Capítulo 5
Passei o resto da minha refeição tentada a ir dar uma olhada, e quando terminei, tinha tomado a minha decisão. Eu vim aqui para conseguir informações, e era isso o que eu faria, curiosidade não tinha nada haver com isso, tentei me convencer mentalmente.
Saí da taberna e atravessei a rua para o estabelecimento em frente, notando que o número de homens era consideravelmente maior. Duas mulheres enfeitavam a porta, uma em cada lado, usando vestidos com longos decotes e com certas partes estrategicamente transparentes, deixando pouco para imaginação. Me aproximei silenciosamente, com certeza atraindo atenção com minha falta de jeito, deveria ter pelo menos dado uma olhada nesse tipo de lugar antes, mesmo no meu reino, trezentos anos à frente, eles não eram raros. O que me fez concluir que não importa a época ou o local, bordéis sempre existiriam.
Senti uma não no meu ombro.
- O que uma florzinha como você faz num lugar como esse? - um forte cheiro de bebida me assaltou e quando virei, vi um homem me encarando, o rosto corado devido a bebida e sorrindo de uma maneira insinuante demais para ser educada.
- Estou a procura de alguém, me solte por favor - tentei me afastar, mas a mão me apertou ainda mais.
- Escuta aqui florzinha, eu tenho dinheiro - falou com a voz enrolada - posso te pagar o quanto quiser.
- Acho que você está me confundindo, eu não trabalho aqui - olhei ao redor, a porta para a entrada do bordel estava bem ao lado, as mulheres na entrada agora observavam a cena enquanto murmuravam entre si.
- Não se preocupe, não se preocupe - repetiu se aproximando, invadindo meu espaço pessoal - Eu serei delicado, pode perguntar as garotas, eu pago bem e ainda posso te deixar feliz.
Eu já estava a ponto de me irritar quando senti uma presença a meu lado.
- Não escutou o que a moça disse? Ela não trabalha aqui - Lianof se aproximou e sorriu para o homem - e diferente de você, eu não sou muito delicado.
O bêbado piscou, provavelmente tentando entender a situação em meio a bebida, mas por fim pareceu desistir, me soltando para logo em seguida se afastar, cambaleando. Com certeza atrás de outra pessoa que aceitasse o seu dinheiro. Pobres mulheres.
- O que você está fazendo aqui? - ele perguntou, me olhando agora.
- Você disse que ia procurar informações.
- E fui.
- Eu sei que lugar é esse.
Ele ergueu uma sobrancelha interrogativamente.
- É a casa da perversão - sussurrei, repetindo as palavras que a mulher da taberna usou anteriormente.
Ele me deu um olhar incrédulo, parecendo me avaliar antes de soltar uma gargalhada.
- Não é engraçado! - protestei.
- Sinto muito, mas você parece tão inocente falando dessa maneira - ele respirou fundo, ainda meio sorrindo antes de continuar - Eu não menti pra você, eu realmente vim aqui atrás de informações.
- Não é o típico lugar onde se encontra informações. O que essas... essas..
- Prostitutas? - ele ofereceu.
- ... moças da vida, poderiam te informar?
Ele pareceu ainda mais divertido. Obviamente achando graça da minha dificuldade em usar certas palavras.
- Pode não parecer, mas as "moças da vida" são umas das melhores informantes que você vai achar - ele pareceu considerar antes de continuar - Você não faz ideia de como um homem satisfeito fala muito. Eles querem impressioná-las.
Senti meu rosto aquecer.
- Você veio até aqui pensando outras coisas? - disse sorrindo.
- Eu não pensei nada!
- Se eu não a conhecesse a tão pouco tempo, diria que está com ciúmes.
Encarei ele sem saber como responder, que tipo de autoconfiança esse cara tinha.
- Pode ficar tranquila, já peguei a informação, e não fiz nada além disso.
Nesse momento uma mulher de cabelos negros apareceu na porta.
- Aí está você! Estava te procurando, suponho que não possa ficar por muito tempo. - piscou sensualmente enquanto falava - Pode me visitar sempre que quiser, pra você é de graça.
Observei a mulher entrar novamente antes de o encarar. Ele nem teve o bom senso de parecer sem graça.
- Essas pessoas de hoje em dia fazem piada com tudo.
- Não acho que ela estava fazendo piadas.
Suspirei, resolvendo mudar de assunto antes que ele falasse alguma outra coisa.
- Então, que tipo de informações você conseguiu?
- Digamos que consegui tudo o que procurava.
- Não vai me dizer? - perguntei surpresa.
- Não me entenda mal, mas você é um pouco estranha.
- Estranha?
- Veja bem, eu não sei quase nada sobre você, só que começou a me seguir de repente por aí. Não é o suficiente para confiar em você.
- Você que disse que eu poderia seguí-lo.
- O que faz de mim quase tão estranho quanto você.
Eu não sabia o que dizer, de alguma forma pensei que não levantar suspeitas já era o bastante para que ele confiasse em mim. Devia dar mais crédito a pessoa que viria a juntar esse continente, esperto com certeza ele era.
- Então, o que eu faço para que você confie em mim?
Ele pareceu ponderar.
- Confiança não pode ser dada, só conquistada. O modo como você vai fazer isso - deu de ombros - Isso cabe a você.
Parei de prestar atenção ao que ele dizia quando algo atrás dele me chamou a atenção.
Era um cartaz, um cartaz de procurado. E a pessoa nele era ... ninguém menos do que ele. O que estava acontecendo aqui?
Ele seguiu meu olhar.
- O quê...
Antes que eu pudesse terminar a frase, ele pegou o cartaz, o rasgando logo em seguida.
- Aquele no cartaz de procurados é você?
- Você deve ter confundido, tenho um primo que se parece muito comigo.
Me lembrei da mulher da taberna comentar que o achava familiar... As peças agora encaixavam, ele era um procurado!
Antes que eu pudesse perguntar mais ele segurou meu braço, me puxando para uma viela estreita entre o bordel e uma estalagem ao lado, nos isolando das outras pessoas.
- Então esse era o problema que você queria evitar? Ser reconhecido por ser um criminoso?
Ele suspirou, ficando sério agora.
- Eu não sou um criminoso.
- Não é o que o prêmio pela sua cabeça diz.
- Você viu que eu estava libertando os escravos no outro dia. Para eles, escravos são mercadoria, então quando eu os liberto... eu sou o ladrão. Por isso os cartazes com recompensas - Ele se aproximou mais, me encarando com o rosto mortalmente sério - Você disse que queria fazer isso comigo certo? Eu não vou ficar só invadindo lugares como aquele, na verdade, isso foi uma raridade, não faço sempre, foi apenas o acaso eu estar resolvendo alguns negócios e resolver passar lá.
Agora eu não estava entendendo mais nada, já foi confuso o suficiente encontar herdeiros presos, Lianof, o pior inimigo do meu país libertá- los me contundiu ainda mais, mas o que ele estava tentando me dizer... se for o que eu suspeitava, era algo realmente grande.
- Eu quero mudar o sistema desse continente. Fair é enorme, rica e próspera, mas temos um sistema de escravatura de cinco mil anos! É inexplicável, não precisamos disso, as pessoas não precisam disso! O único caminho que esse sistema trás é ódio. Mas sabe o que é mais assustador? É que algumas pessoas nascem e morrem achando que não tem nada estranho no fato de serem escravizadas! O grupo que achamos era um bom, a maioria não se levanta e luta tão facilmente.
Escutei o que ele disse como se estivesse hipnotizada, em parte assustada, ele disse que esse sistema dura cinco mil anos? Mas a outra parte estava agora admirada por achar alguém que viveu essa realidade e teve discernimento para notar que isso não estava certo. Eu tinha nascido em outra época, sabia que era errado, não tinha vivido achando que isso era normal, mas uma pessoa que cresce nesse meio? O que tinha feito ele questionar essas circunstâncias?
- Esse é um período de mudança. As pessoas estão cansadas. Eu comecei a libertar escravos e disseminar a idéia que muitos já pensavam secretamente, consegui alguns apoiadores, algumas pessoas que simpatizam com a causa, mas isso é só o começo - Ele deu um suspiro cansado, talvez com o peso da responsabilidade que escolheu para si - As pessoas que eu libertei, elas não estão livres realmente, em Elaria talvez eles consigam alguma liberdade, mas no momento em que saírem de lá, serão perseguidos novamente simplesmente por ter uma herança. Isso não faz de Elaria apenas uma prisão maior? Mais confortável?
As palavras dele pela primeira vez me trouxeram uma sensibilidade que talvez até então eu não tivesse obtido. Voltei trezentos anos no passado, vi a escravidão, percebi o quanto era errado, senti compaixão, mas o que eu pensei? Que não era da minha conta, eu não era dessa época, esse não era o meu lar, minha casa. Eu só precisava cumprir meu dever e voltar, era só o que eu precisava, mesmo quando me ofereci para seguí-lo, não tinha realmente nenhuma intenção nos herdeiros, minha única real motivação era conseguir informações sobre ele. Para me ajudar no presente, não só a mim, mas ao meu povo. Esse era meu dever como princesa herdeira de Arabela, mas e meu dever como herdeira? E meu dever como humana?
- Não é só a escravidão, os quinze reinos que formam Fair estão constantemente em guerras entre si que parecem durar para sempre - ele continuou - Essas coisas não mudam e não mudarão ao menos que alguém faça alguma coisa. Eu quero ser esse alguém.
Agora ele se afastou, dando um passo para trás antes de me observar de novo. Dessa vez ele parecia imponente, como se nada ou ninguém pudesse derrubá-lo, impedí-lo.
- Eu não disse isso esperando que você se comprometa ou querendo mudar sua perspectiva, só acho que se você realmente quiser me seguir, precisa saber no que está se metendo.
Tudo o que eu pude fazer foi encará-lo sem reação. Ele não era simplesmente alguém que sai libertando rebeldes, era um rebelde, talvez até um revolucionário. Eu poderia me envolver? E se eu mudasse algo muito grande e meu poder me impedisse? Eu tinha algo para fazer aqui. Se eu me desviasse, isso poderia prejudicar minha missão?
Nesse momento me lembrei dos olhos sem vidas dos herdeiros presos naquele lugar, da esperança diante da chance da liberdade, do modo como alguns não reagiram, como se não soubessem bem o significado da palavra, e foi quando me decidi. Eu iria mudar esse sistema torto, da maneira que eu pudesse. E faria isso não para me manter perto de Lianof e me ajudar. Faria isso simplesmente porque era o certo.
Então quando ergui meu o olhar, eu o encarei bem nos olhos e disse pela segunda vez desde que tinha chegado a Fair:
- Me leve com você.
Ele sorriu lentamente, os olhos ardendo com determinação. E foi nesse momento que pude pegar em seus olhos o leve resquício do homem que viria a se tornar. Não o tirano, mas alguém que iria juntar esse continente conflituoso. Esse era a pessoa que viria a ser poderosa o bastante para não poder ser derrotada por meios comuns.
Então ele piscou, e seja o que for que eu pensei ter visto em seus olhos desapareceu. Como se o momento nunca tivesse acontecido.
- Vai ser um prazer te ter ao meu lado.
Me perguntei o porque, o que eu tinha feito desde que cheguei que poderia ajudar alguém como ele? Além de ter medo e ser um fardo, não tinha feito absolutamente nada. Mas tirei essas perguntas da minha mente quando ele continuou :
- Então, acho que talvez já seja a hora de você me dizer o seu nome.
Me surpreendi, tanta coisa tinha acontecido recentemente que não me dei conta desse simples detalhe.
- Ana - levantei meu braço, o cumprimentando.
- Só Ana? - Ele ergueu uma sobrancelha, questionando.
- Só Lianof? - retruquei.
Ele sorriu.
- Então só Ana, você é uma garota misteriosa - ele apertou o meu braço, retribuindo o cumprimento - Gostei de você, acho que nos daremos bem daqui pra frente.
Não se depender de mim, pensei comigo mesma, me perguntando porque o pensamento de ficar mais tempo perto do inimigo jurado do meu país não me causava medo.
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