Darlene's
Diana Clemente Sinclair
Arredores do Condado de Williamson,
Texas, US, dias atuais
O Darlene's era uma lanchonete vinte e quatro horas; ou seja, virava a noite para servir refeições decentes aos trabalhadores do turno da madrugada. Eu me lembrei de ver um lugar bem parecido, no filme "O Protetor", com o Denzel Washington. No filme, a lanchonete servia café, lanches e uma boa torta. Imaginei que ali não fosse diferente.
Não me enganei, a própria Darlene veio pegar o nosso pedido.
-Ora, ora, se o garoto da estrela dourada não resolveu trazer a sua garota? – Comentou a mulher com uma peruca muito vermelha adornando um rosto vivamente pintado. As longas unhas, também vermelhas, refletiam o brilho da lâmpada de luz amarela, no teto. Observei o couro gasto da poltrona que ocupávamos e imaginei que aquela lanchonete já devia estar lá há muito tempo.
-E aí, Darls? - respondeu Sebastian, sorrindo abertamente.
-Estou chocada! – disse ela, segurando bloquinho e caneta junto ao peito avantajado. - É a primeira vez que traz alguém aqui.
Ele se engasgou com a própria saliva, acho... e eu ri. Ele também acabou rindo, assim que se recuperou .
-Dals, - ele pigarreou - assim você queima o meu filme.
Ela deu uma risadinha e virou para mim.
-Meu bem, conheço esse moleque desde que era um lobinho... Digo, um garotinho. Ele e os primos costumavam se enfiar nessas matas para caçar e depois, vinham comer a minha famosa torta de queijo. - Ela se inclinou ainda mais. - Famosa daqui até o Novo México.
-Tão famosa quanto a sua torta de abóbora, no Halloween – argumentou Sebastian.
Darlene piscou um olho e eu gostei dela imediatamente. Sorrindo, eu disse:
-Vou querer a sua cheese cake famosa daqui até o novo México.
Só então me lembrei que eu vivia de dieta e tinha três quilos a perder. Mas, que inferno, mandei a dieta à merda.
-Vou querer a mesma coisa que a dama, querida Darlene - disse Sebastian. - Mas, antes, eu preciso de algo com "substância". Tipo costeletas, fritas, arroz e feijão. Pode ser?
-Ora, alguém não comeu hoje - disse ela, interessada, enquanto anotava tudo. - Vou providenciar.
Girou nos calcanhares e gritou: -Weeeeesley!!! O número dois e duas tortas da Darlene.
Ela me encarou.
-Algo para beber?
-Um chá gelado - respondi.
-Para mim, café puro, bem forte - disse Sebastian.
Darlene reproduziu os pedidos, gritando-os a plenos pulmões para o tal Wesley. Ouvimos um murmúrio incoerente vindo da cozinha.
-Wesley, meu marido, é um cozinheiro e tanto - disse ela, com um sorrisinho. - Fiquem a vontade e me chamem, se precisarem de algo mais.
Ela se afastou e eu a observei ir até a junke box, colocar uma moeda. Ela me encarou com outro sorriso.
-Para animar o clima dos pombinhos.
Meu Deus. Ela estava bancando o cupido para valer! Eu fiz que não com a cabeça e ela apenas me dispensou com a mão e foi para trás do balcão.
-Nem perca o seu tempo - disse Sebastian, refestelado na poltrona como se estivesse exausto. - Para ela, todo casal é um casal, se é que você me entende.
-Ah... Então... - Eu olhei para a paisagem escura lá fora.
-Então - ele repetiu, apoiando os cotovelos sobre a mesa. - Por que está fazendo isso?
Seu olhar era firme e intenso.
-Isso o quê?
Ele abriu as mãos sobre o tampo plastificado.
-Do nada, você decidiu pesquisar os seus antepassados?... Aconteceu alguma coisa para que tomasse essa decisão.
Ele realmente queria saber... Dava pra ver em seu rosto que levava a pergunta muito a sério, não como um meio para iniciar uma conversa superficial. Bem, não havia nada de superficial em Sebastian. Era óbvio. Por isso, decidi ser franca:
-Eu tinha um emprego bem remunerado em Nova Iorque...
Comecei a brincar com o saleiro, distraída.
-O que você fazia? – Sebastian estava totalmente focado em mim, o que era lisonjeiro, mas também, perturbador.
-Eu era editora assistente. Trabalhava consertando os textos dos outros, se quer saber... - ri sem graça da minha piada sem graça.
-Uma escritora frustrada? – Ele arriscou o palpite; não havia malícia no comentário, assim, não me senti ofendida.
-Basicamente – concordei, com um dar de ombros. - Escrevi algumas coisas, mas nunca terminei. Eu começava, e não conseguia achar inspiração para ir até o fim. Sabe, concluir a estória... Fui empilhando uma coleção de textos inacabados em minhas gavetas. Eu me sentia, sim, uma escritora frustrada...
-E o que foi que mudou? - ele se endireitou na cadeira, quando Darlene colocou nossas bebidas na mesa e se afastou em silêncio.
-O que mudou... - eu repeti baixinho. - Acho que o telefonema do hospital de Houston, comunicando-me que a minha tia-avó precisava de cuidados. Ela caiu da escada, estava sozinha, pronta para receber auta, com uma perna engessada.
Ele apenas me olhou, esperando.
-O problema é que eu nem sabia da existência de uma tia-avó. Meus pais morreram num acidente de carro. Fui para um orfanato e fui adotada em seguida por uns hippies malucos, que me deram muito amor. Eles esperaram eu completar 18 anos, entrar para a faculdade; então, decidiram viajar por aí, rodando o mundo em busca de aventuras. Eu imaginava que não tivesse ninguém vivo da minha família de sangue. Achei que estava sozinha. Nada de antepassados, nem de história. Não sei de onde vim. É como se eu não pertencesse a lugar algum.
Ele abriu a boca para dizer algo, mas desistiu. Seu olhar continuou preso ao meu de um jeito enervante. Senti uma súbita necessidade de tomar o chá para refrescar a garganta. E aproveitei para quebrar aquele estranho contato visual...
-Tá, daí você largou tudo e foi atrás da sua tia avó? - Havia um tom zombeteiro na sua voz.
-Bem, eu fui demitida, não tinha nada para fazer, a não ser perseguir lendas...
Fiquei em silêncio. Ele não insistiu, apenas esperou tranquilamente - pelo que eu lhe seria eternamente grata. Tomei um longo gole do chá, antes de esclarecer:
-Eu fui demitida porque disse o que achava da porcaria que um escritor famoso escreveu. Ele tem fama, movimenta grandes patrocínios, mas é um insulto a autores realmente bons... Não é nenhum Hugo MacEwan ou Arthur Conan Doyle - soltei uma risadinha. - O editor chefe queria que eu consertasse o texto da criatura. De novo! Só para ele levar os louros e eu... Bem, eu já estava puta porque o chefe estava mantendo o meu manuscrito na geladeira, o único que consegui terminar. Nem ao menos o avaliou, para que eu pudesse saber se tinha potencial ou não. Eu me recusei a consertar a porcaria e fui pra rua.
Sebastian abriu um sorriso no rosto bronzeado.
-Percebe como é bom falar "porcaria"?
-É catártico – eu ri, concordando.
-Bom, quem saiu perdendo foi ele - comentou Sebastian, ainda sorrindo. - No lugar dele, não perderia uma ótima profissional... Eu negociaria.
-Ótima, é? - eu ri, de novo.
Ele não tinha como saber. Embora, sim, eu fosse uma ótima editora. Consertei os textos de muitos autores famosos. Sebastian estava fazendo maravilhas para o meu ego, sem perceber... Ou talvez, ele percebesse... Decidi contra-atacar:
- E como você negociaria?
-Ah... - e lá vinha aquele sorriso lento outra vez. Será que todos os homens do Texas eram como ele e AJ? Acho que eu estava me apaixonando pelo estado inteiro do Texas.
Então, Darlene colocou os pratos diante de Sebastian e minha fatia solitária de torta diante de mim.
-Bom apetite! - ela nos desejou e foi embora de novo. Mas não antes de me lançar uma piscadela.
Sebastian se atracou com a sua costeleta. Realmente, parecia um lobo esfomeado que não via comida há dias. Porque será que alguns homens eram lindos enquanto se alimentavam. As mãos dele se moviam precisas com os talheres. Ele manuseava a faca muito bem.
Baixei a colher, peguei uma porção de torta, e levei à boca. Uma explosão de sabor me nocauteou. Eu não consegui segurar um gemido. E meus olhos se fecharam.
-Eu não disse? - gritou Darlene, entrincheirada lá no seu balcão, do outro lado do restaurante.
De repente, entraram dois senhores usando capacete e uniforme da companhia de luz. Eles se dirigiram até lá. Para meu alívio, Darlene concentrou a atenção neles.
Quando me virei para Sebastian, flagrei-o com os olhos fixos nos meus lábios. Ele não desviou os olhos imediatamente, demonstrando que não se sentia culpado; sem pressa, voltou a se concentrar na comida. Pegou uma batata frita suculenta com a mão e foi mastigando aos poucos.
-Do que estávamos falando? – perguntou, de repente.
Franzi as sobrancelhas. Deu um branco
-Ahn... Ah, lembrei, você disse que iria negociar comigo.
Por um instante, ele não entendeu. Então, sua testa se desanuviou, como se ele também tivesse se lembrado.
-Ah, é... – pegou outra batata. - Eu iria prometer dar uma boa olhada em seu manuscrito e, se realmente estivesse à altura da editora, eu o publicaria, em troca de você consertar a porcaria feita pelo idiota famoso.
Eu soltei uma risadinha diante da ênfase que ele deu aos "elogios".
-Foi uma ótima maneira de colocar as coisas - concordei. - Só que Albert era um cara mesquinho demais para... Fazer esse tipo de acordo.
Fiquei triste e me calei. Sebastian parou de comer, os olhos se estreitando, enquanto me examinavam.
-Caramba! Vocês dois tiveram um envolvimento...
Franzi a testa. Caramba! Eu sou tão transparente assim?
Albert e eu namoramos firme até que ele me trocou pela filha do dono da editora. Eu tentei levar a coisa toda com leveza, embora tenha entalado na minha garganta. Precisava do emprego e pensei que poderíamos agir como bons profissionais. O problema era que ele achava que poderia me ter a sua disposição. Se é que me entende...
Ficamos em silêncio por mais algum tempo. Apenas os talheres batendo na porcelana. Darlene soltava algumas gargalhadas altas com seus outros clientes, mas de vez em quando, lançava olhares preocupados na nossa direção.
-Você ainda gosta dele? - quis saber Sebastian, sem levantar os olhos do prato.
-Não, por Deus, não! Ele nem era bom de cama.
O texano riu, surpreendido. Eu também estava espantada comigo mesma.
-Eu sou bom de cama - disse ele de repente.
-Ei, calma aí, cowboy... Muito rápido.
Sebastian levantou as mãos, como num gesto de rendição.
-Estou apenas lhe dando uma informação básica, para o caso de um dia querer experimentar. Eu sou realmente bom de cama...
-E modesto - eu ri.
Ele também riu, descontraído, mas a tensão sexual nos envolveu.
Limpando a garganta, eu mudei de assunto:
-Voltando ao assunto, eu mandei tudo para o inferno e agarrei a chance de conhecer minha família verdadeira. Entreguei o apartamento que eu alugava, peguei a estrada, e fui viver em Williamson com minha tia avó.
"Fuçando no porão da casa dela, encontrei algumas fotos antigas, documentos pessoais e fui compilando tudo... Minha tia avó disse que eu deveria escrever a história da família, ou ao menos, compreendê-la".
Ele fez que sim com a cabeça.
-Sua avó não se chama Mary-Louise Taylor? - eu assenti e ele acrescentou: - Sabia que sua tia avó e Alec James não se dão bem?
-Não - eu respondi, surpresa.
-Nunca se deram – ele pegou o guardanapo para limpar as mãos e a boca. - Ela dizia que AJ só atraía problemas pra família. Por isso, ele se manteve afastado. Os dois ramos da família acabaram se separando, por assim dizer. Nós não conhecíamos o lado de lá - ele moveu o garfo no ar, como se apontasse uma cerca imaginária. - Foi uma surpresa descobrir que você existia. Para todos nós, devo ressaltar.
Digeri a informação, sentindo alguma satisfação em saber que havia mais parentes espalhados por aí; em saber que eu não estava tão sozinha como julgava estar.
-Então, somos primos?...
Ele apenas balançou a cabeça, de um jeito não muito seguro. – É, tecnicamente somos... Fico imaginando a garotinha que você deve ter sido, e eu perdi isso.
Levantei as sobrancelhas, muito espantada.
-E eu fico imaginando a pestinha que você deve ter sido - rebati.
Ele riu - provando, sem palavras, que realmente deve ter sido uma peste!
Terminou de comer e eu terminei a minha fatia de torta. Estava muito satisfeita, quase satisfeita demais, porque não tinha o costume de comer uma bomba calórica àquela hora da noite.
-E qual é o próximo passo, em sua pesquisa? - perguntou ele, de maneira leve.
-Eu vou visitar os escritórios dos rangers, como mencionei ao seu tio... Nosso tio, quero dizer - eu me corrigi. Aquilo era muito estranho e maravilhoso ao mesmo tempo. - Depois, eu vou para ao Brasil.
Ele parou de comer e me encarou, num misto de espanto e preocupação.
-Vou passar pela África do Sul, talvez, eu acho... -acrescentei, observando seu espanto crescente.
-Por quê? – ele quis saber.
-Por que é onde as pistas me levam.
-Sei...
Nós ficamos em silêncio por um longo momento. Ele apenas balançou a cabeça.
-Então, eu irei com você.
Por essa, eu não esperava.
- Por quê?- Agora era a minha vez de perguntar.
-Desejo obter informações tanto quanto você. Além do mais, meu tio não me perdoaria se você viajasse por aí sozinha.
Eu não soube o que responder, mas não poderia permitir que ele... Abri a boca para tentar dizer o que eu estava sentindo, mas Sebastian se adiantou:
-Além do mais, eu não tenho muita escolha. Você é minha adestradora.
-Sua o quê? Olha, é a segunda vez que escuto essa expressão. O que significa, afinal?
Ele apenas sorriu. E lá vinha aquele sorriso texano outra vez.
-Significa que você me acalma.
-Tá, mas - confusa, eu cruzei os talheres no prato. - Quem disse que desejo viajar com você.
-E não quer? – perguntou ele, insinuante.
-Não, não quero. Eu nem te conheço!
-Mais um motivo para viajarmos juntos. Para nos conhecermos - respondeu, sem se deixar abalar pelo meu tom. - Além do mais, eu conheço pessoas que conhecem pessoas; especialmente nos lugares aonde você deseja ir. Pessoas que podem abrir portas, ou pessoas que conhecem pessoas que podem.
Certo, essa era uma lógica que me atraía, mesmo que dita de uma forma tão confusa. Mas, na verdade, eu não queria reconhecer que a ideia de viajarmos juntos me atraía por outras razões que nada tinham a ver com a lógica... Melhor nos atermos à lógica!
-Está certo, - concedi - se você se provar útil, pode vir comigo.
-Ah, doce dama. Eu serei muito útil.
-E se eu tivesse recusado? – perguntei, erguendo a cabeça com petulância.
-Eu teria ido do mesmo jeito, vigiado você das sombras... Enquanto você teria uma longa e solitária viagem.
A cara dele era de falsa pena.
Ok, ponto para ele!
Sorridente, Sebastian se atracou com sua fatia de torta.
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