Capítulo 42: O cair da máscara (parte I)
O barulho do caos reverberava por todos os lados. Gritos, xingamentos, urros, metal contra metal, explosões... Duas tendas haviam se transformado em enormes piras de fogo e o vento frio que antes persistia pelo acampamento havia sido substituído por um sopro quente. De onde Derek estava, era possível assistir o aglomerado de grandes corpos perdendo posições, o que denunciava que os intrusos suicidas estavam dando trabalho. Os quatro chefes de guerra que caminhavam em direção à batalha prometiam um rápido mudar de rumo àquele embate. Para desventura dos seus adversários, os experientes guerreiros não eram conhecidos por sua misericórdia.
A urgência fez uma gota de suor percorrer a espinha de Derek. Zeddycus, seu mestre, havia deixado claro seu interesse pelo peculiar grupo e agora o meio-drow corria o grave risco de falhar terrivelmente em sua missão de levá-los a ele. Era óbvio que se por alguma loucura do destino os orcs não fossem capazes de dar conta dos jovens, Lakatos, que prometia chegar a qualquer momento, o faria sem grandes dificuldades. Apesar de estar muito longe do seu plano original, o meio-drow ainda mantinha uma cartada desesperada entre suas artimanhas.
Derek desviou da fogueira a sua frente em passos obstinados. Fangki andava menos convicto ao seu encalço, os olhos arregalados e boca em curva para baixo contrastavam com o imponente martelo de guerra pousado em seu ombro. O meio-drow alcançou a terceira tenda ao centro do acampamento ao mesmo tempo em que os chefes de guerra se juntaram ao embate a frente. Tomando suas armas, ele seguiria firme em seu plano "b". Confiando em sua lógica, que dificilmente falhava, Zeddycus não só pouparia sua vida, mas o recompensaria generosamente pelo surpreendente achado.
Edriên escorava-se de pé na parte mais extrema da jaula de ferro se mantendo afastada da área mais propícia a ser atingida por alguma sobra do combate. Sua prisão, apoiada em uma grande pedra, quase encostava no rio logo abaixo. O desnível entre a pedra e a água não era grande, mas a distância era o suficiente para que Edriên não alcançasse a parte molhada mesmo esticando o braço. Desde que a colocaram ali ela já havia tentado forçar o cadeado da entrada de todas as formas possíveis: com as mãos, com o chifre de um dos cabritos, que ela descobriu que não gostou da experiência, e com uma pedra que havia alcançado. Mesmo com toda a sua habilidade, nada conseguiu. Sua meta mudou assim que a gritaria começou e uma língua de fogo lambeu a tenda mais a frente. Sozinha e sem cabritos que lhe servissem de escudo, a cautela em não ser vítima de uma bola de fogo lhe pareceu bem razoável. Seus olhos arregalados tentavam enxergar o que acontecia por trás da barreira de orcs e fogo, mas além da movimentação desordenada era difícil entender o andar do combate. Quando passos metálicos soaram muito mais próximos do que deveriam, ela tornou a cabeça assustada. Uma armadura negra que, infelizmente, conhecia muito bem, aproximou-se trazendo atrás de si um fedorento orc amarelo. Edriên comprimiu os lábios.
— Seja uma boa menina e prometo que não vamos te machucar dessa vez — garantiu Derek aproximando-se da jaula. Já havia visto a destreza da garota em morder orcs, não pretendia lidar com esse tipo de problema agora.
Edriên tencionou a mandíbula ao ver o cavaleiro pousar a mão sobre a parte oposta de sua prisão. Ela estreitou os olhos e abriu a boca para responder, mas deteve-se quando um vulto inesperado passou voando ao seu lado. Um elfo descabelado materializou-se em frente a sua jaula com espada em riste:
— Se afaste dela seu vil covarde!
O maxilar da pequena pendeu por um momento. De onde Artus havia saído? Derek pareceu tão surpreso quanto a garota, deixando um pequeno objeto metálico cair e demorando duas piscadas para sacar a espada curta e o punhal que o elfo já conhecia. Ao invés de Derek iniciar sua investida, o cavaleiro negro apontou para Artus com a cabeça e Fangki entrou no combate.
A postura de receio do orc amarelo mudou rapidamente. Com os lábios repuxados para cima, ele ergueu seu martelo de guerra e girou-o contra seu esguio oponente. Artus trouxe o tronco para trás agilmente e quando o orc errou o alvo, o elfo voltou à sua posição original trazendo sua espada ao lado do orc. Fangki recuou, mas não antes do talhar em sua costela direita. Derek aproveitou a concentração do elfo no orc amarelo e avançou com o punhal contra seu rosto. O elfo virou o rosto no último segundo e quase teve seu perfeito nariz maculado pela arma.
O meio-drow fez uma segunda investida com a espada curta, causando a Artus dar um passo atrás no mesmo momento em que Fangki desceu o martelo no sentido contrário, pronto para esmagar o lado direito do elfo. Artus recuou em um salto para cima da prisão de ferro. O movimento do martelo acertaria Derek no estômago, mas a jaula entre os dois recebeu o impacto. A jaula escorregou para trás fazendo Artus se desequilibrar e saltar de mal jeito para não cair. Ele pousou atrás de Derek e sentiu o tornozelo responder de forma errada, caindo sobre seu joelho. A dor irradiou pela perna esquerda.
Fangki não perdeu tempo e desceu o martelo em vertical. Artus rolou o suficiente para que a arma deixasse um buraco no chão, perto demais da cabeça de cabelos negros. Ele se levantou num impulso sobre a perna direita e o cotovelo, precisando girar o corpo sobre o tornozelo bom para escapar do punhal de Derek. A investida permitiu que Artus lhe acertasse nas costas com a lateral da espada, mas o golpe apenas causou um rebombar seco na armadura de metal.
O espadachim precisava avaliar a luta depressa. O tornozelo ferido limitava grandemente sua habilidade de esquiva e a luta contra dois adversários se tornava mais difícil conforme seu cansaço. Já havia notado que Derek não era muito habilidoso com a espada e sua insistência em investir com o fino punhal sugeria que o perigo da arma era invisível aos olhos. Apesar da menor aptidão em combate, a armadura completa do meio-orc era intransponível para o florete de Artus. Fangki, por outro lado, manejava o martelo de guerra com facilidade e era muito perigoso, principalmente nos momentos em que precisava focar nos ataques de Derek. Entre agachamentos, estocadas rasas e desvios nos últimos segundos, Artus precisava calcular como venceria o embate contra aqueles dois.
O meio-drow girou nos tornozelos trazendo a espada curta em um corte diagonal. Ao invés de jogar o corpo para trás, Artus empunhou o florete aparando o golpe. Derek chutou-lhe o estomago fazendo-o apoiar no pé ferido e, ao pisar e não ser sustentado por seu corpo, Artus encolheu a outra perna e projetou o corpo em uma cambalhota para trás, escapando de mais uma martelada de Fangki.
O golpe sem rumo de Fangki acertou a cela de Edriên novamente, empurrando a jaula para trás. A ladina já antevia sua queda no rio a qualquer momento e tentava se manter à melhor distância dos dois extremos. Seus gritos estridentes e alarmados narravam a Artus como seus inimigos investiriam, mas a ajuda ao seu amigo havia tido pouco efeito na prevenção do mover de sua jaula.
Parando próximo da fogueira à suas costas, o elfo não se levantou completamente da cambalhota, ficando agachado sobre a perna direita e a perna esquerda esticada para trás. Ele engoliu o gosto amargo do suor que lhe escorria pelo rosto e decidiu sua investida. Ignorando a dor do pé debilitado, ele se jogou em uma corrida em direção a Derek. Uma esfera de fogo explodiu em um estrondo contra a fogueira às suas costas fazendo as chamas tomarem uma altura assustadora. Derek deu um passo atrás, mas Artus não se abalou. Ele colocou a melhor velocidade que conseguiu em direção ao meio-orc que se mantinha poucos passos atrás do espaço entre a jaula de Edriên e o orc amarelo. Em sua corrida, Artus assistiu Fangki preparando o ângulo de seu ataque e Derek estreitando os olhos. Edriên suspendeu suas sobrancelhas e escancarou a boca:
— Não, não, não, Artus! O que está fazendo!?
Antes de Artus se colocar ao alcance de Fangki, o elfo impulsionou-se lateralmente para cima da jaula. O orc mudou o direcionamento de seu golpe seguindo o inesperado movimento. De cima da jaula não foi difícil pular por cima do meio-drow. Derek hesitou entre se abaixar ou estocar uma das pernas de Artus e, quando decidiu, foi quase tarde demais. O martelo de Fangki lhe acertou a lateral do elmo, arremessando-lhe ao ar. Derek caiu aturdido sobre os joelhos e Artus aproveitou para enfiar-lhe a espada na nuca desprotegida.
Edriên assistiu com prazer as sobrancelhas de Derek formarem um arco para cima quando a ponta da espada da espada de Artus brotou abaixo de seu queixo. Os olhos do meio-drow alcançaram o rosto da pequena que o saudou com um sorriso lateral estampado. Ainda ajoelhado, os olhos do meio-drow se petrificaram e o ar confiante se tornou inexpressivo. No entanto, a feição satisfeita da menina logo se tornou algo bem diferente ao assistir ao que aconteceu em seguida.
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O que será que Edriên viu?
Papapãaaammmmm
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