Apurar os fatos
Sebastian
Com meu chapéu rodando entre os dedos inquietos, aproximei-me da biblioteca, onde Ruth costumava ficar, quando desejava estar só. Deixei o chapéu sobre o balcão ao lado da porta e bati de leve. Não houve resposta, então, girei a maçaneta e abri. Avistei sua figura pequena e elegante diante da janela.
-Ruth... - disse eu, baixinho, sem saber por onde começar.
Ela não se virou, apenas fez um gesto para que eu entrasse. Obedeci em silêncio, fechando a porta trás de mim e isolando-nos do resto do mundo. A biblioteca estava mergulhada na penumbra. A única luz que vinha era das amplas janelas. A luz natural do sol vespertino. Na verdade, nunca pensei muito sobre isso, mas a biblioteca parecia quase uma réplica do escritório de AJ na sede dos Rangers.
Não era de se estranhar que fosse o lugar preferido de Ruth. AJ nunca tratou como um santuário intocável, de modo que ela gostava de ficar ali, especialmente, quando ele estava trabalhando. Cercada de livros. Era o que Ruth mais apreciava, quando não estava envolvida nas obras de caridade ou na direção da escola de adestradoras. A escola criada por Maria Júlia e outras duas amigas.
Ruth pareceu conviver bem com a sombra da primeira esposa de AJ. Ela o amou incondicionalmente, e aceitou que o coração dele nunca lhe pertenceria completamente. Mas será que agora, esse conhecimento não estaria pesando em seu próprio coração? Eu esperava sinceramente que não.
-Fez boa viagem? - ela perguntou, numa voz apagada.
Ah, as convenções sociais. Como nos apegávamos a elas.
-Sim, obrigado - respondi e esperei.
-Sabe... Sei que você não é parente de sangue de AJ e sei que você sempre fez questão de deixar isso claro - ela comentou, virando-se para me olhar. - Mas AJ o considerou como se realmente fosse o filho que ele nunca teve.
Eu engoli em seco.
Ela se virou novamente para a janela, levantou a mão e olhou para seu anel de casamento. Depois, baixou a mão e alisou o vestido preto elegante, que usava.
-Suponho que eu precise sair para recepcionar as pessoas que já chegaram à propriedade, para o enterro.
-Você não precisa fazer nada. Deixe que eu providencie tudo.
-Não! - ela disse, num tom bastante duro para a suavidade anterior. - Esse é o meu papel e irei cumpri-lo até o fim. Como senhora desta casa.
-Claro, Ruth, como achar melhor - disse eu, baixinho.
-Você está ansioso para saber o que aconteceu.
Eu ergui a cabeça, alerta.
-Sim, eu preciso. Para tomar as medidas cabíveis.
Ela sorriu para mim. - Ah, Seb. Você é tão leal. Mas não cabe a você tomar nenhuma medida, por enquanto. Era o desejo dele. Inclusive, que eu não lhe revelasse como se deu a passagem.
-Jesus! - eu passei as mãos pelos cabelos desalinhados. - Até depois de morto, AJ quer me enlouquecer?
O desabafo não soou bem aos meus ouvidos, mas pareceu divertir Ruth.
-Ele sempre desafiou o seu intelecto e o seu coração, não é mesmo? Acontece que AJ tinha plena convicção de que você é o único sucessor possível ao posto dele.
Balancei a cabeça, negando, mas ela prosseguiu:
-Sim, Seb. Você. Você tem o poder, você tem a lealdade dos outros. Os antigos estão morrendo. Assassinados ou não, eles teriam que partir em algum momento.
Ela estava falando da morte de Diego Navarro ou de AJ? Ou ambos? A única certeza que eu tinha era de que o ômega estava de volta. Isso, ou se tratava de um novo ômega.
E o desafio não era mais de AJ, mas meu. Eu teria de cuidar da alcateia.
Ruth parecia ler todas as minhas dúvidas na minha expressão confusa.
-Sim, Seb. - ela concordou com a cabeça. - A alcateia precisa de você. E você precisa de Diana - a voz dela tremeu um pouco, ao falar da minha adestradora. - O tempo dos quatro alphas está chegando ao fim. Agora é a vez das novas gerações assumirem. Querendo ou não, os advenas irão se voltar para você pedindo a sua orientação. Você é agora o líder alpha que restou para guiar os fenris.
Só Deus sabia como eu não queria essa responsabilidade. Mas tudo pelo que lutei e passei... Aquilo que me tornei... Não foi à toa! Eu não podia escolher as minhas opções num menu. Um Ranger era um ranger em qualquer situação.
Ela se aproximou, ergueu a mão e pousou em minha bochecha.
Durante muito tempo, ela tentou ser como uma mãe para todos... Enfrentando o desafio de ficar no lugar de Maria Júlia, quando precisaram dela. Mas no fundo, Ruth sabia que não havia substituta para Maria Júlia, especialmente, no coração de Alec James.
Entretanto, eu reconhecia o seu esforço e também, os momentos difíceis em que esteve ao meu lado, como uma verdadeira mãe.
Ruth olhou-me como quem memoriza um retrato. Seus dedos passaram pela minha sobrancelha, antes de deixar a mão cair.
-Venha, meu querido afilhado, vamos encenar a farsa social até o fim. As famílias vão começar a enviar seus representantes e os aesires estarão nos assistindo. Precisam acreditar na encenação.
Diante de tão enigmática frase, eu a observei se dirigir à porta e sair do escritório; então, eu a segui.
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