Capítulo 1 - Pelo Bem do Trono
É uma verdade universalmente conhecida entre as cortes do mundo que não importa quanto tempo passe, os corredores do castelo sempre serão cheios de segredos e sussurros.
Minhas damas de companhia estavam bastante quietas, não se atrevendo a fazer o menor dos comentários durante nosso caminho, mas eu quase as podia ouvir pensando. E não eram só elas, todos aqueles criados que cruzavam conosco e paravam para me fazer uma reverência me olhavam do mesmo jeito, se perguntavam a mesma coisa. Não pude distinguir nenhum de seus cochichos às minhas costas, mas apostaria no que estavam falando.
Só existiam dois assuntos no castelo real nos últimos dias. Primeiro, o mês da Celebração da Fênix, que estava para começar. Era o mês mais importante no território ashlandês, o mês entre Março e Abril, que acabava no dia do nosso feriado nacional. Nós passávamos o ano inteiro nos preparando para ele.
Mas os criados, ministros e membros da corte trocavam sussurros sobre a grande lista de convidados que viriam para o deste ano e o fato de que eu estaria procurando entre eles um marido. Esse era o segundo e, de longe, mais intrigante assunto a correr pela corte.
Nem deveriam já saber desse detalhe sobre minha vida pessoal, mas era quase impossível impedir um segredo de florescer e se espalhar pelos corredores do castelo. E eu não me importava. Tinha algo bem mais imprescindível para guardar de absolutamente todos. Enquanto não descobrissem da doença de meu pai, o resto poderia ser desenterrado. Até de meu passado e meus fracassos antigos, eles poderiam debochar. Já fazia quase um mês que estava me preparando para assumir meu lugar embaixo dos holofotes e deixar que o resto do país estivesse ofuscado demais para olhar para meu pai.
Assim que cheguei à porta do corredor dos criados mais próxima de meu destino, um guarda saiu de lá. Ele parou quando me viu, fazendo uma reverência e falando, mais alto do que o necessário: "Alteza."
Aquela palavra deve ter servido como um aviso para todos os criados que encontramos depois, pois estavam até calados demais. Eles abaixavam a cabeça quando passávamos, nunca me olhando nos olhos, nunca desviando também.
Passamos pela entrada da cozinha, mas fomos direto até a porta que dava para fora do castelo. Já tinha deixado bem claro para Clarissa que ela deveria usar a entrada principal, então fiquei até um pouco irritada quando nosso mordomo, Stan, mandou me avisar que ela usava a dos criados.
Mas, assim que a avistei pela pequena janela da porta saindo do táxi e precisando segurar um chapéu com a mão ao mesmo tempo que tentava aguentar o peso da sua mala, tudo que pude fazer foi sorrir.
E sair correndo para ir vê-la.
"Clare!" Exclamei logo depois de empurrar a porta com as duas mãos e chegar até ela.
Mal tive a chance de vê-la arregalar seus olhos antes que enrolasse meus braços à sua volta e a apertasse com força. Sabia que sentia sua falta, senti desde o dia em que seu curso em Paris tinha começado, até desde o dia anterior, quando a assisti fazer suas malas. Mas só percebi mesmo o quanto aquele castelo tinha estado vazio em sua ausência quando a senti me devolver o abraço.
"Estava começando a pensar que não chegaria a tempo," falei, me desprendendo dela e a segurando pelos ombros. "Você está tão corada!"
"É o sol," ela se defendeu, mas eu sabia que não era completamente verdade. "E você disse que precisava de mim!"
"Era a verdade," passei meus olhos por ela, percebendo cada detalhe diferente, desde como suas roupas pareciam ter saído de um filme dos anos cinquenta até o fato de ela ter ganhado um pouco de peso. Depois do curso de um ano de confeitaria em Paris, não era de se esperar nada diferente. "Ainda é," garanti. "Nós só temos mais um dia para terminar de decidir tudo."
"Liev deixou alguma coisa para ser decidida de última hora?" Ela se desvencilhou discretamente de mim para voltar à sua missão de tirar a mala do táxi.
Assim que notei que parecia presa, fiz um sinal para o guarda que tinha nos seguido ir ajudá-la.
"Só a parte mais importante," respondi vagamente, "mas foram ordens minhas. Preciso da sua opinião na próxima etapa."
Clare hesitou em deixar que o guarda a ajudasse, mas acabou só o agradecendo com um sorriso pequeno e conciso.
"Precisa de dinheiro?" Perguntei, quando ela começou a vasculhar sua pequena bolsa.
"Claro que não, Lola!" Apesar da determinação na sua voz, foi impossível não notar as maçãs do seu rosto enrubescendo além do queimado de sol. "Aqui," ela finalmente encontrou o dinheiro e se esticou na janela do táxi para pagar o motorista. "E não sei por que quis tanto me esperar para a próxima etapa. Não é como se você levasse minhas opiniões em conta mesmo."
Eu ri de seu jeito, enrolando meu braço em volta do dela e me deixando sentir a leveza que sua presença me trazia. "Claro que levo suas opiniões em conta, Clare. São elas que me dizem o que não fazer," brinquei.
Apesar de termos começado a andar em direção à porta, ela parou e me olhou inconformada por cima do ombro, como se aquela fosse a primeira vez que eu a provocava e ela não conseguisse acreditar.
"Se você não fosse minha futura rainha, Lola," começou a ameaçar, mas minha rápida risada a desencorajou a continuar.
"Nem tente, Clare," falei, ainda sem conseguir parar de sorrir. Quem me visse naquele momento nunca descobriria como as últimas semanas tinham sido pesadas e arrastadas para mim. "Mas falo sério. Você provavelmente entende da próxima etapa melhor do que eu."
"Provavelmente," ela repetiu em um tom que só poderia significar 'completamente'. "Madison, Margaret, Alicia," ela olhou para cada uma das damas que nos esperavam passar para continuar me seguindo. "Como vocês estão?"
"Bem," Madison respondeu antes que as outras tivessem uma chance. "Como foi de viagem, Clarissa?"
"Não posso reclamar," ela lhe ofereceu um sorriso educado logo antes de nós entrarmos para o corredor dos criados outra vez.
"Pois deveria," completei. "Eu disse que enviaria o helicóptero. Você não precisava ter que esperar no aeroporto como os outros! Ou ter que comer aquela refeição terrível que eles servem."
"Faz parte da experiência, Lola," ela suspirou, seus olhos se perdendo no horizonte. "Depois do ano que eu tive, não posso reclamar," seu tom sonhador mudou completamente quando ela parou do nada. "Ei, aonde você vai, Gael?"
O guarda que andava à nossa frente brecou ao som de seu nome. Ele já passava reto pela porta da cozinha, mas girou em seu calcanhar para nos encarar.
"Fui instruído a levar seus pertences aos aposentos reais, senhorita," ele falou.
"Por mim," completei, orgulhosa.
"Não precisa," Clare se soltou de mim para tirar a mala das mãos dele e só conseguiu, porque eu fiz um aceno na direção de Gael para que ele deixasse. "Posso muito bem ficar em meu quarto."
"Claro que pode," respondi, sem sarcasmo algum. "Mas isso não signifique que precisa."
"Mas eu quero ficar," ela me garantiu, se virando para mirar seus olhos amendoados e bondosos na minha direção. "Quero poder rever meu quarto antes de termos que viajar amanhã outra vez."
Apertei meus próprios olhos, mirando os dela com intensidade. Queria mesmo que ela ficasse mais perto, mas conseguiria esperar ao menos um dia para isso.
"Está bem," acabei falando, e ela devolveu a mala a Gael. "Mas, enquanto nós estivermos em Wentnor, você dividirá o quarto comigo."
Ergui meu braço para que ela o tomasse de novo, mas ela só segurou minha mão. "Seu desejo é uma ordem, Alteza," disse, um pouco debochando de mim, um tanto verdadeiramente respeitosa. "Agora preciso ir vestir meu uniforme. Temos uma decisão importante para tomar. Não?"
"Só o futuro rei de Ashland," respondi. "Parece importante para você?"
Meus olhos estavam presos às fichas empilhadas sobre a mesa de centro da Sala Turquesa. Não eram muitos, mas não eram poucos também. O tamanho da pilha era completamente relativo às minhas expectativas - ou até mesmo esperanças.
"Tem certeza de que quer fazer isso?" Clare perguntou, se sentando ao meu lado, agora vestindo seu uniforme de criada.
"Não é como se eu tivesse outra escolha," admiti.
Ela tinha as mãos no colo, sentindo as palmas com os dedos, como se refletisse profundamente. "Não existe chance alguma de revertermos a lei?" Apesar da esperança clara em sua voz, ainda parecia questionar seus próprios pensamentos por uma conclusão.
Respirei fundo, tentando me impedir de considerar responder de verdade sua pergunta. Ela não fazia por mal. Pelo contrário, tinha certeza absoluta de que fazia por todos os melhores motivos possíveis. Mas aquele assunto era um buraco difícil de escapar, uma vez que eu o aceitasse e pulasse dentro. Eram anos de tradição, anos sofridos que nosso país teve que superar depois da última rainha solteira que eles tiveram. Se fosse só por mim, só por quem eu sou, talvez existisse um jeito de reverter a lei. Mas não era. E não tinha porque perder tempo tentando encontrar saídas que não existiam.
"De um jeito ou de outro, terei que encontrar um marido," falei, me abaixando para tirar os sapatos e deixá-los cair no chão. Era um alívio pequeno que eu buscava, em meio a um assunto tão desagradável. "Ainda que não houvesse essa lei, preciso gerar herdeiros. É uma das minhas únicas responsabilidades. Sabe disso."
Clare assentiu, não como quem ouvisse, como quem não tivesse uma resposta. Ela realmente sabia. Mas era otimista demais para aceitar sem tentar encontrar jeitos de contornar uma situação.
"Agora, deixe a tragédia e as reclamações para mim," continuei, quando percebi com o canto do olho que minha assistente pessoal, Liev, se aproximava. "Preciso de você aqui para ser a romântica incurável que realmente acredita que o amor da minha vida está nessa pilha."
"É bom que esteja," Liev comentou ao sentar ao meu lado. "Senão, terá que dizer adeus ao trono de vez."
"Está vendo por que preciso de você?" Completei para Clare, que sorria pelo jeito de Liev.
Enquanto isso, o resto da sala estava sendo organizado. Como boas damas de companhia, Madison, Alicia e Margaret cuidavam dos menores detalhes para que nossa sessão de avaliação de pretendentes funcionasse perfeitamente, e eu não tivesse que me aborrecer com problemas inúteis. Madison falava com o técnico que cuidava do computador, enquanto Alicia e Margaret coordenavam as criadas que preparavam a mesa de café da manhã.
"E como anda o castelo desde que vocês descobriram?" Assim que Clare perguntou, mesmo com a voz baixa, Liev arregalou os olhos de leve, os indicando em seguida na direção de todas aquelas pessoas que ainda estavam entre nós e que não poderiam saber sobre meu pai. "Posso perguntar do plano?" Ela arriscou, mas Liev só pareceu ainda mais reprovadora. "Deixa para lá."
"Sabe o que eu queria te perguntar?" Aproveitei, enquanto Liev ia se certificar de que logo ficaríamos sozinhas. "Como foi sua prova final? Deu tudo certo?"
Clare deu de ombros, suspirando. "É impossível saber," disse. "Meus professores - quer dizer, os chefs - nunca diriam o que acharam. E é impossível conseguir descobrir só pela expressão do rosto deles!" Só pelo tom que sua voz ganhou, dava para ver que ela realmente se importava com o assunto. Estava alta e viva, livre dos sussurros confidenciais da corte. "Quando tive que apresentar minha ideia de uma loja de doces, o chef Arnaud fez uma cara tão desgostosa que, ainda quando estava explicando o conceito, eu já sabia que teria que refazer do zero! E ele acabou amando!"
"Se você quiser, posso escrever para eles e dizer que é uma questão de segurança nacional de Ashland saber se você, afinal, sabe o que está fazendo na cozinha."
Ela balançou a cabeça, reprovando minha brincadeira. "Não tenho certeza se quero saber ou não."
"O quê?"
"Minha nota!" Exclamou. "E se for para descobrir que não tenho futuro algum? Talento algum?"
Quis rir. "Só você mesma para acreditar que ainda existe dúvida sobre suas habilidades," olhando rapidamente por cima do ombro, percebi que a sala estava ficando vazia, somente minhas damas, Liev e minhas criadas ficavam para trás. "Está preparada?"
"Eu que deveria te perguntar," ela se levantou ao falar, alisando o uniforme.
Pude jurar que buscaria algo para nós comermos, mas, antes que tivesse a chance de se afastar, uma segunda criada chegou ao meu lado. Eu não a conhecia propriamente, mas sabia que tinha acabado de começar a trabalhar para mim. Ela era loira e delicada, e suas pequenas mãos pareciam lutar contra uma tremedeira forte ao segurar a bandeja prata ao meu lado.
Meus olhos percorreram cada item, desde as xícaras ao bule. E então eu lhe sorri, não muito satisfeita. "Qual seu nome?" Apesar de minha pergunta inofensiva, ela pareceu ter ouvido a pior crítica possível.
"Ja-Jazmyn, senhorita. Alteza. Jazmyn, Alteza," pude ver seus dedos ficarem brancos da firmeza que segurava às alças da bandeja.
"Poderia me trazer um pouco de café, Jazmyn?" Fiz questão de tentar ser o mais amável possível, ainda que ela só soubesse arregalar seus olhos para baixo, fugindo dos meus.
"Jazmyn," Clare se esticou para pegar a bandeja dela. "Muito obrigada por nos servir, mas a Princesa Lola não gosta de chá."
"Detesta," completei.
Clare me lançou um olhar levemente reprovador ao colocar a bandeja sobre a mesa de centro. "Poderia nos trazer um pouco de café?" Disse, oferecendo à nova criada um sorriso mais tranquilizante do que eu conseguiria fingir.
A menina tentou assentir, mas seu pescoço parecia tenso e imóvel. Mal conseguiu se segurar para não correr até o fundo da sala e buscar o próximo bule o mais rápido possível.
Eu bufei baixinho, só para Clare ouvir. "Acho terrivelmente inconveniente que presumam que eu gosto de chá só pela minha herança britânica."
"Não se iluda, Lola," ela respondeu, se sentando outra vez ao meu lado. "As pessoas presumem que você goste de chá por ser humana."
Quando fiz menção de revirar os olhos, notei no canto da sala Margaret reprimindo a nova criada. Sabia que ela precisava aprender e que meu desgosto por chá era mais do que senso comum pelo país, mas não consegui evitar pensar que Margaret poderia ter escolhido qualquer outro momento. Não havia razão para piorar todo o nervosismo da garota que nem tinha se acostumado a essa nova aproximação da princesa de Ashland.
Quando ela voltou ao meu lado, parecia até um pouco mais calma, pelo menos pela certeza de que eu aceitaria a xícara que ela me oferecia. Fiz questão de lhe sorrir, tentando amenizar a bronca que tinha levado.
"Você é nova, não?" Perguntei, enquanto ela voltava as mãos às costas.
"Comecei ontem, Alteza."
"Hope foi embora," expliquei para Clare. "Seja bem-vinda, Jazmyn."
A menina assentiu uma última vez antes de ir se colocar no fundo da sala. Devia estar contando os segundos para poder voltar a ser invisível.
"Vamos começar?" Liev apareceu do meu lado e se sentou na poltrona mais próxima, equilibrando uma grande caneca de café e seu tablet nas mãos. "Não temos tempo a perder."
"Agora posso perguntar?" Clare se arriscou outra vez. "Sei que temos que encontrar um marido para você, Lola. Mas como?"
"É bem simples, na verdade," Liev respondeu por mim. "Nós fizemos uma lista de todos os possíveis pretendentes que virão para a Celebração e vamos escolher os melhores."
"Os melhores? No plural? Não íamos escolher um só? Agora?"
"Com a esperança de conseguir encontrar alguém que não seja só uma boa aliança, mas que também possa ser minimamente interessante para mim, nosso plano vai durar o mês inteiro," respondi.
"Ainda estou perdida," Clare declarou.
Madison estava atrás de nós, preparando o computador e os arquivos que apareceriam na tela à nossa frente, mas fez questão de responder. "Depois de escolhermos os melhores pretendentes, a princesa tem a missão de conhecê-los melhor durante suas visitas."
"E assim escolher o mais apropriado," completei.
"Ou aquele por quem seu coração bater mais rápido," Alicia rebateu. Eu lhe lancei um olhar que deixava claro que aquilo seria impossível.
Desde que nos conhecemos, ela vem me desafiando a me apaixonar. Quando finalmente se tornou minha dama de companhia, pouco depois do pior mês da minha vida, declarou que a mais importante de suas funções seria encontrar o homem por quem eu me apaixonaria e que mereceria meu coração. Ainda era uma missão sem sucesso.
"Mas é quase isso mesmo," Liev falou. "Agora, nós só precisamos decidir em quem a princesa irá investir. E como serão seus encontros."
"Encontros?!" O sorriso que apareceu no rosto de Clare era divertido demais para meu gosto. Ela ainda trocou um olhar com Alicia, como se elas só precisassem notar uma à outra para entender que pensavam - ou imaginavam - a mesma coisa.
"Não propriamente encontros," corrigi. "Eles ainda não sabem do meu plano."
Liev bufou do meu lado. "É claro que sabem, Alteza. Por que acha que temos o maior número de convidados confirmados dos últimos dez anos? Todos querem a chance de se mostrarem disponíveis para se tornarem o próximo rei de Ashland."
Não seria ingênua a ponto de realmente acreditar que tantos solteiros de nobrezas europeias estavam tirando o mês para nos visitar à toa, mas tampouco queria pensar neles cobiçando uma coroa que deveria ser minha. Não depois do que aconteceu com Reid.
"De qualquer jeito," comecei, "ainda precisamos pelo menos de uma base, por isso estamos aqui. Não posso perder tempo com qualquer um."
"Claro que não," Liev falou, se levantando e me entregando a primeira ficha da pilha que ainda estava sobre a mesa de centro, depois fazendo um aceno para Madison. "Pronta para começar?"
Olhei rapidamente na direção de Clare, que concordou com a cabeça e a mirou na direção da ficha em minhas mãos.
Respirei fundo. E então a abri, dando de cara com a última pessoa que eu queria ver na minha frente.
"Você só pode estar brincando, não é?" Falei. "Skar?! O que ele está fazendo nessa pilha?" Assim que a joguei na mesa de centro, Liev a pegou, e a foto dele apareceu na tela à nossa frente, junto com todas suas informações pessoais, namoradas passadas, gostos diversos e capturas de paparazzi com chamadas de jornais baratos. "Pode colocar na próxima. Ele não é uma opção."
"Mas é claro que ele é uma opção, Lola," Liev disse. "Se não fosse por você, ele já estaria no trono. Não existe casamento melhor para o reino."
"Se fosse só pelo bem do trono, nós não estaríamos aqui," me defendi. "E a última pessoa do mundo que pode colocar suas mãos na coroa é Skar. Jogue essa ficha fora, é uma ordem," me inclinei na direção da pilha e peguei a próxima. "Vamos começar com esse," falei, olhando para os olhos azuis de Ferdinand Peeters na foto que estava presa ao primeiro papel do arquivo. "Trinta anos, um pouco velho," fui lendo, "e holandês, que não é minha nacionalidade favorita, mas pode ser bem neutro quando preciso."
"Não," Clare falou baixinho do meu lado, quase me dando a impressão de ter imaginado. Mas todas as outras se viraram para ela, ainda que Madison tivesse mudado para uma foto de Ferdinand. "Os jornais de Paris estavam falando que ele foi visto saindo da casa de uma cantora. Semana passada."
"Aqui," Madison disse, e a matéria apareceu na tela.
"Não tem problema," declarei. "Não é como se eu esperasse que todos os meus pretendentes fossem castos e puros. Isso é o que eles esperam de mim," foi impossível não falar com um tom um tanto amargo. "Esse é o pior sobre ele?"
"Sim," Liev respondeu. "Isso e o fato de ele ser pintor. Ou se considerar pintor, na verdade."
"Qual o problema de um pintor?" Alicia defendeu. "Arte é importante."
Claro que ela diria isso. Sua maior paixão era cantar.
"Não quando se precisa governar um país," Margaret rebateu, finalmente se juntando à conversa e deixando os macarons e as criadas de lado. "A Alteza precisa de alguém que consiga dividir o peso da coroa."
A verdade era que eu estava mais interessada em um cara que a deixasse quase inteira para mim, mas não respondi. Só deixei a ficha de Ferdinand no colo de Clarissa e segurei minha xícara de café com as duas mãos.
"Ele ainda pode ser considerado," Alicia completou. "Mas qual o próximo?"
"Um óbvio," Madison respondeu, mudando a foto da tela para uma de Trevor Cartwright.
O clima da sala pareceu ficar mais pesado por um segundo, logo descontraindo em suspiros abafados. "Claro," Alicia respondeu, seus olhos presos aos dele na foto.
"Trevor," Maggie repetiu.
"Pois é," falei. "Decidimos que seria bem mais útil focar em pretendentes de outros países, mas seria simplesmente errado deixar Trevor de fora."
"Principalmente com o seu histórico," Alicia completou com um sorriso ousado demais para a questão. Mas não fez mais nenhum comentário quando eu a olhei com certa reprovação.
Em uma tentativa certeira de tirar o foco de mim, falei: "Pensei em colocar Kyle também," me virei discretamente para ver a reação de Clare, percebendo que todas as outras garotas faziam o mesmo. Ela não mexeu um único centímetro, mas focou tanto seus olhos na ficha de Ferdinand ainda em suas mãos, que poderia apostar no que estava pensando. "O que acha, Clare? Eu me casando com Kyle? Seria uma boa ideia?"
Seu ombro levantou devagar, tentando ser casual e descontraído, mas só me dando a impressão de que ela estava tensa. "Se você quiser," falou, passando a página da ficha que nem estava mais sendo discutida.
Eu sorri para mim mesma, ainda que tivesse poucas provas de que ele ainda a afetava. "Não, claro que não," falei, a relaxando. "Mas seu irmão definitivamente é um dos melhores pretendentes."
"Ele não foi servir o exército?" Alicia perguntou.
"Trevor está no exército?" Clare se esticou por cima de mim para pegar a ficha dele, que Liev lhe entregava. Abriu logo nas fotos oficiais em que ele usava seu uniforme, as mesmas que apareceram na tela depois de um clique de Madison. "Uau."
"Exatamente," falei. "Mas ele vai voltar a tempo. Não é, Liev?"
"Sim," ela tinha seus olhos presos ao tablet, provavelmente cuidando de algum detalhe do baile do dia depois de amanhã.
"Ele será o mais difícil," comentei, olhando por cima do ombro de Clare para a ficha dele.
"De conquistar?" Ela arriscou.
"Por favor, nem fale essa palavra," pedi. "Quão humilhante é ter que ir atrás de um marido?"
"Não é humilhante," ela me certificou. "Ainda mais se for alguém como Trevor, que te conhece desde pequeno."
"Talvez essa seja ainda a pior parte."
"Eu pessoalmente gostaria de oferecer uma outra opção," Liev pegou a próxima ficha, a abriu rapidamente, só para se certificar de que era o cara certo, e logo me entregou. "Alaric Lockwood. Inglês."
"O filho bastardo do Lord Insuportável?" Margaret riu logo em seguida. "Desde quando ele é uma opção?"
"O filho único dele," Liev corrigiu. "É historiador, prepotente, inteligente e quase arrogante."
"Cheio de qualidades," Clare falou, sarcástica, enquanto Madison abria fotos bem interessantes dele no computador.
Liev sabia que todas aquelas características soavam terrivelmente bem para mim. Meus olhos já estavam nos da sua foto no meu colo, só desviando para ler alguns pequenos fatos sobre ele ou encontrar aquelas que paparazzi tinham tirado dele por Londres. Ainda que fosse pego de surpresa, ele nunca parecia desprevenido. Sua arrogância conseguia ser atraente até mesmo através das lentes de uma câmera escondida.
"Se quer saber minha opinião, ele deveria ser o primeiro da lista," Liev completou.
"Não. Ela precisa de um cara mais romântico, não um igual a ela!" Clare exclamou, sem perceber que praticamente me chamava de todas aquelas coisas que ela considerava longe de serem qualidades. "Nós estamos pensando demais em que seria apropriado para o trono, temos que pensar no cara apropriado para a Lola."
"E desde quando romântico seria apropriado para mim?" Questionei.
Mas Alicia concordava com Clare. "Fala isso agora, Alteza, mas tenho certeza de que esse plano nosso sairá ainda melhor do que espera."
Revirei meus olhos. "Liev, por favor, me fale suas próximas opções."
Ela sorriu, satisfeita pelo meu pedido de eficiência. "Niels Bernhard. Dinamarquês. Juiz e sexto na linha de sucessão do trono da Dinamarca."
"Bom."
"Stefan Dietrich. Liechtenstein."
"Não," a cortei. "Preciso de um país maior."
"Devo descartar Andorra também?"
"Por favor."
"Géraud Duval. Belga."
"É o filósofo, não? Ativista?" Margaret perguntou, enquanto Madison tentava nos acompanhar e mudar as fotos na tela conforme falávamos de cada um.
"Pode ser," falei.
"Gustaf Andersson. Suécia. Empre-"
"-sário," completei. "Dono daquela terrível companhia de roupas que foi investigada ano passado por trabalho escravo em países de terceiro mundo?"
Liev respirou fundo antes de responder. "Investigação que não levou a lugar nenhum."
"Não importa. Pode tirá-lo das opções. Não preciso de ninguém com um passado mais obscuro que o meu."
"Sabe quem você deveria considerar?" Margaret sugeriu. "Miguel Sanchez."
Por alguns segundos, o silêncio reinou na sala. "Quem é esse?" Foi Clare quem pronunciou a pergunta que estava na cabeça de todas nós.
Margaret fez um sinal para Madison colocar a foto dele na tela. "Ele é aquele cantor espanhol que também é nobre. Ele é super bonito."
"Ah," soltei, olhando para sua foto posada demais à minha frente. "Odeio cabelo comprido em homem."
"Então Niels também está fora," Clare completou.
"O dele é bem mais curto, ainda que poderia conseguir que corte," rebati. "Mas, espanhol?"
"O que você tem contra espanhóis?" Ela quis saber, até bastante ofendida para quem nunca nem tinha pisado na Espanha.
Dei de ombros. "Não sei se eu conseguiria me dar tão bem assim com alguém que tem uma cultura tão..." tentei procurar a palavra certa, mas Alicia não me deu tempo para isso.
"Quente?" Ela arriscou completar.
Infelizmente, era bem isso mesmo que eu queria dizer, e elas riram ao perceber.
"Mas é exatamente por isso que ele poderia funcionar!" Clare continuou. "Você já sabe ser fria, Lola. Já sabe duvidar das intenções de todo mundo e jurar que nunca se apaixonaria. Precisa de alguém que seja completamente o contrário."
"Se continuar falando esse tipo de coisa, vou ser obrigada a desistir de tudo de uma vez," ameacei.
"Duvido," rebateu. "Mas, se romance é tão repugnante para você, como é que está planejando mesmo conquistá-los?"
Bufei, mau humorada. "Terei que proibir esse verbo?"
"Quais são os planos de encontros?" Ela só continuou, me ignorando. Seus olhos iam diretamente à Liev. "Jantares românticos? Piquenique no jardim? Passeios de barco? Ou longas sessões de interrogação e aulas sobre política ashlandesa?"
"Vou colocar na lista," Liev garantiu, só levemente sarcástica. "Mas não se preocupe, Lola será romântica de um jeito ou de outro."
"Ela não tem escolha," Margaret acrescentou.
Clare me olhou confusa, e eu aproveitei o último segundo que teria antes que ela soubesse do pior detalhe daquele mês tão especial.
"Senão para os pretendentes," Liev continuou, "então pelo menos para as câmeras."
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