo prestes a me convidar para ir para algum lugar com ele?
"Te procurei em todos os cantos possíveis," Madison disse, me mostrando que estava perto demais agora para ignorá-la. Quando a olhei, seu vestido cor-de-rosa me pareceu até caricato naquele corredor. "Você tem um compromisso, se lembra?"
Seus olhos apertaram sugestivamente, tentando me passar a mensagem de que algum pretendente estava livre em algum lugar para eu ir convidá-lo a praticar qualquer atividade ao meu lado. Minha disposição para deixar Marc para trás era mínima, mas respirei fundo e me convenci de que tampouco teria qualquer escolha.
"Claro," respondi, e Madison visualmente relaxou. "Só precisava de um pouco de ar."
Ela sorriu, seus olhos indo para Marc. "Hynes," disse, e ele lhe fez um aceno com a cabeça.
"Hunter," respondeu.
Foi impossível não observar o jeito familiar demais dos dois de se cumprimentarem e se olharem.
"Você é guarda?" Perguntei, me virando para ele. Madison adorava guardas, ainda que não os levasse tão a sério.
"Com esse físico?" Marc questionou, voltando ao seu humor descontraído.
Realmente, ele era um tanto magro para um guarda real, mas eu não saberia qual outro cargo poderia supor que tivesse.
"Marc trabalha na cozinha," Madison explicou, sem fazer questão de tirar os olhos dele. "Muito do que você comeu no café da manhã veio dele."
Eu também não a olhei diretamente. "Padeiro, então?" Quis confirmar, minha última oportunidade de provocá-lo naquele momento.
Ele sorriu de lado, entendendo minha intenção. "Com orgulho," respondeu.
"Com razão," completei honestamente.
E nós provavelmente teríamos encontrado milhares de jeitos de descobrir informações sobre o outro, com brincadeiras e desafios irritantes, se Madison não tivesse me lembrado outra vez de minhas responsabilidades.
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